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DRAFT. Campos de vetores em superficies. Capítulo 11

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Capítulo 11

Campos de vetores em

superficies

Nos dois capítulos finais deste livro vamos estudar alguns resultados da teoria global das equações diferenciais. O objetivo da teoria global é descrever o comportamento do fluxo como um todo, na totalidade do domínio da equação, combinando as informa-ções da teoria local por meio de diversas ferramentas. Um objeto de interesse especial são os conjuntos limite, ou seja, os conjuntos de pontos de acumulação das trajetórias quando o tempo t vai para +∞ (conjuntoω–limite) ou para −∞ (conjuntoα–limite). As propriedades básicas destas noções serão estudadas na Seção 11.1.

Há diversas razões que tornam o caso das equações diferenciais de dimensão 2 merecedor de atenção especial. Enquanto as equações diferenciais de dimensão 1 são pouco interessantes do ponto de vista qualitativo global (veja os Exercícios 11.6 e 11.24), a teoria em dimensão 2 é bastante rica, como veremos. Ao mesmo tempo, o comportamento dessas equações ainda é suficientemente simples para que possamos obter resultados bastante completos, usando métodos relativamente elementares. De fato, as equações diferenciais de dimensão 2 evitam fenômenos muito complexos (às vezes chamados caos) que podem ocorrer em dimensão maior ou igual a 3 e que ainda são mal compreendidos, fazendo com que a teoria global das equações diferenciais em dimensão superior ainda esteja bastante incompleta.

Inicialmente, na Seção 11.2, provaremos o Teorema de Poincaré–Bendixson para fluxos no plano R2, que é outra bela ilustração da abordagem qualitativa das equações

diferenciais: ele explora a topologia do plano para descrever os possíveis conjuntos limite das trajetórias. A propriedade topológica específica de R2que é usada na

de-monstração é dada pelo Teorema da Curva Fechada: toda curva simples fechada separa o plano em duas componentes conexas, uma limitada (o lado de dentro) e a outra ili-mitada (o lado de fora da curva). Na Seção 11.2.3 apresentaremos uma aplicação do Teorema de Poincaré–Bendixson ao estudo de uma equação importante da Engenharia Elétrica, chamada equação de van der Pol.

Este resultado já mostra que as propriedades do domínio da equação têm um pa-pel importante na teoria global das equações diferenciais. Na verdade, para tirarmos

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real proveito desta teoria precisamos considerar equações diferenciais definidas numa classe de domínios muito mais ampla do que vimos tratando até aqui: variedades dife-renciáveis. Suporemos que o leitor tem alguma familiaridade com esse conceito mas, para sua conveniência, reunimos no Apêndice A os fatos fundamentais necessários. Ex-plicaremos na Seção 11.3.1 o que se entende por equação diferencial numa variedade diferenciável. Na Seção 11.3.2 observaremos que o mesmo argumento do Teorema de Poincaré–Bendixson no plano também dá um resultado correspondente na esfera S2e

na Seção 11.3.3 discutiremos brevemente a situação em outras superfícies.

Na Seção 11.4 apresentaremos outro resultado global sobre fluxos em superfícies, mais especificamente fluxos que preservam área e cujos pontos estacionários são todos de tipo sela. O Teorema de Mayer afirma que para tais fluxos a superfície ambiente pode ser decomposta em um número finito de domínios (chamados componentes), que são de dois tipos: as componentes periódicas são formadas exclusivamente por trajetó-rias periódicas e as componentes minimais são formadas por trajetótrajetó-rias abertas que são densas na componente.

Encerraremos o capítulo, na Seção 11.5, com uma breve discussão da noção de es-tabilidade estrutural. Conceitualmente, um campo de vetores é estruturalmente estável se o comportamento qualitativo global das suas trajetórias não pode ser alterado por meio de pequenas modificações do campo de vetores. É imediato da definição que os campos de vetores estruturalmente estáveis formam um subconjunto aberto do espaço de todos os campos de vetores em qualquer variedade. Um fato notável em dimensão 2 é que esse conjunto também é denso, pelo menos se a superfície for orientável. Ou seja, neste caso todo campo de vetores pode ser tornado estruturalmente estável por meio de uma modificação arbitrariamente pequena. Esse é o conteúdo do Teorema de Peixoto (Teorema 11.40), que está na origem de muito avanço importante em Sistemas Dinâmicos.

11.1 Conjuntos α–limite e ω–limite

Seja F : U → Rd um campo de vetores de classe C1definido num aberto U ⊂ Rd.

Seja p ∈ U tal que a trajetória ft(p) está definida para todo t ∈ [0,+∞). O conjunto

ω–limite de pé o conjuntoω(p) dos pontos de acumulação de ft(p) quando t → +∞, isto é,

ω(p) =�

x ∈ U : � ftn(p)

n→ x para alguma sequência

tn�n→ +∞�.

Analogamente, seja p ∈ U tal que o trajetória ft(p) está definida para todo t ∈ (−∞,0].

O conjuntoα–limite de pé o conjuntoα(p) dos pontos de acumulação de ft(p) quando t → −∞, isto é,

α(p) =�

x ∈ U : � ftn(p)

n→ x para alguma sequência

tn�n→ −∞�.

Observação 11.1. Lembre (Seção 5.5) que um ponto p ∈ M é recorrente no futuro se existe uma sequência (tn)n→ +∞ tal que ( ftn(p))n→ p, ou seja, se p ∈ω(p). Diremos

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11.1. CONJUNTOS α–LIMITE E ω–LIMITE 315

Exemplo 11.2. Se p é um ponto estacionário entãoω(p) =α(p) = {p}. Mais

geral-mente,ω(q) = {p} para todo q ∈ Ws(p) eα(q) = {p} para todo q ∈ Wu(p).

Exemplo 11.3. Se a trajetóriaγde p é periódica entãoω(p) =α(p) =γ. Mais geral-mente,ω(q) =γpara todo q ∈ Ws(γ) eα(q) =γpara todo q ∈ Wu(γ).

Em geral, oω–limite contém tanto pontos estacionários quanto pontos regulares. Veja a Figura 11.1.??

Figura 11.1: Um fluxo no plano exibindo um conjuntoω–limite que contém um ponto estacionário (a sela z) e pontos regulares (incluindo duas separatrizes de z).

Diremos que um conjunto X ⊂ U é invariante pelo fluxo se ft(x) ∈ X para todo

x ∈ X e todo t no domínio da trajetória de x.

Proposição 11.4. Suponhamos que ft(p) está definida para todo t � 0 e { ft(p) : t � 0}

está contido num compacto K ⊂ U . Entãoω(p) é não vazio, invariante pelo fluxo, compacto e conexo. Valem fatos análogos para o conjuntoα–limite, supondo que ft(p)

está definida para todo t �0 e { ft(p) : t � 0} está contido num compacto K ⊂ U .

Demonstração. O fato de queω(p) é não vazio é consequência imediata da hipótese de que a trajetória está contida num compacto. Para provar queω(p) é invariante, considere q ∈ω(p) e s ∈ R. Por definição, existe (tn)n→ +∞ tal que ftn(p) → q.

Então, (tn+ s)n→ ∞ e ftn+s(p) = fs( ftn(p)) → fs(q). Logo, fs(q) ∈ω(p), tal como

queríamos provar.

Comoω(p) ⊂ K, para provar compacidade basta mostrar queω(p) é fechado. Seja (qk)k uma sequência emω(p) convergindo para algum q. Por definição, para cada k

existe (τnk)ntal que fτnk(p) → qkquando n → ∞. Escolha n1�1 tal que d( fτn11 (p), q1) <

1. Em seguida, para cada k � 2, escolha nk�1 tal que

τnkknk−1k−1+ 1 e d( fτnkk (p), qk) < 1/k.

Defina tk=τnkk. Então, (tk)k→ ∞ e d( f

tk(p), qk) → 0. Segue que ftk(p) → q e portanto

q ∈ω(p).

Finalmente, suponhamos queω(p) não é conexo. Então, existem abertos disjuntos não vazios A e B tais queω(p) ⊂ A ∪ B e tantoω(p) ∩ A quantoω(p) ∩ B são não

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vazios. Tome qA∈ω(p) ∩ A e qB∈ω(p) ∩ B. Por definição, existem (tn)n→ +∞ e

(sn)n→ +∞ tais que ftn(p) → qAe fsn(p) → qB. A menos de tomar subsequências

apropriadas, podemos supor que ftn(p) ∈ A, fsn(p) ∈ B e

t1< s1< t2< s2< ··· < tn< sn< tn+1< ··· .

Então, para cada n podemos encontrar un∈ (tn, sn) tal que fun(p) /∈ A ∪ B. A menos

de tomar uma subsequência, podemos supor que fun(p) converge para algum q ∈ K.

Então, q ∈ω(p) mas q /∈ A ∪ B, o que é uma contradição. Logoω(p) é conexo.

11.2 Teorema de Poincaré–Bendixson

Nesta seção vamos provar o seguinte resultado:

Teorema 11.5 (Poincaré–Bendixson). Suponhamos que U ⊂ R2e F: U → R2é um

campo de vetores de classe C1com número finito de pontos estacionários. Se p ∈ U é

tal que { ft(p) : t � 0} está contido num compacto K ⊂ U então:

(a) Seω(p) contém apenas pontos estacionários entãoω(p) é um único ponto es-tacionário.

(b) Seω(p) contém apenas pontos regulares entãoω(p) é uma trajetória fechada. (c) Seω(p) está formado por pontos estacionários e trajetórias regulares então

para toda trajetória regularγ⊂ω(p) existem pontos estacionários zi, zj∈ω(p)

tais queα(γ) = {zi} eω(γ) = {zj}.

Seja p ∈ U um ponto nas condições do enunciado. A primeira etapa da demons-tração será entender as implicações da presença emω(p) de um ponto regular x. Inici-almente, podemos considerar qualquer dimensão d � 2. De acordo com o Teorema do Fluxo Tubular (Teorema 5.8), existemε> 0 e um difeomorfismo H : (−ε,ε)d→ W ⊂ U de classe C1tal que H(0) = x e a curva

(−ε,ε) ∋ t �→ H(t,ξ2, . . . ,ξd)

é solução da equação diferencial para todo ¯ξ = (ξ2, . . . ,ξd) em (−ε,ε)d−1. Em

par-ticular, a caixa de fluxo tubular H�(−ε,ε)d�

é uma vizinhança de x. No que segue, consideraremos apenas seções transversais contidas em caixas de fluxo tubular. Lema 11.6. Seja x ∈ω(p) um ponto regular e S uma seção transversal ao fluxo em x. Então o conjunto dos valores de t �0 tais que ft(p) ∈ S é discreto e contém uma

sequência (tn)n→ +∞ tal que ftn(p) → x.

Demonstração. Por definição, existe (τn)n→ +∞ tal que fτn(p) → x. Então fτn(p)

está na caixa de fluxo tubular para todo n suficientemente grande. Então, ( ¯τn, ¯ξn) =

H−1( fτn(0)) converge para 0 ∈ Rdquando n → ∞. Por transversalidade, H−1(S)

in-tersecta (−ε,ε) × { ¯ξ} para todo ¯ξ próximo de 0 ∈ Rd−1. Então, para todo n suficien-temente grande existeθnpróximo de 0 ∈ R tal que ( ¯τn+θn, ¯ξn) ∈ H−1(S). Em outras

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11.2. TEOREMA DE POINCARÉ–BENDIXSON 317

palavras, fτn+θn(p) = H( ¯τn+θn, ¯ξn) está em S. Tome tn=τn+θn. Por construção,

ftn(p) ∈ H e (tn)n→ +∞ porque (τn)n→ +∞ e (θn)n→ 0. Além disso,

lim

n f

tn(p) = lim

n f

θn( fτn(p)) = x

porque fτn(x) → x e fθn→ id uniformemente numa vizinhança de x.

Também segue que o conjunto dos t � 0 tais que ft

(p) ∈ S é discreto. De fato, se fτ(p) ∈ S então ( ¯τ, ¯ξ) = H−1( fτ(p)) está em H−1(S). Por transversalidade, esse é o

único ponto na interseção de (−ε,ε) × { ¯ξ} com H−1(S). Tomando a imagem por H,

concluímos que existe um intervalo aberto de comprimento 2ε contendoτ e tal que ft(p) /∈ S para todo t �=τnesse intervalo.

11.2.1 Consequências do Teorema da Curva Fechada

Em dimensão d = 2, seções transversais são imagens de mergulhosφ: (−1,1) → U

do intervalo. Nesta seção suporemos que foi fixada uma parametrizaçãoφ qualquer e consideraremos na seção transversal a relação de ordem correspondente: x1=φ(u1) é

menor que x2=φ(u2) se e somente se u1< u2.

Lema 11.7. Sejam x ∈ω(p) um ponto regular e S uma seção transversal ao fluxo em x. Sejam s1< s2< ··· < sn< ··· os valores de t � 0 tais que ft(p) ∈ S (conforme o

Lema 11.6). Então xn= fsn(p) é uma sequência monótona em S.

??

Figura 11.2: Usando o Teorema da Curva Fechada.

Demonstração. Se x1= x2, então a trajetória de p é periódica e xn= x1para todo n.

Suponha que x1< x2. Afirmamos que x2< x3. De fato, considere u1< u2 em

(−1,1) dados por x1=φ(u1) e x2=φ(u2). Considere também a curva fechada Γ

definida por (confira a Figura 11.2)

Γ = { ft(p) : s1�t � s2} ∪ {φ(u) : u1�u � u2}.

Note que Γ é uma curva simples, ou seja, sem autointerseções, uma vez que os pontos x1= fs1(p) e x2= fs2(p) são interseções consecutivas da trajetória de p com a seção

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transversal S. Pelo Teorema da Curva Fechada, Γ separa o plano em duas componentes conexas. As trajetórias dos pontos no segmento [x1, x2] podem deslocar-se para o lado

de dentro (a componente conexa limitada) ou para o lado de fora de Γ (a componente conexa ilimitada): os dois casos estão descritos na Figura 11.2. No primeiro caso, trajetórias do fluxo podem passar do lado de fora para o lado de dentro de Γ, mas não em sentido contrário. A trajetória { ft(p) : t � s

2} entra no lado de dentro de Γ e então

não pode passar para o lado de fora. Portanto a próxima interseção x3com a seção

transversal está necessariamente no segmento de S acima de x2, relativamente à relação

de ordem na seção transversal. Em outras palavras, x2< x3neste caso. Um argumento

análogo mostra que x2< x3também no segundo caso da Figura 11.2. Isto prova a nossa

afirmação. Repetindo este argumento obtemos, por indução, que xn< xn+1para todo

n.

Analogamente, se x1> x2então x2> x3e, por indução, xn> xn+1para todo n.

Corolário 11.8. Qualquer seção transversal S intersecta ω(p) em no máximo um ponto.

Demonstração. Suponha que existe algum ponto x na interseção. Claro que x é ponto regular. Sejam s1< s2< ··· < sn< ··· os valores de t � 0 tais que ft(p) ∈ S. Pelo

Lema 11.7, a sequência xn= fsn(p) é monótona em S e pelo Lema 11.6 ela tem alguma

subsequência convergindo para x. Então (xn)nconverge para x. Isto implica que x é

único.

Lema 11.9. Seja x ∈ω(p). Se algum dos conjuntosω(x) ouα(x) contém pontos regulares então x é ponto periódico eω(p) =ω(x) =α(x) = trajetória de x.

Demonstração. Note queω(x) ∪α(x) ⊂ω(p), uma vez que ω(p) é invariante pelo fluxo e compacto (Proposition 11.4). Suponha que existe um ponto regular y ∈ω(x) ∪

α(x) e seja S uma seção transversal ao fluxo em y. Entãoω(p) ∩ S = {y}, pelo Co-rolário 11.8. Se y ∈ω(x), o Lema 11.7 dá que a interseção de { ft(x) : t � 0} com S consiste de uma sequência monótona em S. Analogamente, aplicando o Lema 11.7 ao fluxo do campo de vetores −F, se y ∈α(x) então a interseção de { ft(x) : t � 0} com S consiste de uma sequência monótona em S. Em qualquer dos casos, como a trajetória de x está contida emω(p), a observação anterior dá que essa sequência é constante igual a y. Em particular, ft(x) = y para infinitos valores de t, o que implica que o ponto

xé periódico.

Sejaγa trajetória (periódica) de x. Entãoω(x) =α(x) =γ, conforme observamos no Exemplo 11.3. Suponhamos que a diferençaω(p) \γ é não vazia. Claro queγ é fechado emω(p), por ser compacto. Comoω(p) é conexo (Proposição 11.4), segue queω(p) \γnão pode ser fechado emω(p). Em outras palavras, existe uma sequência (yk)k∈ω(p) \γconvergindo para algum y ∈γ. Seja S uma seção transversal ao fluxo

em y. Pelo Lema 11.6, não é restrição supor que yk∈ S para todo k. Mas então o

Corolário 11.8 implica que a sequência (yk)ké constante e, portanto, yk= y para todo

k. Isso é uma contradição, pois y ∈γ enquanto que yk∈/γ. Esta contradição prova que

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11.2. TEOREMA DE POINCARÉ–BENDIXSON 319

11.2.2 Conclusão da demonstração

Primeiramente, suponha queω(p) contém apenas pontos estacionários. Então, como

ω(p) é conexo (Proposição 11.4) e estamos supondo que o número de pontos estacio-nários é finito, segue queω(p) consiste de um único ponto estacionário.

Em seguida, suponha queω(p) contém apenas pontos regulares e seja x ∈ω(p). Como a trajetória de x está contida emω(p) ⊂ K, temos queω(x) é não vazio e está contido emω(p). Além disso, todo ponto deω(x) é regular. Pelo Lema 11.9, segue que x é ponto periódico eω(p) coincide com a trajetória (periódica) de x.

Finalmente, suponha queω(p) contém pontos regulares e pontos estacionários. Seja x um ponto regular qualquer contido emω(p). Seω(x) contivesse algum ponto regular então, pelo argumento do parágrafo anterior, x seria periódico eω(p) coin-cidiria com a trajetória de x, contradizendo a hipótese de queω(p) contém pontos estacionários. Portanto,ω(x) contém apenas pontos estacionários. Usando mais uma vez o fato de que o número de pontos estacionários é finito, segue que o conjuntoω– limite de x consiste de um único ponto estacionário. Exatamente o mesmo argumento, substituindoω(x) porα(x), mostra que o conjuntoα–limite também consiste de um único ponto estacionário.

Isto completa a prova do Teorema 11.5. É claro que o conjuntoα(p) também está sujeito às alternativas correspondentes à condições (a), (b) e (c) no enunciado, sempre que { ft

(p) : t � 0} está contido num compacto.

11.2.3 Equação de van der Pol

Nesta seção vamos utilizar o Teorema de Poincaré–Bendixson para provar que a equa-ção de van der Pol da Engenharia Elétrica admite uma soluequa-ção periódica.

A equação de van der Pol é o caso particular da equação de Liénard (5.23) x′′= −x − g(x)x

correspondente a funções g(x) =µ(x2− 1) comµ> 0. A conclusão do teorema a seguir vale sempre que a função g é Lipschitziana e a sua primitiva G satisfaz:

1. G é ímpar e lim

x→+∞G(x) = +∞;

2. existemβ�α> 0 tais que G é negativa1em (0,α) e G é positiva e crescente em (β, +∞).

Teorema 11.10 (Liénard). A equação de van der Pol x′′+µ(x2

− 1)x′+ x = 0 (11.1)

possui uma trajetória periódica para todo valor do parâmetroµ> 0.

1Esta condição é um pouco surpreendente, do ponto de vista físico, pois significa que a resistência é

negativa nessa região. De fato, assim se comportam certos semicondutores chamados díodos túnel, ou díodos Esaki, que utilizam efeitos quânticos.

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Demonstração. Considere a função g(x) =µ(x2−1) e a sua primitiva G(x) =µ(x3/3− x). A equação (11.1) pode ser reescrita na forma da seguinte equação de ordem 1 e di-mensão 2:

�u′= v − G(u)

v′= −u. (11.2)

De fato, se (u,v) é solução de (11.2) então u′′= v− G(u)u= −u − g(u)u, ou seja,

x = u é solução de (11.1). Reciprocamente, se x é solução de (11.1) com x(0) = x0e

x′(0) = y0então (u,v) dado por

u(t) = x(t) e v(t) = (y0+ G(x0)) −

� t

0 x(s)ds

é solução de (11.2).

Consideremos então o campo de vetores F(u,v) = (v − G(u),−u) associado a (11.2). Note que a origem (0,0) é o único ponto estacionário de F. Consideremos também a função auxiliar

V : R2→ R, V (u,v) = u2+ v2. A sua derivada ao longo de trajetórias é dada por

V′(u, v) = d

dtV (u,v) = 2uu′+ 2vv′= −2uG(u) = 2µu

2�

1 −u32�.

Portanto V′0 em todo o domínio (u,v) ∈ (−3,3)×R, com V= 0 se e somente se

u = 0. Consequentemente, a função V é crescente ao longo de trajetórias dentro desse domínio. Em particular, nenhuma trajetória regular acumula em (0,0) e, portanto, não existem pontos estacionários no conjuntoω–limite de nenhuma trajetória regular.

??

Figura 11.3: Trajetórias da equação de van der Pol (11.1)–(11.2).

Lema 11.11. Toda trajetóriaγ= (u, v) de F começando em um ponto A = (0, a) com a > 0 suficientemente grande volta a intersectar o eixo vertical num ponto D = (0,d) com d < 0.

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11.2. TEOREMA DE POINCARÉ–BENDIXSON 321

Demonstração. Confira a Figura 11.3. Considereγ parametrizada de tal forma que A =γ(0). O primeiro passo é mostrar que a trajetória futura de A intersecta a vertical {u = 2} em algum ponto B = (2,b). Considere qualquer s > 0 tal queγ([0, s]) está contido no domínio {0 � u � 2}. As relações u′= v − G(u) e v= −u ≥ −2 implicam

que

a � v(t) � a − 2t e 2 � u(t) � t(a − 2t − G(2)) para todo t ∈ [0,s]. (11.3) Supondo que a − G(2) > 4, a segunda desigualdade implica que s < 4/(a − G(2)). Isto mostra queγ realmente corta a vertical pela primeira vez em algum tempo sB<

4/(a − G(2)). Tome B =γ(sB).

Em seguida, vamos mostrar que a trajetória futura de B volta a intersectar a vertical {u = 2} em algum ponto C = (2,c). De fato, suponha que u(t) � 2 para todo t � sB.

Então, usando as relações u′= v − G(u), v= −u ≤ −2 e G(u) � G(2),

v(t) � v(sB) − 2t = b − 2t e u′(t) � b − 2t − G(2) para todo t � sB. (11.4)

A segunda desigualdade implica que u′(t) é negativa para todo t suficientemente grande,

logo u(t) é limitada por cima (e por baixo, claro). Segue que v′(t) é limitada e,

por-tanto, a trajetória não pode ir para infinito em tempo finito. Logo, γ(t) está defi-nida para todo t ∈ [sB, +∞). Usando a segunda desigualdade uma vez mais, vemos

que u′(t) → −∞ e portanto u(t) → −∞ quando t → +∞. Isso contradiz a hipótese

de que u(t) � 2 para todo t � sB. Esta contradição mostra que γ cruza a vertical

{u = 2} em algum tempo sC > sB. Tome sC mínimo e C =γ(sC). Observe que

u′(sc) = v(sC) − G(u(sC)) = c − G(2) é negativo, e isso significa que C está abaixo

do gráfico {v = G(u)}.

O próximo passo é mostrar que a trajetória futura de C intersecta o eixo vertical. De fato, suponha que u(t) > 0 para todo t � sC. Note queγ(t) permanece abaixo do

gráfico {v = G(u)} para todo t � sC, uma vez que F(u,v) = (v − G(u),−u) = (0,−u)

aponta para baixo em todo ponto do domínio {u > 0}. Então,

v′(t) = −u(t) < 0 e u(t) = v(t) − G(u(t)) < 0 para todo t > 0. (11.5)

Segue que v(t) � v(sC) = 2 e u(t) � u(sC) = 2 para todo t � sC. Logo, v′(t) = −u(t)

também é limitada por baixo e portanto a trajetória não pode ir para infinito em tempo finito. Segue queγ(t) está definida para todo t ∈ [sC, +∞). As relações em (11.5)

asseguram que existem os limites de u(t) e v(t) quando t → +∞. Claro que o limite u0 de u(t) é finito. Pelo Corolário 5.4, se o limite v0 de v(t) também fosse finito

então (u0, v0) seria um ponto estacionário, mas isso contradiria a observação anterior de

que nenhuma trajetória regular acumula na origem. Portanto v(t) deve convergir para −∞ quando t → +∞. Mas então u(t) = v(t) − G(u(t)) também vai para −∞ quando t → +∞, e isso é incompatível com a suposição de que u(t) > 0 para todo t � sC. Esta

contradição mostra que existe algum sD> sCtal queγ(sD) está em {0} × (−∞,0).

Lema 11.12. O ponto D = (0,d) satisfaz d > −a.

Demonstração. Vamos estimar a variação da função V (u,v) = u2+ v2ao longo de cada

um dos segmentos de trajetória [A,B]γ, [B,C]γ e [C,D]γ, que ligam os pontos A, B, C,

(10)

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A segunda desigualdade em (11.3) implica que u′= v−G(u) > 0 e, portanto, [A,B]γ

é o gráfico de uma função u �→ v(u). Além disso, a primeira desigualdade em (11.3) implica que esta função vai uniformemente para +∞ quando a → +∞. Então, por mudança de variável, � [A,B]γ V′=� sB 0 V ′(u(t), v(t)) dt =� 2 0 V ′(u, v(u)) du du/dt = � 2 0 −2uG(u) v(u) − G(u)du.

Como o numerador é limitado e o denominador converge para infinito uniformemente, concluímos que

V (B) −V(A) =

[A,B]γ

V′→ 0 quando a → +∞. (11.6)

Como V (B) −V(A) = (b2+ 2) − a2, também segue que b → +∞ quando a → +∞. Um

argumento análogo mostra que V (D) −V(C) =

[C,D]γ

V′→ 0 quando d → −∞. (11.7)

O fato de que v′= −u � −2 implica que o segmento de trajetória [B,C]γentre B e

Cé o gráfico de uma função v �→ u(v). Então, por mudança de variáveis,

� [B,C]γ V′=� sC sB V′(u(t), v(t)) dt =� c b V ′(u(v), v) dv dv/dt = � c b −2u(v)G(u(v)) −u(v) dv = � b c −2G(u(v))dv.

Note que G(u(v)) � G(2) > 0 e que b − c � b − G(2), uma vez que u(v) � c. Segue que V (C) −V(B) = � [B,C]γ V′−2G(2)� b − G(2)� → −∞ quando a → +∞. (11.8) Agora argumentos análogos aos que usamos nos dois primeiros parágrafos mostram que a trajetória futura de C intersecta o eixo vertical e que a primeira interseção D = (0, d) satisfaz

Das relações (11.6), (11.7) e (11.8), concluímos que existeκ> 0 tal que V (B) −V(A) < 1 e V(C) −V(B) < −2 se a >κ e

V (D) −V(C) < 1 se d < −κ. (11.9) Suponha que a >κ. Se d > −a então a conclusão do lema está satisfeita. Caso

contrá-rio d � −a < −κe então as desigualdades em (11.9) dão que d2−a2= V (D)−V (A) <

(11)

DRAFT

11.3. CONJUNTOS LIMITE DE FLUXOS EM SUPERFÍCIES 323

Figura 11.4: Toda trajetória da equação de van der Pol (11.1)–(11.2) começando no domínio Ω é limitada e, portanto, tem uma trajetória fechada como conjunto limite.

??

Para concluir a demonstração do teorema, observe que o campo de vetores F é ímpar: F(−u,−v) = −F(u,v) para todo (u,v) ∈ R2. Segue que a trajetória −γ

come-çando no ponto −A = (0,−a) é simétrica da trajetóriaγ. Em particular, pelo lema que acabamos de provar, −γintersecta o eixo vertical pela primeira vez em −D = (0,−d).

Considere a curva (veja a Figura 11.4)

Γ = [A, D]γ∪�{0} × [d,−a]�∪ −[A,D]γ∪�{0} × [−d,a]�,

onde −[A,B]γ é o segmento de trajetória ligando −D a −A. Note que Γ é uma curva

simples fechada. Além disso, as trajetórias começando no domínio Ω do lado de dentro de Γ não podem passar para o lado de fora. Então, toda trajetória regular { ft(x) : t � 0}

com x ∈ Ω está totalmente contida em Ω e, em particular, está contida num compacto. Lembrando queω(x) não contém pontos estacionários, segue do Teorema de Poincaré– Bendixson queω(x) é uma trajetória periódica.

11.3 Conjuntos limite de fluxos em superfícies

Vimos na seção anterior como a topologia do plano, expressa por meio do Teorema da Curva Fechada, influencia o comportamento assintótico das trajetórias do fluxo, mais precisamente, os tipos de conjuntosω–limite. Aqui vamos explorar esse tema um pouco mais, no contexto muito mais rico dos fluxos em superfícies.

Começamos por estender as noções de campo de vetores e equação diferencial para variedades diferenciáveis. O leitor que não esteja bem familiarizado com a teoria das variedades diferenciáveis pode revisar as ideias fundamentais nos Apêndices A.1 e A.2. Aqui estamos especialmente interessados no caso de superfícies, ou seja, variedades diferenciáveis de dimensão d = 2, mas inicialmente consideramos o caso geral.

11.3.1 Equações diferenciais em variedades

Um campo de vetores numa variedade M é uma aplicação que associa a cada ponto p ∈ M um elemento F(p) do espaço tangente TpM, ou seja, uma aplicação F : M → TM

(12)

DRAFT

tal queπ◦ F = id. Dizemos que o campo de vetores é de classe Ckse essa aplicação for de classe Ck. Chamamos equação diferencial em M qualquer relação da forma

p′= F(p), (11.10)

onde F é um campo de vetores em M. Uma solução da equação diferencial (11.10) é uma curva diferenciávelγ : I → M definida num intervalo aberto I e tal queγ′(t) =

F(γ(t)) para todo t ∈ I.

Exemplo 11.13. Seja Ψ : Rm→ Rn uma aplicação de classe Ce seja c ∈ Rn um

valor regular, ou seja, tal que Dψ(p) : Rm→ Rné sobrejetiva para todo p ∈ Ψ−1(c).

Suporemos que Ψ−1(c) é não vazio. Então (confira o Apêndice A.4) toda componente

conexa M de Ψ−1(c) é uma variedade diferenciável de dimensão d = m − n. O espaço

tangente TpM num ponto p ∈ M está dado pelo núcleo kerDΨ(p) e um campo de

vetores F em M é uma aplicação F : M → Rmtal que

DΨ(p)F(p) = 0 para todo p ∈ M. (11.11)

Supondo que F se estenda a uma vizinhança aberta U de M, podemos considerar a equação diferencial

x′= F(x), (11.12)

no aberto U de Rm. A condição (11.11) implica que Ψ(x(t)) ≡ c para toda solução

x(t) desta equação com condição inicial x(0) ∈ M. Quer dizer, toda solução de (11.12) com condição inicial em M está totalmente contida em M. Estas são as soluções da equação diferencial (11.10) na variedade M.

Estas noções podem ser traduzidas para o contexto em que vimos trabalhando, em abertos de espaços euclideanos, por meio de coordenadas locais. Primeiramente, conforme explicado no Apêndice A.2, toda carta localϕα : Uα → Xα, Xα ⊂ Rd da

variedade M tem associada uma carta local

Dϕα: TUαM → Xα× R

d,

do fibrado tangente T M, com domínio TUαM = ∪p∈UαTpM. A expressão do campo de

vetores em coordenadas locais

Dϕα◦ F ◦ϕα−1: Xα→ Xα× Rd (11.13)

tem a forma x �→ (x,Fα(x)), onde Fα: Xα→ Rd. O campo de vetores F é de classe Ck

se e somente se Fα é de classe Ck, para toda escolha da carta localϕα. Além disso,

uma curvaγ: I → M comγ(I) ⊂ Uαé solução de (11.10) se e somente se a sua imagem

ϕα◦γé solução da equação diferencial x′= Fα(x).

Estas observações permitem estender para variedades todos as propriedades locais das equações diferenciais em abertos dos espaços euclideanos. Em particular, o Teo-rema de Existência e Unicidade (TeoTeo-rema 2.4) implica:

Teorema 11.14 (Existência e Unicidade de Soluções). Se o campo de vetores F é de classe C1então

(13)

DRAFT

11.3. CONJUNTOS LIMITE DE FLUXOS EM SUPERFÍCIES 325 1. para todo p ∈ M existe alguma soluçãoγ: I → M da equação diferencial (11.10)

com0 ∈ I eγ(0) = p;

2. seγ1: I1→ M eγ2: I2→ M são soluções de (11.10) com 0 ∈ I1∩ I2eγ1(0) =

γ2(0) entãoγ1(t) =γ2(t) para todo t ∈ I1∩ I2.

Em particular, para todo p ∈ M existe uma única solução máximaγ: I → M com 0 ∈ I

eγ(0) = p.

Então, tal como no contexto anterior, chamamos fluxo do campo de vetores F a fa-mília ( ft)

tde transformações definidas por ft(p) =γ(t) para todo p ∈ M tal que t está

no domínio I da solução máxima com condição inicialγ(0) = p. Dizemos que o fluxo é completo se todas as soluções máximas estão definidas em todo I = R. No Exercí-cio 11.9 convidamos o leitor a verificar que argumentos análogos aos do Teorema 3.5 e do Corolário 5.5 provam

Teorema 11.15. Seγ: I → M é solução máxima de (11.10) tal queγ(I) está contida num compacto então I = R. Em particular, se a variedade M é compacta então o fluxo de todo campo de vetores F em M é completo.

11.3.2 Teorema de Poincaré–Bendixson na esfera

Considere a aplicação Ψ : R3→ R definida por Ψ(x

1, x2, x3) = x21+ x22+ x23. Não é

difícil verificar que 1 é um valor regular e então (veja o Exemplo 11.13) Ψ−1(1) é uma

variedade diferenciável de dimensão 2. Ela é chamada esfera e representada por S2.

Note que o seu espaço tangente em cada ponto p = (x1, x2, x3) está dado por

TpS2= {p}⊥= {v ∈ R3: v · p = 0}.

Um campo de vetores na esfera é uma aplicação F : S2→ R3tal que F(p) · p = 0 para

todo p ∈ S2. Como S2 é compacta (é um subconjunto fechado e limitado de R3), o

fluxo de todo campo de vetores é completo.

Teorema 11.16 (Poincaré–Bendixson). Seja F um campo de vetores de classe C1na

esfera S2, com um número finito de pontos estacionários. Então, para todo p ∈ S2,

(a) Seω(p) contém apenas pontos estacionários entãoω(p) é um único ponto es-tacionário.

(b) Seω(p) contém apenas pontos regulares entãoω(p) é uma trajetória fechada. (c) Se ω(p) está formado por pontos estacionários e trajetórias regulares então

para toda trajetória regularγ⊂ω(p) existem pontos estacionários zi, zj∈ω(p)

tais queα(γ) = zieω(γ) = zj.

A demonstração é idêntica à do Teorema 11.5, já que o Teorema da Curva Fechada também vale em S2: toda curva simples fechada separa a esfera em duas componentes

conexas. A única diferença com relação ao plano é que na esfera as duas componentes conexas têm papéis simétricos, não podemos mais diferenciar entre lado de dentro e lado de fora.

(14)

DRAFT

O Teorema de Poincaré–Bendixson permanece válido para fluxos no espaço proje-tivo P2(veja o Exercício 11.10). Mas o exemplo a seguir mostra que isso não é verdade

no toro T2.

Exemplo 11.17. Considere a relação de equivalência ∼ definida em R2por (x 1, x2) ∼

(y1, y2) se e somente se (x1− y1, x2− y2) ∈ Z2. Representamos por [x,y] a classe de

equivalência de cada dupla (x,y) relativamente a esta relação. O toro T2é o espaço

quociente, ou seja, o espaço dessas classes de equivalência. Trata-se de uma superfície compacta (veja a Figura 11.5). Dado qualquer a ∈ R, considere o campo de vetores F definido por F([x,y]) = (1,a) para todo [x,y] ∈ T2. Observe que F não tem pontos

estacionários. As suas trajetórias são dadas por

ft([x, y]) = [x + t, y + ta], para t ∈ R. (11.14) Pode mostrar-se, e convidamos ao leitor a verificar as afirmações a seguir, que se a é racional então toda trajetória do fluxo é periódica e se a é irracional então toda trajetória do fluxo é densa, ou seja, ela passa por todo subconjunto aberto não vazio da superfície. Neste último caso,ω([x, y]) = T2para todo [x,y] ∈ T2.

??

Figura 11.5: Fluxo irracional no toro T2.

O toro T2e a garrafa de Klein K2são as únicas superfícies compactas que admitem

campos de vetores sem pontos estacionários2. Mas a situação do enunciado do Teorema

de Poincaré–Bendixson na garrafa de Klein é um pouco melhor do que no toro pois, pelo menos, temos o seguinte resultado:

Teorema 11.18 (Kneser). Todo campo de vetores sem pontos estacionários na garrafa de Klein admite alguma trajetória periódica.

11.3.3 Conjuntos minimais

De fato, uma versão convenientemente reformulada da conclusão do Teorema de Poincaré– Bendixson é válida para fluxos em qualquer superfície compacta, com os fluxos irra-cionais do toro descritos no Exemplo 11.17 como única exceção. Para explicar esta afirmação, precisamos da noção de conjunto minimal.

Seja X �= /0 um conjunto compacto invariante. Dizemos que X é conjunto minimal do fluxo se ele não possui subconjuntos próprios compactos invariantes, isto é, se os únicos subconjuntos compactos invariantes são o conjunto vazio e o próprio X.

(15)

DRAFT

11.4. TEOREMA DE MAYER SOBRE FLUXOS CONSERVATIVOS 327 Lema 11.19. Um conjunto compacto invariante X ⊂ M é minimal se e somente se

α(x) = X =ω(x) para todo x ∈ X.

Demonstração. A parte somente se é uma consequência imediata da definição e do fato de queα(x) eω(x) são subconjuntos compactos invariantes não vazios de X (Pro-posição 11.4). Para provar a parte se, observe que se Y ⊂ X é compacto, invariante e não vazio então Y ⊃ω(y) para todo y ∈ Y .

Então, o Teorema de Poincaré–Bendixson significa que para fluxos na esfera (e no espaço projetivo) com número finito de pontos estacionários só existem dois tipos de conjuntos minimais: pontos estacionários e trajetórias periódicas. É esta afirmação que se generaliza para qualquer superfície compacta, com os fluxos irracionais no toro como única exceção:

Teorema 11.20 (Schwartz). Se X ⊂ M é um conjunto minimal de um campo de vetores F de classe C2numa superfície compacta M então vale exatamente uma das seguintes

possibilidades:

1. X consiste de um único ponto estacionário; 2. X consiste de uma única trajetória periódica; 3. X = M = T2.

Este enunciado é falso, em geral, para campos de vetores que são apenas de classe C1: o primeiro contraexemplo foi obtido por Denjoy.

11.4 Teorema de Mayer sobre fluxos conservativos

Nesta seção vamos estudar os campos de vetores em superfícies cujos fluxos preservam a área na superfície. O objetivo é provar o seguinte teorema, que dá uma descrição muito precisa da estrutura global desses fluxos:

Teorema 11.21 (Mayer). Seja M uma superfície compacta munida com uma forma de área e seja F um campo de vetores de classe C1em M cujo fluxo preserva a medida de

área e cujos pontos estacionários são selas generalizadas. Então existem subconjuntos abertos D1, . . . , DN, invariantes pelo fluxo, disjuntos dois-a-dois e cujos fechos cobrem

toda a superfície M, tais que para cada j = 1,... ,N,

1. ou Dj está formado por trajetórias periódicas (dizemos que Dj é uma

compo-nente periódica do fluxo)

2. ou toda trajetória contida em Dj ou é uma conexão de sela ou é densa em Dj

(dizemos que Djé umacomponente minimal do fluxo).

Em qualquer dos casos, o bordo de Dj está formado por conexões de sela e pontos

(16)

DRAFT

Figura 11.6: Selas generalizadas com multiplicidades m = 1 e 2.

??

No Exercício 11.11 convidamos o leitor a mostrar que toda componente periódica é homeomorfa ao cilindro S1× (0,1) ou ao toro T2. Mais tarde, em (11.24), daremos um

majorante explícito para o número total N de componentes em termos da característica de Euler da superfície.

Antes de passarmos à demonstração do Teorema 11.21, que será dada nas Se-ções 11.4.1 a 11.4.5, precisamos explicar algumas das palavras no enunciado. As noções de forma de área e de medida de área estão recordadas no Apêndice A.3. A ideia de sela generalizada é bastante simples e está ilustrada na Figura 11.6: trata-se de um ponto estacionário cuja vizinhança está dividida num número par de setores, delimitados por trajetórias, chamadas separatrizes, que convergem para o ponto esta-cionário quando t → +∞ (separatriz estável) ou quando t → −∞ (separatriz instável). Num instante daremos uma definição formal. Falamos de conexão de sela quando uma separatriz estável coincide com uma separatriz instável de outra sela (conexão hete-roclínica) ou até da mesma sela (conexão homoclínica). Na Figura 11.7 são dados exemplos dos dois casos.

??

(17)

DRAFT

11.4. TEOREMA DE MAYER SOBRE FLUXOS CONSERVATIVOS 329 Selas generalizadas e caixas adaptadas. Para definir a noção de sela generalizada de modo preciso, precisamos introduzir o seguinte modelo:

Exemplo 11.22. Considere a seguinte família de equações diferenciais no plano com-plexo:

z′= ¯zm

, onde z ∈ C e m ∈ N. (11.15)

Escrevendo z = x+iy, podemos ver (11.15) como uma equação diferencial de dimensão 2, no sentido do Capítulo 1. Por exemplo, para m = 1 a igualdade (11.15) corresponde

a

x′= x

y′= −y

que é uma sela linear hiperbólica. Para qualquer m ∈ N, é fácil verificar que as funções zt: R → C definidas por

zl(t) =

e−t+lπi/(m+1) para l ímpar

et+lπi/(m+1) para l par

são soluções de (11.15). Note que se trata de semirretas radiais e que zl+2(m+2)= zl

para todo l, uma vez que a exponencial complexa é 2πi–periódica. Além disso, lim

t→−∞zl(t) = 0 para l ímpar e limt→+∞zl(t) = 0 para l par.

Estas soluções são chamadas separatrizes da origem: separatrizes estáveis no caso l ímpar e separatrizes instáveis no caso l par. As demais soluções de (11.15) são “hi-pérboles” contidas nos conjuntos de nível da funçãoϕ(z) = ℑzm+1/(m + 1), conforme veremos no Exemplo 11.25.

Chamaremos caixa adaptada uma vizinhança aberta da origem limitada por 2(m + 1) segmentos de soluções e igual número de seções transversais às separatrizes, tal como ilustrado na Figura 11.6: são m + 1 seções de entrada, transversais às separatri-zes estáveis, e m + 1 seções de saída, transversais às separatriseparatri-zes instáveis. Observe que toda solução que entra numa caixa adaptada também sai, a menos que seja uma se-paratriz estável, e toda solução que sai também entra, a menos que seja uma sese-paratriz instável.

Então, dizemos que um ponto estacionário p ∈ M de um campo de vetores F numa superfície M é uma sela generalizada de multiplicidade m se o fluxo de F na vizinhança de p é diferenciavelmente equivalente ao fluxo de (11.15) na vizinhança da origem. Lembre que isto significa que existe um difeomorfismo que envia as trajetórias do fluxo de (11.15) nas trajetórias de F, preservando o sentido do tempo. As imagens das semirretas zl(t) por esse difeomorfismo são chamadas separatrizes, estáveis e instáveis,

de p. Analogamente, a imagem de uma caixa adaptada da origem é chamada caixa adaptadado ponto estacionário p.

Estendemos esta noção para pontos regulares da seguinte forma: uma caixa adap-tadade um ponto regular p é a imagem de um retângulo (−δ1,δ1) ×(−δ2,δ2) por uma

caixa de fluxo tubular H tal que H(0) = p. Então, a caixa adaptada é um retângulo aberto mergulhado limitado por dois segmentos de trajetória e duas seções transversais à trajetória de p: uma seção de entrada e uma seção de saída. Neste caso, toda trajetória que entra na caixa adaptada também sai e toda trajetória que sai também entra.

(18)

DRAFT

Observação 11.23. É claro que se p está na separatriz estável de uma sela z então

ω(p) = {z}. Caso contrário, o conjuntoω–limite contém necessariamente pontos re-gulares. Na verdade, segue da descrição anterior que se ω(p) contém algum ponto estacionário z mas não se restringe a ele, então ω(p) também contém, pelo menos, uma separatriz estável e uma separatriz instável de z. Veja a Figura 11.1. Valem ob-servações análogas para o conjuntoα–limite, permutando os papéis das separatrizes estáveis e instáveis.

Fórmula de Euler–Poincaré. Comentemos a hipótese sobre a característica de Euler no enunciado do Teorema 11.21. Lembre que a existência de uma forma de área implica que a superfície M é orientável e que as superfícies orientáveis são classificadas, a menos de difeomorfismo, pelo seu gênero g(M) � 0 ou, equivalentemente, pela sua característica de Eulerχ(M) = 2 − 2g(M) � 2. Confira também o Exemplo 12.12.

No caso dos campos de vetores que estamos considerando, o número k e as mul-tiplicidades m1, . . . , mkdas selas generalizadas estão relacionados com a característica

de Euler por meio da igualdade

k

i=1

mi= −χ(M), (11.16)

que é chamada Fórmula de Euler–Poincaré. Ela é um caso particular do Teorema de Poincaré–Hopf, que estudaremos no Capítulo 12, pelo que deixaremos a verificação para mais tarde (Exercício 12.2).

Como as multiplicidades são inteiros positivos, (11.16) implica que campos de ve-tores nas condições do teorema não existem quandoχ(M) > 0, ou seja, quando M é a esfera S2. Além disso, quandoχ(M) = 0, a Fórmula de Euler–Poincaré implica

que k = 0. Em outras palavras, nas condições do teorema campos de vetores no toro M = T2não podem ter pontos estacionários. De fato (Exercício 11.12), os seus

flu-xos são necessariamente diferenciavelmente equivalentes ao fluxo rígido (11.14) para algum valor de a.

Finalmente, quandoχ(M) < 0 segue da Fórmula de Euler–Poincaré que o número k de pontos estacionários satisfaz 1 � k � −χ(M). Ao final da seção, em (11.24) também deduziremos que o número total N de componentes periódicas e minimais no Teorema 11.21 nunca ultrapassa −2χ(M) = 4g(M) − 4.

11.4.1 Medida transversal invariante

Fixemos a forma de áreaω na superfície M. A cada campo de vetores F de classe C1

em M podemos associar a 1–forma diferencialβ definida por

βp(v) =ωp(F(p), v) para cada v ∈ TpM. (11.17)

Observe que esta correspondência F �→β é uma bijeção: a relação (11.17) também permite determinar F a partir deβ, uma vez que a 2–formaωé não degenerada (confira (A.7) no Apêndice A).

(19)

DRAFT

11.4. TEOREMA DE MAYER SOBRE FLUXOS CONSERVATIVOS 331 Lema 11.24. O fluxo do campo de vetores F preserva a medida de área em M se, e somente se, a1–forma diferencialβdefinida em(11.17) é fechada.

Demonstração. Pelo Teorema de Darboux (Teorema A.4) na vizinhança de cada ponto de M podemos escolher coordenadas (x,y) relativamente às quais a forma de área está dada porωp= dx ∧dy e, portanto, a medida de área é a área euclideana usual no plano:

vol(E) =

Edx dy (11.18)

para todo subconjunto mensurável E do domínio da carta local. Seja F(p) = X(p)(∂/∂x) +Y (p)(∂/∂y)

a expressão do campo de vetores nessas coordenadas locais canônicas. A definição (11.17) dá que

βp= (dx ∧ dy)�X(p)∂x+ Y (p)∂y, ·� = −Y (p)dx + X(p)dy. (11.19)

Segue que dβp= �∂X ∂x(p) + ∂Y ∂y(p) � dx ∧ dy = divF(p)ω.

Portanto dβ≡ 0 se, e somente se, o divergente divF do campo de vetores (mais pre-cisamente, da sua expressão em coordenadas canônicas) é identicamente nulo. Como vimos anteriormente (Observação 7.7), isso acontece se e somente se o fluxo preserva a medida de área (11.18).

Analisemos com mais detalhe a relação entre um campo de vetores F cujo fluxo preserva a medida de área e a 1–forma fechadaβ associada. Por um lado, (11.17) dá que os zeros deβ são precisamente os pontos estacionários de F: comoω é não degenerada, a 1–formaωp(F(p), ·) é nula se, e somente se, F(p) = 0. Por outro lado,

se p é um ponto regular

βp(v) = 0 ⇔ωp(F(p), v) = 0 ⇔ v é colinear com F(p).

Em outras palavras, o núcleo kerβpé a reta na direção de F(p).

Agora, o fato de que a 1–formaβ é fechada significa que ela é localmente exata, ou seja, que para todo ponto q ∈ M existe uma função diferenciávelϕ: Uq→ R

de-finida numa vizinhança Uqde q e tal queβp= dϕ(p) para todo p ∈ Uq. Esta função

está definida unicamente a menos de uma constante aditiva. Então, a observação de que kerdϕ(p) contém F(p) para todo p significa que a derivada deϕ ao longo das trajetórias é identicamente nula. Consequentemente,ϕé constante em cada trajetória do campo de vetores dentro de Uq.

Exemplo 11.25. Considere as funções Fmdefinidas no plano complexo C por Fm(z) =

¯zm, com m ∈ N. Identificando C com o plano euclideano, podemos pensar em cada

Fmcomo um campo de vetores (x,y) �→ (Xm(x, y),Ym(x, y)) em R2. Como Fm(z) é uma

função analítica do conjugado ¯z, as equações de Cauchy-Riemann dão que

∂Xm ∂x = − ∂Ym ∂y e ∂Xm ∂y = ∂Ym ∂x .

(20)

DRAFT

A primeira igualdade significa que o divergente divFmé identicamente nulo e,

conse-quentemente, o fluxo de Fmpreserva área. Deixamos a cargo do leitor verificar que a

1–forma diferencial associada a Fmestá dada por

βz= dϕm(z), ondeϕm(z) = 1

m + 1ℑz

m+1

Em particular, neste casoβé exata. Segue das observações anteriores que as trajetórias de Fmestão contidas em conjuntos de nível da funçãoϕm(z).

Lembre que chamamos seção transversal ao fluxo do campo de vetores F a imagem Sde qualquer mergulhoγ: (−1,1) → M de classe C1tal queγ′(t) nunca é colinear com

F(γ(t)). Equivalentemente,βγ(t)(γ′(t)) �= 0 para todo t. Chamamosβ–medida(ou

medida transversaldefinida porβ) de uma curva diferenciávelσ: I → U ao número real ℓβ(σ) = � σβ= � Iβσ (t)(σ ′(t)) dt. (11.20)

A importância desta noção advém do fato de que aβ–medida é preservada pelas trans-formações de Poincaré do fluxo:

Lema 11.26. Se P : S0→ S1é uma transformação de Poincaré eσ0⊂ S0eσ1⊂ S1

são segmentos das seções transversais tais que P(σ0) =σ1, então ℓβ(σ0) = ℓβ(σ1).

Demonstração. Considere o domínio D ⊂ M formado pelos segmentos de trajetória ligando cada ponto x ∈σ0à respectiva imagem P(x) ∈σ1. Não é restrição supor que

estes segmentos de trajetória não se intersectam (porque toda transformação de Poin-caré pode ser decomposta em composições de transformações de PoinPoin-caré dentro de caixas de fluxo tubular, as quais obviamente têm a propriedade de não interseção). En-tão D é um retângulo mergulhado em M, tal como representado na Figura 11.8. O bordo de D está formado pelos segmentosσ0eσ1juntamente com as duas trajetórias,

γ0eγ1, do fluxo que ligam as extremidades deσ0eσ1. Então, pelo Teorema de Stokes,

� σ0 β+ � γ0 β+ � −σ1 β+ � −γ1 β= � ∂ Dβ= � Ddβ = 0.

Comoβ se anula ao longo de trajetórias, esta igualdade reduz-se a�

σ0β−

σ1β= 0,

que é precisamente o que queríamos provar. ??

A 1–formaβ também permite escolher uma orientação preferencial em cada se-ção transversal: dizemos que um segmento σ ⊂ S está orientado positivamente se ℓβ(σ) > 0 e que ele está orientado negativamente se ℓβ(σ) < 0. Segue do Lema 11.26

que toda transformação de Poincaré P : S0→ S1preserva orientação. A partir daqui

consideraremos todo segmento de seção transversal orientado positivamente.

11.4.2 Domínios das transformações de Poincaré

A seguir, precisamos analisar os domínios de definição das transformações de Poincaré. Sejam p0e p1dois pontos numa mesma trajetória regular, p1= fτ(p0) comτ> 0, e

(21)

DRAFT

11.4. TEOREMA DE MAYER SOBRE FLUXOS CONSERVATIVOS 333

σ0

σ1

Figura 11.8: Aβ–medida é invariante por toda transformação de Poincaré. sejam S0 e S1seções transversais ao fluxo em p0 e p1, respectivamente. Sabemos

(Teorema 5.11) que existe uma transformação de Poincaré definida de uma vizinhança de p0dentro de S0para uma vizinhança de p1dentro de S1. A questão que queremos

tratar é qual é o domínio máximo de definição.??

Figura 11.9: Transformações de Poincaré entre seções transversais dentro da mesma caixa adaptada.

Comecemos por considerar o caso particular em que as seções S0e S1e o segmento

de trajetória entre p0e p1estão contidos numa mesma caixa adaptada. Confira a

Fi-gura 11.9. No caso de caixa adaptada de ponto regular (fiFi-gura à esquerda) é claro que a transformação de Poincaré pode ser estendida até que o domínio alcance os extremos de S0ou S1. No caso de caixa adaptada de um ponto estacionário z (figura à direita)

temos uma (única) obstrução adicional: o domínio da transformação de Poincaré pode ser estendido até alcançar os extremos das seções transversais ou alguma separatriz estável do ponto estacionário z. Observe que segmentos de separatrizes estáveis de z (ou qualquer outro ponto estacionário) que entram e saem da caixa adaptada não são relevantes neste contexto, apenas os segmentos finais das separatrizes estáveis de z.

Para cada i = 0,1, representemos por S−

i (p) e S+i (p) as componentes conexas de

Si\ {pi}, com S−i (p) do lado negativo e S+i (p) do lado positivo de pirelativamente à

(22)

DRAFT

• se ℓβ(S0−(p0)) � ℓβ(S−1(p1)) e ℓβ(S+0(p0)) � ℓβ(S+1(p1)) e

• S0não intersecta nenhum segmento final de separatriz estável de z

então a transformação de Poincaré P : S0→ S1está definida em toda a seção transversal

S0. Usando o Lema 11.26, vamos para obter uma versão geral deste fato, para qualquer

segmento de trajetória e quaisquer seções transversais, que terá um papel importante na demonstração do Teorema 11.21:

Proposição 11.27. Sejam p0e p1dois pontos numa mesma trajetória regular, p1=

(p

0) com τ> 0, e sejam S0 e S1seções transversais ao fluxo de F em p0 e p1,

respectivamente, tais que

(a) se ℓβ(S0−(p0)) � ℓβ(S−1(p1)) e ℓβ(S+0(p0)) � ℓβ(S+1(p1)) e

(b) toda separatriz estável que passa por S0também corta S1posteriormente a essa

passagem.

Então existe uma transformação de Poincaré P: S0→ S1definida em todo S0tal que

P(p0) = p1.

Demonstração. O detalhamento é um pouco longo mas a ideia é bastante simples. Usaremos o caso local anterior para mostrar que a transformação de Poincaré está bem definida numa vizinhança de p0com tamanho uniforme, dependendo apenas das seções

transversais e do campo de vetores. Então, substituindo p0por qualquer outro ponto

no domínio, concluiremos que a transformação de Poincaré se estende a toda a seção transversal S0, tal como afirmado.

Como M é compacta, podemos encontrar uma cobertura finita {U1, . . . ,Uk} por

caixas adaptadas e uma família {V1, . . . ,Vk} de caixas adaptadas ligeiramente maiores,

tais que Vj contém o fecho de Uj para todo j = 1,...,k. Em seguida, como estamos

lidando com famílias finitas, podemos encontrar constantesε> 0 eδ > 0 tais que (i) para todo q na interseção de duas caixas adaptadas Uie Ujexiste alguma seção

transversalσ ao fluxo em q tal queσ ⊂ Vi∩ Vj e cada uma das componentes

conexas deσ\ {q} temβ–medida igual aε;

(ii) para todo p numa caixa adaptada Uj e toda seção transversal S ao fluxo em

p existe alguma seção transversalθ ⊂ S com p ∈θ⊂ Vj e tal que cada uma

das componentes conexas deθ\ {p} tem comprimento igual aδ ou está numa extremidade de S e tem comprimento menor queδ.

Confira a Figura 11.10. Como a 1–formaβ é limitada, reduzindoδ se necessário podemos supor que todo segmento de comprimento menor ou igual que δ tem β– medida menor ou igual queε.??

Decomponhamos o segmento de trajetória [p0, p1] em subsegmentos [qi−1, qi], i =

1,...,n tais que q0= p0, qn= p1e cada [qi−1, qi] está contido em alguma caixa

adap-tada Uji. Confira a Figura 11.11. Usando a propriedade (i), para cada i = 0,...,n

podemos escolher uma seção transversalσiao fluxo no ponto qi, tal que

(23)

DRAFT

11.4. TEOREMA DE MAYER SOBRE FLUXOS CONSERVATIVOS 335

Figura 11.10: Seções transversais contidas em caixas adaptadas. • cada uma das componentes conexas deσi\ {qi} temβ–medida igual aε.

Além disso, usando (ii), podemos encontrar seções transversaisθ0⊂ S0eθn⊂ S1tais

que

• q0∈θ0⊂ Vj1 e qn∈θn⊂ Vjn e

• cada uma das componentes conexas deθ0\{q0} e deθn\{qn} tem comprimento

igual aδ ou está numa extremidade de S0e S1, respectivamente, e tem

compri-mento menor queδ; em qualquer dos casos, a suaβ–medida é menor ou igual queε. qi−1 qi qi+1 σi−1 σi Vji Vji+1 U ji U ji+1

Figura 11.11: Decompondo a trajetória em segmentos contidos em caixas adaptadas. ??

A hipótese (b) da proposição garante queθ0não corta nenhum segmento final de

separatriz estável. Portanto, conforme observado anteriormente, existe uma transfor-mação de Poincaré P0:θ0→σ0 ao longo de segmentos de trajetória dentro de Vj1

com P0(q0) = q0. Pela mesma razão, a imagem P0(θ0) não intersecta nenhum

seg-mento final de separatriz estável e, portanto, existe uma transformação de Poincaré P1: P0(θ0) →σ1ao longo de segmentos de trajetória dentro de Vj1 com P1(q0) = q1.

(24)

DRAFT

Pi(qi−1) = qie tais que cada uma está definida na imagem da anterior. Compondo todas

estas transformações, obtemos ˜

P: Pn◦ ··· ◦ P1◦ P0:θ0→σn, com ˜P(q0) = qn.

Seja ˜σn= ˜P(θ0) a imagem desta aplicação e seja ˆσn⊂ ˜σna seção transversal ao

fluxo no ponto qndefinida da seguinte forma (confira a Figura 11.12):

(i) se ℓβ( ˜σ+(qn)) � ℓβ(θn+(qn)) então ˆσn+(qn) = ˜σn+(qn),

(ii) caso contrário, ˆσ+

n(qn) é o segmento de ˜σn+(qn) comβ–medida igual a ℓβ(θn+(qn))

e que tem qncomo ponto extremo inferior,

e analogamente para ˆσ−

n(qn), com qncomo ponto extremo superior. Mais uma vez, a

hipótese (b) no enunciado garante que ˆσnnão intersecta nenhum segmento final de

se-paratriz estável. Logo, pelo mesmo argumento local que usamos anteriormente, existe uma transformação de Poincaré Pn+1: ˆσn→θncom Pn+1(qn) = qn. Então, a

composi-ção

P = Pn+1◦ ˜P = Pn+1◦ Pn◦ ··· ◦ P1◦ P0

está definida na pré-imagem ˆθ0= ˜P−1( ˆσn).??

Figura 11.12: Finalizando a construção da transformação de Poincaré P : S0→ S1.

No caso (i) temos que ˆθ+(q

0) =θ+(q0) e, portanto, ou ˆθ+(q0) tem comprimento

igual aδ ou ele está na extremidade de S0. No caso (ii), como as transformações de

Poincaré preservam aβ–medida,

P( ˆθ0+(q0)) = Pn+1( ˆσn(qn)) =θn+(qn).

Portanto, neste segundo caso, ou P( ˆθ+

0(q0)) tem comprimento igual aδ ou ele está na

extremidade de S1. Além disso, valem fatos análogos para ˆθ0−(q0). Então, lembrando

queδ não depende dos pontos p0e p1, podemos usar a construção que acabamos de

apresentar para estender o domínio de definição até alcançar as extremidades de S0ou

de S1. Como transformações de Poincaré preservam aβ–medida, a hipótese (a) da

(25)

DRAFT

11.4. TEOREMA DE MAYER SOBRE FLUXOS CONSERVATIVOS 337

11.4.3 Estabilidade e componentes periódicas

A construção das componentes periódicas no Teorema 11.21 é feita pela seguinte pro-posição:

Proposição 11.28. A união P de todas as trajetórias periódicas do fluxo de F é um subconjunto aberto de M. Além disso, P tem um número finito de componentes cone-xas, e o bordo de cada componente conexa consiste de conexões de sela e respectivos pontos estacionários.

A prova desta proposição ocupa a presente seção. Comecemos por mostrar que P é aberto:

Lema 11.29 (Estabilidade). Seja p ∈ M um ponto periódico do fluxo de F. Então todo ponto numa vizinhança de p também é periódico.

Demonstração. Seja S uma seção transversal ao fluxo no ponto p e seja P : S′→ S a

respectiva transformação de primeiro retorno, definida numa vizinhança S′de p. Para

cada ponto z ∈ S′, seja [p,z] ⊂ S o segmento da seção transversal ligando p a z. Então,

como P(p) = p,

ℓβ([p, z]) = ℓβ(P([p, z])) = ℓβ([p, P(z)])

e isso implica que P(z) = z. Então, todas as trajetórias passando por S′são periódicas.

A seguir vamos caracterizar os bordos das componentes conexas de P. O primeiro passo é:

Lema 11.30. Seja S uma seção transversal ao fluxo de F e sejam p,r ∈ S tais que toda trajetória passando por (p,r] ⊂ S é periódica mas a trajetória passando por p não é periódica. Então p está numa conexão de sela.

Demonstração. Suponha que a trajetória γ de p não é numa separatriz estável. En-tão, pela Observação 11.23, existe algum ponto regular q ∈ω(p). Seja ˜Suma seção transversal ao fluxo em q. Então, conforme vimos no Lema 11.6, existe uma sequência injetiva de pontos pn∈ ˜S ∩γ convergindo para q quando n → ∞. Substituindo r por

um ponto mais próximo de p, se necessário, podemos supor que ℓβ([p, r]) é menor que

asβ–medidas das componentes conexas de ˜S \ {q}. Então também é menor que as β–medidas das componentes conexas de ˜S \ {pn} para todo n suficientemente grande.

Isto implica que a condição (a) da Proposição 11.27 está satisfeita3para p 0= p,

p1= pne S0= [p, r] e S1= ˜S. A condição (b) também está satisfeita, uma vez que

estamos supondo que as trajetórias passando por (p,r] são periódicas e que a trajetória de p não é uma separatriz estável. Portanto, podemos concluir da proposição que, para todo n suficientemente grande, existe uma transformação de Poincaré Pn: [p,r] → ˜S

com Pn(p) = pn. Veja a Figura 11.13.??

3Do modo como definimos seção transversal, seria mais correto dizer que tomamos para S

0uma pequena

vizinhança aberta de [p,r] dentro de S. Mas trata-se de um abuso de linguagem inofensivo e nos permitiremos cometê-lo outras vezes.

(26)

DRAFT

p r q pn rn S ˜S

Figura 11.13: Mostrando que o bordo de uma componente periódica está formado por conexões de sela.

Escreva rn= Pn(r). Então toda trajetória passando por (pn, rn] é periódica e ℓβ([pn, rn]) =

ℓβ([p, r]) é positivo. Esta última propriedade implica que os segmentos [pn, rn] não

podem ser disjuntos dois-a-dois. Portanto, existem m �= n tais que pm∈ [pn, rn].

Con-sequentemente, a trajetória de pm é periódica, o que acarreta que a trajetória de p é

periódica. Isto contradiz a hipótese e essa contradição prova queγ é uma separatriz estável.

O mesmo argumento, aplicado ao fluxo do campo de vetores −F, mostra queγ é uma separatriz instável. Portanto,γé uma conexão de sela, tal como afirmado. Corolário 11.31. Se p é um ponto regular no bordo de P então p está numa cone-xão de sela. Além disso, localmente, todos os pontos de (pelo menos) um lado dessa conexão de sela estão em P.

Demonstração. Seja S uma seção transversal ao fluxo no ponto p. Como p está no bordo do aberto invariante P, há duas possibilidades. Uma é que P intersecte S num intervalo da forma (p,q). Nesse caso podemos usar o Lema 11.30 para concluir que p pertence a uma conexão de sela. Além disso, evidentemente, todos os pontos de (pelo menos) um lado da conexão de sela dentro de uma vizinhança de p pertencem a P. Portanto, a conclusão vale neste caso.

A outra possibilidade é que exista uma sequência infinita de componentes conexas (pn, qn) da interseção P ∩ S convergindo para p. Nesse caso, usando outra vez o

Lema 11.30, todos os pontos pne qnestão em conexões de sela. No entanto, existe um

número finito de conexões de sela e é igualmente claro que a interseção de cada uma delas com qualquer seção transversal também é finita. Isto significa que esta segunda situação na verdade não pode ocorrer.

Demonstração da Proposição 11.28. O fato de que o conjunto P é aberto está pro-vado no Lema 11.29 e o fato de que os bordos estão formados por conexões de sela e pontos estacionários é dado no Corolário 11.31. Também segue que o número de componentes conexas é finito, uma vez que o número de conexões de sela é finito e, de acordo com o corolário, cada uma delas pode estar no bordo de não mais que duas componentes conexas de P.

(27)

DRAFT

11.4. TEOREMA DE MAYER SOBRE FLUXOS CONSERVATIVOS 339

11.4.4 Recorrência e componentes minimais

A construção das componentes minimais no Teorema 11.21 será feita por meio da pro-posição a seguir. Nesta seção consideramos apenas trajetórias regulares não periódicas. Representaremos por Γsa família dessas trajetórias que não são separatrizes estáveis e

por Γua família daquelas que não são separatrizes instáveis. As conexões de sela são

precisamente as trajetórias regulares não periódicas que não pertencem a Γs∪ Γu.

Seja M a união dos interiores dos conjuntosω(γ) comγ ∈ Γs. É claro que M é aberto e invariante pelo fluxo.

Proposição 11.32. M tem um número finito de componentes conexas e o bordo de cada componente conexa está formado por conexões de sela e respectivos pontos es-tacionários. Além disso, toda trajetória regular não periódica ˜γque não é conexão de sela está contida em M e é densa na componente conexa de M que a contém.

Pela Proposição 11.28, uma trajetória regular não periódica não pode acumular numa trajetória periódica. Esse fato será usado implicitamente algumas vezes no que segue. O ponto de partida da demonstração da Proposição 11.32 é o seguinte lema: Lema 11.33 (Recorrência). Sejaγ uma trajetória regular não periódica e seja S uma seção transversal ao fluxo num ponto qualquer p ∈γ. Se γ∈ Γs então a trajetória futuraγ+= { ft(p) : t > 0} intersecta todo segmento da forma (p,q) ou (q, p) dentro de

S. Analogamente, seγ∈ Γuentão a trajetória passadaγ−= { ft(p) : t < 0} intersecta

todo segmento da forma (p,q) ou (q, p) dentro da seção transversal. ??

p p

q q

S S

p1

Figura 11.14: Entendendo os conjuntosα–limite eω–limite de uma trajetória regular não periódica que não é uma separatriz.

Demonstração. Provaremos a primeira afirmação para segmentos da forma (p,q); as demais são inteiramente análogas. Aproximando q de p se necessário (isto não afeta a validade do enunciado), podemos supor que

(a) ℓβ((p, q)) é menor que asβ–medidas das componentes conexas de S \ (p,q) e

(b) toda separatriz estável que passa por (p,q) intersecta S posteriormente a essa passagem.

(28)

DRAFT

Relativamente a esta última condição, observe que o conjunto formado pelos últimos pontos de interseção de cada uma das separatrizes estáveis com a seção transversal S é finito, e que basta que (p,q) evite esse conjunto.

Afirmamos que existe algum ponto z ∈ (p,q) cuja trajetória futura intersecta (p,q) em algum ponto w. De fato, considere a união E das trajetórias futuras dos pontos de (p, q). É claro que E é um conjunto com área positiva, uma vez que tem interior não vazio, e também é claro que ele é invariante pelo fluxo. Se a afirmação fosse falsa então, como (p,q) é transversal ao campo de vetores, a diferença E \ ft(E) teria área

positiva para t > 0, contradizendo a hipótese de que o fluxo de F preserva a medida de área. Esta contradição prova a nossa afirmação.

As propriedades (a) e (b) acima asseguram que as hipóteses da Proposição 11.27 são satisfeitas por p0= z, p1= w, S0= [p, q] e S1= S. Usando a proposição,

concluí-mos que existe uma transformação de Poincaré P : [p,q] → S com P(z) = w. Como P preserva aβ–medida, há duas possibilidades para a posição relativa de [p,q] e da sua imagem, as quais estão ilustradas na Figura 11.14. No caso do lado esquerdo da figura, o ponto P(p) ∈γ+está em (p,q). Isso prova o lema neste caso.??

p q

p1

q1

q2

Figura 11.15: Mostrando que trajetórias regulares que não são separatrizes acumulam em si mesmas.

No caso do lado direito existe p1∈ (p,q) tal que P(p1) = p. Tome um ponto

q1∈ (p,q) próximo de p1e tal que q2= P(q1) também está em (p, q), tal como descrito

na Figura 11.15. Tomando q1 suficientemente próximo de p1, podemos supor que

[p, q2] e [p1, q1] são disjuntos e também que todo segmento que intersecta [p1, q1] e

cujaβ–medida é menor ou igual que ℓβ([p1, q1]) está contido em (p, q). Considerando

a união E′das trajetórias futuras dos pontos de (p,q2), e usando uma vez mais o fato

de que o fluxo preserva a medida de área, obtemos que existe algum ponto z′∈ (p,q2)

cuja trajetória futura intersecta (p1, q1) em algum ponto w′. Tal como anteriormente,

segue que existe uma transformação de Poincaré P′: [p,q2] → S com P(z) = w. Em

particular, P′([p, q2]) intersecta (p1, q1). Notando que

ℓβ(P′([p, q2])) = ℓβ([p, q2]) = ℓβ(P([p1, q1])) = ℓβ([p1, q1]),

concluímos que P′([p, q2]) está contido em (p, q). Como P(p) ∈γ+, isto prova o lema

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