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40º Encontro Anual da Anpocs

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Academic year: 2021

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40º Encontro Anual da Anpocs

SPG 21: Participação, democracia e políticas públicas na América Latina: possibilidades e desafios

A construção de sentidos de pautas coletivas na Conferência Livre de Pernambuco “Pela Vida das Mulheres”

Gabriela Maria Farias Falcão de Almeida1

1 Tem formação em Comunicação Social/Habilitação em Jornalismo pela Universidade Católica de

Pernambuco (Unicap), em Ciências Sociais/Bacharelado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. É doutoranda em Sociologia pela UFPE. Contato: gfalcaoalmeida@gmail.com.

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RESUMO

A sociedade civil e as representantes das diferentes esferas dos governos se reuniram desde junho de 2015 nas etapas que constituem o ciclo de Conferências de Políticas para as Mulheres. A finalização do processo se deu entre os dias 10 e 12 de maio deste ano com a IV Conferência Nacional, que acontecerá em Brasília, em que centenas de mulheres se reuniram para definir as propostas de políticas públicas e, assim, integrar um dos momentos da democracia participativa no país. Uma novidade desta edição foi a realização de conferências livres, que podiam ser presenciais ou virtuais e tinham o intuito de contribuir para o debate das temáticas referentes ao segmento. Em Pernambuco, aconteceu no dia 07 de dezembro Conferência Livre de Pernambuco “Pela Vida das Mulheres”, em que estiveram presentes 162 integrantes de diversos grupos e de diversas partes do Estado no intuito de discutirem sobre seus contextos e formularem propostas a serem enviadas à etapa nacional. Frente a isso, é objetivo do presente trabalho provocar uma reflexão do referido processo partindo da Teoria do Discurso, abordada pelos autores pós-estruturalistas Ernesto Laclau e Chantal Mouffe na obra Hegemonia e Estratégia Socialista e, posteriormente, desenvolvida em outros trabalhos pelo filósofo argentino, que traz à tona aspectos presentes nas relações democráticas, tais como articulações discursivas, cadeias de equivalência, hegemonia, entre outros. Através do relatório divulgado, da Carta das Mulheres e das moções aprovadas, analisamos o que tem se sobressaído na discussão em torno do que compõe o sentido de “Pela Vida das Mulheres”.

Palavras-chave: movimento feminista, conferências, cadeias de equivalência, pontos nodais, discurso.

1 Introdução

O objetivo deste trabalho é trazer à tona reflexões sobre o que foi discutido na Conferência Livre das Mulheres de Pernambuco, que aconteceu no Recife no dia 07 de dezembro de 2015, com o tema “Pela Vida das Mulheres” e que foi organizada por diversas entidades feministas e de mulheres no Estado. O evento, que acontece desde 2004, integra o ciclo de conferências de políticas para as mulheres que faz parte da democracia participativa no país. Em maio deste ano, o processo como um todo foi finalizado com a quarta edição da Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Para discutirmos sobre esse processo, recorremos aos autores de Hegemonia e Estratégia Socialista, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. Na obra, vemos as relações sociais na democracia como sendo frutos de articulações contingentes, temporárias e conflituosas. Assim, de acordo com essa perspectiva, os indivíduos ou grupos, oriundos de diversos segmentos sociais, chegam a pontos em comum numa lógica de equivalência, que envolve antagonismos e consensos temporários. Os autores chamam a atenção para a

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construção discursiva do antagonismo e afirmam que deve ser analisado o conjunto de práticas e discursos que constituem os espaços públicos (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 211).

Neste livro, são colocados os elementos constituidores da Teoria do Discurso, que foi desenvolvida em obras posteriores pelo filósofo argentino. Para Daniel de Mendonça e Léo Peixoto Rodrigues (2014, p. 47), a mesma tem o potencial de ser uma ferramenta de compreensão do social, pois o seu entendimento se dá a partir da construção de ordens discursivas, sendo a questão do poder central e constituidora das relações sociais. Com base nesta teoria, vemos que é a partir das articulações discursivas em torno de pontos nodais que se dão relações hegemônicas e as disputas para que grupos ou projetos políticos preencham os significantes vazios acerca de algo. No caso do presente trabalho, analisaremos que significados foram construídos em torno das políticas para as mulheres. No caso aqui trabalhado, temos uma conferência que foi organizada e realizada exclusivamente por movimentos sociais.

Prevista no regimento, as conferências livres são reuniões ou encontros realizados presencialmente ou virtualmente em âmbito municipal, intermunicipal, estadual ou nacional (BRASIL, 2015, p. 5-6). As etapas eletivas devem ser convocadas pelo Poder Executivo ou, na ausência deste, pelo Conselho dos Direitos da Mulher ou pelo Poder Legislativo. Já as livres não têm obrigatoriedade de acontecer e, ao contrário das eletivas, não elegem delegadas. As propostas debatidas nas conferências livres devem ser encaminhadas à organização da IV Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres para que sejam incorporadas ao que fosse discutido na etapa final. Esta é a primeira vez as conferências livres são previstas no regimento.

A edição aqui estudada foi impulsionada por cinco entidades2 e contou com a presença de 162 mulheres oriundas de todo o Estado. A partir da observação do relatório divulgado e das moções aprovadas, surgiram questionamentos do tipo: Qual a ideia central transmitida? O que as mulheres defendiam? Em que estão convergiram? Ou, ainda, que propostas preencheram o significante vazio “Pela Vida das Mulheres”? Essas

2 Organizações impulsoras da Conferência Livre de Pernambuco: Fórum de Mulheres de Pernambuco

(FMPE), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Coletivo de Mulheres Trabalhadoras da CUT/PE, Coletivo Margarida Alves e Coletivo Marcha das Vadias (FÓRUM DE MULHERES DE PERNAMBUCO et al, 2015).

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perguntas nos permitem ter indicativos das articulações políticas que foram construídas durante o processo, visto que as mulheres estavam, em sua maioria, distribuídas 88 organizações e oriundas de 24 municípios das cinco regiões do Estado (FÓRUM DE MULHERES DE PERNAMBUCO, 2015). Temos, portanto, um contexto de pluralidade dos sujeitos políticos ali presentes. Além disso, podemos perceber indicativos de cadeias de equivalência e pontos nodais, conforme pontuam Laclau e Mouffe.

2 Conferências de Políticas para as Mulheres e a Conferência Livre de Pernambuco O atual ciclo Conferências de Políticas para as Mulheres começou em junho de 2015, das etapas municipais às estaduais e terminou em maio deste ano, na etapa nacional. O evento aconteceu em 2004, 2007 e 2011 e mobilizou integrantes da sociedade civil e das diferentes esferas dos governos para discutir os rumos das políticas públicas do referido segmento. Este, historicamente, vinha sendo excluído da política institucional e, desde 2003, passou a trilhar novos rumos governamentais. No primeiro ano do governo de Luís Inácio Lula da Silva, foi criada a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) que, naquele contexto, pode ser considerada uma conquista do movimento feminista e de mulheres, pois colocou a questão na agenda institucional do governo. O cenário sofreu mudanças com a reforma ministerial promovida em outubro de 2015 pela então presidenta Dilma Rousseff, que acabou por fundir a SPM com Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) num único órgão: o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Posteriormente, com o afastamento da presidenta em virtude do processo de impeachment em maio deste ano, o presidente interino Michel Temer extinguiu o ministério e incorporou os segmentos ao Ministério da Justiça. Essa extinção aconteceu junto com outros órgãos, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o que pode ser visto por muitos setores ligados aos movimentos e às lutas pelas políticas sociais como um retrocesso.

Ao abordar o tema das conferências de políticas públicas, vê-se que, junto com o Orçamento Participativo e os Conselhos Nacionais, compõem os principais mecanismos da política participativa no país e se tornaram um importante instrumento tanto para o

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Estado quanto para a sociedade civil (BRASIL, 1937)3. Convocadas pelo Presidente da República, contam com a participação dos três níveis da federação e de representantes dos grupos sociais ligados à área da conferência. Apesar de acontecerem desde o início dos anos 1940, tiveram uma grande expressividade no governo do primeiro mandado do “Governo Lula”. Leonardo Avritzer e Clóvis Souza (2013, p. 11) pontuam que, das 128 conferências nacionais realizadas desde a época de Vargas, 87 (67,96%) ocorreram entre 2003 e 2012, período de gestões petistas. Segundo estimativa, neste período, foram mobilizadas cerca de 7 milhões de pessoas, nas conferências dos diferentes setores, o que significa 10% da população adulta. Os autores explicam que a importância das conferências nacionais pode ser apreciada pela capacidade de estabelecer pontos de impedimento sobre determinadas políticas do governo, como foi o caso do veto à introdução das “fundações estatais do direito privado” na prestação de serviços da saúde, que aconteceu na 13ª e 14ª Conferência Nacional de Saúde. No caso das Conferências de Políticas para as Mulheres, tratam-se de espaços propositivos, pois as propostas aprovadas são encaminhadas para os diversos órgãos do governo, incluindo o próprio Congresso Nacional4. Os autores ressaltam que: “Assim, seja em sua capacidade propositiva, seja em sua capacidade de veto, as conferências se tornaram uma arena central de discussão em diferentes áreas de políticas públicas” (AVRITZER; SOUZA, 2013, p. 11). Eles definem as conferências da seguinte maneira:

[...] É possível propor uma delimitação do que são conferências nacionais: constituem uma forma participativa de criação de uma agenda comum entre Estado e sociedade que ocorre a partir da convocação do governo federal. Elas possuem etapas preparatórias e geram um documento publicado e encaminhado pelo governo. Têm impacto, ainda que diferenciado, nas políticas públicas coordenadas pelo Executivo e nos projetos de lei apresentados no Congresso Nacional (AVRITZER; SOUZA, 2013, p. 12).

Os autores ressaltam, ainda, que é possível dizer que as conferências nacionais, como processos participativos, expressam em suas diferentes dinâmicas (a depender da

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O mecanismo das conferências públicas foi criado na gestão do ex-presidente Vargas, pela Lei nº378, de janeiro de 1937, com o intuito de facilitar o conhecimento do Governo Federal sobre as atividades relacionadas à saúde e à educação, realizadas em todo o país, e de orientá-las na execução dos serviços locais de saúde e da educação, bem como na comissão do auxílio e da subvenção federais (BRASIL, 1937).

4 Uma das críticas que se faz às Conferências de Políticas para as Mulheres é que o calendário não coincide

com o planejamento do Plano Plurianual (PPA). Este foi lançado em janeiro de 2016 para o período de 2016-2019. Portanto, o evento aconteceu após a construção do plano que estabelece diretrizes, objetivos e metas a serem alcançadas pelas diferentes esferas governamentais ao longo desses anos. Isso inclui o orçamento destinado às ações. Além disso, no PPA, não existe um orçamento próprio destinado às políticas para as mulheres, o que compromete a implementação das ações que são propostas nas conferências.

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área) a diversidade de mobilização e institucionalização das áreas de políticas públicas em que são realizadas (AVRITZER; SOUZA, 2013, p. 13). É o caso do segmento das mulheres, que passou por institucionalização há pouco mais de uma década.

Avritzer (2012) avalia que a questão que pode ser ressaltada é o aumento das conferências nacionais, o que mostraria o fato de que existe uma política participativa no nível do governo federal centrada nos referidos eventos nacionais. Portanto, esse é um dos espaços que o governo e a sociedade civil formulam propostas de políticas públicas voltadas para os referidos segmentos. Nas conferências, surgem diversos embates devido a interesses distintos. A sociedade civil que, na concepção do teórico Jürgen Habermas (2003), é formada por movimentos, associações e organizações livres, estatais e não-econômicas, tendo como propósito fundamental captar os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, ao mesmo tempo que os transmite às instâncias de tomadas de decisão, é bastante plural e abarca uma serie de entidades com diversos propósitos.

Podemos situar, assim, as conferências nacionais como parte integrante da política participativa no Brasil que, até 2002, restringia-se a experiências locais por meio dos conselhos e orçamentos participativos municipais. Os pesquisadores Leonardo Avritzer, Cláudia Faria e Isabella Lins enxergam os eventos nacionais em conexão com os processos participativos locais (AVRITZER; SOUZA, 2003, p. 11). Segundo Claudia Feres Faria:

[...] As democracias requerem não só instituição, mas também participação e contestação, não só processos locais, mas também nacionais e transnacionais. O grande desafio passa a ser como coordenar essas diferentes práticas em diferentes espaços (FARIA, 2012, p. 4-5).

Ela estuda os eventos como um sistema integrado de participação, deliberação e representação. Trata-se, portanto de um espaço de efervescência política. No caso aqui proposto, o processo:

[...] Surgiu da avaliação dos movimentos sociais de mulheres e feministas, de que as conferências oficiais, convocadas pelos conselhos de controle sociais, estavam ficando cada vez mais amarradas aos interesses dos governos e muitas vezes excluíam e bloqueavam a presença dos movimentos de mulheres organizados, a exemplo dos municípios que exigiam CNPJ para um movimento participar e eleger delegadas. Além disso, a necessidade de debater criticamente a ação dos conselhos, conferências e a avaliação da resposta do Estado à

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6 situação de vida das mulheres, também faz parte dessa motivação (FÓRUM DE MULHERES DE PERNAMBUCO ET al, 2015, p. 1).

A partir desse trecho retirado do relatório da Conferência Livre de Pernambuco, podemos nos questionar se os movimentos ainda veem o espaço das conferências de políticas para as mulheres, através das etapas eletivas, como um mecanismo de reivindicações e de mudança social. De todo modo, estamos diante de um processo alternativo ao oficial e é de extrema importância analisarmos o que as mulheres colocaram ali. Vindas de diversas organizações e municípios, elas debateram durante todo o dia temas e propostas a partir de suas próprias experiências nos Grupos de Trabalho, painéis e plenária5. As questões impulsionadoras do debate foram “Quais os principais problemas que as mulheres enfrentam no seu cotidiano? Como elas estão percebendo e vivendo a atual conjuntura política?”. A partir delas, falaram-se em diversas problemáticas relacionadas às mulheres rurais e urbanas, como saúde, violência, dificuldade de acesso à água no campo e sistema político. Vieram à tona questões como participação política das mulheres, anemia falciforme, que atinge sobretudo a população negra, o zika vírus e os casos de microcefalia, danos ambientais causados pelas fábricas inauguradas na Região Metropolitana do Recife e que têm atingido principalmente as pescadoras, pois estão desenvolvendo doenças ginecológicas por conta da água contaminada6.

Frente a isso, propomos, neste texto, a análise do relatório, bem como das moções aprovadas e da “Carta das Mulheres na Conferência Livre de Pernambuco”, que foi redigida a partir do que se discutiu durante o dia, para verificarmos os sentidos gerados nesse processo7.

3 Fundamentos da Teoria do Discurso

Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, como dois teóricos inseridos na tradição pós-estruturalista, têm como ponto inicial de suas ideias o pressuposto de que a realidade é

5 Como estive presente na condição de pesquisadora, pude perceber uma diversidade de raça, idade e classe

social, principalmente que aparentavam ser de movimentos populares e de comunidade. Segundo consta no relatório, estavam presentes grupos de mulheres de comunidades, setoriais de mulheres de sindicatos e centrais sindicais, organizações não governamentais feministas e ativistas feministas que não estão articuladas em nenhum grupo.

6 Anotações feitas a partir da observação participante no evento.

7 Como a organização da IV CNPM exige que o relatório siga um padrão, a forma que os coletivos

encontraram de redigir um texto que, ao mesmo tempo, expusesse as denúncias e as reivindicações de diversas temáticas que não se restringissem aos eixos propostos foi através da escrita da carta.

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discursivamente construída. Isso está ligado diretamente à concepção de sujeito que, diante dessa ideia, não pode ser constituído por uma única identidade, dada antes do discurso. Na concepção dos autores, estamos diante de identidades discursivamente construídas, como eles explicam: “Sempre que em um texto utilizarmos a categoria de ‘sujeito’, faremos no sentido de ‘posições de sujeito’, no interior de sua estrutura discursiva” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 190). Para entendermos o conceito de discurso, é preciso termos em mente o de articulação, que é “[...] Qualquer prática que estabeleça uma relação entre elementos de tal modo que a sua identidade seja modificada como um resultado da prática articulatória” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 178). Discurso, então, é a totalidade estruturada que resulta de tal prática articulatória. Isso nos remete ao fato de que estamos diante de uma pluralidade de identidades, ideia abordada por Mouffe ao discorrer sobre o sujeito democrático e o pluralismo agonístico (1999a, 2005). Temos, portanto, identidades puramente relacionais, pois toda experiência depende de posições discursivas.

Diante do entendimento de que não existe uma totalidade discursiva na forma de uma positividade dada e delimitada, constatamos que a lógica relacional está incompleta e penetrada pela contingência. É o espaço das práticas articulatórias.

A transição dos “elementos” para os “momentos” nunca é inteiramente completa. Surge então uma terra-de-ninguém que torna possível a prática articulatória. Neste caso, não há identidade social plenamente protegida de um exterior discursivo que a deforme e impeça que ela se torne plenamente suturada. Tanto as identidades quanto as relações perdem seu caráter necessário. Como um conjunto estrutural sistemático, as relações são incapazes de absorver as identidades; mas, como as identidades são puramente relacionais, esta é outra maneira de dizer que nenhuma identidade pode ser plenamente constituída (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 185).

Diante do exposto, não podemos visualizar uma sociedade como uma totalidade fechada e autodefinida. Ou, como pontua Laclau (2013, p. 119), estamos diante de uma totalidade fracassada ou do espaço da inalcançável plenitude.

Nesse contexto, o discurso acaba por se constituir como uma tentativa de dominar o campo da discursividade, para deter o fluxo das diferenças e constituir um centro. Os autores denominam esses pontos discursivos privilegiados de fixação parcial de pontos nodais. Nas palavras deles:

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8 A sociedade nunca consegue ser idêntica a si mesma, já que todo ponto nodal se constitui no interior de uma intertextualidade que lhe excede.

A prática da articulação, portanto, consiste na construção de pontos nodais que fixam sentido parcialmente; e o caráter parcial desta fixação advém da abertura do social, resultante, por sua vez, do constante transbordamento de todo discurso pela infinitude do campo da discursividade [grifo dos autores] (LACLAU; MOUFFE, 2015, p.

188).

Para os autores, toda prática social é, em uma de suas dimensões, articulatória, já que não se pode falar em “sociedade”. Isso nos leva ao caráter relacional das identidades e às posições de sujeito no interior da estrutura discursiva. Ou, como eles afirmam: “Como toda posição de sujeito é uma posição discursiva, ela compartilha do caráter aberto de todo discurso; consequentemente, as várias posições não podem ser totalmente fixadas num sistema fechado de diferenças” (LACLAU; MOUFFE, 2015. p. 190-191). Para Laclau (2011, p. 64), na interação democrática, a sociedade gera um vocabulário de significantes vazios, de puro cancelamento de toda diferença, cujos significados temporários decorrem de uma competição política. É o que constitui a distância entre o universal e o particular. Os significantes vazios são, portanto, como significantes de uma falta, de uma totalidade ausente (LACLAU, 2011, p. 66). O que vai ocupar esses espaços são signifcados flutuantes, que são contingentes e temporários. Na perspectiva do autor:

Assim, um significante vazio só pode surgir se há uma impossibilidade estrutural da significação e apenas se essa impossibilidade puder significar uma interrupção (subversão, distorção etc) da estrutura do signo. Ou seja, os limites da significação só podem anunciar a si mesmos como impossibilidade de realizar aquilo que está no interior desses limites - se esses pudessem significar-se de modo direto, seriam internos à significação; logo, não seriam limites em absoluto (LACLAU, 2011, p. 68).

Neste sentido, para se chegar ao preenchimento desses significantes vazios, é preciso que se cancelem as diferenças em nome das cadeias de equivalência.

É apenas privilegiando a dimensão da equivalência até o ponto em que seu caráter diferencial é quase inteiramente anulado – esvazia-se de sua dimensão diferencial – que o sistema pode significar a si mesmo como totalidade (LACLAU, 2011, p. 71).

Diante disso, surge o questionamento para Laclau: quem vai assumir essa função significativa? A resposta, em sua perspectiva, passa pela noção de hegemonia. Para iniciar a discussão em torno desse conceito, é preciso que compreendamos que o sujeito

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democrático se constitui a partir da pluralidade de sentidos e identidades e que os verdadeiros limites são sempre antagônicos.

Laclau e Mouffe pontuam que a presença do “outro” nos impede de sermos nós mesmos, isto é, as relações não surgem de identidades plenas, mas da impossibilidade de constituição delas. Um exemplo que eles dão é sobre o camponês que não pode ser camponês porque existe um antagonismo com o proprietário que o expulsa da terra (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 202). Esse exemplo pode ser remetido à dialética do senhor e do escravo abordada por Hegel (1988). Através de sua perspectiva, vemos como a identidade é relacional: o senhor precisa do escravo para se constituir como o que o ordena e o escravo, apesar de sua condição de explorado, não necessita estar preso ao senhor. Na abordagem de Laclau e Mouffe, percebemos que identidade pressupõe diferença. Isso fica bastante claro tanto através tanto do exemplo dado pelos autores quanto a dialética hegeliana. É justamente por conta desse fator que vão surgir os antagonismos, já que a identidade não pode se constituir de uma maneira plena ou, dito de outra forma: existem fronteiras antagonísticas que vão demarcar as diferenças de identidades. Para os autores, se a linguagem é um sistema de diferenças, o antagonismo é o fracasso da diferença. Ele estabelece os limites da sociedade ou, dito de outra forma:

O limite do social deve se dar no interior do próprio social, como algo que o subverte, destruindo sua ambição de constituir uma presença plena. A sociedade nunca consegue ser plenamente sociedade, porque tudo nela é atravessado pelos seus limites, os quais a impedem de constiuir-se como uma realidade objetiva (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 204).

Neste sentido, eles pontuam que a subversão do social é construída discursivamente. Diante das diferenças, são construídas articulações discursivas para se chegar a equivalências entre determinados conteúdos políticos. Ao retomar a questão posta por Laclau, é possível que determinados grupos preencham os significantes vazios e, assim, passe-se a ideia de totalidade. Porém, como é algo impossível de se atingir, o que teremos é uma identidade hegemônica, fruto de antagonismos, de disputas políticas para que, em meio às diferenças, estabeleçam-se equivalências em torno de pontos nodais e, assim, os significantes vazios sejam preenchidos por determinados grupos ou certos projetos políticos.

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Laclau (2013, p. 121) afirma que, numa relação hegemônica, uma diferença em particular acaba por assumir a totalidade. Isso acontece devido à construção de cadeias de equivalência em torno de algum ponto pela negatividade.

Porém, numa relação de equivalência, as demandas não compartilham nada que seja positivo, com exceção do fato de que todos permanecem irrealizadas, não atendidas. Existe, assim, uma negatividade específica que é inerente ao laço da equivalência (LACLAU, 2013, p. 154).

Para esclarecer o que isso significa, pode-se utilizar o exemplo das feministas ligadas a diversos grupos e que convergem em torno de algo que não são: contrárias ao aborto. Embora tenham opiniões distintas acerca do assunto, não são contrárias a ele. Temos aí uma cadeia de equivalência, em que as características se unem em torno de um determinado ponto nodal. Trata-se de uma lógica de simplificação do espaço público, conforme os referidos filósofos pontuam. Diante disso, questiono: quais as propostas que entraram no relatório e se sobressairam na Carta das Mulheres? O que as participantes defendem? Quais as propostas que vão ocupar o significante vazio “Pela Vida das Mulheres”? Ou, ainda, diante de tantas diferenças, o que as une? Entender esses aspectos é fundamental para percebermos que significados preencherão os significantes vazios ou, dito de outra forma, teremos noção do que une essas mulheres vindas de movimentos distintos, mas com o intuito de construir um espaço em comum.

Frente a isso, temos que o antagonismo se deve a essa pluralidade de identidades, que gera as diferenças e que vão ser fixadas nas cadeias de equivalências. Porém, isso vai implicar que tenhamos uma multiplicidade de possíveis antagonismos, que vão ser construídos discursivamente e que, portanto, teremos convergências temporárias, frutos da fixação de elementos em momentos. Podemos dizer que obteremos, como resultado desses processos, o que Mouffe colocou de consenso conflituoso e temporário (MOUFFE, 2002). Na concepção dos autores, em vista desse caráter incompleto e aberto do social, temos um campo de práticas articulatórias antagônicas que constituem a hegemonia. Isso acontece porque as cadeias de equivalência variam radicalmente de acordo com o antagonismo que estiver em jogo, podendo afetar e penetrar, de modo contraditório, a identidade do próprio sujeito. Isso leva os autores à seguinte conclusão:

[...] Quanto mais instáveis as relações sociais, menos exitoso será qualquer sistema definido de diferenças e os pontos de antagonismo proliferarão. Essa proliferação tornará mais difícil a construção de

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11 qualquer centralidade e, consequentemente, o estabelecimento de cadeias unificadas de equivalência (LACLAU; MOUFFE, 2015. p. 209).

Diante de uma realidade discursivamente construída, em que medida poderemos encontrar divergências e diferentes tipos de articulação nesse espaço? De que forma esses grupos vão convergir em torno de alguns pontos?

Laclau (2013, p. 174) argumenta que, numa relação hegemônica, uma certa particularidade significa uma totalidade inalcançável e acrescenta que: “[...] Não existe universalidade que não seja hegemônica”. Teremos a construção discursiva do antagonismo e um alargamento do campo de práticas articulatórias, que transforma toda fronteira em algo essencialmente ambíguo e instável, sujeito a constantes deslocamentos. Isso constitui o campo da emergência da hegemonia. Ela acontece devido ao caráter aberto e incompleto do social, que acaba dando lugar a um campo dominado por práticas articulatórias antagonísticas, supondo cadeias de equivalência e efeitos de fronteira:

Hegemonia é, simplesmente, um tipo de relação política, uma forma, por assim dizer, de política, mas não um lugar determinável na topografia do social. Em uma dada formação social, pode haver uma variedade de pontos nodais hegemônicos. Evidentemente alguns deles podem ser altamente sobredeterminados: eles podem constituir pontos de condensação de um número de relações sociais e, assim, tornarem-se o ponto focal de uma multiplicidade de efeitos de totalização. Mas, na medida em que o social é uma infinitude não redutível a nenhum princípio unitário subjacente, a mera ideia de um centro do social não faz o menor sentido (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 219).

Vimos, diante do exposto, o caráter de constante construção não apenas das identidades, mas dos antagonismos e, assim, das lutas democráticas, que são permeadas por processos de articulações hegemônicas. A hegemonia, então, é o preenchimento desses significantes vazios. As especificidades do particular são subvertidas em nome de uma representação do universal. O filósofo argentino conclui que: “[...] Numa sociedade (e esse é o caso, enfim, de toda [Grifo do autor] sociedade) em que a plenitude – o momento da universalidade é inatingível, a relação entre o universal e o particular é uma relação hegemônica” (LACLAU, 2011, p. 90). O que teremos, pela lógica da equivalência, é uma dimensão relativa de universalidade. Mas, é preciso estarmos atentos ao fato de que o particular só pode se realizar plenamente se mantiver continuamente aberto e, do mesmo modo, redefinir a sua relação com o universal.

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Nessa linha de pensamento, ao discorrer acerca do feminismo e da democracia radical, Mouffe aponta a necessidade da desconstrução de identidades essenciais, da categoria mulher como algo homogêneo. Em sua concepção, essa descontrução teria que ser vista como condição necessária para uma compreensão adequada da variedade de relações sociais (MOUFFE, 1999b, p. 32). Isso está relacionado ao entendimento de sujeito como “posições de sujeito”. Neste sentido, as questões centrais para o feminismo já não são mais relacionadas a como descobrir a essência ou características unidificadoras da categoria mulher, mas sim:

As questões centrais serão: como se constrói a categoria “mulher” como tal dentro de diferentes discursos?,como se transforma a diferença sexual em uma distinção pertinente dentro das relações sociais?, e, como se constroem relações de subordinação através desta distinção? Todo o falso dilema da igualdade versus a diferença cai, desde o momento em que já não temos uma entidade homogênea “mulher” confrontada com outra entidade homogênea “homem”, mas uma multiplicidade de relações sociais nas quais a diferença sexual está construída sempre de diversos modos, e onde a luta contra a subordinação tem que ser estabelecida de formas específicas e diferenciais (MOUFFE, 1999b, p. 34).

Assim, para a autora, visualizar a política feminista desta forma abre possibilidades para uma política democrática que aspira à articulação das diferentes lutas contra a opressão. Ela chama a atenção para a existência de múltiplos feminismos, que vão ser construídos diante das diversas articulações discursivas e que envolve não só a questão de gênero, mas também de classe e raça, que caracterizam a interseccionalidade.

Diante dessa concepção, entendemos que, nas conferências de políticas para as mulheres e, no caso específico, na Conferência Livre de Pernambuco, os diversos sujeitos políticos, em meio a suas diferenças, constroem articulações discursivas em torno de pontos nodais e formam as cadeias de equivalência. Trata-se de um espaço de disputas de grupos ou projetos políticos pela fixação parcial de significados de como serão as propostas de políticas públicas. Neste sentido, é um campo de pesquisa que envolve diversos sujeitos que, apesar de muitas vezes se identificarem em torno de opressões de gênero e de viver ainda numa sociedade extremamente machista, vivencia desigualdades de formas diferentes. Portanto, suas demandas vão ser distintas umas das outras, seja por conta de classe, de raça ou mesmo por questões geracionais.

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Podemos utilizar os fundamentos do que seria posteriormente denominado por muitos estudiosos das obras dos referidos filósofos pós-estruturalistas por Teoria do Discurso para refletirmos sobre o contexto que nos propomos a analisar: a Conferência Livre de Pernambuco. Os conceitos aqui abordados nos permitem compreender de que forma as diferenças são deixadas de lado para se equivalerem em torno dos pontos nodais.

Burity (2014, p. 68) esclarece que uma formação discursiva é um conjunto de discursos articulados hegemonicamente por uma particularidade e que, naquele momento, é capaz de significar o universal. Neste sentido, através dos documentos, analisaremos quais as demandas incorporam essa função da universalidade na definição das propostas de políticas públicas. O estudioso (BURITY, 2014, p. 69) acrescenta que: “[...] A partir da categoria discurso, podem-se compreender fenômenos sociais cuja constituição se dá através de uma lógica de articulação de elementos diferentes [grifo do autor]”. É a partir dessa compreensão que poderemos responder a nossa pergunta central (diante de suas diferenças, as participantes estavam unidas em torno de que aspectos políticos?) e entender como se constroem as articulações discursivas nesse espaço.

4 Análise das propostas de políticas para as mulheres a partir da Teoria do Discurso Diante do debate teórico e do contexto prático, proponho neste tópico a análise do que foi registrado no relatório encaminhado pela Conferência Livre de Pernambuco à organização da IV Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, bem como da Carta Política das Mulheres e das Moções aprovadas no evento. Faremos com base nos fundamentos trabalhados na Teoria do Discurso, como cadeias de equivalência, pontos nodais, significantes vazios e articulações.

Farei a comparação das ideias colocadas nos textos analisados para verificarmos possíveis padrões. Para isso, dividirei em subtópicos para abordar o conteúdo que compõe o relatório oficial as propostas, a Carta Política das Mulheres e as Moções e os compararemos entre si para verificar o que ficou no documento oficial (o relatório). 4.1 Relatório da Conferência Livre de Pernambuco – “Pela Vida das Mulheres”

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É possível ver a lista das propostas de cada eixo temático conforme está no relatório e, a partir delas, tenho como dividi-las em categorias descritivas para, posteriormente, proceder à análise comparativa em relação à Carta das Mulheres e às moções aprovadas.

Quadro 1 – Propostas do Eixo I - Contribuição dos conselhos dos direitos da mulher e dos movimentos feministas e de mulheres para a efetivação da igualdade de direitos e oportunidades para as mulheres em sua diversidade e especificidades: avanços e desafios

Avanços sobre os conselhos Avanços sobre os movimentos de mulheres e feministas Desafios para os conselhos Desafios para os movimentos de mulheres e feministas Não se reconheceu nenhum avanço. Manutenção da resistência pelos movimentos feministas e de mulheres; Exercer o papel fiscalizador nas conferências, evitando a participação de homens na dinâmica da conferência e na eleição de delegadas; Enfrentar o machismo/patriarcado na mídia; Realização de lutas coletivas com pautas comuns no estado e em nível nacional; Definição do papel dos governos e da sociedade civil na dinâmica dos conselhos; Agregar mais mulheres à luta feminista, fortalecendo a sua participação política para enfrentar o conservadorismo reacionário que está

no Congresso Nacional e na sociedade e enfrentar a crise de desalento dos movimentos sociais estando juntas, nos fortalecendo e

nos posicionando criticamente a cada conjuntura;

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direitos a partir das lutas (Lei que cria o feminicídio, Projeto de Emenda Constitucional (PEC) das Domésticas, etc.). o respeito à resolução das conferências pelo conjunto dos Governos. dos movimentos de mulheres negras para enfrentar o aumento da

violência as mesmas, frente ao aumento dos índices de homicídios contra esta parte da população.

Elaborado com base em Fórum de Mulheres... (2015a, p. 2-3).

Quadro 2 – Eixo II - Estruturas institucionais e políticas públicas desenvolvidas para as mulheres no âmbito municipal, estadual e federal: avanços e desafios

Avanços Desafios

Não se reconheceu nenhum avanço. Enfraquecimento dos mecanismos de política para as mulheres nos municípios, estados e federal, com a fusão das secretarias no âmbito do governo federal Perda de direitos e de políticas públicas específicas (desmonte das políticas de saúde, principalmente a do abortamento legal, das políticas de segurança, ausência de políticas para enfrentar a escassez de água, a retirada do debate de gênero na educação, o esvaziamento da participação popular).

Modelo de desenvolvimento baseado em concessões, onde os direitos são negociados e tudo se mercantiliza.

Elaborado com base em Fórum de Mulheres... (2015a, p. 3).

Quadro 3 – Eixo III - Sistema político com participação das mulheres e igualdade: recomendações

Recomendações

Rearticular as mulheres para o processo do plebiscito popular e assembleias constituintes populares, que inclui cursos, reuniões, atos conjuntos, etc., fazendo esforço para realizar uma constituinte popular de mulheres por ocasião do 8 de março. Lutar pela paridade e fortalecer a democracia, aperfeiçoando os mecanismos de democracia direta, participativa e representativa, transformando o sistema político para garantir a participação das mulheres em igualdade de condições aos homens.

Fortalecer a auto-organização das mulheres, jogando força para construir a unidade em torno da luta das mulheres.

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Quadro 4 – Eixo IV - Sistema Nacional de Política para as Mulheres: subsídios e recomendações

Subsídios Recomendações

Considerar a lei que cria o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS);

Garantir a participação e controle social da sociedade civil, particularmente dos movimentos de mulheres e feministas, realizando plenárias nacionais de conselheiras para deliberar sobre o sistema, durante o processo de construção do SNPM.

Assegurar que o sistema obrigue gestores/as dos três níveis de governo a criar secretarias de mulheres com autonomia, orçamento específico e vinculado ao PPA, plano de políticas públicas, controle social funcionando e deliberando sobre a política e definição muito evidenciada, numa perspectiva feminista, do que significa política para as mulheres

Garantir uma perspectiva feminista ao sistema, repensando os conselhos e conferências a partir desse paradigma, e ampliando a perspectiva das políticas públicas para as mulheres para além das políticas sociais, incluindo as políticas econômicas (política de desenvolvimento, etc.), as políticas sobre drogas e etc. Elaborado com base em Fórum de Mulheres... (2015a, p. 3-4).

Vemos que as propostas do Eixo I indicam o direcionamento que os movimentos devem seguir, o que passa a ideia de uma discussão política que não se focou em ações governamentais específicas. Quando se abordam avanços dos conselhos e as estruturas institucionais, não é apontado nenhum. Já em relação aos movimentos sociais, são destacados diversos avanços e desafios. Isso acontece também no Eixo II.

Ao analisarmos as propostas, identificamos pontos nodais em torno dos quais elas vão se equivaler: unidade, feminismo, democracia, controle social e contexto político. Passemos à discussão de cada um. Expressões do tipo: “lutas coletivas com pautas comuns”, “agregar mais mulheres à luta feminista”, “juntas, nos fortalecendo e nos posicionando”, “nossos direitos”, “cursos, reuniões, atos conjuntos”, “construir a unidade em torno da luta das mulheres”, bem como “plenárias nacionais de conselheiras”

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transmitem a ideia de unidade. Visualizamos outra cadeia de equivalência em torno do controle social nos termos: “exercer o papel fiscalizador nas conferências”, “dinâmica dos conselhos”, “garantir/reivindicar o respeito à resolução das conferências”, “repensando os conselhos e conferências”, “plano de políticas públicas”, bem como “controle social funcionando”. Um ponto interessante sobre os conselhos é que, apesar de não ter sido indicado nenhum avanço, as participantes os enxergam como espaço legítimo de controle social (por exemplo, fiscalizador das conferências, garantindo, inclusive, que se respeite a resolução delas).

Vemos também uma outra cadeia de equivalência em torno do ponto nodal feminismo: “resistência pelos movimentos feministas e de mulheres”, “enfrentar o machismo/patriarcado”, “luta feminista”, “fortalecer a auto-organização das mulheres”, “fortalecer a agenda dos movimentos de mulheres negras”, “particularmente dos movimentos de mulheres e feministas” e “perspectiva feminista”.

Um quarto ponto nodal é contexto político, que vemos através das expressões: “conservadorismo reacionário que está no Congresso Nacional”, “enfraquecimento dos mecanismos de política para as mulheres”, “perda de direitos e de políticas públicas específicas” e “modelo de desenvolvimento baseado em concessões”.

Diante do o contexto de denúncias sobre o que se pode considerar por muitos setores como retrocesso político, está o ponto nodal democracia, que é observado por meio dos termos: “conquistas de direitos a partir das lutas”, “participação política”, ”rearticular as mulheres em torno do plebiscito popular e assembleias constituintes populares”, “constituinte popular de mulheres” e “lutar pela paridade e fortalecer a democracia”.

4.2 Carta da Conferência de Pernambuco “Pela Vida das Mulheres”

A Carta das Mulheres na Conferência de Pernambuco é considerada um texto político pelo seu teor de avaliação dos avanços, denúncia de ineficiência e retrocessos de políticas públicas para as mulheres e de defesa política. É possível dividi-la em três aspectos: avaliação dos avanços; direcionamento ao governo de Pernambuco e contexto político nacional.

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Sobre o primeiro ponto (avaliação dos avanços nos últimos 12 anos), temos: a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres; a Lei 13.104/2015 (do Feminicídio); a Lei 11.340/2006 (Maria da Penha); ampliação dos permissivos legais em casos de anencefalia; aprovação da PEC das Domésticas; aprovação pelo Supremo Tribunal Federal do casamento homoafetivo. Os avanços apontados são todos de abrangência nacional e aconteceram durante a gestão do Partido dos Trabalhadores na Presidência da República, o que pode indicar, de certa forma, uma defesa do governo. O mesmo não se pode dizer em relação ao Poder Executivo de Pernambuco, pois foram feitas denúncias do tipo: identificação da ineficiência do Estado na implementação universal dos direitos conquistados; o descaso do Governo com a vida das mulheres se expressa na não efetivação das políticas; problemas relacionados ao enfrentamento da violência contra as mulheres (redução do número de casas abrigo e não entrega das delegacias da mulher prometidas, além do funcionamento precário das existentes); problemas relacionados à área da saúde (os hospitais da mulher não tiveram suas obras concluídas, fechamento das maternidades, das unidades de pronto-atendimentos e o decréscimo de atendimento às vítimas de violência). Em relação ao contexto político nacional e à crítica ao Poder Legislativo, temos: acirramento da luta de classe no Brasil e na América Latina; efervescência do conservadorismo e afronta sistemática à laicidade do Estado, questões que afetam diretamente a vida e os direitos das mulheres, explicitados no seguinte trecho:

Exemplos disso são o estatuto do nascituro e o estatuto da família; a PL 5069/2013, que restringe o atendimento às mulheres em situação de violência sexual; a PL 4330/2004, que terceiriza o trabalho prejudicando especialmente as mulheres trabalhadoras; a retirada do ensino de gênero nas escolas, nos Planos Municipais de educação; o aumento da violência contra as mulheres e a juventude negra; a exclusão das mulheres trans na lei contra o feminicídio; a intensificação da cultura do estupro, que impacta especialmente as mulheres lésbicas, bissexuais e negras; e a PEC que altera a demarcação de terras dos territórios quilombolas e indígenas (FÓRUM DE MULHERES DE PERNAMBUCO et al, 2015, p. 6).

Neste sentido, vê-se um texto em tom político acerca do que os movimentos esperam de atitudes dos governos. Em âmbito nacional, visualiza-se uma avaliação positiva em relação aos últimos doze anos (marcados pela gestão do Partido dos Trabalhadores na Presidência da República). O mesmo não pode ser dito sobre o Poder Executivo Estadual, que foi criticado por não efetivar políticas públicas de saúde e

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violência. Os problemas também foram apontados ao Legislativo Nacional, com projetos de lei que significam um retrocesso na vida das mulheres, além de diversas pautas que as atingem direta ou indiretamente. Frente a isso, as participantes defendem:

A manutenção da democracia brasileira e seu aperfeiçoamento via reforma do sistema político que aumente a participação das mulheres na vida política do país; o respeito à laicidade do Estado em todas as dimensões da vida política; a ampliação das políticas distributivas, redistributivas e afirmativas; a implementação imediata da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, em sua plenitude; o cumprimento integral da Lei Maria da Penha, através da implementação da rede de serviços; a implementação em todas as maternidades do atendimento aos casos de aborto previstos por lei; descriminalização e legalização do aborto, acompanhadas de uma atenção integral a saúde reprodutiva e sexual das mulheres; ampliação do modelo agroecológico; descentralização dos serviços públicos de forma que atendam às necessidades locais das mulheres do campo; a humanização nos serviços de atendimento às mulheres em situação de violência (FÓRUM DE MULHERES DE PERNAMBUCO et al, 2015, p. 6).

Trata-se de uma carta denúncia e de reivindicação dos direitos, o que dá um tom diferente do que se vê na seção das propostas enviadas à organização da IV CNPM. Esses pontos podem ficar ainda mais evidentes nas moções, que será abordado mais à frente. Nas propostas listadas no mesmo documento, vê-se que:

Quadro 5 – Propostas contidas na Carta das Mulheres na Conferência Livre de Pernambuco

Defesa das participantes

1 A manutenção da democracia brasileira e seu aperfeiçoamento via reforma do sistema político que aumente a participação das mulheres na vida política do país; 2 O respeito à laicidade do Estado em todas as dimensões da vida política;

3 A ampliação das políticas distributivas, redistributivas e afirmativas;

4 A implementação imediata da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, em sua plenitude;

5 O cumprimento integral da Lei Maria da Penha, através da implementação da rede de serviços;

6 A implementação em todas as maternidades do atendimento aos casos de aborto previstos por lei;

7 Descriminalização e legalização do aborto, acompanhadas de uma atenção integral a saúde reprodutiva e sexual das mulheres;

8 Ampliação do modelo agroecológico;

9 Descentralização dos serviços públicos de forma que atendam às necessidades locais das mulheres do campo;

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10 A humanização nos serviços de atendimento às mulheres em situação de violência. Elaboração com base em Fórum de Mulheres... (2015a, p. 6).

As defesas que vemos convergir com as propostas do relatório oficial são a primeira e a segunda. Uma discorre acerca da participação política das mulheres na política que, conforme os dados apontam, ainda é muito baixa. Isso fica mais nítido quando se visualizam os números: de acordo com o texto publicado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres8, nas eleições de 2014, foram eleitas 51 deputadas federais (das 513 cadeiras) e cinco senadoras (das 81 cadeiras), o que significa o percentual, respectivamente, de 9,94% e 13,58% no Congresso Nacional. A outra aborda a necessidade de se garantir o respeito à laicidade do Estado e está relacionada ao que as participantes nomearam por conservadorismo reacionário que está presente no Congresso Nacional e na sociedade.

Ao observar a carta política frente às propostas contidas no relatório, constata-se que dois pontos nodais aparecem nos referidos documentos: contexto político e democracia. O primeiro pode ser verificado através da “conquista de direitos a partir das lutas (lei que cria o feminicídio, a PEC das domésticas etc)”, que está presente na avaliação dos avanços e “lutar pela paridade e fortalecer a democracia”, na parte da defesa. O segundo é visto a partir das propostas “fortalecendo a sua participação política para enfrentar o conservadorismo reacionário que está no congresso” e “retirada do gênero da educação”, ambos contidos na crítica ao Poder Legislativo nacional.

O texto da carta é muito mais de denúncia do que tem atingido as mulheres em relação às gestões governamentais. Já as propostas listadas caminham no sentido de exigência de implementação ou ampliação de muitos serviços públicos. Dos dez pontos, seis não estão contidos na parte das propostas contidas no relatório oficial nem nas moções (conforme veremos adiante). Podemos considerar como um direcionamento político dos princípios que regem os movimentos ali presentes e que, não, necessariamente, entrou na discussão ou nas prioridades elencadas nas propostas contidas no relatório.

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4.3 Moções aprovadas da Conferência Livre Estadual de Pernambuco

Foram listados na íntegra os textos as 11 moções aprovadas, dentre as quais nove são de repúdio, uma de apoio e uma de defesa. Trata-se de um documento que expressa alguma denúncia ou, mesmo, apoio frente a acontecimentos da conjuntura que envolve as mulheres. As participantes elaboraram o texto e, ao longo do dia, coletaram assinaturas para, ao final, lerem para a as demais, na plenária, que iria aprová-la ou não e, em caso positivo, por unanimidade com a redação original ou com alterações.

Quadro 6 – Moções aprovadas na Conferência Livre Estadual de Pernambuco Moções

Número Tipo Conteúdo

1 Repúdio Repúdio ao não cumprimento dos contratos firmados entre o governo de Pernambuco com as organizações de mulheres e repúdio a uma política de gestão que enfraquece e coloca em risco as organizações de mulheres;

2 Repúdio Repúdio à inviabilidade de recursos pelos governos municipais do Sertão do Pajeú, bem como garantia de transportes para a participação das mulheres rurais e comunidades tradicionais, como: quilombolas e indígenas e outras nas conferências municipais;

3 Repúdio Repúdio à situação atual do Congresso Nacional que atualmente não representa as demandas e necessidades da sociedade e de nós, mulheres. Não permitimos e não aceitamos Eduardo Cunha como Presidente e muito menos com mandato e repudiamos com veemência a abertura do impeachment à Presidenta Dilma Rousseff. Ao PL 5069/13 não representa nossas necessidades e não permitimos leis que nos oprimam;

4 Repúdio Repúdio ao poder público do estado de Pernambuco, que vem retirando o direito das mulheres em situação de uso de drogas e vulnerabilidade que tem seus filhos retirados após o parto e entregue para adoção;

5 Repúdio Repúdio a não realização de concurso público, pois isso inviabiliza a implementação e efetivação de Delegacias Especializadas para mulheres no Sertão do Pajeú e em outras regiões do estado de Pernambuco;

6 Repúdio Repúdio ao cantor João do Morro, que compôs uma música estigmatizadora, violenta e machista à Presidenta Dilma Rousseff e a todas as mulheres, onde opera com palavrões e discursos do senso comum que denigrem e alimentam estereótipos a todas mulheres. Entendemos que pessoas da mídia e cultura, assim como agentes públicos precisam ser responsáveis pela ética e todo contexto social;

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7 Repúdio Repúdio ao projeto de lei Escola Sem Partido, que prevê reparações e até prisões de professoras/es que levantarem discussões políticas sobre cidadania, direitos humanos nas escolas. Bem com projetos de lei que pretendem excluir da escola prevendo as mesmas punições, discussões como: equidade de gênero, sexualidade, raça e etnia;

8 Repúdio Repúdio ao modelo de desenvolvimento do governo do estado de Pernambuco que, através da Fábrica Fiat e das grandes construções/empreendimentos, vem destruindo nossas riquezas naturais e vulnerabilizando a saúde e vida das mulheres pescadoras de Goiana;

9 Repúdio Repúdio ao Governo do Estado de Pernambuco, que vem desmontando o Programa Atitude, que trata de cuidado e acolhimento às pessoas que usam drogas.

10 Defesa Posicionamento em defesa da democracia e da legitimidade do mandato da presidenta Dilma Rousseff. Entendemos que toda e qualquer iniciativa configura golpe;

11 Apoio Defesa de um modelo de política de drogas que se paute pela defesa dos direitos humanos e das subjetividades, dado que o atual modelo proibicionista no estado de Pernambuco falhou no seu objetivo de defesa da sociedade, e em contra mão disso vem encarcerando, matando e vulnerabilizando as mulheres periféricas e, principalmente, as negras.

Elaborado com base em Fórum de Mulheres... (2015b, p. 1-11).

Das nove moções de repúdio, cinco são direcionadas, ainda que não explicitamente (como o caso da não realização de concursos para delegacias das mulheres), ao Governo do Estado de Pernambuco. Em comparação com o relatório das propostas e da Carta das Mulheres, vemos a convergência em torno da retirada do ensino de gênero nos planos municipais de educação. Um ponto que esteve presente em todos os textos foi acerca da defesa da laicidade do Estado e a ênfase no conservadorismo que tem sido marca do Congresso Nacional, sobretudo na imagem do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o PMDB) que tem apresentado projetos de lei que significam retrocessos na vida das mulheres, conforme pontuado nos documentos e explícito na Moção 3.

O modelo de desenvolvimento baseado em concessões presente no relatório foi reforçado através da Moção 8, que versa sobre os problemas gerados pela instalação de grandes empreendimentos autorizados ou impulsionados pelo governo de Pernambuco.

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5 Análise comparativa dos três documentos relatados

Para refletirmos sobre os sentidos que foram construídos em torno de uma série de problemas que atingem as mulheres, precisamos levar em consideração o fato de ter sido uma conferência organizada e realizada por movimentos sociais em um contexto em que, em suas análises, os eventos oficiais ou eletivos têm estado atrelados aos interesses de governo, excluindo e bloqueando a presença dos movimentos de mulheres (FÓRUM DE MULHERES et al, 2015, p. 1). Setores da sociedade civil estão, portanto, buscando outros mecanismos de expressão e reivindicação de políticas públicas frente a um cenário em que as conferências oficiais, convocadas pelo Poder Executivo, já não fornecem esses espaços ou que estejam se repetindo em seus formatos. Desse modo, estamos frente a um processo de articulação política em que instituições diferentes convergiram no intuito de organizar a Conferência Livre. Um aspecto que reforça essa compreensão é de que não foi apontado nenhum avanço tanto em relação aos conselhos dos direitos da mulher quanto às estruturas institucionais e políticas públicas voltadas ao referido segmento.

Na perspectiva de Laclau e Mouffe (2015, p. 178), articulação é “[...] Qualquer prática que estabeleça uma relação entre elementos de tal modo que a sua identidade seja modificada como um resultado da prática articulatória” e discurso constitui a totalidade estruturada que resulta de tal prática articulatória. Dessa forma, o que vemos no processo de organização e realização do evento são tentativas de dominar o fluxo das diferenças e promover a transição de elementos de cada um dos movimentos ou de sujeitos políticos independentes para momentos. Ou, ainda, no termo dos autores, frente a identidades puramente relacionais e da impossibilidade de “sociedade” como algo fechado, é preciso reconhecermos a fixação parcial de pontos nodais e cadeias de equivalência.

Cada documento descrito no presente texto tem uma função: o relatório com a parte das propostas seguiu o modelo oficial proposto pela organização da IV Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (IV CNPM); a Carta das Mulheres tem um teor político por fazer uma análise, pontuar o que tem atingido as mulheres e deixar claro que pontos elas defendem; as Moções explicitam suas denúncias e reivindicações quanto a questões que as atingem direta ou indiretamente e, de certa forma, reforçam aspectos colocados na Carta das Mulheres. Os três estão interligados e, juntos, compilam o

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resultado do que preencheu o significante vazio “Pela Vida das Mulheres”. Vejamos que aspectos assumiram a função significativa, conforme aborda Laclau (2011).

No relatório em que estão listadas as propostas, os seguintes pontos nodais foram identificados: unidade, feminismo, controle social, contexto político e democracia. São significantes flutuantes que ocupam o significante vazio “Pela Vida das Mulheres”, tema da Conferência Livre. As propostas foram formuladas a partir das discussões que permearam os grupos de trabalho, compostos de 15 a 20 pessoas.

A partir da observação participante, percebi que algumas das demandas discutidas ao longo do dia não foram incorporadas ao documento, já que existia um limite de espaço e de quantidade de propostas. São elas, por exemplo, as das mulheres rurais e das negras. Como Mouffe afirma (1999b), não temos uma entidade homogênea “mulher”, mas uma diversidade de relações sociais nas quais a diferença sexual está construída de diferentes modos. Em sua concepção, são múltiplos feminismos. Trata-se de um segmento que é marcado pelas opressões do capitalismo, racismo e patriarcado e essas desigualdades a atingem de formas diferentes. Mesmo estando num espaço onde muitas mulheres eram de entidades de origem popular (pescadoras, agricultoras, de comunidades etc), não se notam propostas específicas. Isso pode se dever ao próprio formato do relatório que já delimita os eixos. Mas, também pode ser uma decisão política das comissões de organização e de relatoria do evento.

A partir da Carta das Mulheres e das moções, são formadas cadeias de equivalência através dos pontos nodais contexto político e democracia. São elas: conservadorismo reacionário que está no Congresso Nacional, afronta sistemática à laicidade do Estado e retirada do ensino de gênero as escolas, nos Planos Municipais de Educação. São três reivindicações completamente interligadas e que indicam o quanto as decisões em nível nacional estão atingindo direta ou indiretamente as mulheres. A questão da retirada do gênero nos Planos Municipais de Educação está conectada ao contexto do conservadorismo Vivenciamos um contexto em que, através das reivindicações e denúncias feitas na conferência, fica evidente a perda de direitos e de políticas públicas específicas, conforme indicado no relatório e na carta. Existe, ainda, a análise de que o modelo de desenvolvimento baseado em concessões também tem trazido problemas para as mulheres, como é o caso das fábricas instaladas no município de

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Goiana e que tem gerado uma série de danos ambientais. Por outro lado, houve conquistas de direitos a partir das lutas coletivas, como é o caso do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) das Domésticas e da Lei que cria o Feminicídio, como pontuado no referido relatório. As críticas e denúncias são direcionadas ao Poder Executivo estadual e ao Legislativo nacional, enquanto o apoio político é fornecido a então presidenta da República, Dilma Rousseff.

A partir do preenchimento dos significantes vazios, temos uma ideia de totalidade. Portanto, na Conferência Livre, diversas pautas específicas de cada grupo, coletivo, movimento ou de participantes independentes foram deixadas de lado no momento de chegarem a certas equivalências nas articulações discursivas em torno do tema da conferência. O que vimos, partindo da ideia dos autores trabalhados, é uma dimensão relativa de universalidade. Assim, o significante “Pela Vida das Mulheres”, nesse contexto, foi preenchido pela avaliação dos avanços através da luta dos movimentos sociais, mas também por denúncias de conservadorismo e retrocesso por partes de setores governamentais. Vemos um processo que esteve voltado sobretudo aos aspectos políticos do que à formulação de propostas de políticas públicas em si, como tem acontecido com as etapas eletivas (as oficiais).

O evento pode ter sido bastante significativo para o processo de articulações políticas entre diversos movimentos. Isso fica evidente nas recomendações para o sistema político com participação das mulheres, como o esforço coletivo para o plebiscito popular e assembleias constituintes, a exemplo de cursos, reuniões, atos conjuntos etc, que construíram um conjunto de denúncias e reivindicações, bem como indicações de agenda em comum.

Para eu ter uma noção mais precisa sobre os conceitos os autores pós-estruturalistas trabalhados neste texto, precisaria de ferramentas metodológicas que nos permitissem ter a dimensão do processo como um todo e não apenas dos documentos. Questões como “Em que medida poderemos encontrar divergências e diferentes tipos de articulação nesse espaço?” ou “De que forma os grupos convergem entre si?” poderão ser respondidas por meio de uma etnografia com observação participante para, através das falas públicas, verificar o que foi colocado nos painéis e o que ficou nos documentos. Ou, ainda, o próprio contexto político e as implicações na vida daquelas mulheres poderia ser

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melhor compreendido a partir de uma metodologia que buscasse apreender uma dimensão mais simbólica e subjetiva. A observação participante poderia ser complementada por meio de entrevistas com as integrantes dos diferentes grupos para, assim, ter uma noção mais precisa de suas demandas e reivindicações. Dessa forma, terei subsídios para debater que coletivos ou projetos políticos, através das articulações discursivas, preencheram os significantes vazios e, assim, exerceram hegemonia.

Referências

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