As gal´
axias mais distantes do universo
Domingos Soares
Em abril de 1990, as agˆencias espaciais norte-americana (NASA) e eu-ropeia (ESA) colocaram em ´orbita da Terra um telesc´opio refletor com um espelho de 2,4 m de diˆametro, que revolucionou a astronomia desde ent˜ao. Este telesc´opio foi denominado, muito apropriadamente, “Telesc´opio Espa-cial Hubble” (HST, na sigla em inglˆes, “Hubble Space Telescope”, e que ser´a utilizada a seguir). Trata-se de uma homenagem ao pai da astronomia extragal´actica, o astrˆonomo norte-americano Edwin Hubble (1889-1953). Li-vre dos efeitos de degrada¸c˜ao ´optica da atmosfera terrestre, o HST atinge, em suas observa¸c˜oes, uma resolu¸c˜ao 10 vezes melhor do que os telesc´opios baseados no solo.
As realiza¸c˜oes do HST s˜ao in´umeras e, com frequˆencia, espetaculares. V´arios exemplos delas podem ser vistos em http://hubblesite.org.
As observa¸c˜oes que nos interessam — das gal´axias mais distantes do uni-verso — foram realizadas de setembro de 2003 a janeiro de 2004 e receberam o nome de “Campo Ultra Profundo Hubble”, ou, em inglˆes, “Hubble Ultra Deep Field”, HUDF. A profundidade aqui refere-se `a distˆancia dos objetos — na sua maioria gal´axias em variados est´agios de evolu¸c˜ao. A regi˜ao do c´eu que foi observada, ou seja, o campo, localiza-se na constela¸c˜ao da Fornalha, bas-tante pr´oxima da nossa familar constela¸c˜ao do Ca¸cador (´orion), onde est˜ao as famosas estrelas “Trˆes Marias”. Este campo ´e bastante pequeno, a sua ´area no c´eu corresponde, para efeitos de compara¸c˜ao, a cerca de um cent´esimo da ´area da Lua quando em sua fase cheia. Quando observada atrav´es de telesc´opios no solo, esta ´area ´e absolutamente escura! N˜ao se vˆe nada nela, nem mesmo qualquer estrela de nossa pr´opria gal´axia, a Via L´actea. Mas o que o HST “viu” foi simplesmente assustador! Nada mais, nada menos que aproximadamente 10.000 gal´axias, nas formas mais esquisitas.
Campo Ultra Profundo Hubble, em inglˆes, “The Hubble Ultra Deep Field” (HUDF), imagem obtida pelo Telesc´opio Espacial Hubble em 2003 e 2004. A ´area do c´eu que aparece na imagem possui uma extens˜ao equivalente a 10% do diˆametro da Lua cheia, e est´a localizada na constela¸c˜ao da Fornalha, pr´oxima da conhecida constela¸c˜ao de ´orion. Estima-se que HUDF contenha mais de 10.000 gal´axias. As gal´axias maiores s˜ao as mais pr´oximas. A maioria das gal´axias aparecem como pequenas manchas disformes (Imagem: S. Beckwith/STScI-NASA/ESA).
Como o HST conseguiu este feito? Simplesmente recebendo a fraqu´ıssima luz proveniente da regi˜ao escolhida durante mais de 11 dias! Foram utiliza-dos dois instrumentos do HST para obter imagens simultˆaneas. O ACS
(“Advanced Camera for Surveys”, Cˆamera Avan¸cada para Levantamentos) obteve imagens na luz vis´ıvel — filtros azul, verde e vermelho —, e o NIC-MOS (“Near Infrared Camera and Multi-object Spectrometer”, Cˆamera de Infravermelho Pr´oximo e Espectrˆometro Multi-objeto) obteve imagens na luz infravermelha.
O HST percorreu 400 ´orbitas durante os 11,3 dias, os quais equivalem a cerca de 1 milh˜ao de segundos de exposi¸c˜ao `a luz proveniente do campo escolhido. Foram feitas duas exposi¸c˜oes por ´orbita, uma para cada uma das cˆameras.
As gal´axias mais distantes presentes no HUDF est˜ao a uma distˆancia estimada de 13 bilh˜oes de anos-luz! A luz destas gal´axias iniciou a sua viagem em nossa dire¸c˜ao muito antes da existˆencia da Terra e do pr´oprio Sol, cuja idade ´e calculada em aproximadamente 5 bilh˜oes de anos. As gal´axias que aparecem no HUDF est˜ao em diferentes est´agios de evolu¸c˜ao, conforme a sua maior ou menor distˆancia de n´os. ´e bom lembrar que, no imenso Cosmo, uma grande distˆancia no espa¸co representa tamb´em um grande mergulho no passado. Isto porque a luz possui uma velocidade finita e, por conseguinte, uma distˆancia grande ser´a percorrida num tempo tamb´em grande.
Mas o HUDF n˜ao representou a primeira tentativa do HST em busca das gal´axias mais distantes do Cosmo. Antes dele foram feitas duas ob-serva¸c˜oes semelhantes. Elas foram denominadas “Campo Profundo Hubble Norte” (“Hubble Deep Field North, HDF-N ) e “Campo Profundo Hubble Sul” (HDF-S).
O HDF-N foi o pioneiro das observa¸c˜oes profundas do HST. Elas foram realizadas em dezembro de 1995. O campo escolhido situa-se na constela¸c˜ao boreal, circumpolar, da Ursa Maior. O campo apresenta cerca de 1.500 gal´axias, tamb´em em variados est´agios de evolu¸c˜ao. O HDF-N n˜ao atingiu t˜ao profundamente como o HUDF — o tempo de exposi¸c˜ao foi de aproxi-madamente 10 dias —, mas a distˆancia m´axima atingida pelo HDF-N n˜ao ´e muito diferente do HUDF, cerca de 12 bilh˜oes de anos-luz.
Campo Profundo Hubble Norte, em inglˆes, “The Hubble Deep Field North” (HDF-N), imagem obtida pelo Telesc´opio Espacial Hubble em 1995. Nesta imagem apa-recem mais de 1.500 gal´axias numa ´area do c´eu cuja extens˜ao equivale a apenas 3% do diˆametro da Lua cheia, e est´a localizada na constela¸c˜ao boreal da Ursa Maior, pr´oxima ao p´olo celeste Norte. Como no HUDF, a maioria das 1.500 gal´axias que aparecem aqui s˜ao vistas como pequenas manchas deformadas contra o fundo do c´eu (Imagem: R. Williams/STScI-NASA).
O HDF-S foi observado em outubro de 1998, e ´e o equivalente ao HDF-N para a regi˜ao do c´eu pr´oxima ao p´olo celeste sul. O campo localiza-se na constela¸c˜ao do Tucano. Assim como no HDF-N, as gal´axias mais distantes vistas est˜ao `a distˆancia de aproximadamente 12 bilh˜oes de anos-luz.
Campo Profundo Hubble Sul, em inglˆes, “The Hubble Deep Field South” (HDF-S), imagem obtida pelo Telesc´opio Espacial Hubble em 1998. A ´area do c´eu ´e a mesma do HDF-N mas est´a localizada pr´oxima ao p´olo celeste Sul, na constela¸c˜ao do Tucano (Imagem: R. Williams/STScI-NASA).
Os campos profundos do HST est˜ao sendo estudados com vistas a um entendimento maior da evolu¸c˜ao das gal´axias, isto ´e, da maneira como elas nascem, vivem e eventualmente se desintegram no grande Universo em que vivemos. Algumas conclus˜oes imediatas podem ser feitas. Independente-mente da dire¸c˜ao para onde olhamos, o Cosmo se apresenta essencialmente da mesma maneira, pontilhado de imensos sistemas estelares, as gal´axias.
Outra conclus˜ao assustadora ´e a de que se observ´assemos todo o c´eu — e n˜ao apenas as pequen´ıssimas regi˜oes celestes dos campos profundos — deve-remos encontrar mais de 125 bilh˜oes de gal´axias!
Em n´umeros: o c´eu inteiro representa uma ´area igual a 12,7 milh˜oes de vezes o campo do HUDF. Os astrˆonomos do HST estimam que para observar toda esta ´area o HST levaria 1 milh˜ao de anos de cont´ınua observa¸c˜ao!