Literatura e Cinema
volume 4
Organização de
José DomingosDe Brito
c o l e t â n e a d e d e p o i m e n to s c é l e b r e s e b i b l i o g r a f i a r e s u m i d a
CRIAÇÃO LITERÁRIA
I. P
refácIo
Fábio Lucas
Escritor, crítico literário e membro das academias Paulista e Mineira de Letras
Ao inteirar-me do novo produto da enciclopédica curiosidade de José Domingos de Brito, colecionador contumaz da sabedoria alheia, resolvi percorrer o sinuoso caminho do parentesco da Literatura com o Cinema, na medida em que ambas as atividades artísticas visam a dominar a atenção do leitor/espectador por meio do andamento de uma narrativa. O mito de Sheherazade se redescobre. A arte de contar um enredo torna-se a própria razão de viver do narrador. Como ninguém pode sobreviver sem fantasia, o mundo dos negócios logo se apropriou da função de narrar e a massificou.
Ambas as artes, Cinema e Literatura, tomam os olhos como ponto de entrada na consciência ativa do observador, mas de modo diferen-te. A escrita pede uma leitura, cujas imagens, colhidas na tradução das palavras arranjadas seqüencialmente, projetam-se no campo da mente. O suporte, a folha escrita (ou o visor ou painel do monitor da informática) oferece aos olhos a reversibilidade, pela qual a atenção busca aclarar o entendimento não captado na primeira tentativa.
O Cinema, entretanto, se dispõe habitualmente num painel mais amplo, assistido por uma platéia de freqüentadores. Traz, portanto, desde
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Depoimentos
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Adolfo Bioy Casares
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Creio que em um romance ou em um conto tem de haver cenas visuais. É por isso que as imagens do cinema influenciaram minha obra. A idéia é que em um romance ou em um conto haja, no começo, no meio e no fim, situações muito visuais.Fonte: DÍAZ, Hernán; WINOGRAD, Victor. Bravo!, 1999.
Adolfo Bioy CAsAresnasceu na Argentina, em 1914. Reconhecido como um dos maiores escritores latino-americanos. Sua obra é considerada uma das mais imaginativas do realismo fantástico. Foi um escritor muito precoce. Seu primeiro livro, Prólogo, foi escrito aos 15 anos, e aos 25 anos escreveu seu romance mais conhecido, A invenção de Morel (1940), traduzido para mais de 20 línguas. Um livro excepcional, que inspirou o filme O ano passado em Marienbad, de Alain Resnais. Amante dos esportes – foi atleta, tenista, jogador de futebol e rúgbi – e das mulheres. “Não fui campeão dos mulherengos. Mas tive as necessárias, o que significa muito”, declarou em 1997. Não é por outra razão que foi chamado de Adolfo “Playbioy” Casares. Dos livros que escreveu, o que mais o atrai é Guirlanda com amores, um volume de narrativas que inclui alguns poemas: “É o livro que melhor expressa minha maneira de ser”. Dentre as obras, destacam-se: Plan de evasión (1945), O sonho dos heróis (1954) e His-tórias de amor (1972). Em 1994, publica suas Memórias, um painel completo de sua vida que traz informações preciosas sobre o ambiente literário argentino no período de 1930-1950. Aos 82 anos, lança De jardines ajenos (1997). Seu último livro é Conversações com Borges (1999). Faleceu em 1999.
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Agustina Bessa-Luís“
O roteiro reporta-se imediatamente à imagem e como ela se move. Em todos os filmes de grande êxito, os personagens não têm nada a ver com a realidade. Por exemplo, um dos filmes que eu mais gostei na minha vida foi Crime e castigo, na versão russa. Mesmo aquelas figuras miseráveis, terríveis que aparecem não têm nada a ver com a realidade, aquilo é uma composição embora deixe ver o gênio que é o Dostoiévski. É diferente no sentido em que, quando escrevemos, podemos fazer uma fotografia do real e quando aquilo é transformado numa obra de imagem é, de fato, uma coisa diferente até por uma questão de tempo. Ao escrever um romance é como compor uma sinfonia com muitos andamentos, pode-se contar com uma orquestra infinita. Num roteiro não, é tudo muito mais conciso, tem de haver uma sobriedade e um equilíbrio de forças diferentes. Eu gostaria mes-mo era de ser roteirista, mas agora já não é hora para começar. É que acho muito importante o diálogo no cinema. Há uns extraordinários. Eu vejo um filme dos anos 40, 50 e logo vejo que há um escritor por trás, nem que seja de gângsteres. Ao mesmo tempo há o humor, a rapidez da frase e a mensagem. Houve uma época de grandes roteiristas, depois foi ultrapassada pela onda dos efeitos especiais, mas agora, mesmo nos filmes americanos, vejo que volta a importância do diálogo.Fonte: DURAN, Cristina R. O Estado de São Paulo, 1º de janeiro de 1996.
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O cinema é uma forma de respirar da literatura. Bergman queria ser escritor, mas a linguagem literá-ria é outra. A linguagem cinematográfica é puramente33
Depoimentos emotiva e mais sintética. Mostra, mas não demonstra, ilumina, mas não informa.
Fonte: ALMINO, João. Folha de São Paulo, 18 de junho de 2000.
AgustinA BessA-luísnasceu em Portugal, em 1922, e publicou mais de 50 livros, entre romances, ensaios e peças de teatro. A inventora da literatura moderna da velha geração portuguesa publicou seu primeiro livro Mundo fechado em 1948. Escreve, também, para o teatro e cinema e é a “roteirista de plantão” do cineasta Manoel de Oliveira. Francisca, Vale Abraão, Terras do risco e Party são livros que viraram filmes nas mãos do cineasta. Teve destacada militância política, exerceu importantes atividades na área jornalística e ocu-pou cargos públicos na área cultural. A partir de 1954, com o lançamento de A sibila, passou a ocupar posto de destaque na literatura portuguesa. Um de seus livros, Memórias laurentinas (1996), conta a história de uma família (a dela) descendente de espanhóis e portugueses, ocorrida na região de Loureiro. São memórias de seu avô, que a privilegiou, quando contava apenas com dois ou três anos, em seu testamento, em detrimento dos netos homens. Escrever esse livro significou o pagamento de uma dívida moral e afetiva com seu avô. Em 1997 lançou Um cão que sonha e ganhou o Prêmio da União Latina. Em 2000 publicou A quinta essência, uma obra que trata, de forma romanceada, das relações entre Portugal e China. Em 2004, aos 81 anos, foi agraciada com o mais importante prêmio literário da língua portuguesa, o Prêmio Camões, pelo conjunto de sua obra. Em outubro do mesmo ano, esteve no Brasil para lançar Vale Abraão. Mais alguns de seus romances: A muralha (1957), O sermão do fogo (1962), A Bíblia dos pobres (1967), Crônica do Cruzado Osb (1976), Prazer e glória (1988), Concerto dos flamengos (1994), O princípio da incerteza (2001 e 2002) etc.
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II
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Literatura e Cinema
Antigamente, o termo bibliografia designava – e sua etimologia con-firma – a feitura de um livro; a confecção de um volume. Assim, bi-bliógrafos eram os copistas medievais que, através de cópias de ditado, compunham manualmente um livro. Logo, vê-se que o termo surge numa época anterior ao surgimento do livro impresso. O emprego da palavra como conhecemos hoje foi utilizado pela primeira vez por Luis Jacob, em 1643. Antes disso, havia outros termos para designar uma lista de publicações: catalogus, bibliotheca, index ou repertorium.
Atualmente, a palavra bibliografia tem um significado diferente e mais complexo, podendo ser enquadrada nas seguintes acepções: (1) como uma disciplina da biblioteconomia, dedicada ao registro e descrição de publi-cações; neste sentido é similar – não idêntica – à catalogação bibliográfica; (2) como erudição, significando o conhecimento dos livros, de seu valor intrínseco, do mérito de suas diversas edições; (3) como documentação, con-sistindo na relação de livros e publicações referentes a determinado assunto. É neste último sentido que o termo é mais conhecido popularmente.
Assim, o termo tem uma história, diversos significados e algumas conceituações, dentre as quais escolhemos uma que está mais de acordo com o trabalho ora realizado. Trata-se do conceito elaborado pela biblio-tecária Louise-Noëlle Malclés, da Universidade Sorbonne: “Bibliografia é o conhecimento de todos os textos publicados ou multigrafados. Fundamenta-se na pesquisa, identificação, descrição e classificação destes documentos com a finalidade de organizar serviços ou construir instrumentos destinados a facilitar o trabalho intelectual”. Este conceito, formulado na década de 1960, ainda mantém sua validade.
Tais explicações são necessárias por duas razões: (1) resgatar o con-ceito de bibliografia, diante da atual vulgarização do termo, devido à “explosão da informação” nos anos de 1970, e conseqüente facili-dade de acesso aos acervos bibliográficos das principais instituições do mundo. Tal facilidade foi ampliada ao extremo com a Internet, permitindo a todos o acesso a uma infinidade de documentos. O fenômeno contribuiu para vulgarizar o termo, fazendo com que uma simples lista de livros sobre qualquer assunto venha a ser cha-mada de “bibliografia”; (2) diferenciar e caracterizar melhor esta que se inicia. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica exaustiva, que, no jargão biblioteconômico, significa buscar tudo o que existe sobre o assunto. Levamos aqui o “exaustivo” mais fundo ao levantarmos os depoimentos de quem faz, além dos textos de quem pensa.
1977
1. CÂNDIDO, João. Relações entre o cinema e a literatura: triplo mortal sem rede. O Estado de São Paulo, 1º de maio de 1977.
Analisa a relação existente entre o conto de Lygia Fagundes Telles, A
caçada, e o filme As três mortes de Solano, de Roberto Santos. “Até que
ponto deve o cinema ser fiel a uma obra literária transplantada para a tela? Em que consiste essa fidelidade? Deverá o diretor de um filme inspirado num romance ou num conto prender-se pura e simplesmente à trama, deixando de lado as ambigüidades que enriquecem a criação literária?” são questões formuladas na sinopse do artigo. Conforme o autor, trata-se de uma obra cinematográfica autônoma, que se afasta da simples adaptação do livro. “Uma obra de ruptura, que pode mostrar os novos caminhos do cinema brasileiro. Um filme no qual o público não reconhece a obra literária que o inspirou nem com ele se identifica, mas é obrigado a adotar uma posição crítica contrária à habitual”. Inicia apontando, segundo Pio Baldelli, quatro possibilidades nas adaptações de obras literárias para o cinema: 1) a mais comum, o saque puro,