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ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA PRESSUPOSTOS

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Tribunal da Relação de Lisboa

Processo nº 1334/18.3T8ALM-C.L1-7 Relator: CARLOS OLIVEIRA

Sessão: 13 Abril 2021 Número: RL

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: IMPROCEDENTE

ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA PRESSUPOSTOS VALOR DA RENDA ALTERAÇÃO DA RENDA FIXADA

ERRO NO MEIO PROCESSUAL

Sumário

1. Da remissão constante do Art. 389.º n.º 1 para o Art. 386.º n.º 2, ambos do C.P.C., resulta que o pedido de alteração de arbitramento de reparação

provisória deve ser feito no mesmo processo em que a decisão de arbitramento a modificar foi primeiramente tomada.

2. Tendo a parte deduzido o pedido de alteração da renda arbitrada em processo autónomo, mas por apenso ao da providência cautelar de

arbitramento de reparação provisória, e tendo esse procedimento seguido a tramitação aplicável, em conformidade com o previsto no Art. 385.º “ex vi” Art. 389.º n.º 1 do C.P.C., o vício verificado é o estabelecido no Art. 193.º do C.P.C., de “erro na forma de processo ou no meio processual”, o qual, por não se traduzir em qualquer prejuízo para a defesa do Requerido, é inconsequente, dado que só poderia determinar que esse apenso fosse incorporado no

procedimento cautelar inicial.

3. São pressupostos da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória: 1.º A existência de indícios suficientemente fortes quanto à obrigação de indemnizar por parte do requerido; 2.º A verificação duma situação de necessidade; e 3.ª O nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo Requerente e a situação de necessidade que fundamenta o recurso à tutela cautelar.

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renda devida como reparação provisória do dano: o rendimento auferido pelo lesado antes do facto danoso, o estilo de vida do lesado e o valor provável da indemnização que deve ser arbitrado na ação principal.

5. Provando-se os rendimentos efetivos antes do sinistro que obriga ao pagamento da indemnização, a consideração do “padrão de vida” do lesado não deve ser definido, necessariamente, ou apenas, pelo rendimento declarado para efeitos fiscais em Portugal.

6. A renda arbitrada deve ser adequada a colmatar as necessidades efetivas e atuais de habitação, vestuário, educação e bem-estar do lesado e dos

familiares que dele dependam.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- Relatório:

A intentou contra B [ Seguradora ....,S.A.] o presente procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória, pedindo que lhe seja arbitrada uma renda mensal de €10.085,59.

Alega para tanto a ocorrência de acidente de viação de que foi vítima, em decorrência do qual sofreu traumatismo craniano que determinou um quadro neurológico irreversível e a assistência que lhe foi prestada na sequência do atropelamento por veículo cuja responsabilidade civil pela circulação se encontrava transferida para a R., sendo o Requerente o sustento da família, constituída por si, esposa e dois filhos estudantes, auferindo em Angola, por conta de outrem, remuneração que atingia cerca de €6.000,00 por mês. Reiterou o já vertido nas anteriores providências atinente às condições de vida, antes e depois do acidente, e as dificuldades sobrevindas mercê do reconhecimento da incapacidade de 95% que lhe foi fixada por Junta Médica da Segurança Social.

Alegou agora ter sido submetido a um conjunto de tratamentos na Clínica C desde agosto de 2018 até fevereiro de 2019, que implicavam a deslocação a Alfragide e que, depois de despender mais de €60.000,00, não teve meios para continuar, pelo que passou a ser sujeito a fisioterapia, três vezes por semana, ministrada por fisioterapeuta que se desloca à residência diariamente.

Elencou os cuidados medicamentosos, de enfermagem, de alimentação, ajuda de terceira pessoa de que necessita e respetivos custos, que computa em €6.085,59, para suporte da qual se revela insuficiente a renda que lhe foi fixada em sede cautelar.

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verificar necessidade do arbitramento da renda no montante requerido e que não se alteraram as circunstâncias justificativas relativamente a procedimento já decretado.

Findos os articulados, realizou-se a audiência final, circunscrevendo-se a prova à questão dos danos, em face do que já havia sido decidido na primeira providência cautelar instaurada pelo mesmo Requerente, mantendo-se a matéria que ali já havia sido apurada indiciariamente no que toca à dinâmica do acidente.

Concluída a discussão da causa foi proferida decisão final que julgou parcialmente procedente a presente providência cautelar, condenando a Requerida a pagar ao Requerente, como reparação provisória do dano causado pelo sinistro, a renda mensal de €7.073,09, devida desde 1 de fevereiro de 2021, e absolvendo a mesma do demais peticionado. É dessa decisão final que a Requerida vem agora interpor recurso de

apelação, constando do final das respetivas alegações as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo

Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, nos autos de arbitramento de reparação provisória à margem referenciados, datada de 15.02.2021. 2. A sentença recorrida, para além de caucionar o recurso a um meio

processual desadequado ao pedido formulado, preconiza uma menos acertada apreciação da prova produzida em audiência de julgamento que levou uma errada decisão quanto à matéria de facto, o que resultará evidente das presentes alegações.

3. O procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, tal como se encontra previsto no CPC, não permite a cumulação sucessiva de diversas providências cautelares, do mesmo tipo e com o mesmo objeto, apensas à mesma ação.

4. Determinada que foi, com os respetivos pressupostos, a primeira

providência, a sua alteração ou cessação, jamais são dependência de uma nova providência, mas sim da alegação e prova da alteração das

circunstâncias que justifiquem essa alteração, através de um incidente

próprio, o que não foi feito pelo meio processualmente adequado – Ac. do TRP de 04.07.2007 http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/

c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/8a349c67016d2d198025731c0045dc8e? OpenDocument

5. A alteração ou cessação da providência decretada, tirando as condições específicas de caducidade, apenas pode ocorrer, em virtude da alteração, num sentido ou noutro, da situação de necessidade.

6. Permitir este procedimento, como aliás já sucedeu nos presentes autos, constituiu uma prejudicial desestabilização da instância, sem qualquer

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cobertura legal e, no limite, uma violação da autoridade de caso julgado no tocante a um dos pressupostos do respetivo decretamento.

7. Ao contrário do decidido, devia a Requerida ter sido absolvida da instância, por manifesta desadequação do meio processual em causa, com as legais consequências, o que se requer.

8. Deve a sentença proferida ser revogada e substituída por douto acórdão que absolva a Requerida da instância, com as legais consequências.

9. O ponto 32) da matéria de facto provada correspondente ao artigo 34) do requerimento inicial devia ter sido dado como não provada por total ausência de prova que o confirme, o que se requer.

10. O ponto 48) da matéria de facto provada correspondente ao artigo 53) do requerimento inicial devia ter sido dado como não provada por total ausência de prova que o confirme, o que se requer.

11. O ponto 50) da matéria de facto provada correspondente ao artigo 56) do requerimento inicial devia ter sido dado como não provada por total ausência de prova que o confirme.

12. Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que considere não provados os pontos 32), 48) e 50) da matéria de facto provada, com as legais consequências.

13. Em termos clínicos, os únicos meios de prova produzidos nos presentes autos foram um “parecer médico-legal” / orçamento particular e o depoimento do perito médico-legal Gonçalo ... .

14. No tocante ao “parecer médico-legal” / orçamento elaborado a pedido da família, o mesmo, para além de reproduzir o teor do relatório do INML com quase 3 anos, consiste, essencialmente, na descrição e orçamentação dos alegados custos assistência do Requerente, dos medicamentos, aos toalhete, passando pela alimentação e pelo auxílio de terceira pessoa (onde

diligentemente se remete para o orçamento da empresa privada prestadora de serviços) matéria que, manifestamente, exorbita das competências de um médico-legista.

15. Trata-se de uma espécie de parecer a la carte, com proposta chave-na-mão e abrangendo todas as áreas assistenciais, com indicação de preços e junção de orçamentos, apresentado como documento clínico e subscrito por um médico que, afinal, nem sequer depôs como testemunha.

16. Quanto ao depoimento do médico Gonçalo … – como se disse, o único médico ouvido nos autos – que prestou um longo depoimento quanto à

situação clínica do Requerente, às respetivas necessidades assistenciais e ao respetivo preço – vide ata da audiência de julgamento de 03.02.2021,

depoimento gravado em Sistema H@bilus Media Studio com início no minuto 00.16m.22s e final ao minuto 01h.07m.01s - não é feita qualquer referência ao

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mesmo em toda a sentença, tudo se passando como se ele nem sequer tivesse sido ouvido.

17. Compreende-se a reserva do Tribunal quanto ao depoimento deste perito médico-legal arrolado como testemunha já que, com base no mesmo, foi arguida pela ora Requerida, no âmbito dos autos principais, a nulidade do RELATÓRIO DA PERÍCIA DE AVALIÇÃO DO DANO CORPORAL EM DIREITO CIVIL, efetuado pelo serviço de clínica e patologia forenses da DELEGAÇÃO SUL DO INML, IP, requerimento que se encontra pendente de apreciação. 18. Numa matéria de enorme especificidade técnica, como seja a de

determinar os cuidados de saúde carecidos pelo Requerente atenta, nomeadamente, a respetiva evolução, mais nenhuma prova clínica, com qualquer suporte científica, foi produzida.

19. Sendo que, o depoimento da testemunha/perito arrolado nos autos, foi totalmente ignorado, ao ponto de nem sequer ser referido na motivação da sentença.

20. Sem prejuízo dos já impugnados pontos da matéria de facto, resulta manifesto que os elementos probatórios carreados para os autos não foram suficientes para fundamentar o decretamento da providência (ou, melhor dizendo, alteração da providência decretada) o que sempre devia ter determinado a respetiva improcedência, o que se requer.

21. Dificilmente se percebe, mesmo no contexto vindo de descrever, que na sentença proferida se omita totalmente qualquer referência ao depoimento do perito/testemunha Gonçalo ... .

22. Ou bem que o Tribunal considera o depoimento do mesmo admissível e credível e refere-o na motivação ou, pelo contrário, lhe retira credibilidade e, neste último caso, extrai as devidas consequências no tocante,

nomeadamente, à procedência do pedido.

23. Os dois pressupostos considerados pelo Tribunal para temperar o juízo de equidade que presidiu à determinação do valor da renda mensal fixada,

concretamente, os rendimentos do Requerente antes do acidente e as supostas melhorias e benefícios dos tratamentos para a sua condição física, conforme o supra alegado, não resultam demonstrados por manifesta insuficiência de prova para o efeito.

24. E ainda que assim não fosse, o valor arbitrado, no contexto

socioeconómico em causa e atentas as necessidades imprescindíveis do Requerente, sempre seria exagerado.

25. Neste contexto e ante o perfil socioeconómico de um agregado familiar que beneficia de apoio judiciário e declarou €3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros) de rendimento anual à Autoridade Tributária, torna-se difícil, para não dizer, impossível, aceitar o valor arbitrado, que, mais não fosse,

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excede os parâmetros da equidade prudente e não deixa de causar alguma erosão na confiança que se deve ter nas instituições e de que os Tribunais são primeiros guardiões.

26. Tratando-se de uma decisão indiciária e cautelar e considerando os

elementos resultantes dos autos, a ser alterada a decisão arbitral já fixada, a mesma nunca deverá ser fixada em valor superior a €3.000,00/mês, suficiente para assegurar um rendimento condigno à família e, ainda, suportar as

despesas inerentes a situação do Requerente.

27. A sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios legais, o disposto nos artigos 388.º e seguintes do CPC.

Pede assim a procedência do recurso em conformidade com as conclusões apresentadas.

O Requerente da providência cautelar respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:

I. Não merece censura a decisão proferida pelo tribunal a quo.

II. Ainda que conste nas alegações, nas respetivas conclusões a R. não coloca em crise a responsabilidade indiciária, e porque bem sabe que não lhe assiste qualquer razão para inverter o que já foi decidido. Pois se atendermos à prova entretanto produzida nos autos principais só firmamos a convicção de que o condutor do veículo seguro na R. deu causa ao acidente. E quanto aos 2.7 n/g de canabinóides detetados no sangue daquele condutor, bem sabe a R. que a única conclusão do INML é de que quando se retirou a amostra (+de 3horas depois do acidente) aquele componente estava inativo – o que não significa que não estivesse ativo no momento do acidente – aliás, segundo aquele condutor todos os seus amigos, todos os dias e mesmo nesse dia, consomem droga junto de si!)

III. O meio processual utilizado pelo requerente, providência cautelar de arbitramento de reparação provisória do dano foi o meio adequado à realização do seu direito.

IV. O Acórdão TRP de 04.07.2007 invocado pela recorrente não se debruça sobre a questão do meio formal adequado para uma segunda providência cautelar.

V. O Acórdão referido pela recorrente julga improcedente a exceção de caso julgado aquando do requerimento de nova providência cautelar.

VI. O Acórdão citado pela recorrente julga procedente o recurso interposto pelo requerente da segunda providência cautelar.

VII. Na sentença proferida foi devidamente fundamentada com recurso a decisões de tribunais superiores, que o meio processual utilizado pelo requerente foi o adequado.

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nº 1709/18.8T8BJA-B.E1 nada obsta a que seja requerida uma nova

providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, desde que se encontrem preenchidos os requisitos de que a lei faz depender o seu

decretamento.

IX. Não há elementos para alterar a matéria de facto, tendo a mesma sido devidamente fundamentada.

X. A R. invoca que os pontos 32, 48 e 50 padecem de total ausência de prova, porém volvida a sentença a mesma fundamenta expressamente aqueles factos com a decisão já proferida sobre anterior providência cautelar, ausência de prova que infirme os factos já assentes, os relatórios médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal, o parecer médico-legal do Dr. Gonçalo …, o

orçamento de ajuda de terceira pessoa e os depoimentos das testemunhas Melissa ..., Faizal ... e Francisco ... .

XI. Não corresponde assim à verdade que os pontos 32, 48 e 50 carecem de prova.

XII. A R. faz tábua rasa aos dois relatórios médico legais elaborados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, juntos aos autos no apenso B e nos autos principais, que atestam todas as necessidades médicas do lesado. XIII. A R. tenta desvirtuar o depoimento do Dr. Gonçalo ... e invoca ainda o requerimento de arguição de nulidade do primeiro relatório do INML (volvidos 2 anos) (que não obsta ao 2º relatório também do INML) que já foi objeto de resposta pelo ora recorrido na medida em que aquele não tem qualquer cabimento ou sequer suporte probatório e será naturalmente improcedente. XIV. A R. invoca que o valor arbitrado de €7.073,09 é exagerado, o que

chocaria o comum dos mortais se atentarmos que o lesado é uma pessoa que está para sempre totalmente dependente de terceiros para todos os atos da vida diária!

XV. A R. invoca que desde o acidente o lesado já recebeu uma média de 9.471,33€ por mês, mas não refere que durante esse mesmo período teve prejuízos superiores a 9.603.47€ mensais.

XVI. Em 2007 o capital mínimo de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel era de 1 milhão e duzentos mil euros para os danos corporais e hoje é de 7 milhões de euros.

XVII. Os prémios de seguros cada vez mais caros, que muitos pagamos, servem precisamente para responder ao aumento dos capitais mínimos que por sua vez existem para dar resposta a situações graves como a dos autos. XVIII. Aceitar a posição da R. significa retirar ao lesado tratamentos e serviços que o mesmo necessita e que aquela está obrigada a reparar.

XIX. Requer-se JUSTIÇA mantendo a decisão recorrida!

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sentença proferida. *

II- QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Art.s 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da

qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal

conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido

anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes: a) O erro de forma do procedimento e a eventual violação do caso julgado; b) A impugnação da impugnação da matéria de facto; e

c) O valor da renda fixado na decisão recorrida. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. *

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida relevou a seguinte factualidade que julgou por provada: 1) No dia 28 de fevereiro de 2017, pelas 19 horas e 25 minutos, na Avenida 23 de Julho, freguesia de Laranjeiro e Feijó, concelho de Almada, em frente à superfície comercial “Good Mart”, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes, o veículo com matrícula XX-SF-XX (doravante designado SF) e o requerente, enquanto peão (ponto 1) do requerimento inicial).

2) A artéria é constituída por 2 vias, uma para cada sentido, sem separador central (ponto 2) do requerimento inicial);

3) O SE, um automóvel ligeiro de passageiros, da marca Renault, modelo Mégane de 2013, era conduzido por Hugo ... (ponto 3) do requerimento inicial);

4) O SE circulava no sentido Norte-Sul, direção Almada-Seixal (ponto 4) do requerimento inicial);

5) O requerente efetuava a travessia da referida faixa de rodagem (ponto 5) do requerimento inicial);

6) E no local devidamente sinalizado como travessia de peões (ponto 6) do requerimento inicial);

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veículo tripulando com a presença de canabinóides no sangue quantificados em 2,7 ng/ml (ponto 7) do requerimento inicial);

8) O que fez não ver o requerente e foi colher este, violentamente, logo na passadeira (ponto 8) do requerimento inicial);

9) Depois de ainda ter tentado travar (ponto 9) do requerimento inicial); 10) O embate deu-se entre a frente do SE e o corpo do requerente (ponto 10) do requerimento inicial);

11) Sendo este imediatamente projetado contra o para-brisas e de seguida para o solo, embatendo neste com a cabeça (ponto 11) do requerimento inicial);

12) O estado do tempo era bom e o local apresentava boa visibilidade (ponto 12) do requerimento inicial);

13) A velocidade máxima permitida no local era de 50 km/h (ponto 13) do requerimento inicial);

14) O requerente ficou gravemente ferido, pelo que compareceram no local 8 elementos, 4 da Cooperação de Bombeiros de Cacilhas, 2 dos Bombeiros Voluntários de Almada, um médico e um enfermeiro do Hospital Garcia de Orta (ponto 14) requerimento inicial);

15) Que lhe prestaram os primeiros socorros e de seguida o transportaram de urgência para o Hospital Garcia de Orta (ponto 15) do requerimento inicial); 16) Ao local do acidente deslocou-se ainda a Polícia de Segurança Pública de Almada que tomou conta da ocorrência (ponto 16) do requerimento inicial); 17) A responsabilidade civil inerente à circulação do SE estava transferida para a requerida, através da apólice n.º 7010366876 (ponto 17) do

requerimento inicial);

18) Atenta a gravidade das lesões sofridas, o requerente ficou de imediato internado no Hospital Garcia de Orta (ponto 18) do requerimento inicial); 19) Ali entrou para a sala de reanimação com score 7 na escala de Glasgow por traumatismo crânio-encefálico, fratura do membro superior esquerdo e membro inferior esquerdo (ponto 19) do requerimento inicial);

20) Vomitava abundantemente (ponto 20) do requerimento inicial);

21) Apresentava pupilas iso/iso sem resposta verbal ou motora e foi sedado com propofol e EOT (ponto 21) do requerimento inicial);

22) Fez vários exames como TAC e Raio X, onde se confirmaram as fraturas e foi encaminhado para o bloco operatório (artigo 22º do requerimento inicial); 23) Ali ficou internado e foi submetido a intervenção cirúrgica, em 28 de

Fevereiro de 2017, por craniectomia descompressiva esquerda com drenagem e hematoma subdural agudo, e imobilizados os membros fraturados (ponto 23) do requerimento inicial);

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cranioplastia e colocação de derivação ventrículo-peritoneal (ponto 24) do requerimento inicial);

25) Aos 23 de maio de mantinha-se internado no Hospital Garcia de Horta a aguardar colocação em rede de cuidados continuados e já com quadro clinico do ponto de vista neurológico de impossibilidade de recuperação (ponto 25) do requerimento inicial);

26) O autor nunca mais voltou a falar ou mover-se. Sendo que necessita de ainda tentar alguma recuperação, os quais lhe foram ministrados na Clínica do Norte do Instituto Luso-Cubano de Neurologia (ponto 26) do requerimento inicial);

27) Aos 30 de maio de 2017, por junta médica da Segurança Social, é fixado ao A. uma incapacidade de 95% (ponto 27) do requerimento inicial);

28) O requerente é casado com Nilam ..., doméstica, e têm dois filhos maiores, um deles estudante (ponto 28) do requerimento inicial);

29) Vivem todos no mesmo local, sendo que o requerente trabalhava no estrangeiro (ponto 29) do requerimento inicial);

30) O sustento do agregado familiar era o requerente que o assegurava, uma vez que era o único que trabalhava (ponto 30) do requerimento inicial);

31) O requerente era trabalhador dependente na Bazzeti Angola com a categoria profissional de Diretor Comercial (ponto 31) do requerimento inicial);

32) Auferia mensalmente e em média 200.000,00 Kwanzas, ou seja, cerca de 1.000,00€, como trabalhador dependente, e 1.000.000,00 de Kwanzas o equivalente a 5.000,00€ como trabalhador independente (artigo 32º do requerimento inicial);

33) Em Portugal, o requerente e a esposa declaravam rendimentos prediais no valor de 3.750,00€ (ponto 33) do requerimento inicial);

34) Uma vez que o requerente, nunca mais se conseguiu sequer mover desde o acidente, nunca mais trabalhou e não auferiu qualquer rendimento (ponto 34) do requerimento inicial);

35) O local onde o agregado familiar reside consubstancia um imóvel

propriedade do requerente e sua esposa, com hipoteca a entidade bancária, pelo qual liquidam uma prestação mensal de cerca de €500,00 (ponto 36) do requerimento inicial);

36) Em fornecimento de água, eletricidade, gás e serviços de televisão,

internet e telefone, o agregado despende mensalmente a quantia de €400,00 (ponto 37) do requerimento inicial);

37) Com alimentação o agregado familiar, incluindo o requerente, despende mensalmente a quantia de €600,00 (ponto 38) do requerimento inicial); 38) Em vestuário, educação, saúde, comunicações, condomínio e seguros o

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agregado despende mensalmente a quantia de €300,00 (ponto 39) do requerimento inicial);

39) O requerente foi submetido, na Clínica do Norte do Instituto Luso Cubano de Neurologia, a um programa de reabilitação efetuado em ciclos de 4

semanas, custando, cada um, €6.350,00 (ponto 40) do requerimento inicial); 40) Após, em julho de 2018, ter sido avaliado pelo responsável da C João ..., em agosto de 2018, o requerente iniciou na C, localizado no concelho de Lisboa, programa de reabilitação neurológica, estimulação neuro sensorial e cognitiva para promoção do nível de consciência, com a duração de seis

meses, que contempla várias valências, sendo mais abrangente do que aquele que lhe foi ministrado na Clínica do Norte do Instituto Luso-Cubano de

Neurologia (ponto 41) do requerimento inicial);

41) O tratamento iniciado pelo requerente na unidade referida no ponto

antecedente em agosto de 2018, prolongou-se por mais seis meses (ponto 42) do requerimento inicial);

42) Durante aquele período uma vez que a clínica se situa em Lisboa, o

requerente era transportado todos os dias do seu domicílio em Amora para a fundação AFID em Amadora- Alfragide (ponto 43) do requerimento inicial); 43) Após data não apurada, requerente passou a beneficiar de tratamentos de fisioterapia e osteopatia, 2 a 3 vezes por semana, com um fisioterapeuta que se desloca ao seu domicílio (pontos 43) e 48) do requerimento inicial);

44) E realiza fisioterapia e osteopatia diariamente com familiares (artigo 45º do requerimento inicial);

45) Mas continuava e continua a necessitar daqueles tratamentos (ponto 46) do requerimento inicial);

46) O requerente apresenta as seguintes lesões/sequelas consequentes do acidente:

a. Clínica compatível com dupla hemiparesia espástica, enquadrável em Na0103 e fixável num Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 94 pontos;

b. Acamado;

c. Realizando transporte em cadeira de rodas;

d. Com tónus muscular aumentado nas extremidades e pescoço; e. Mantendo alguma intenção em comunicar, emitindo sons; f. Alimentando-se por PEG;

g. Sem necessidade de respiração assistida;

h. Com escara de decúbito na região coccígea, entre outros de menor relevo; i. Totalmente dependente de terceiros (ponto 47) do requerimento inicial); 47) O requerente carece permanentemente de ajudas medicamentosas cujo custo ascende a €401,59 por mês (pontos 48) e 50) do requerimento inicial);

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48) O requerente necessita de reabilitação neurológica multidisciplinar vitalícia, como forma de obter melhoria de força muscular e de trofismo, tentar formas de comunicação, melhorar e aumentar amplitude dos movimentos articulares do pescoço, dos joelhos e dos quadris, trabalhar

postura de equilíbrio na posição de sentado, fortalecimento muscular inclusive respiratório, entre outros, fixável em tratamentos das seguintes

especialidades, com um custo mensal de € 2.784,00 (ponto 53) do requerimento inicial);

49) O requerente necessita, ainda, de apoio médico e/ou de enfermagem, para avaliação da tensão arterial, administração de injeções e/ou vacinas, aplicação de soro, algaliações, entubações, realização de pensos, entre outros cuidados continuados e paliativos, tais como realização de análises clínicas, fixável em € 150,00/mês (ponto 54) do requerimento inicial);

50) O requerente necessita do auxílio de terceira(s) pessoa(s), fixável em 24 horas diárias para realização de todas as atividades da vida diária,

nomeadamente prestação de cuidados de higiene e conforto pessoal,

assistência medicamentosa, confeção e administração das refeições e reforço hídrico, mobilização, posicionamento e transferências, tratamento da roupa, limpeza e arrumação do domicílio, supervisão e acompanhamento, entre

outros pontuais, de forma vitalícia, com custo mensal de €2.750,00/mês (ponto 56) do requerimento inicial);

51) Por decisão proferida em 04 de dezembro de 2017 nos autos de

procedimento cautelar (apenso A) foi arbitrada como reparação provisória do dano: 3 (três) prestações mensais no montante de €6.350,00, cada; e

€2.000,00 desde 01 de novembro de 2017 (ponto 54 da oposição);

52) Por decisão proferida em 25 de junho de 2019 nos autos de procedimento cautelar (apenso B) foi arbitrada como reparação provisória do dano: 12 (três) prestações mensais no montante de €6.889,00 (ponto 54 da oposição);

53) O requerente acionou uma apólice de seguro de vida por força da qual lhe foi paga uma indemnização de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) recebidos numa só prestação (ponto 59 da oposição);

54) O requerente recebe pensão de invalidez de €500,00; *

Foram ainda julgados por não provados os seguintes factos, que entendemos por bem dever numerar para melhor perceção e identificação:

Do requerimento inicial

1- O local do acidente configura uma faixa de rodagem ladeada por edificações urbanas, prédios, lojas, comércio e transportes. Era hora de ponta (ponto 2 A)).

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faixa de rodagem quando o semafórico assinalava a cor verde e quando de forma repentina é surpreendido pelo SE que aparece subitamente (ponto 7 do requerimento inicial).

3- Este circulava distraidamente (ponto 8 do requerimento inicial).

4- O veículo atropelante ficou com danos na frente, no capô, no vidro para brisas e até no tejadilho. (ponto 11 A)).

5- A frente do automóvel imobilizou-se 13 metros à frente do local do atropelamento, sendo o requerente projetado praticamente na mesma distância. (ponto 11 B)).

6- O requerente despende em alimentação diária, o custo mensal de €330,90 (ponto 51 do requerimento inicial).

Da oposição

7- O veículo seguro na requerida circulava na Avenida 23 de Julho, no sentido Norte-Sul, direção Almada/Seixal animado de uma velocidade moderada, de 30/40 Km/hora (18. e 19. da oposição).

8- O seu condutor tinha imobilizado a marcha nos semáforos imediatamente anteriores ao local em que ocorreu o acidente, por estarem de cor vermelha (20. da oposição).

9- Semáforos esses que distam cerca de 100 a 150 metros do local do acidente (21. da oposição).

10- Depois de, nas circunstâncias descritas retomar a sua marcha e após percorrer a referida distância, o condutor do veículo seguro aproximou-se de nova sinalização semafórica, situada em frente ao Centro Comercial GOOD MART (22. da oposição).

11- Que se apresentava, para os automóveis que circulavam no sentido do veículo seguro, de cor verde (23. da oposição).

12- E, correspetivamente, para os peões de cor vermelha (24. da oposição). 13- Tais semáforos dispõem de uma botoneira destinada a ser acionada pelos peões que pretendam atravessar a via, o que, forçosamente, implica que a sinalização semafórica para os peões só fique verde quando esse mesmo botão é acionado (25. da oposição).

14- Quando o veículo seguro, nas referidas circunstâncias, se aproximou dos semáforos surgiu súbita e inesperadamente, sem que nada fizesse prever ou antecipar, o requerente a circular a pé (26. da oposição).

15- O qual, sem parar ou sequer verificar se o podia fazer em segurança, iniciou a travessia da via, da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo seguro (27. da oposição).

16- Ignorou a sinalização de cor vermelha para os peões que se lhe apresentou (28. da oposição).

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de trânsito do veículo (29. da oposição).

18- E foi colhido, do lado esquerdo do seu corpo, na zona da perna, braço e cabeça, pela dianteira direita, do veículo seguro (30. da oposição).

19- No momento do acidente a visibilidade era reduzida, uma vez que, por ser de noite, inexistia luz natural e a via era, como é atualmente, ladeada por vegetação arbórea, nomeadamente do seu lado direito (31. da oposição). 20- A que acresce o facto de o Requerente envergar vestes de cor escura (32. da oposição).

21- O que, conjugado com o seu súbito aparecimento na via, impossibilitou, totalmente, que o condutor do veículo seguro conseguisse evitar o embate, travando, diminuindo a velocidade já de si moderada de que seguia animado ou antecipando-o por qualquer forma (33. da oposição).

22- Foi o peão, aqui requerente e infeliz vítima, o único e exclusivo responsável por este grave sinistro, já que, iniciou a travessia de forma distraída, descuidada e até temerária e sempre violadora das mais elementares normas de direito estradal (35. da oposição).

23- Atrás do veículo seguro na Requerida circulava outra viatura que, após o embate, se imobilizou atrás do mesmo (36. da oposição).

24- No sentido contrário àquele em que circulava o veículo seguro na

Requerida, imediatamente após o embate, circulavam outros veículos (36. da oposição).

25- Após o embate o veículo imobilizou-se a escassos 8 metros da passadeira (37. da oposição).

26- O corpo do Requerente ficou imobilizado no solo, junto à roda direita do veículo seguro (35. da oposição).

Tudo visto, cumpre apreciar. *

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

Delimitadas as questões a apreciar no presente recurso, iremos então delas tomar conhecimento pela sua ordem de precedência lógica, começando pela questão da exceção dilatória da inadequação do meio processual requerido e eventual violação do caso julgado.

1. Do erro de forma do procedimento e violação do caso jugado. A Recorrente veio chamar a atenção para o facto desta ser a terceira providência cautelar interposta pelo Requerente sobre a mesma matéria, sendo que apenas na primeira dessas providências é que a dinâmica do acidente foi indiciariamente apreciada, pois nas restantes apenas se apreciaram exclusivamente os danos. Entende, no entanto, que a matéria relativa ao acidente poderia ter sido reapreciada à luz dos meios de prova já produzidos nos autos principais, onde a produção de prova testemunhal já

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terminou e poderia determinar uma decisão diferente. Em todo o caso, sustenta agora que a sentença recorrida caucionou o recurso a um meio

processual inadequado ao pedido formulado, porquanto o Código de Processo Civil não permite a cumulação sucessiva de diversas providências cautelares, do mesmo tipo e com o mesmo objeto, apensas à mesma ação. Isto, porque, no seu entender, a reparação provisória é justificada por uma situação de

necessidade, sendo que as mesmas razões que justificaram a fixação da renda mensal devem fundamentar a sua alteração para um quantitativo superior ou inferior consoante a modificação da situação de necessidade avaliada pelo juiz na primeira decisão (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. IV, pág. 154). Assim, determinados os pressupostos da providência nos primeiros autos, a sua alteração ou cessação não deverá ser feita em nova providência, mas sim através da alegação e prova da alteração das

circunstâncias que justifiquem a modificação da decisão, através de um incidente próprio, conforme decidido no Acórdão do TRP de 4/7/2007

(disponível no sítio www.dgsi.pt/jtrp.nsf), o que não sucedeu no caso. No final defende que, admitir este procedimento, tal como feito no caso dos autos, constituiria uma “prejudicial desestabilização da instância”, sem qualquer cobertura legal e, no limite, uma violação da autoridade de caso julgado no tocante a um dos pressupostos do decretamento da providência. Pelo que, deveria a Requerida ter sido absolvida da instância, por manifesta

desadequação do meio processual em causa.

O Recorrido, por seu turno, põe em evidência que o citado acórdão do

Tribunal da Relação do Porto de 4/7/2007 não se debruça sequer sobre o meio processual utilizado (incidente ou novo procedimento), mas sobre a

legitimidade do requerente quando já havia uma outra providência cautelar, terminando por decidir pela improcedência da exceção do caso julgado e procedência da apelação do requerente dessa 2ª providência cautelar, ainda que aí se mencione, a título indicativo, o eventual recurso ao meio processual do incidente para prova da verificação concreta da modificação das

circunstâncias justificativas da alteração da medida, nos termos dos Art.s 1121.º e 401.º n.º 2 do C.P.C. pretérito, relativos às providências por alimentos provisórios e incidente em execução especial por alimentos. No fundo, o

referido acórdão limita-se a sugerir um eventual meio processual, sem decidir ou fundamentar sobre essa matéria, mas acaba por legitimar uma segunda providência cautelar sobre o mesmo objeto. Aliás, a possibilidade duma segunda providência foi admitida por Marco Gonçalves (in Procedimentos Cautelares”, pág. 326) citando o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/7/2020, proferido no processo n.º 1709/18.8T8BJA-B.E1, disponível no sítio “www.dgsi.pt”, que não vê óbice à opção do requerente de instauração de

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novo procedimento cautelar. Defende assim que o novo requerimento de arbitramento de reparação provisória do dano é um meio processual adequado.

Expostas assim de forma resumida a posição das partes, cumpre ainda referir que esta questão já havia sido suscitada pela Recorrente em sede de oposição à providência requerida, tendo a decisão recorrida apreciado a mesma nos precisos termos apresentados pelo Recorrido nas suas contra-alegações. Aí foi dito então não se concordar com a posição da seguradora, atenta à similitude deste procedimento cautelar especificado com procedimento de fixação de alimentos provisórios, no qual se prevê que a ocorrência de alteração das disponibilidades ou necessidades do alimentando podem dar lugar à transformação da anterior decisão, o que pode corresponder a um novo procedimento cautelar, tal como defendido por Marco Gonçalves (in “Procedimentos Cautelares”, pág. 326 apud Acórdão do TR de Évora de 14.07.2020, proferido no processo nº 1709/18.8T8BJA-B.E1, acessível in

www.dgsi.pt), que sustenta: «Assim, se as necessidades do requerente, que foram consideradas na decisão cautelar, tiverem, entretanto, sofrido

alterações, não existe obstáculo legal para que seja modificada ou revogada a prestação mensal que lhe tinha sido inicialmente arbitrada. / Atentas as suas finalidades, facilmente se compreende que, mostrando-se esgotado o capital máximo fixado numa providência cautelar de arbitramento de reparação

provisória e se o requerente continuar em situação de necessidade, nada obsta a que seja requerida uma nova providência cautelar de arbitramento de

reparação provisória, desde que se encontrem preenchidos os requisitos de que a lei faz depender o seu decretamento».

Apreciando, temos de relevar, em primeiro lugar, que o vício adjetivo que a Recorrente sugere ter ocorrido, só pode ser configurado como “erro na forma de processo ou no meio processual”, o qual tem a sua sede legal no Art. 193.º do C.P.C.. Sendo que, de acordo com desse preceito: «1- O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser

aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. 2-Não devem, porém, aproveitar-se os já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu. 3- O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo tribunal, determinando que se seguiam os termos processuais adequados».

Daqui decorre que a consequência jurídica do “erro de forma de processo ou no meio processual”, não é, primeiramente, a absolvição da R. da instância, tal como era pretendido por esta, mas sim a anulação e realização oficiosa pelo tribunal dos atos que forem havidos por necessários à conformação do meio

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processual utilizado ao meio processual tido por adequado.

Em segundo lugar, temos de reconhecer que estamos perante um

procedimento cautelar especificado que tem pressupostos e finalidades próprias, seguindo uma determinada tramitação processual que importa ter em consideração.

Desde logo, este procedimento tem por finalidade essencial permitir ao lesado antecipar o direito a indemnização que pretende ver realizado na ação

principal em situações de manifesta gravidade (Vide: Marco Filipe Carvalho Gonçalves in “Providências Cautelares”, 2017 – 3.ª Ed., pág. 295). Pretende-se por esta via obviar a uma situação de premente carência, antecipando-se a satisfação do direito em situações em que, em consequência de facto ilícito, tenha ocorrido dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou a habitação do lesado (Vide: Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª Ed., págs. 133 e 134). No entanto, essa tutela

antecipatória do direito, que assume evidentemente uma natureza provisória, está condicionada não só pelo julgamento que vier a caber ao caso na ação declarativa principal (v.g. Art. 390.º do C.P.C.), como também pela alteração das circunstâncias que possam ocorrer na pendência do julgamento da causa. Ora, nos 3 artigos que o Código de Processo Civil dispensa à regulação do procedimento cautelar de “arbitramento de reparação provisória” não prevê, diretamente, um meio processual tido por “adequado” para a possibilitar a alteração decisão provisória motivada pela modificação relevante das circunstâncias fácticas com base nas quais a providência foi decretada. No entanto, essa solução decorre do Art. 389.º n.º 1 do C.P.C., onde se refere que se aplica ao procedimento de “arbitramento de reparação provisória”, com as necessárias adaptações, o disposto no procedimento relativo a “alimentos provisórios”. Sendo que o Art. 386.º n.º 2 do C.P.C., integrado no regime jurídico dessoutro procedimento cautelar típico, estabelece que: «Se houver fundamento para alterar ou fazer cessar a prestação fixada, o pedido é

deduzido no mesmo processo, observando-se os termos prescritos nos artigos anteriores».

Da conjugação destes normativos resulta que é admissível a alteração da prestação fixada em procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, sendo esse o único sentido da posição de Abrantes Geraldes, citada pela Recorrente. O que, aliás, veio a ser reafirmado, pelo mesmo Autor, ainda que em obra conjunta, no Volume 1.º do “Código de Processo Civil Anotado”, quando aí se refere que: «as mesmas razões que justificaram a fixação da renda mensal podem fundamentar a sua alteração para um quantitativo superior ou inferior, consoante a modificação das circunstâncias (Art. 386.º, n.º 2)» (Ob. Loc. Cit., pág. 462).

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Também por força da remissão do Art. 389.º n.º 1 do C.P.C., essa alteração à providência cautelar só pode passar pela apresentação duma petição inicial (de alteração); com designação imediata do dia para julgamento; devendo a contestação ser apresentada na própria audiência; sendo aí logo produzida a prova requerida e proferida de imediato a sentença (Art. 385.º n.ºs 1, 2 e 3 do C.P.C.).

Ora, foi isso mesmo que, no essencial, se passou no caso dos autos, com a única especificidade de, em vez de ter sido deduzida a pretensão no apenso da primeira providência cautelar deduzida pelo Requerente (apenso “A”), foi apresentada num apenso autónomo (apenso “C”), mas sem que daí tenha resultado verdadeiramente qualquer diminuição nas garantias de defesa da Requerida. Nessa medida, ter o procedimento ocorrido em apenso autónomo ou em incidente nos autos do procedimento inicial acabou por ser

completamente indiferente para o julgamento da causa. O que nos leva à conclusão que o vício verificado é inconsequente, em função do disposto no Art. 193.º do C.P.C..

Refira-se ainda que, apesar das semelhanças entre o procedimento de

alimentos provisórios e de arbitramento de reparação provisória, não está em causa a previsão do Art. 936.º do C.P.C. (correspondente ao Art. 1121.º do C.P.C. pretérito) relativa à “execução especial por alimentos”. Essa execução especial, sim, é que deve ser deduzida por apenso ao processo onde é pedida a cessação ou alteração da prestação alimentícia (cfr. n.º 1 do Art. 936.º do C.P.C.).

Dito isto, não se nos oferece dúvidas que o presente procedimento cautelar requerido pelo lesado, tal como o anterior (apenso “B”), deveriam ter corrido termos nos autos a que corresponde agora o apenso “A”. Em todo o caso, a verificação desse vício formal é inconsequente, porque não se traduziu em prejuízo algum para nenhuma das partes.

Aliás, a prova produzida incidiu apenas sobre a matéria dos danos que alegadamente constituiriam o núcleo central dos factos que justificariam a alteração das decisões provisórias anteriores, mantendo a sentença todos os demais factos relativos à apreciação da responsabilidade pelos factos ilícitos e culposos que levaram à verificação do acidente que obriga ao pagamento de indemnização. Nessa medida, na prática, acabou por se respeitar o sentido efetivo da opção do legislador em determinar que o processo de alteração seguisse os seus termos no mesmo processo.

Em face do exposto, não haveria fundamento para absolver a R. da instância por ter sido formulado o pedido de alteração de arbitramento de reparação provisória em processo autónomo, mas por apenso aos arbitramentos

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C.P.C., conjugado com o Art. 386.º n.º 2 “ex vi” Art. 389.º n.º 1 do C.P.C., era que o apenso “C” e, bem assim o apenso “B”, deveriam ser incorporados no apenso “A”, sem qualquer outra consequência formal. O que, diga-se, é praticamente uma decisão inútil, porque inconsequente.

Quanto à violação do caso julgado é questão que verdadeiramente não se coloca no caso dos autos, porque o que estava em causa no quadro do procedimento constante do apenso “C” era a apreciação dum pedido de alteração da renda mensal fixada, com fundamento na modificação das

circunstâncias com base nas quais as decisões provisórias anteriores haviam sido tomadas. Nesse pressuposto, não se pode falar em completa identidade de causas de pedir e de pedidos, como é pressuposto dessa exceção dilatória (Art.s 576.º, 577.º al. i), 580.º n.º 1 e 581.º do C.P.C.).

Por um lado, o pedido formulado pelo Requerente só pode ser entendido com uma petição de alteração da renda mensal fixada. O que tem acolhimento no quadro legal do Art. 386.º n.º 2 do C.P.C., aplicável, com as devidas

adaptações, ao arbitramento de reparação provisória, como dispõe o Art. 389.º n.º 1 do C.P.C..

Por outro lado, é certo que a petição inicial do presente procedimento cautelar efetivamente repetiu, nos seus primeiros 41 artigos, a mesma matéria de facto que já constava do apenso “B”. Aliás, fez-se menção disso mesmo no final de cada um desses mencionados artigos. Só que o procedimento cautelar do apenso “B” resulta de petição inicial instaurada em 9 de maio de 2018 e teve despacho final que se mostra datado de 25 de dezembro de 2018, sendo que os factos 1) a 41) referem-se essencialmente à dinâmica do acidente e danos apurados até maio de 2018. Ora, na petição do presente procedimento

cautelar, que deu entrada em juízo a 7 de janeiro de 2021, a partir do artigo 42, são alegados factos ocorridos depois de agosto de 2018, sendo esse

articulado fundado essencialmente num “parecer médico-legal” que se mostra datado de 4 de janeiro de 2021. Portanto, é claro que não há repetição da mesma causa de pedir, no que se refere aos danos, sendo que são invocados factos novos que se traduzem numa atualização das despesas mensais do lesado, que justificam o pedido agora formulado.

Assim sendo, sem necessidade de maiores considerações, é evidente que improcedem no essencial as conclusões que sustentam o contrário do exposto e, sem prejuízo, de entendermos que o presente apenso “C” deveria ser

incorporado no apenso “A”, em conjunto com o apenso “B”, trata-se de vício formal inconsequente.

2. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A Recorrente pretende ainda impugnar a matéria de facto, não sem antes tecer considerações sobre as limitações que foram impostas à produção da

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prova em audiência, nomeadamente sobre a dinâmica e causas do acidente de viação que levaram a atropelamento do lesado, Requerente da providência cautelar.

Nesse contexto específico, pretende agora o Recorrente ainda relevar que na ação principal já foi produzida prova que poderia determinar a alteração do ponto 7 da matéria de facto indiciariamente provada na providência cautelar inicialmente instaurada.

Em causa está o facto de o condutor do veículo seguro pela Recorrente ter revelado a presença de canabinóides no sangue, quantificados em 2,7 ng/ml, sendo que a substância efetivamente em causa seria um “fármaco” que não afetaria a aptidão física, mental ou psicológica para conduzir.

Apreciando desde já esta matéria, diremos que esse facto não altera em nada a responsabilidade pelo acidente, em função da demais factualidade provada. No final, basta ter em atenção ficou provado que o condutor do veículo

segurado atropelou o lesado quando este atravessava a estrada numa

passadeira, que até estava devidamente sinalizada (cfr. factos provados 5), 6) e 8) da sentença recorrida). Portanto, independentemente do que se tenha provado, ou não, na ação principal, cujo julgamento ainda não terminou, é completamente irrelevante para a responsabilidade civil do condutor do veículo segurado pela Recorrente a presença, ou não, de canabinóides no sangue. Esse facto só releva quanto à possibilidade de a Seguradora vir eventualmente a ter direito de regresso contra o condutor causador do sinistro, tendo em atenção o que dispõe o Art. 27.º n.º 1 al. c) da Lei n.º 291/2007 de 21 de agosto, mas não afasta a responsabilidade da mesma pela reparação dos danos resultantes deste acidente.

Posto isto, releva apenas para a impugnação da matéria de facto “sub judicie” que o Recorrente pretende que sejam julgados por não provados os factos que constam dos pontos 32), 48 e 50) da sentença recorrida.

Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.

Mas no que estritamente se refere à matéria de facto, decorre do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando a mesma seja impugnada, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente

julgados (al. a); os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (Al. b); e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c).

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invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo para o efeito transcrever os excertos relevantes.

No caso a prova produzida em audiência foi gravada, mas a Recorrente não pretende confrontar o julgamento feito desses factos pela primeira instância com nenhum dos concretos depoimentos gravados, cuja transcrição nem sequer faz, pretendendo essencialmente relevar uma alegada ausência de prova relativamente à matéria factual por si impugnada.

Vejamos então o que concretamente é posto em causa relativamente a cada facto em consideração.

2.1. Do facto provado 32.

O facto provado 32), pretendido impugnar pela Recorrente, inclui-se dentro daquele conjunto de factos relativamente aos quais não foi produzida qualquer prova no apenso “C”, por referir-se matéria que já assim havia sido julgada por provada, quer no apenso “A” (cfr. facto 24) do despacho final ali proferido), quer no apenso “B” (cfr. facto 32) dessa decisão final da 1.ª instância).

Refira-se que o despacho final e a respetiva matéria de facto do apenso “A” não foram sequer impugnados pela Recorrente. Já a decisão proferida no apenso “B” foi objeto de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas a

seguradora, ali Recorrente, não impugnou sequer a respetiva matéria de facto. Trata-se assim de matéria de facto consolidada, em termos meramente

indiciários, não existindo um motivo relevante para pôr em causa a convicção a que o tribunal chegou para dar essa matéria como provada.

Dizer agora, como a Recorrente defende, que não se provou mais que a

matéria provada no ponto 33), é manifestamente pouco para se sustentar que o facto 32) deve ser dado por não provado.

Também o argumento, só agora invocado, relativo à taxa de câmbio por referência à data de 1 de fevereiro de 2021, quando em causa estavam rendimentos anteriores à data do acidente, ocorrido em 28 de fevereiro de 2017, afigura-se-nos completamente despropositado.

Em suma, não vemos motivo algum para alterar o julgamento relativo ao ponto 32) dos factos provados.

2.2. Do facto provado 48.

Quanto a este ponto, sustenta a Recorrente que não existe prova que sustente o facto provado em 48), nomeadamente de natureza médico-legal. Refere que o Relatório do INML junto aos autos já tem mais de 2 anos, não existindo qualquer evidência médica de que o Requerente continue a carecer de

tratamentos ou que os mesmos estejam a produzir qualquer efeito benéfico na recuperação ou manutenção do seu estado de saúde. A tudo isto acresceria que o Tribunal desvalorizou o depoimento de Gonçalo ...., médico-legista, pois

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a ele não fez qualquer referência, sendo que os depoimentos das testemunhas, filha e cunhado do lesado, não oferecem qualquer credibilidade.

O Recorrido limitou-se a pôr em evidência a fundamentação da decisão

recorrida e a circunstância de sobre estas matérias existir prova que consiste em 2 relatórios do INML, um relatório elaborado pelo Dr. Gonçalo ..., a que acrescem os depoimentos das duas testemunhas referidas nas alegações de recurso.

De facto, a sentença recorrida sustentou a sua convicção quanto a este facto nos seguintes termos:

«44), 45) e 48) – No que toca aos novos tratamentos que se encontram a ser ministrados ao requerente foram confirmados pela filha, cunhado (Faizal ....), aludindo a dificuldades financeiras que apenas lhe permitiram realizar na C seis meses de tratamento, ou seja, desde Agosto de 2018 a Março de 2019. (…)

«Os custos dos serviços de enfermagem e de assistência de terceira pessoa bem como ajudas medicamentosas e reabilitação multidisciplinar, mostram-se espelhados no parecer médico-legal de fls. 17 a 21 entregue à família do requerente porque elaborado a pedido desta».

(…)

«Há que ressaltar que as testemunhas inquiridas depuseram com clareza, coerência acerca das matérias em que os respetivos testemunhos foram valorados pelo tribunal, ao qual se afiguraram isentas, bem como com conhecimento direto sobre os aspetos factuais que relataram. Sendo de

salientar a particular coerência e assertividade do que foi prestado por Faizal ...». (sublinhado nosso).

Apreciando, relembremos que no ponto 48) dos factos provados está em causa a “necessidade de reabilitação neurológica multidisciplinar vitalícia como forma de obter melhoria de força muscular e de trofismo” e, bem assim, o respetivo custo. Ora, esse facto é mencionado explicitamente no ponto 2 (cfr. doc. a fls 20 – pág. 7/9) do “parecer médico-legal” elaborado pelo Dr. Manuel ..., datado de 4 de janeiro de 2021 (cfr. cit. doc. a fls 21), que aí refere que se deslocou ao domicílio do examinando no dia 13 de outubro de 2020 para

efetuar avaliação presencial (cfr. cit. doc. a fls 17 verso). A tal acresce que esses tratamentos estão a ocorrer, como resultou dos depoimentos

testemunhais mencionados na decisão recorrida. Portanto, não se pode dizer que o tribunal julgou sem prova, sendo claro que o Recorrente também não cumpriu nesta parte o ónus previsto no Art. 640.º n.º 1 al. b) do C.P.C.,

evidenciando as passagens dos meios probatórios que pretendia relevar e de onde pudesse resultar a conclusão de que se impunha decisão diversa

(23)

Efetivamente, para este efeito, não basta a mera queixa de que o Tribunal a quo alegadamente não relevou o depoimento do Dr. Gonçalo ... De facto, se não se relevou esse depoimento, pois ele não é mencionado na sentença recorrida, é porque ele não teve qualquer importância na formação da convicção do tribunal. Trata-se, portanto, de pura perda de tempo estar a impugnar matéria de facto com base em prova que não foi relevada,

principalmente quando a Recorrente até parece pretender pôr em causa a relevância da prova com origem nessa “testemunha”.

Julgamos assim não existir fundamento algum para alterar a resposta ao ponto 48) dos factos dados por provados.

2.3. Do facto provado 50.

Finalmente, a Recorrente também põe em causa a necessidade do auxílio de terceira pessoa 24 horas por dia, por se sustentar em parecer médico-legal elaborado a pedido da família do lesado, o qual não foi sequer ouvido como testemunha, tendo tal documento sido oportunamente impugnado.

O Recorrido contrapôs, uma vez mais, a fundamentação expedida na sentença recorrida, referindo que é a Recorrente que faz tábua rasa dos diversos

relatórios juntos aos autos pelo INML, assim como do parecer médico-legal, do orçamento e dos depoimentos das testemunhas Francisco ...., Melissa ... e Faizal .... .

Efetivamente, a sentença recorrida revela que a sua convicção sobre estes factos resulta do seguinte:

«Relativamente à dependência permanente e ajudas de que o requerente carece constam estas circunstanciadamente explicitadas no mesmo relatório do INML.

«Os custos dos serviços de enfermagem e de assistência de terceira pessoa bem como ajudas medicamentosas e reabilitação multidisciplinar, mostram-se espelhados no parecer médico-legal de fls. 17 a 21 entregue à família do requerente porque elaborado a pedido desta.

«No que à ajuda de terceira pessoa concerne reforçou a informação que já resultava daquele parecer o orçamento junto a fls.21v, 22 e 23 elaborado por empresa de apoio domiciliário cujo objeto social se insere na área da

prestação de cuidados especializados de acompanhamento a indivíduos com este tipo de incapacidade, conforme foi referido pelo responsável testemunha Francisco ..., que se afigurou credível.

«Há que ressaltar que as testemunhas inquiridas depuseram com clareza, coerência acerca das matérias em que os respetivos testemunhos foram valorados pelo tribunal, ao qual se afiguraram isentas, bem como com conhecimento direto sobre os aspetos factuais que relataram. Sendo de

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...».

Concluir daqui que o Tribunal a quo não tinha prova para sustentar a sua convicção é ignorar o que resulta da própria sentença recorrida. O documento fundamental é, desde logo o relatório do INML, complementado pelo parecer de fls 17 a 21, que no seu ponto 5 (fls 20 verso) se refere explicitamente a esta matéria, ao que acresce o depoimento testemunhal de Francisco .... .

A Recorrente pode não concordar com o que decorre desses meios de prova, mas a mera discordância é insuficiente, só por si, para por em causa a prova assim produzida e relevada pelo Tribunal.

O facto de a Recorrente ter impugnado os documentos não significa que o tribunal não possa relevar os mesmos de acordo com a sua livre convicção (Art. 607.º n.º 5 do C.P.C.).

Em suma, no caso dos autos, o juízo indiciário sobre os factos provados

mostra-se perfeitamente justificado, sendo que a Recorrente não logra sequer apresentar razões suficientes que justifiquem a imposição de decisão diversa sobre a matéria de facto que impugna. Por esse motivo, julgamos que a

impugnação sobre a decisão da matéria de facto improcede “in totum”. 3. Do valor da renda fixado.

Fixados os factos relevantes para o julgamento da causa, cumpre agora

apreciar os fundamentos da apelação quando ao mérito da decisão recorrida. Visava o Requerente, com a instauração deste procedimento, que lhe fosse arbitrada uma reparação provisória dos danos por si sofridos em consequência de acidente de viação, através duma renda mensal de €10.085,59,

sustentando-se fundamentalmente esta nova pretensão num conjunto de tratamentos, necessidade de auxílio de terceira pessoa e despesas que se alteraram e tornaram insuficiente a renda fixada anteriormente.

A decisão recorrida deu provimento parcial ao pedido, determinando a

obrigação da Requerida a pagar ao Requerente, como “reparação provisória do dano causado pelo sinistro”, a renda mensal de €7.073,09, devida desde 1 de fevereiro de 2021, e absolvendo a Requerida do demais peticionado.

A Recorrente, em abono da verdade, não põe em causa a sua responsabilidade pela satisfação da obrigação de indemnização devida ao sinistrado, mas põe em causa o valor da renda agora assim fixada, embora sustentada em parte na alegada ausência de prova dos rendimentos do Requerente e nas supostas melhorias e benefícios dos tratamentos para a sua condição física. Argumenta fundamentalmente com o excesso do valor fixado tendo em conta o padrão socioeconómico do lesado, realçando que já suportou o pagamento da quantia global de €179.718,00 e que o Requerente da providência teve disponível €9.471,33 líquidos por mês, a que acresce a pensão de €500,00 que lhe foi fixada pela Segurança Social. Pelo que, sendo os seus rendimentos fiscalmente

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declarados de apenas €3.750,00, não poderia a renda ser fixada em valor superior a €3.000,00 por mês, o que asseguraria um rendimento condigno à família e para o sustento das despesas inerentes à situação do Requerente. O Recorrido contrapõe que foram provados rendimentos superiores aos

referidos pela apelante, pois auferia €6.000 por mês (cfr. facto 32) e deixou de poder trabalhar (cfr. facto 34), sendo o único sustento da família, que tem despesas mensais relevantes (cfr. factos 35 a 38), e tem despesas médicas, medicamentosas e com assistência de terceira pessoa (cfr. factos 48 a 50), a que corresponderam prejuízos superiores a €9.603,47 por mês.

A sentença recorrida, no que se refere à fixação da renda, sustentou a decisão na circunstância de que: «resulta da prova indiciariamente produzida o

beneficio que têm constituído para o requerente os tratamentos que lhe vêm sendo ministrados a ponto de se registarem, ainda que ténues, melhorias a nível motor e cognitivo, o que justifica que a despesa inerente ((56) do requerimento inicial)) seja considerada na renda a arbitrar».

Por outro lado, ponderou o agregado familiar do Requerente dependia maioritariamente dos rendimentos do trabalho deste, tendo apenas um

rendimento predial de €312,50 mensais, proveniente do arrendamento de um imóvel pertencente à esposa do Requerente, sendo que, entretanto, um dos filhos do casal encontra-se a trabalhar, ainda que não se tendo apurado qualquer contributo para as despesas do agregado familiar que continua a integrar.

Teve ainda em conta as despesas correntes em alimentação (facto 38); consumos de água, eletricidade, gás, comunicações (facto 37); vestuário,

educação, saúde, condomínio, seguros (facto 39); amortização de empréstimo, que se cifra em €500,00 (facto 36); despesas em medicamentos para o

requerente (factos 48 e 50); apoio médico e de enfermagem de que também carece, tratamentos de reabilitação neurológica multidisciplinar (facto 53) e ajuda de terceira pessoa (facto 56), ascendendo o total das despesas a €7.885,59/mês.

Deduziu às despesas o rendimento predial (€ 312,50) e a reforma de €500,00, verificando-se assim necessidades mensais de € 7.073,09. Por isso, fixou a renda mensal nesse valor, a suportar pela Requerida até ser esgotado o limite do capital mínimo do seguro de responsabilidade civil automóvel.

Vejamos então do direito aplicável.

O Art. 388º do C.P.C. estatui que: «1 - Como dependência da ação de

indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano. 2 - O juiz defere a providência requerida

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desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido. 3 - A liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal. 4 - O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão

indemnizatória se funde em dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado».

São pressupostos desta providência:

1.º A existência de indícios suficientemente fortes quanto à obrigação de indemnizar por parte do requerido;

2.º A verificação duma situação de necessidade;

3.º O nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo Requerente e a situação de necessidade que fundamenta o recurso à tutela cautelar (vide: Marco Filipe Carvalho Gonçalves in “Providências Cautelares”, 2017, 3.ª Ed., pág. 298).

Como vimos, este procedimento tem por finalidade essencial permitir ao lesado antecipar o direito a indemnização que pretende ver realizado na ação principal em situações de manifesta gravidade (Marco Filipe Carvalho

Gonçalves, Ob. Loc. Cit., pág. 295), pretendendo-se obviar a uma situação de premente carência, antecipando-se a satisfação do direito em situações em que, em consequência de facto ilícito, tenha ocorrido dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou a habitação do lesado (Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª Ed., págs. 133 e 134).

No caso, não se põe sequer em causa a verificação dos requisitos previstos no Art. 388.º do C.P.C., concordando-se plenamente com a decisão recorrida quanto à necessidade de ser estabelecida uma renda mensal, como reparação provisória do dano, que aliás já foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no apenso “B”.

A matéria de facto provada também não permite conclusão diversa da

sentença recorrida sobre o valor dos rendimentos que o Requerente e o seu agregado deixaram de auferir (factos 28 a 33 e 54) e sobre a necessidade das despesas provadas (factos 34 a 50), nomeadamente no que se refere à

utilidade dos tratamentos de reabilitação neurológica vitalícia (facto 48) ou do auxílio de terceira pessoa, na base de 24 horas por dia (facto 50), que a

Recorrente pretendeu infundadamente pôr em causa nas suas alegações de recurso.

Assim, o que resta apreciar é o valor da renda fixada, que tem subjacente um ratio matemático, que ficou explicitado na sentença recorrida, e que nós já tivemos oportunidade de reproduzir.

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fixada não respeita o perfil socioeconómico do lesado, sendo assim violada a regra da equidade, estabelecida na lei.

O rendimento auferido pelo lesado antes do facto danoso (cfr. Ac. TRL de 16/2/2016 – Proc. n.º 482/14.3T8OER-A.L2-1), bem como o estilo de vida do lesado (cfr. Ac. do TRP de 16/1/2006 – Proc. n.º 0555805) e o valor provável da indemnização que deve ser arbitrado na ação principal (Cfr. Ac. do TRL de 12/7/2007 Proc. n.º 4382/2007-6 e Ac. do TRG de 12/6/2014 Proc. n.º 757/11.3TBCBT-A.G1 – todos disponíveis em www.dgsi.pt), são critérios normalmente tidos em conta na fixação equitativa do valor da renda devida como reparação provisória do dano. Com o que não concordamos é com a conclusão de o “padrão de vida” a ter em consideração tenha de ser

necessariamente definido pelo rendimento declarado para efeitos fiscais em Portugal, porque isso traduzir-se-ia numa solução manifestamente injusta, em face do caso concreto. Desde logo, não podemos deixar de olvidar que parte substancial do rendimento do Requerente era auferido no estrangeiro,

desconhecendo-se se não estaria sujeito a tributação fiscal no país de origem. Em todo o caso, o que sobreleva fundamentalmente é que a renda arbitrada deva ser adequada a colmatar as necessidades de habitação, vestuário, educação e bem-estar do Requerente, o que compreende as próprias

necessidades dos familiares que dele dependam (neste sentido: Marco Filipe Carvalho Gonçalves in Ob. Loc. Cit., pág. 304). Ora, a renda fixada teve em atenção as necessidades prementes, efetivas e básicas do Requerente e do seu agregado familiar, demonstradas matematicamente.

A circunstância da renda agora fixada, em 2021, ser ligeiramente superior aos rendimentos auferidos pelo Requerente antes do acidente, ocorrido em 2017, não significa necessariamente que não tenha sido respeitado o padrão de vida deste agregado familiar, ponderando a atualização que o vencimento do

Requerente poderia ter tido, caso estivesse no ativo. É nesse pressuposto, conjugado com a conclusão de que a renda fixada respeita necessidades efetivas do lesado, as quais deverão com toda a probabilidade merecer tutela ressarcitória na ação principal (Art.s 483.º, 562.º a 567.º do C.C.), que

julgamos que a decisão recorrida será de manter nos seus precisos termos. Em suma, improcedem as conclusões que sustentam o contrário do exposto, devendo a decisão recorrida ser confirmada.

V- DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente por não provada, confirmando a decisão recorrida nos seus precisos termos.

- Custas pela Apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.). *

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Carlos Oliveira Diogo Ravara

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