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Especialização. Universidade Católica de Brasília BRASÍLIA 2009 UCB VIRTUAL CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

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Universidade

Católica de

Brasília

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS

Especialização

USO INDEVIDO DE DROGAS E A INTERVENÇÃO DO

PROGRAMA DE PROTEÇÃO

Autora: Carolina dos Santos Carvalho

Orientador:

BRASÍLIA

2009

Autor: Carolina dos Santos Carvalho

Orientador (a): Anelise Pereira Sihler

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

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Universidade Católica de Brasília - UCB

Carolina dos Santos Carvalho

USO INDEVIDO DE DROGAS E A INTERVENÇÃO DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO

Monografia apresentada ao curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direitos Humanos.

Orientadora: Anelise Pereira Sihler

BRASÍLIA – DF 2009

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FOLHADEAPROVAÇÃO

Monografia de autoria de Carolina dos Santos Carvalho, intitulada USO INDEVIDO DE DROGAS E A INTERVENÇÃO DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO, apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direitos Humanos da Universidade Católica de Brasília, em 03/11/2009, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

Prof. Msc Anelise Pereira Sihler Orientadora

(curso/programa) - (sigla da instituição)

Prof. (titulação) (nome) Orientador

(curso/programa) - (sigla da instituição)

Prof. (titulação) (nome) Orientador

(curso/programa) - (sigla da instituição)

BRASÍLIA – DF 2009

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho, sobre tudo a Deus, aos meus amores Pai Barreira, Mãe Gloracy e irmãos Tiago, Mariana e Jéssica, por se constituírem diferentemente enquanto pessoas, igualmente belas e admiráveis em essência, estímulos que me impulsionaram a buscar vida nova a cada dia, meus agradecimentos à minha família, também, por ter aceitado se privar de minha companhia pelos estudos, concedendo a mim a oportunidade de me realizar ainda mais.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à professora e orientadora Anelise Pereira Sihler, pela paciência, apoio e encorajamento contínuos no prosseguimento do curso, aos demais Mestres da casa e à Diretoria do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Católica de Brasília pelo apoio institucional e pelas facilidades oferecidas.

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“LUTA. Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que

encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”.

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RESUMO

Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação em Direitos Humanos, cujo objeto de estudo consiste na análise do uso indevido de drogas no bojo de programas de proteção. A atividade dos agentes públicos na solução desse problema deve abranger, no mínimo três áreas do conhecimento, quais sejam, direito, psicologia e serviço social. Cada uma dessas disciplinas deve atuar de forma individual e também integradas umas com as outras, resultando em um trabalho interdisciplinar, favorecendo a solução do problema do uso de drogas nos programas de proteção, bem com a efetivação da atuação jurisdicional, mediante a um testemunho qualificado.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Programas de Proteção. Uso de drogas. Interdisciplinaridade.

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ABSTRACT

Work completion for post-graduate in Human Rights, whose object of study is the analysis of drug abuse in the midst of protection programs. The activity of public officials in solving this problem must include at least three areas of knowledge, namely, law, psychology and social work. Each of these disciplines must work individually and also integrated with each other, resulting in an interdisciplinary work, promoting the solution of the problem of drug use in protection programs, as well as the enforcement of court action by a qualified witness .

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 02

OBJETIVO GERAL ... 03

CAPÍTULO I – DIREITOS HUMANOS E OS PROGRAMAS DE PROTEÇÃO ... 04

1.1 Breve Histórico dos Direitos Humanos ... 04

1.2 Conceituação e Categorias de Direitos Humanos... 08

1.3 Modelo Brasileiro de Proteção de Proteção ... 09

1.3.1 Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunhas ... 09

1.3.2 Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos ... 11

1.3.3 Programa de Proteção à Criança e Adolescente Ameaçado de Morte ... 11

1.4 Interdisciplinaridade nos Programas de Proteção ... 12

CAPÍTULO II – ASPECTOS JURÍDICOS DO USO INDEVIDO DE DROGAS E A INTERVENÇÃO DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO ... 13

2.1 Inexistência de Marco Legal Relativo ao Tratamento dos Usuários de Droga nos Programas de Proteção ... 13

2.2 Criminalização do Uso de Drogas no Brasil ... 13

2.3 Conseqüências Jurídicas para o Usuário de Drogas nos Programas de Proteção . 17 CAPÍTULO III - USO INDEVIDO DE DROGAS E A INTERVENÇÃO DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ... 21

3.1 Enfoque da Psicologia ... 21

3.2 Enfoque do Serviço Social ... 24

METODOLOGIA ... 30

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 31

CONCLUSÃO ... 32

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INTRODUÇÃO

Segundo o Relatório Mundial de Drogas 2006, elaborado pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime1, no mundo todo, 200 milhões de pessoas, cerca de 5% da população entre 15 e 64 anos, usam drogas ilícitas pelo menos uma vez por ano. Cerca de metade dos usuários usa drogas regularmente, isto é, pelo menos uma vez por mês. Esse cenário mundial inclui o Brasil e alcança até mesmo as pessoas que por algum motivo necessitam da proteção do Estado para manter sua integridade física.

Diante disso, o presente trabalho acadêmico tem por objeto de estudo e análise do uso indevido de drogas e a intervenção dos Programas de Proteção. Trata-se de tema bastante relevante para a construção de estratégias de combate à utilização de drogas ilícitas por usuários dos referidos programas, uma vez que essa situação retrata a realidade do cotidiano de muitos protegidos, que mesmo diante da acolhida pelo poder público não abandonam o vício da droga. Vários são os casos encontrados nos ambientes de proteção de pessoas que antes do recebimento da custódia estatal, faziam uso de substâncias proibidas e que continuam utilizando-as, ou, pelo menos tentam continuar a alimentar o vício, após os procedimentos de inclusão nos aludidos programas.

Os programas de proteção a serem analisados formam o chamado Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e Testemunhas, e, é composto pelo Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, e pelos programas estaduais de proteção, hoje, implementados em 19 Unidades Federativas. Ambos foram criados em 13 de julho de 1999, pela Lei no 9.807, que criou normas destinadas a vítimas e testemunhas de crimes “que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal”. O primeiro foi regulamentado pelo Decreto no 3.518/2000, que por sua vez criou o Serviço de Proteção ao Depoente Especial, no âmbito da Polícia Federal, responsável pela prestação de medidas de proteção assecuratórias da integridade física e psicológica do depoente especial.

O centro da questão também está no uso indevido de drogas. Destarte, há que se construir o conceito do que seria uso devido e indevido de tal substância. O uso apenas forma um vínculo frágil com a substância que permite a manutenção de outras relações2, vez que é

1 http://www.unicrio.org.br/Textos/2906e.htm, acessado em 22/10/2008. 2http://www.adroga.casadia.org/glossario/index-U.htm, acessado em 22/10/2008

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possível o uso moderado de certas substâncias sem abusar delas, como ocorre na dosagem correta de um medicamento. Por sua vez, o uso indevido é aquele capaz de causar no indivíduo dependência química, podendo ser gerado por substância lícita ou ilícita.

Nos programas de proteção, assim como na vida comum, o uso indevido de drogas gera para o usuário conseqüências de ordem psicológica, social e jurídica. Isso acarreta para o poder público a necessidade de conhecimento técnico para realizar o atendimento e monitoramento dos usuários dos programas nessas três vertentes, devendo o trabalho ser realizado por uma equipe técnica, composta por advogados, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, conforme a necessidade dos seus beneficiários.

Face os fatos sociais apresentados, deve ser feita a seguinte indagação: Como os agentes públicos devem agir diante do uso indevido de drogas nos Programas de Proteção? Essa pergunta pode começar a ser respondida com a utilização de estratégias psico-sociais de intervenção em situações de uso indevido de drogas nos programas, assim como a verificação dos fatores subjetivos que o favoreça ou o propicie, buscando-se, enfim, soluções que desconstituam tal cultura.

Outro meio a ser utilizado pelos agentes públicos seria a aplicação da legislação brasileira que versa sobre o tráfico e o uso indevido de drogas. Trata-se da Lei 11.343/2006, a qual passou por recente modificação com relação ao usuário de drogas, o enxergado como sujeito de direitos, “despenalizando” a conduta de uso, porém mantendo a figura típica.

Deste modo, o objetivo do presente trabalho acadêmico constitui a verificação dos instrumentos psicológicos, sociais e jurídicos que podem ser utilizados pelos agentes públicos para elidir o uso de drogas nos Programas de Proteção. Tal objetivo desdobra-se em outros mais específicos, como a exame dos movimentos históricos e as características gerais acerca dos Direitos Humanos, sobretudo os concernentes ao uso indevido de drogas; identificar, dentre os métodos psico-sociais, quais podem ser utilizados pelos agentes públicos ditamente relacionados com a proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas, para conter ou evitar o uso indevido de drogas, e, comentar as soluções constantes na legislação brasileira vigente acerca do uso de drogas e as previsões constantes nos marcos legais que regulam os Programas de Proteção.

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OBJETIVO GERAL

O desiderato dessa produção acadêmica conduz ao cumprimento de requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Direitos Humanos, porém além do interesse puramente pessoal e cadêmico, a presente pesquisa consiste em uma pequena parte do resultado objetivado pelo Governo Federal de unificar e aperfeiçoar o trabalho dos agentes públicos que desempenham suas funções nos órgão que integram o Sistema da Proteção das Pessoas Ameaçadas.

À presente pesquisa atribuiu-se o encargo de contribuir, frente ao grande objetivo exposto, com o estudo e análise do uso indevido de drogas e a intervenção dos Programas de Proteção. O estudo desse tema é de extrema relevância para a efetiva constatação do problema e a construção de estratégias de combate à utilização de drogas ilícitas por usuários dos programas de proteção, que mesmo com a tutela do Estado não abandonam o vício da droga.

Sob esse prisma, o objetivo do presente trabalho acadêmico constitui a verificação dos instrumentos psicológicos, sociais e jurídicos que podem ser utilizados pelos agentes públicos para elidir o uso de drogas nos Programas de Proteção, e, assim possibilitar o cumprimento da finalidade dos programas de proteção e a vontade do Estado.

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I. DIREITOS HUMANOS E OS PROGRAMAS DE PROTEÇÃO

1.1 Breve histórico dos Direitos Humanos

Os Direitos Humanos têm fonte histórica em diferentes formas de fundamentação. A natureza humana, a religião, a cultura e a existência de direitos historicamente construídos são algumas dessas diferentes raízes. Sendo que, em cada uma dessas possíveis formas de fundamentação, a igualdade e a dignidade da pessoa humana, aparecem constantemente como princípios norteadores. Ao longo da história, todos esses elementos elevaram os Direitos Humanos ao status de direito internacionalmente reconhecido e defendido, o que pode ser facilmente constatado por meio do marco inicial dessa trajetória, a Declaração Internacional dos Direitos Humanos.

Entende-se que os Direitos Humanos são inerentes a todos os indivíduos, pelo simples fato de serem humanos. Essa igualdade de tratamento tem fundamentação em várias crenças, como exemplo, na corrente naturalista. Essa corrente estrutura os Direitos Humanos na existência de características humanas presentes em todos nós, e o estabelece como um direito natural. Outra corrente é a religiosa, a qual, oriunda de religiões como as cristãs, a judaica, a islâmica e as orientais, extrai a igualdade entre os indivíduos da idéia de uma criação comum. Por sua vez, a corrente historicista fundamenta na aceitação, por parte das mais diferentes culturas, de um determinado número de direitos, que diz que todo fenômeno cultural, social ou político é histórico e não pode ser compreendido senão por meio da historia, ou seja, é construído à medida que os fatos históricos vão acontecendo.

Norberto Bobbio, em sua obra A era dos direitos, defende que os Direitos Humanos são direitos históricos:

Do ponto de vista teórico, sempre defendi - e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos - que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas3.

Em que pese as correntes religiosas e históricas continuarem a nortear o reconhecimento, a difusão e a implementação dos direitos humanos, a vertente naturalista, a qual defende a existência de direitos que pertencem essencialmente ao homem e a mulher pelo fato de serem seres humanos, após sua reformulação, motivou, os racionalistas dos séculos XVII e XVIII, a reconhecer que todos os homens são por natureza livres e têm certos direitos inatos, dos quais

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não podem ser despojados mesmo no convíviu em sociedade. Foi esta corrente de pensamento que inspirou o atual sistema internacional de protecção dos direitos humanos.

A evolução destas correntes deu frutos pela primeira vez na Inglaterra, e depois nos Estados Unidos. A Magna Carta, em 1215, deu garantias contra a arbitrariedade da Coroa, e influencio diversos documentos. Por sua vez, a Declaração Americana da Independência surgiu a 4 de Julho de 1776, onde constavam os direitos naturais do ser humano que o poder político deve respeitar, esta declaração teve como base a Declaração de Virgínia proclamada a 12 de Junho de 1776, onde estava expressa a noção de direitos individuais.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada na Franca em 1789, e as reivindicações ao longo dos séculos XIV e XV em prol das liberdades, são mais alguns marcos relevantes na história dos Direitos Humanos, uma vez que alargou seu campo de abrangência e definiu os direitos econômicos e sociais.

Todos esses acontecimento históricos, e outros, anteriores à II Guerra Mundial são muito importantes para o entendimento dos Direitos Humanos, porém essa segunda grande guerra de consequências mundiais, constitui o marco mais importante, na história dos referidos direito. Essa Gerra, que teve período de duração de 1945 a 1948, possibilitou que os Estados tomassem consciência das tragédias e atrocidades vividas ao longo de sua trajetória, levando-os criar a Organização das Nações Unidas em prol de estabelecer e manter a paz no mundo.

A criação das Nações Unidas simboliza a necessidade de um mundo de tolerância, de paz, de solidariedade entre as nações, que faça avançar o progresso social e econômico de todos os povos. A Carta das Nações Unidas, assinada a 20 de Junho de 1945, foi o meio pelo qual os povos manifestaram o desejo de preservar as gerações futuras do flagelo da guerra; proclamar a fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade de direitos entre homens e mulheres, assim como das nações, grande e pequenas; em promover o progresso social e instaurar melhores condições de vida numa maior liberdade.

Tendo em vista todos esses objetivos, em 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é fundamental na nossa Sociedade, quase todos os documentos relativos aos direitos humanos tem como referência esta Declaração, e alguns Estados fazem referência direta nas suas constituições nacionais.

Sobre a Declação Universal dos Direirtos Humanos, esclarece Jacob Gorender 4:

4 GORENDER, Jacob. Direitos humanos: o que são (ou o que devem ser). São Paulo: Editora Senac, 2004.

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A pedra angular, no âmbito dos compromissos internacionais concernentes aos direitos humanos, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Aprovada em 1948 pela ONU. Sua significação se alça ao nível das Declarações da Independência dos Estados Unidos, em 1776, e da Revolução Francesa, 1789. Na verdade, trata-se de continuação e superação, dentro de processo histórico determinado. Norbeto Bobbio ressalta precisamente a historicidade do processo de afirmação dos direitos humanos, cuja emergência se verifica gradualmente, em concomitância com as lutas dos humens pela emancipação e pela tranformação social. Levando em conta a historicidade, que corrige a idéia de perfeição definitiva, podemos conciderar a Declaração de 1948 como um código político e moral que, embora sem caráter compulsório dos tratados, serve de guia à conduta prática de Estados e indivíduos. Sua aprovação unânime por mais de cinquenta Estados lhe confere a autenticidade de um imperativo categórico kantiano. Com base nela, afirma-se o estado de Direitos, que fornece aos indivíduos os instrumentos jurídicos de porteção e apelação contra os arbítrios sempre possíveis de autoridades estatais e do próprio Estado como entidade superior do sistema social. O Estdo de Direito, conforme ressalta Bobbio, é aquele no qual o indivíduo possui, em face do estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de Direito é o Estado dos Cidadãos.

Conforme pondera Margarida Genevois5, desde a Carta Magna de 1215 até a Carta das Nações Unidas, muitos anos se passaram. Inúmeras declarações e acordos internacionais versaram sobre Direitos Humanos, porém nenhum deles foi tão abrangente quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada com a aprovação de 48 Estados-membros presentes à Assembléia-Geral da ONU e com a abstenção de apenas oito países (ex-União Soviética, Ucrânia, Rússia Branca, Tchecoslováquia, Polônia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul). A Declaração consolidou uma visão dos Direitos Humanos, caracterizada pela universalidade, pela indivisibilidade e pela interdependência.

Esse primeiro conceito, qual seja, a universalidade, consiste no reconhecimento de que todos os indivíduos têm direitos pelo mero fato de sua humanidade. A universalidade diz respeito ao reconhecimento de que somos todos iguais em relação a direitos e por todas as pessoas possuírem idêntica dignidade. Essa percepção flexibilizou a soberania do Estado e consolidou a idéia de que o indivíduo é um sujeito de direitos no âmbito internacional.

Por sua vez, a indivisibilidade se traduz na percepção de que a dignidade humana é necessária a garantia simultânea dos direitos econômicos, sociais e culturais e todas as outras

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espécies de direitos, e não apenas para a satisfação de direitos civis e políticos, tais como os direitos à liberdade de locomoção etc.

O último desses conceitos, atinente à interdependência, demonstra a ligação existente entre os diversos Direitos Humanos. Por exemplo, “a efetivação do voto, que é um direito político, depende da garantia do direito à educação, que é um direito social. Sem a educação e sem o conhecimento das opções existentes não há o poder efetivo de escolha política pelo voto. Do mesmo modo, a efetivação do direito à alimentação depende da consolidação do direito à participação política”. Como prova dessa relação, pode ser observado que países que enfrentaram graves problemas de fome não possuíam participação política e nem um meio de participação e de reivindicação pacíficas.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, além da criação das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, houve a instituição de dois grandes sistemas de proteção aos Direitos Humanos: o Sistema Global, ligado às Nações Unidas, e os Sistemas Regionais. Estes últimos incluem os sistemas interamericano (da Organização dos Estados Americanos – OEA), europeu e africano.

No Brasil, pode-se dizer que a luta pelos Direitos Humanos se iniciou pelos povos indígenas, passou pelos escravos negros de origem africana e chega até os dias atuais com as lutas para a concretização da defesa das minorias que ainda carecem da tutela de seus Direitos Humanos. Diante de todos esses cenários nacionais, o Brasil acompanhou, mesmo que de forma descompassada dos países mais desenvolvidos, a evolução dos Direitos Humanos.

Uma das comprovações dessa evolução brasileira são as Conferências Nacionais dos Direitos Humanos. Iniciadas em 1995 da articulação entre militantes, entidades, governos, parlamentos e entidades da sociedade civil brasileira atuantes nessa seara, visando a promoção e garantia dos Direitos Humanos. Os entes e entidades se reuniram sistematicamente para discussão e monitoramento de políticas de Direitos Humanos no país.

A X Conferência Nacional de Direitos Humanos teve como tema tópicos recentes no âmbito dos Direitos Humanos. Abordou entre outros temas, as relações entre o modelo econômico e os Direitos Humanos; racismo e violência; situação dos direitos indígenas; criminalização dos defensores de Direitos Humanos e movimentos sociais; educação para Direitos Humanos; exigibilidade dos Direitos Humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Além desses painéis temáticos, um painel ateve-se na avaliação do Programa Nacional dos Direitos Humanos e do Sistema Nacional de Direitos Humanos.

O Programa Nacional dos Direitos Humanos foi criado em maio de 1996 e atualizado em maio de 2002. Elaborado pelo Governo Federal em conjunto com diversas organizações

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da sociedade civil, o Programa tem por objetivo central eleger prioridades e apresentar propostas concretas de caráter administrativo, legislativo e político-cultural que busquem equacionar os mais graves problemas que hoje impossibilitam ou dificultam a promoção e proteção dos Direitos Humanos no Brasil.

No âmbito do Programa Nacional dos Direitos Humanos foi estabelecido o Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e Testemunhas, bem como outros programas responsáveis proteção dos seres humanos. São eles, dentre outros: o Programa Nacional de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, os quais serão posteriormente estudados.

1.2 Conceituação e Categorias de Direitos Humanos

Antes de dar continuidade ao presente estudo, mister é a conceituação e a classificação dos Direitos Humanos.

Segundo Hannah Arendt a essência dos Direitos Humanos é o direito de ter direitos6. Nancy Cardia, Sérgio Adorno e Frederico Poleto, oferecem o seguinte conceito:

Entende-se por direitos humanos o conjunto de princípios de caráter universal e universalizante, formalizados no contexto do Estado liberal-democrático tal como ele se desnvolveu no mundo europeu ocidental no curso do século XIX, que proclamam como direitos inalienáveis do homem os direitos à vida e ás liberdades civis e públicas. Sua efetivação requer ação dos governos no sentido de protegê-los contra qualquer espécie de violação ao abuso. 7

Conforme explica Margarida Genevois8, na evolução histórica dos direitos, consideram-se três gerações de Direitos Humanos.

Entende-se que a primeira geração corresponde aos direitos civis e políticos, quais sejam, as liberdades individuais, o direito à vida, segurança, igualdade de tratamento perante a lei, e o direito de propriedade, de ir e vir.

6 ARENDT, Hannah apud COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos direitos humanos. São

Paulo: Saraiva, 1999, p. 215.

7 CARDIA, Nancy et al apud GORENDER, Jacob. Direitos humanos: o que são (ou o que devem ser). São

Paulo: Editora Senac, 2004. (Série Ponto Futuro), p 21.

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Os de segunda geração compreendem os direitos econômicos e sociais como direito à saúde, educação, moradia, trabalho, lazer e os direitos trabalhistas.

Os chamados direitos dos povos configuram a terceira geração dos direitos humanos, que correspondem aos direitos básicos de todos os povos, tais como o direito ao desenvolvimento, à paz, e à participação no patrimônio comum da humanidade.

Como pode se observar, as três gerações de direitos não são categorias que se excluem, mas, por contrário, se completam.

1.3 Modelo Brasileiro de Programa de Proteção

Dentre os diversos programas de proteção, o presente trabalho visa traçar uma analisar, de acordo com o objetivo deste curso, sobre os seguintes: Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunhas, o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte. Serão abordados, de forma sintética, cada um desses programas.

1.3.1 Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunhas

A Lei 9.807 de 13 de julho de 1999 constitui o marco legal institucionalizador do chamado Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunhas. Dele fazem parte o Programa de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas (PROVITA) e o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, no âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Esse sistema inovou ao estabelecer normas para a organização de programas destinados a vítimas e testemunhas de crimes “que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal”.

Como dito anteriormente, a proposta de implantação de serviços de atendimento das vítimas e testemunhas ameaçadas foi originariamente prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, que estabeleceu, no capítulo que trata da “Luta contra a Impunidade”, a meta de “apoiar a criação nos Estados de programas de proteção de vítimas e testemunhas de crimes, expostas a grave e atual perigo em virtude de colaboração ou declarações prestadas em investigação ou processo penal”.

Posteriormente, o Ministério da Justiça, mais especificamente a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, firmou convênio com o Governo de Pernambuco para apoiar uma iniciativa inédita e pioneira que avançava naquele estado sob a coordenação da organização não-governamental Gabinete de Assessoria Jurídica a Organizações Populares (GAJOP). Tratava-se do Provita, um programa de proteção a vítimas e a testemunhas baseado na idéia

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da reinserção social de pessoas em situação de risco em novos espaços comunitários, de forma sigilosa e contando com a efetiva participação da sociedade civil na construção de uma rede solidária de proteção.

Os resultados apresentados à época foram muito satisfatórios, o que levou a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos a adotar o Provita como o modelo a ser empregado em outras Unidades da Federação.

O objetivo principal do Provita, enquanto programa de proteção, é o combate à impunidade por meio da garantia da integridade física e psicológica de vítimas e testemunhas que tenham prestado colaboração à justiça, figurando como testemunhas ou possível testemunha para elucidação dos crimes de alto poder ofensivo, como por exemplo o crime organizado.

O Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas foi regulamentado pelo Decreto no 3.518/00 e é responsável pelos casos oriundos dos estados onde não existe Programa Estadual de Proteção.

Por esse Decreto criou-se também o Serviço de Proteção ao Depoente Especial. Esse Serviço de Proteção consiste na prestação de medidas de proteção assecuratórias da integridade física e psicológica do depoente especial. Cabe ao Departamento da Polícia Federal, o planejamento e a execução do serviço de proteção. Sendo que, os casos que não se adequarem às hipóteses de inclusão no Programa e a pessoa que, não admitida ou excluída, corra risco pessoal e colabore na produção da prova, poderão ser protegidas pelo Serviço, segundo o entendimento, não unânime, de que a Lei no 9.807/99 não alterou o dever constitucional dos órgãos de segurança pública de garantir a preservação da integridade física das pessoas, previsto na Constituição Federal de 1988.

Os programas de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, bem como o programas federal, estão estruturados especialmente em três função, conforme prevê a Lei no 9.807/99, quais sejam, o Conselho Deliberativo, o Órgão Executor e a Equipe Técnica.

O Conselho Deliberativo exerce a função decisória do Programa. Apresenta-se como um órgão colegiado composto por representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, de outros órgãos públicos e de entidades da sociedade civil atuação na área de direitos humanos ou segurança pública. Ao Conselho cumpre deliberar não somente sobre os casos de ingresso ou exclusão da rede de proteção, como acerca das demais providências de caráter geral relacionadas ao cumprimento legal das regras do Programa.

Por sua vez, tem-se o Órgão Executor, atribuição que recai sobre uma das instituições representadas no Conselho Deliberativo. Será este o responsável por promover a articulação

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com as entidades da sociedade civil para a formação da rede solidária de proteção, bem como por contratar os profissionais que irão compor a Equipe Técnica.

Com a função de embasar as decisões do Conselho Deliberativo, existe a equipe técnica formada por integrantes das áreas jurídica, psicológica e social. Além da referida função, a equipe técnica realizar o atendimento e monitoramento dos usuários do Programa. Em cada uma existe um coordenador, profissionais das referidas área de conhecimento bem assim outros profissionais, mediante a demanda de cada estado.

1.3.2 Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos

O Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos foi lançado em outubro de 2004 para oferecer proteção aos defensores dos direitos humanos que, em razão de suas atividades, encontram-se em estado de risco ou vulnerabilidade. Pode ser definido como uma política pública de estado, que conta com a imprescindível contribuição da sociedade civil, e caracteriza-se por seu caráter e abrangência nacional, em cooperação com os estados e o Distrito Federal.

São Defensores dos direitos humanos pessoas, grupos e órgãos da sociedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos.

O Programa é coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, e executado nas Unidades da Federação. Sua Coordenação Nacional é composta pelo Poder Legislativo, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ministério Público Federal, Entidades Civis, Poder Executivo, Poder Judiciário e Coordenações Estaduais. Estas últimas seguem composição semelhante para seu nível de atuação.

Os mecanismos estatais de proteção devem garantir a segurança do defensor e a continuidade de seu trabalho, prevenindo ameaças e situações de vulnerabilidade, implementando políticas ativas de desarticulação, desmantelamento e punição dos agentes agressores, e combatendo a nova tendência de criminalização das atividades dos defensores.

1.3.3 Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte

Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte – PPCAAM trata-se de uma política, vigente desde 2003, mas que somente foi instituída pelo Decreto nº 6.231 de 11 de outubro de 2007. Assim como os demais programas de proteção, também está subordinado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, e coordenação diretamente pela Sub-Secretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente - SPDCA.

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O objetivo fundamental deste Programa é o enfrentamento à mortalidade infanto-juvenil por causas violentas, agravada pela grande taxa de homicídios entre jovens de 15 a 24 anos sujeitos a maiores condições de vulnerabilidade.

Este programa é implantado nos estados através de convênio da Sub-Secretaria com os governos estaduais, que escolhem uma entidade não-governamental para a execução.

1.4 Interdisciplinaridade nos Programas de Proteção

Esses programas de proteção, sobretudo o Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunhas, vêm consolidado suas ações através de um modelo multidisciplinar, mediante a contribuição de conhecimentos práticos e teóricos das mais diversas disciplinas, mais especificamente do Direito, da Psicologia e do Serviço Social.

Essa metodologia encontra respaldo no entendimento dos membros integrantes dos Provitas, explicitado no manual Direitos Humanos: Proteção a Testemunhas no Brasil9. Conforme se destaca:

Um viés renovador também se apresenta na superação do monopólio do mundo jurídico pelos operadores do direito uma vez que, nessa experiência, “desalinhadas dos limites estreitos onde se escondem os oráculos jurídicos, as trilhas permeadas pela ótica multidisciplinar desvendam códigos, denudam posturas dogmatizadas, descristalizam processos milenares de legalismo” conforme assiná-la Marília Lomanto, ex-coordenadora do Provita-BA.

A intervenção multidisciplinar dos advogados, psicólogos e assistentes sociais, de forma complementar e insubstituível, contribui para um testemunho qualificado, possibilitando o deslinde do delito e a efetivação da justiça.

O trabalho dessas três disciplinas será objeto dos próximos capítulos do presente trabalho acadêmico. Em todas as situações que constituem o cotidiano dos programas de proteção deve ser analisada pelo menos, sob o ponto esses três pontos de vista, para sua melhor solução.

No interior de um programa de proteção não ocorrem práticas humanas muito diferentes das realizadas em ambientes externos. Uma das situações bastante corriqueira nos programas de proteção é a questão do uso indevido de drogas. Esse problema social, assim como todos os demais, envolvendo o ambiente de proteção, deve ser solucionado, ou pelo menos amenizado, por meio da intervenção dos agentes públicos que os executam, sobretudo, no que concerne às implicações jurídicas, psicologias e social para o indivíduo passivo da proteção.

(22)

II. ASPECTOS JURÍDICOS DO USO INDEVIDO DE DROGAS E A INTERVENÇÃO DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO

2.1 Inexistência de Marco Legal Relativo ao Tratamento dos Usuários de Droga nos Programas de Proteção

Iniciando o desiderato, mais específico do presente trabalho acadêmico, sua primeira parte tem como objeto a verificação de como os agentes públicos devem agir diante do uso indevido de drogas nos Programas de Proteção sob a perspectiva jurídica do tema apresentado.

Não restam dúvidas de que existem pessoas inseridas nos programas de proteção usuárias de drogas. Aos inseridos nos programas devem ser aplicadas regras específicas, de acordo com sua qualidade de protegidos. Porém, aplicando-se a regra da especialidade não é possível determinar como deve ser o tratamento do usuário de drogas inserido nos programas, uma vez, que o marco legal de cada um deles não traz de forma específica a regulamentação em caso de uso de drogas no transcorrer da tutela oferecida pelo Estado na proteção desses indivíduos.

Existem, contudo, normas e regras que estabelecem como deve ser o tratamento do protegido em caso do cometimento de crime no curso da proteção. Como regra, pode-se adiantar que a infração gera e exclusão do programa de proteção por incompatibilide de conduta, uma vez que o Estado não pode respaldar os atos infracionais dos indivíduos, principalmente dos que estão sob sua tutela.

2.2 Criminalização do Uso de Drogas no Brasil

Antes de tecer comentários sobre as conseqüências jurídicas para os usuários de droga nos programas de proteção, apesar da falta de previsão específica em lei, se faz necessária a discussão sobre a criminalização do uso de drogas. A final, a uso de drogas constitui ou não crime no Brasil?

Ao ordenamento jurídico brasileiro foi introduzido, em 2006, a nova Lei de Drogas, n. Lei 11.343/2006. Essa lei revogou duas leis anteriores que tratavam do assunto: a Lei 6.368/1976 que dispunha sobre as medidas de prevenção e repressão ao tráfico e uso indevido de substâncias ilícitas, e a Lei 10.409/2002, a chamada Lei de Entorpecentes.

Entre outros pontos, o novo diploma legal traz como principal inovação a clara diferenciação entre usuário e traficante de drogas. Ao primeiro são destinadas medidas de cunho “educativo”, o que abranda consideravelmente as punições previstas na legislação

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anteriormente aplicável. Neste sentido, a nova lei se aproxima do modelo legal europeu. Para o traficante, no entanto, as punições tornaram-se mais rigorosas. A lei agora contempla, inclusive, a figura do financiador do tráfico, que está também sujei to a prisão e perda de bens conseguidos com a atividade ilícita. Neste aspecto, a legislação brasileira tornou-se mais dura e aproximou-se do sistema adotado nos Estados Unidos.

Uma das inovações mais importantes trazidas pela nova Lei encontra-se no Capítulo III que trata dos crimes e das penas, é a tipificação sobre a conduta do indivíduo considerado usuário de drogas, que para alguns dotrinadores não mais será tratado como criminoso pela lei. O usuário tem um tratamento diferenciado, não cabendo mais ao seu caso a aplicação de penas privativas de liberdade.

A Lei n. 11.343/2006 modificou a figura do usuário de drogas. Algumas das modificações são as seguintes: criação de duas novas figuras típicas, transportar e ter em depósito; substituição da expressão substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica por drogas; a inexistência da pena privativa de liberdade para o usuário; passou a prever as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa; a tipificação da conduta daquele que, para consumo pessoal, semeia, cultiva e colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Anteriormente a revogada Lei 6.368/1976 previa em seu art.16, in verbis:

Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.

A Nova Lei de Tóxicos prevê em seu art. 28:

Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às

seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1.º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”.

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O crime previsto no revogado art. 16 da Lei n. 6.368/1976 tinha como punição a aplicação da pena de detenção, de 6 meses a 2 anos, além do pagamento de vinte a cinqüenta dias multa. Desse modo, comparando as penas do dispositivo legal anterior com as instituídas pelos incisos I, II e III do artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, verifica-se que ocorreu um abrandamento da sanção imposta ao comportamento daquele que porta a droga para consumo pessoal, ou como está previsto agora na nova lei para consumo pessoal.

A nova lei traz também a aplicação de sanções penais que não tinham previsão legal nas legislações anteriores, como na atual lei ao usuário ou dependente de drogas não é aplicável a pena de prisão, o legislador prevê como punição as penas de advertência sobre os efeitos das drogas, a prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Essas penas podem ser aplicadas isoladamente ou cumulativamente, ou seja, podem ser aplicadas até mesmo as três penas juntas pelo juiz.

Antes mesmo da publicação da nova “Lei de Tóxicos” n. 11.343/2006, seu artigo 28, o qual estabelece regras sobre o uso, gerou bastante polêmica dentre os juristas. Existiam aqueles que defendiam que o uso deixaria de ser crime e outros que a figura jurídica continuaria sendo tipificada como a infração penal denominada crime.

Dentre os que militam à frente da primeira corrente encontra-se, Luiz Flávio Gomes, conforme pode ser observado no seguinte trecho:

10

O legislador aboliu o caráter “criminoso” da posse de drogas para consumo pessoal, lastreando seu convencimento no fato de que a Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro, em seu art. 1º dispõe que: "Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Ora, se legalmente (no Brasil) “crime” é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova Lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova Lei de Drogas, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de „infração penal‟ porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração “penal‟ no nosso País. Diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis.

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Dentre os contrários ao citado posicionamento tem-se Renato Marcão, o qual explicita, em síntese, total desacordo com a teoria apresentada por Luis Flávio Gomes com as seguintes palavras:

11

É certo que o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro é bastante objetivo e esclarecedor naquilo que pretende informar. Contudo, é preciso ter em conta que o Código Penal brasileiro é de 1940 e, portanto, elaborado sob o domínio de tempos em que nem mesmo as denominadas "penas alternativas" se encontravam na Parte Geral do Código Penal da forma como foram postas com a reforma penal de 1984 (Lei n. 7.209, de 13-7-1984), e menos ainda com o statusque passaram a ser tratadas com o advento da Lei n. 9.714/98. O Direito Penal daquela época era outro, bem diferente do que agora se busca lapidar, e bem por isso a definição fechada e já desatualizada do art. 1ºda Lei de Introdução ao Código Penal não resolve a questão, segundo entendemos.

As molduras estreitas que decorrem do referido dispositivo legal não permitem uma melhor visão da realidade atual e, em decorrência, não se prestam a uma completa, acabada e irretocável classificação do que seja ou não crime ou contravenção, nos limites que a Lei de Introdução cuidou de definir.

A ausência de cominação privativa de liberdade não afasta, nos tempos de hoje, a possibilidade de a conduta estar listada como crime ou contravenção. Em tempos de responsabilidade penal da pessoa jurídica, de novas discussões acerca da responsabilidade objetiva e outros tantos temas, a definição acima apontada se mostra incompatível com o Direito Penal do século XXI.

À época em que elaborada, nem se cogitava da aplicação de outra "pena", não privativa de liberdade, como "pena principal", para qualquer crime, daí o diminuto alcance da definição que decorre da Lei de Introdução, que era perfeita para seu tempo.

Há que levar em conta, ainda, que o art. 28 se encontra no Título III (Das Atividades de Prevenção do Uso Indevido, Atenção e Reinserção Social de Usuários e Dependentes de Drogas), Capítulo III, que cuida "Dos Crimes e das Penas", e que a Lei n. 11.343/2006, lei federal e especial que é, cuidou de apontar expressamente tratar-se de crimes as figuras do art. 28 (caput e § 1º), não obstante a ausência de qualquer pena privativa de liberdade cominada.

Isaac Sabbá considerou em sua obra12 que a conduta do usuário de drogas continua sendo crime sob a égide da nova lei, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização.

Para acabar com essa confusão conceitual acerca de constituir ou não crime o uso de drogas, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento da 1ª Turma, cuidou do assunto no dia 13 de fevereiro de 2007, ao apreciar o RE 430105/QO/RJ, o qual teve como relator o Ministro Sepúlveda Pertence, se posicionou no sentido de que a Lei 11.343/2006 continua reconhecendo o uso de drogas como crime, conforme pode ser observado:

11 MARCÃO, Renato. Tóxicos – Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 anotada e interpretada, Saraiva, 4ª ed.,

2007.

12 GUIMARÃES, Isaac Sabá. Nova Lei Antidrogas Comentada: crime e regime processual – de Acordo com a

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13

A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias conseqüências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado „Dos Crimes e das Penas‟. Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006 fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-se a extinção da punibilidade do fato e, em conseqüência, concluiu-se pela perda de objeto do recurso extraordinário.

Diante disso, pelo menos no âmbito dos tribunais, não há mais espaço para discussões acerca do assunto. Está definido, o uso de drogas constitui crime sujeito às penas previstas na lei. E como fica a figura do protegido dos programas de proteção? Deve ser tratado como criminoso, apenas, e sofre a as conseqüências de seu crime na seara do direito penal?

2.3 Conseqüências Jurídicas para o Usuário de Drogas nos Programas de Proteção Nesse ponto convém destacar quais são as conseqüências jurídicas para aquele que usa droga durante sua permanência nos programas de proteção. A Lei 9.807 de 13 de julho de 1999 e os Decretos Presidenciais n. 3.518 de 20 de junho de 2000, n. 6.044 de 12 de fevereiro de 2007 e n. 6.231 de 11 de outubro de 2007, que tratam respectivamente do Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, Programa de Proteção aos

13 STF, 1º Turma, RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. Informativo n. 456. Brasília, 12 a

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Defensores de Direitos Humanos e o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, estabelecem de forma geral e não expressa a incompatibilidade entre as normas de funcionamentos dos referidos programas e a prática de crimes pelos sujeitos neles inseridos.

Em que peses a falta de previsão específica, esses marcos legais, determinam, de modo geral, a exclusão daqueles que praticam conduta conflitante com suas normas de segurança e de proteção aos direitos humanos. Ora, o uso de drogas é crime, conduta incompatível, conseqüentemente, motivo para exclusão de qualquer dos referidos programas.

Lei 9.807/1999, que pronuncia em sua ementa estabelecer normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal, explicita as seguintes regras:

Art. 2º (...)

§2º Estão excluídos da proteção os indivíduos cuja personalidade ou

conduta seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados

ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades. Tal exclusão não trará prejuízo a eventual prestação de medidas de preservação da integridade física desses indivíduos por parte dos órgãos de segurança pública. (grifo nosso)

Art. 10. A exclusão da pessoa protegida de programa de proteção a vítimas e a testemunhas poderá ocorrer a qualquer tempo:

II - por decisão do conselho deliberativo, em conseqüência de: b) conduta incompatível do protegido.

Em seu lugar, o Decreto n. 3.518/2000, regulamentador do Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, instituído pelo art. 12 da Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999, e dispõe sobre a atuação do Departamento de Polícia Federal, na execução do Serviço de Proteção ao Depoente Especial nas hipóteses na referida Lei. Regulamenta o dispositivo anterior com os seguintes verbes:

Art. 3º (...)

§ 3º O descumprimento das normas estabelecidas no termo de

compromisso constitui conduta incompatível do protegido, acarretando sua exclusão do Programa. (grifo nosso)

Art. 4º Não podem ser admitidas no Programa as pessoas cuja personalidade ou conduta sejam incompatíveis com as restrições de comportamento

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necessárias à proteção, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades. Art. 13. A exclusão da pessoa atendida pelo Serviço de Proteção poderá ocorrer a qualquertempo:

II - por decisão da autoridade policial responsável pelo Serviço de Proteção; ou

III - por deliberação do Conselho.

Pode ser percebido da leitura dos artigos relacionados, a falta de previsão específica quanto ao uso de substâncias entorpecentes nos Provitas, no Programa Federal de Proteção e no Serviço de Proteção ao Depoente Especial. Em resumo, essas normas legais explicam que estão excluídos da proteção os indivíduos cuja personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, por decisão do conselho deliberativo, ou da autoridade policial, conforme o caso, em conseqüência de conduta incompatível do protegido. Sendo considerada conduta incompatível o descumprimento das normas estabelecidas no termo de compromisso prestado pelo protegido.

Finalmente, o termo de compromissos do Serviço de Proteção ao Depoente Especial prevê o consumo de drogas como conduta proibida, ensejando, destarte, a exclusão do depoente especial, conforme transcrito abaixo:

CLÁUSULA QUARTA – À luz do contido na CLÁUSULA SEGUNDA, O

DEPOENTE ESPECIAL, sob proteção, submetem-se a todas as PROIBIÇÕES descritas abaixo, sob pena de EXCLUSÃO do Serviço de Proteção ao Depoente Especial, em caso de incorrer na prática de:

(...)

c) Consumir bebidas alcoólicas, psicotrópicos e outras drogas afins; (grifo nosso)

Decreto 6.231 de 11 de outubro de 2007, que instituiu o PPCAAM, estabelece a seguinte regra, semelhante ao disposto na legislação relativa ao Sistema Nacional de Proteção:

Art. 14. O desligamento do protegido poderá ocorrer, a qualquer tempo:

I - por solicitação do protegido;

II - por decisão do conselho gestor do PPCAAM em conseqüência de:

a) cessação dos motivos que ensejaram a proteção; b) consolidação da inserção social segura do protegido; c) descumprimento das regras de proteção; e

Cumpre ressaltar que no decreto n. 6.044 de 12 de fevereiro de 2007 não existe dispositivo semelhante aos supra relacionados, deixando grande lacuna quanto às providências que os agentes públicos devem executar em caso de cometimento de crime por parte do protegido à época do acolhimento.

A exclusão do protegido dos programas de proteção está no âmbito jurídico administrativo. Além dessa conseqüência pode existir outra de cunho civil, o que não

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configura objeto desse estudo, e outra de natureza penal, a qual constitui dever do estado reprimir, qual seja o delito previsto no artigo 28 da Lei 11343/06, o uso indevido de drogas. Em face da ocorrência dessa infração penal, como fica a figura do protegido dos programas de proteção? Deve ser tratado como criminoso, apenas, e sofre a as conseqüências de seu crime na seara do direito penal?

Nesse caso, os direitos fundamentais devem ser colocados em uma balança, relativizados, sem desmerecer qualquer deles. Deve-se verificar qual dos interesses conflitantes mais necessita da tutela do Estado. O dever do Estado de punir, reprimir e educar o indivíduo que comete crime de uso de drogas tem de prevalecer sobre o direito à vida e à integridade física do indivíduo que as colocam em risco em prol de um bem maior da humanidade, qual seja o combate às diversas e graves violações aos Direitos Humanos?

O uso de drogas pelas pessoas protegidas, sem deixar de ser visto como crime sujeito as penas prevista no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, deve deixar de constituir critério de exclusão dos programas de proteção, umas vez que não configura crime de grande periculosidade, mas sim, na maioria dos casos, patologia que deve ser tratada, como ocorrer no caso do alcoolismo. A preocupação do Estado tem de ser relacionada com a prevenção e intervenção direta como meio de evitar esse tipo de prática, ao menos nos locais onde presta mais diretamente a tutela do cidadão, como nos programas de proteção.

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III – USO INDEVIDO DE DROGAS E A INTERVENÇÃO DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E SOCIAIS

3.1 – Enfoque de Psicologia

O capítulo anterior cuidou do usuário de drogas nos programas de proteção sob a perspectiva do direito. Essa parte do trabalho, por sua vez, irá tratar o mesmo assunto, porém partindo do olhar da psicologia, entretanto, se faz necessário partir de alguns comentários introdutórios.

O ambiente no qual o sujeito está inserido naturalmente influência nas suas características pessoais. Antigamente esses ambientes eram muito bem delimitados e guardavam marcadamente as qualidades do grupo que o integrava. Atualmente, rara é a prática da cultura do pai transmitir ao filho o que ele deve “ser”, ou seja, as características inerentes àquele grupo social que o antecessor retransmitirá aos seus sucessos. Sem se preocupar com legado dos seus antecedentes, agora o indivíduo está mais interessado com o “ter”, o que por sua vez passa a define o “ser”, ou seja, “somente se pode saber o que se é pelo que se tem”.

Dessa forma, não fica muito fácil identificar determinado grupo social. A busca de uma identidade nacional, e assim, uma identidade individual, deve ter como ponto de partida as condições históricas e outros fatores que influenciam o ambiente social. A assimilação da identidade social gera dedutivamente a produção das subjetividades de cada um, conforme, melhor explica Silvia T. Maurer Lane14:

Isso acontece desde o momento que nascemos, ou mesmo antes do nascimento, enquanto condições históricas que deram origem a uma família, a qual convive com certas pessoas, que sobrevivem trabalhando em determinadas atividades, as quais já influenciam de maneira de encarar e cuidar da gravidez e no que significa ter um filho.

Esta influência histórica-social se faz sentir primordialmente, pela aquisição da linguagem. As palavras, através dos significados atribuídos por um grupo social, por uma cultura, determinam uma visão de mundo, um sistema de valores e, consequentemente, ações, sentimentos e emoções decorrentes. Somos determinados a agir de acordo com o que as pessoas que nos cercam julgam adequado, e para tanto se tem que examinar dois aspectos intimamente relacionados: os outros, ou seja, o grupo ou grupos a que pertencemos, e como nós, nesta convivência, vamos definindo a nossa identidade social.

A também que se analisar instituições como a família, escola, levando à reprodução das condições sociais, e em que circunstâncias elas podem propiciar o desenvolvimento da consciência social.

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O ambiente no qual os indivíduos estão inseridos influencia suas ações enquanto grupo social e por sua vez, subjetivamente, cada um deles. Com os usuários dos programas de proteção não podia ser diferente. O ambiente no qual estão inseridos está carregado de fatores que geram lesões físicas e psíquicas. Eles se deparam com enorme dificuldade de superação da violência sofrida, bem como de reinserção social em contexto diverso do qual estavam habituados. Há casos em que o quadro de violência é tão assustador para as vítimas, que, coadunados a um histórico de fragilidade emocional do indivíduo, gera irreversíveis danos psicológicos. Esse quadro pode ser atenuado com sua retirada da cena da criminalidade ou até mesmo agravado pelo mesmo ato, uma vez que o usuário já está tão carente de uma situação de conforto que sua fuga do ambiente onde vive, apesar de necessária para garantir a integridade física, também serve para torná-lo mais frágil diante da situação.

Ante o cenário de violência vivenciado pelo usuário doo programas de proteção a atuação do psicólogo é de fundamental importância. Esse profissional poderá favorecer uma descoberta ou redescoberta da dimensão subjetiva singular do indivíduo e assim propiciar sua reinserção no seio da sociedade.

Para tanto, três passos básicos devem ser seguidos. O primeiro consiste na tentativa de compreender o usuário e tentar avaliar suas condições subjetivas e sociais de aceitar as barreiras impostas pela situação e pelas medidas de proteção. A etapa seguinte consiste no estabelecimento de regras pactuadas e negociadas com os sujeitos, evitando prejudicar sua segurança e favorecendo adequação das normas com sua nova realidade. Por fim, seria tentar minorar os impactos psíquicos oriundos de uma vida de limitações.

Mesmo com a atuação dos psicólogos, as experiências, boas e ruins, do indivíduo fora dos programas de proteção são trazidas para dentro dele, as quais podem gerar problemas de difícil reparação.

Um desses grandes problemas é a toxicomania de seus usuários. Convém assumir que se trata de um dos grandes desafios encontrados nos programas de proteção. A toxicomania, sob o ponto de vista da psicologia, não se resolve com o julgamento sobre a licitude ou ilicitude do ato e nem com a avaliação de ser moral ou imoral. Essa atitude dos técnicos levaria ao efeito contrário do desejado, uma vez que a proibição tem o condão de aumentar o desejo do usuário pela substância psicotrópica.

Santiago Jésus15 ensina que a droga aparece como uma técnica substitutiva que auxilia o sujeito frente aos percalços insuportáveis da vida. O intuito, nesse caso, reside em

15 JÉSUS, Santiago. A Droga do Toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência. Rio de janeiro: Jorge Zahar

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demonstrar em que medida essa forma de “construção substitutiva” auxiliar que é a toxicomania, intervém exatamente no ponto em que o sintoma neurológico se revela uma saída insuficiente para as dificuldades do sujeito diante do mal estar do sujeito.

O mesmo autor explica o seguinte, sobre o uso de drogas: 16

Entre as técnicas vitais que visam à felicidade e à evitação do sofrimento, figura, enfim, o uso de drogas. A especificidade desse meio de satisfação evidencia-se na sua ação sobre o próprio corpo. Ao contrário de outras técnicas vitais, esse uso caracteriza-se por um procedimento de proteção agindo de plano do aparelho da sensibilidade. Daí, propor-se a a existência do método químico como uma espécie de técnica do corpo destinada a afrontar o mal-estar da civilização. Trata-se, segundo Freud, “do mais

brutal, mas também do mais eficaz dos métodos destinados a exercer tal influência corporal”. Essa maneira artificial de ação não implica somente a

obtenção de sensações agradáveis imediatas. No uso das drogas, o importante resume-se, principalmente, no seu efeito de remédio, na sua eficácia sedativa, pois “modificam as condições de nossa sensibilidade a

ponto de nos tornar invulneráveis a qualquer sensação desagradável”.

Diante dessas constatações, o primeiro passo no sentido à resolução do problema consiste na conscientização do sujeito de sua toxicomania, de sua condição de dependência do uso de drogas. Posteriormente, cabe aos técnicos dos programas entenderem a relação do sujeito com a droga, e dessa forma encontrar os motivos ou os não motivos para se deixar as drogas.

Não pode deixar de ser considerada a relação do uso de droga com o comprometimento da segurança do protegido, tanto quando se trate do uso de drogas ilícitas, quanto ilícitas, cada qual com suas peculiares conseqüências.

Nos programas de proteção, as atitudes no tocante a solução do problema ora apresentado devem seguir os mesmos caminhos acima descritos, contudo, não ocorre dessa forma em todos os programas de proteção. No Serviço de Proteção ao Depoente Especial, por exemplo, tendo em vista seu caráter passageiro e cautelar, não há a preocupação de existirem psicólogos, com amplo conhecimento sobre a natureza do serviço e também no tocante ao tratamento do usuário de drogas. Esse serviço é prestado por profissionais, que embora sejam da psicologia, não trabalham diretamente e exclusivamente no atendimento aos depoentes.

Por fim, vê-se, portanto, que o trabalho do psicólogo nos programas de proteção consiste em um de seus pilares, sem esquecer o trabalho dos operadores do direito e dos assistentes sociais. Aquele profissional contribui para que o usuário dos programas seja curado dos traumas adquiridos com a violência sofrida e se adapte a sua nova realidade de vida e de medidas de proteção que lhes são impostas, até que adquira condições de voltar ao

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convívio social e não mais precise, tão diretamente, da tutela do Estado para garantir sua sobrevivência.

Enfoque do Serviço SocialPor derradeiro passa-se a analisar o serviço social dentro e fora a dos programas de proteção, bem como sua visão quanto ao uso de droga em seu interior.

Desde a antiguidade a prática da assistência é desenvolvida pela sociedade. Inicialmente era destinada aos pobres, doentes e incapazes para o trabalho, como forma de respeito a princípios e normas morais e religiosas, por meio de ações caritativas. Contudo, essas ações caritativas deixaram de ser resposta para a problemática, em decorrência das condições produzidas pelo modo de produção capitalista. O que demandou do Estado um novo papel, o de promotor de políticas públicas. Por sua vez a sociedade civil também expandiu e multiplicou suas formas de atenção aos segmentos populacionais em situação de pobreza e exclusão.

Juntamente com modo de produção capitalista surge um processo de crescente pauperização do trabalhador. Diante desse cenário, o inicio do século XX foi marcado por lutas sociais lideradas pelos trabalhadores urbanos, que formam uma resistência operária organizada, delineando-se uma nova expressão da questão social.

Com a Lei Eloy Chaves Caixas, em 1923, foram lançadas as bases do sistema brasileiro de previdência social. Nos anos de 1930, a questão social ganhou mais importância. Com a necessidade de formar uma força de trabalho para servir à indústria, o Estado centralizador e intervencionista, estabeleceu a política trabalhista.

Após a Constituição Federal de 1946 o atendimento aos pobres era realizado via instituições, que recebiam recursos públicos e permaneciam isentas de impostos, e o atendimento aos trabalhadores era prestado através de um modelo misto de ações assistenciais e educacionais. A política do estado ainda estabelecia diferenciação entre pobres e trabalhadores.

No período da Ditadura Militar, iniciado em 1964 a política social corporativa tutelada pelo Estado foi refutada pelos novos governantes. Somente a partir de 1967, à época em que o modelo econômico e político foram mais definidos, o atendimento às necessidades sociais passou a ser feito em nome dos efeitos econômicos, gerando novos desdobramentos no que se referia à questão social.

Somente nos anos 80, a forte pressão popular pela descentralização e abertura democrática levou ao revigoramento dos movimentos sociais e consequentemente à ampliação de direitos e consolidação de conquistas, as quais foram expressas na Constituição Federal de 1988.

Referências

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