COMENTÁRIOS À REVISÃO DA LEI DAS AGÊNCIAS DE VIAGENS
Foi finalmente publicado no passado dia 06, a nova legislação que regula a actividade das Agências de Viagens, pelo que, a APAVT pode agora, tecer os seus comentários ao texto legal.
O Diploma ora publicado, tem aspectos positivos e aspectos negativos.
Os aspectos positivos não são originais, decorrendo, antes, por um lado, da transposição da Directiva “Bolkstein” e, por outro, no que toca ao Provedor do Cliente (accionamento do FGVT através de decisão deste instituto), de uma velha pretensão da APAVT que só alguma menor clarividência fez tardar a sua consagração legal.
Os aspectos negativos são de facto originais, vieram confirmar os nossos piores receios e traduzem‐se fundamentalmente nos vectores que se passam a discriminar: a) DISTINÇÃO ENTRE AGÊNCIAS CONSOANTE O TIPO DE ACTIVIDADE; b) PERMISSÃO DE CONCORRÊNCIA DIRECTA DO ESTADO ÀS EMPRESAS PRIVADAS;
c) TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIOS DAS EMPRESAS PORTUGUESAS FACE ÀS EMPRESAS ESTRANGEIRAS;
d) RESPONSABILIZAÇÃO COLECTIVA DAS EMPRESAS PELAS (MÁS) PRÁTICAS DAS OUTRAS PELA CRIAÇÃO DO FGVT; Sobre este tema, vimos pois prestar os seguintes esclarecimentos: a) DISTINÇÃO ENTRE AGÊNCIAS CONSOANTE O TIPO DE ACTIVIDADE
A não distinção das agências segundo o seu tipo de actividade foi há longos anos uma aspiração do sector que desde 1993 tinha sido acolhida e consagrada legalmente.
A necessidade de não distinção tem a ver com as características do mercado e com o posicionamento, em termos actuais, das agências de viagens distribuidoras e das agências de viagens operadoras face ao cliente final.
Não restam dúvidas que a esmagadora maioria das agências de viagens vendedoras também organizam viagens, nos termos e para os efeitos do diploma legal, pelo que a distinção agora proposta é redutora e possivelmente sem aplicação prática, caindo no mesmo erro de base que a anterior interpretação do Turismo de Portugal e do Governo tinha em relação ao cálculo para determinação do valor da caução.
Na verdade, uma agência vendedora (retalhista) que tenha um volume de vendas de viagens organizadas de 10 milhões de euros contribui para o fundo com os mesmos valores que uma agência vendedora (retalhista) que venda apenas 10.000 euros das mesmas viagens. A grande questão é que, eventualmente, a agência maior satisfaz mais rapidamente o tecto da sua contribuição, enquanto a agência de menor dimensão é obrigada a ter uma avença com o Estado num longo período de tempo, até perfazer esse mesmo tecto. O que é lamentável é que não tenham colhido as propostas dos profissionais do sector, bem mais práticas, bem mais exequíveis, não discriminatórias porque mais claras. A distinção abriu a “caixa de Pandora” em relação a uma outra situação, que é a seguinte:
Onde se colocam as agências de viagens que apenas se dedicam ao incoming, que na esmagadora maioria, ou totalidade das suas transacções, vendem b2b e b2c a empresas e cidadãos estrangeiros, que não podem recorrer ao FGVT?
Pretende o Estado que essas empresas deixem de ser agências de viagens?
Parece à APAVT que é iníquo fazer a distinção, ora plasmada na lei, sem a levar às últimas consequências, isentando da contribuição para o FGVT, as empresas que apenas se dedicam à actividade de recepção de turistas estrangeiros. b) PERMISSÃO DE CONCORRÊNCIA DIRECTA DO ESTADO ÀS EMPRESAS PRIVADAS
Com este novo diploma, o Governo abriu a possibilidade de comercialização de serviços que são exclusivos das Agências de Viagens a entidades que prossigam atribuições públicas de promoção de Portugal ou das suas regiões enquanto destino turístico.
Entende a APAVT que não incumbe ao Estado intervir/concorrer com os operadores privados no mercado, principalmente em áreas em que o interesse público não está patente.
Esta nova redacção permite a comercialização de produtos e serviços turísticos (excepto viagens organizadas) por entidades públicas, por entidades em que o Estado participe ou tenha contribuído com capitais públicos para a sua implementação.
Estamos a falar dos portais Web subsidiados pelo Governo, pelas Câmaras Municipais, pela Administração Pública via Turismo de Portugal que, até à data apenas serviam para aquilo para que foram criados, ou seja, a promoção do destino Portugal.
Acresce que, estando as Agências de Viagens, por força de normas europeias, sujeitas a uma disciplina fiscal própria em sede de IVA (que o Governo aplica mal e que levou à instauração do respectivo processo de infracção junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias), esses portais concorrem directamente com as Agências de Viagens e não estão sujeitos à mesma disciplina, sendo portanto fiscalmente mais competitivos.
Note‐se que a errada interpretação que o Governo insiste em manter a nível das regras do IVA faz com que um serviço comercializado pelo portal seja mais barato 18% do que o mesmo serviço se contratado numa agência de viagens.
A APAVT entende que esta nova redacção legislativa por parte do Governo viola as regras da concorrência, penalizando a iniciativa privada, o que deve ser evitado a todos os títulos.
c) TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIOS DAS EMPRESAS PORTUGUESAS FACE ÀS EMPRESAS ESTRANGEIRAS
A APAVT entende como não de somenos importância, o facto desta nova lei abrir um regime mais favorável às empresas estrangeiras que queiram inscrever‐se no RNAVT para exercer a actividade em Portugal.
Decorre dos princípios da Directiva “Bolkestein” que as agências de viagens que operam num determinado Estado Membro poderão, em síntese, exercer a sua actividade noutro Estado Membro sem que para tal lhe possam ser exigidas prestações diferentes daquelas que lhe são exigidas no seu Estado de origem.
Por isso a APAVT, sem se opor a isso, (opõe‐se sim à discriminação negativa das empresas nacionais) tem a certeza que as agências estrangeiras começarão a operar em Portugal sem apresentarem as Garantias que são exigidas às agências portuguesas.
É má técnica legislativa, é má prática legislativa e cria um regime de desfavor das empresas nacionais em relação às empresas dos outros países comunitários.
É evidente e finalmente, quanto a esta matéria que, os consumidores terão dois pesos e duas medidas na apreciação das suas reclamações em termos de garantia, consoante a entidade onde adquiram o serviço.
É uma tentativa de condicionamento do mercado ao arrepio dos princípios que enformam a Directiva Comunitária.
d) RESPONSABILIZAÇÃO COLECTIVA DAS EMPRESAS PELAS (MÁS) PRÁTICAS DAS OUTRAS PELA CRIAÇÃO DO FGVT A APAVT entende que a liberalização do sector constitui uma janela de oportunidade para as empresas, mas a questão das garantias a prestar merece a frontal oposição da associação. Aliás, não só da associação mas também da DECO (Associação para a Defesa do Consumidor) que, em reuniões conjuntas com os membros do Governo, também se mostrou absolutamente contrária ao regime impositivo que o Governo entendeu estabelecer e que acabou por prevalecer.
De facto, quanto à alteração do regime de garantias, a APAVT tinha vindo a alertar o Governo para um deficiente controlo destas, que eram prestadas, como era normal, individualmente, por cada uma das empresas licenciadas para exercerem a actividade. Com o sucedido no Caso “Marsans” a APAVT confirmou os seus piores receios, ou seja, de que efectivamente o regime de Garantias estava a ser mal aplicado e mal controlado pelo Governo e pela Administração Pública. Esta falta de fiscalização, juntamente com a publicidade que foi dada ao Caso Marsans, vieram tornar premente a necessidade de alterar o regime das garantias e acima de tudo a sua fiscalização, alterações essas que a APAVT desde a primeira hora apadrinhou.
A APAVT entende que a alteração do regime das garantias deveria ter sido feita de molde tal que transmitisse credibilidade ao sector e, principalmente, transmitisse confiança aos clientes das Agências de Viagens, os consumidores.
O Governo, tentando resolver uma questão complicada de que era e é responsável directo, criou um regime em que toda e qualquer uma das empresas que actuam no mercado seja responsável pela actuação de toda e qualquer uma das suas congéneres, ou seja, criou um regime obrigatório de solidariedade que é inaudito, ao arrepio do mercado e dos princípios que regem a livre iniciativa privada.
Na verdade, o diploma criou um Fundo de Garantia de Viagens e Turismo (FGVT), com fundos das próprias empresas, e estatui que tal Fundo responde na íntegra pelo incumprimento dos contratos celebrados por uma empresa com os seus clientes, nomeadamente, respondendo pelo reembolso das quantias entregues pelos clientes que não usufruam dos serviços contratados.
Está pois aberta a porta, através deste regime da solidariedade obrigatória, para que uma empresa possa ludibriar os seus clientes, recebendo verbas, que podem ser avultadas (veja‐se o caso Marsans, onde chegámos a valores a rondar o meio milhão de euros) sabendo que todas as outras empresas do sector irão pagar os prejuízos causados.
Não existe na ordem jurídica portuguesa semelhante fundo, que penaliza empresas cumpridoras em detrimento de empresas menos escrupulosas, e que afecta a livre concorrência de modo directo como este modelo agora instituído o faz. A APAVT entende que, um sistema de garantia solidário não pode ser imposto porque vai ao arrepio do mercado e dos princípios que regem a nossa ordem jurídica, mas pode e deve ser voluntário e, portanto, saudavelmente adoptado pelas empresas.
Assim, estas saberão a cada momento quem garantem, se o querem fazer, ou se, pura e simplesmente não pretendem cobrir responsabilidades de terceiros.
Deve a APAVT esclarecer que desde há anos tem pugnado pela criação de um modelo voluntário de garantia solidária; a questão não está consequentemente centrada na criação do fundo proposto pelo Governo, mas no modo de constituição do mesmo, bem como a sua
aplicação.
Considerando que o Governo sempre mostrou total irredutibilidade na questão do Fundo de Garantia solidário, a APAVT em determinado passo do processo negocial propôs em alternativa que as suas associadas pudessem entregar declaração subscrita pela APAVT em como estariam cobertas por apólice colectiva subscrita pela associação, a qual cobriria a responsabilidade de todos e cada um dos seus membros, podendo aqui sim, e se estes o entendessem, ser emitida em regime de solidariedade. E esta é a diferença principal entre as propostas da APAVT e aquilo que o Governo impôs às empresas. Continuamos a defender as virtualidades do modelo que apresentámos. Finalmente, uma lei só é boa quando satisfaz todos os interesses “em jogo”, os interesses dos consumidores, o interesse das empresas, e o interesse geral do país, ou seja, do Estado.
Esta lei só defende o interesse do Estado numa visão conservadora, colectivista, sem considerar os interesses das empresas e dos consumidores, impondo uma solução pensada à
mas voltando a cair no mesmo erro, só que agora pagando o justo pelo pecador, obrigando todas as empresas a pagaram pelo erro de poucas.
Com isto o Estado descapitaliza o sector, que atravessa uma crise difícil dada a situação económica do Pais, em aproximadamente 7.000.000 de euros que reterá em fundo por si gerido, o que é incompreensível para as empresas, além de que, o valor em questão não tem qualquer sustentabilidade histórica, nem sequer explicação plausível. Efectivamente, as incidências que prejudicaram directamente os consumidores – e é essa a nossa preocupação – são de valores muito menores do que o pretendido pelo Governo.
As empresas fá‐lo‐ão se assim o entenderem, recusam‐se a fazê‐lo por imposição do Estado que apenas pretendeu esconder a deficiência e incapacidade reguladora do Governo e dos serviços que este tutela.
É fácil esconder a falta de regulação com a exigência de mais contribuições às empresas.
É menos próprio não permitir que o dinheiro destas seja gerido de forma a que os mecanismos de auto‐regulação por elas criados, através da sua Associação, sejam os únicos beneficiários dos rendimentos do Fundo para o qual contribuem em exclusividade.
É, finalmente, iníquo que o Estado se aproprie do rendimento desse Fundo.
A APAVT entende que as empresas a operar no mercado já pagaram o suficiente para não merecerem este tipo de tratamento, de desconsideração e desrespeito pela sua actividade. Lisboa, 11 de Maio de 2011