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O DEBATE SOBRE A FOME EM JOSUÉ DE CASTRO E SUA ATUALIDADE

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O DEBATE SOBRE A FOME EM JOSUÉ DE CASTRO E SUA ATUALIDADE

Thaís Chaves Freires

Bolsista IC/CNPq – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia thaischavesfreires@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Para compreender o fenômeno da fome, foi retomada a obra clássica na ciência geográfica que é a Geografia da Fome, de autoria do médico e geógrafo Josué de Castro, publicada originalmente no ano de 1946, – texto que já apontava, pioneiramente, a superação da leitura da fome enquanto expressão de um processo natural ou populacional, associando-a a expropriação, a miséria e as desigualdades sociais, estabelecida, inclusive, por meio da concentração da propriedade fundiária e da negação da terra para os sujeitos que trabalham.

Tomando como base a leitura de Josué de Castro fez-se necessário contrapor o discurso do subdesenvolvimento, no qual a indústria se coloca como primordial para alavancar o dito “progresso”, e o estudo sobre o Nordeste brasileiro mereceu destaque, pois diversos fatores como a incorporação do agronegócio foram responsáveis por promover o seu “desenvolvimento”. Lembrando que, tal investimento é a favor de uma determinada classe, sendo esta, dominante. Também serão analisados os conceitos de fome endêmica e fome epidêmica criados por Castro, além da inter-relação entre fome, pobreza e miséria que se configuram no espaço desigual e combinado promovido pelo capital.

O presente trabalho pauta-se, em pesquisa bibliográfica, com destaque para a leitura e interpretação da obra seminal Geografia da Fome, do médico e geógrafo Josué de Castro, e seu contexto histórico, enquanto pioneiro na temática da fome e suas expressões espaciais/regionais no país – estabelecidas a partir da própria compreensão da sociedade classista. Posteriormente, entendendo que o fenômeno da fome não é algo superado buscou-se resgatar o debate sobre a fome na atualidade e sua configuração no

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espaço geográfico. Para tanto, leituras como: Lisboa (2007), Souza (2009) e Silva (2001) foram fundamentais para tal pesquisa.

O DISCURSO DO SUBDESENVOLVIMENTO: O CASO DO NORDESTE

Josué de Castro dedicou sua vida ao estudo do fenômeno da fome e é conhecido mundialmente por escancarar tal tabu. Sempre lutou para que os direitos a alimentação e a terra fossem estabelecidos concretamente. A ele, se deve o fato da fome ser o princípio de diversos outros problemas, pois, é à base de outras mazelas e enfrentamentos do mundo.

Na sociedade atual, falar sobre a extinção da fome parece ser utopia, algo do mundo imaginário e fantasioso. O fato é que pode ser alcançado, cabe ao ser humano, e a sociedade, o papel de intervir nas formas de exploração do trabalho, pois se todas as pessoas fizessem parte do processo produtivo, não existiriam as classes sociais. Se toda pessoa se entendesse como classe trabalhadora, haveria um equilíbrio entre produção x acesso x consumo. Em uma sociedade construída e enraizada com base na produtividade para fins de alimentar o povo adequadamente, mas para isso o lucro, o privilégio e a classe dominante devem extinguir-se.

O livro Geografia da Fome foi produzido em um contexto histórico no qual grande parte dos intelectuais brasileiros acreditava que a indústria fosse alavancar a situação econômica, garantir melhorias sociais e tirar o país da condição de subdesenvolvido.

Para os economistas clássicos e neoclássicos, com o advento da industrialização, o processo de acumulação de capital foi acompanhado pelo aumento correspondente de técnicas responsáveis pela mecanização no processo de produção das mercadorias. A combinação da força de trabalho com a mecanização garante o aumento da produtividade. No entanto, para Marx, o que aumenta, é a acumulação de capital com o consequente crescimento da miséria do trabalhador. Ou seja, a situação de pobreza das nações não pode ser interpretada como uma etapa a ser superada, mas como resultado das contradições inerentes ao modo de acumulação. (LISBOA, 2007, p.60).

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Josué de Castro então apresenta a contradição entre a estrutura econômica social vigente na época e o alargamento da fome e da miséria. A saída de uma grande maioria que vivia no campo foi o êxodo rural, portanto, esse povo foi para a cidade, tentar uma vida e trabalho ‘melhores’ e, consequentemente, formou-se uma concentração de pobreza no urbano. Esse “esvaziamento do campo” é parte do processo de desenvolvimento, na qual a indústria se coloca como o marco principal, sendo condição também para se consolidar esse modelo urbano-industrial responsável por fomentar o exército de reserva. Castro já alertou, na época, que o Brasil necessitava de uma política desenvolvimentista, para manter um equilíbrio nas produções, industrial e agrária, caso contrário, uma irá interferir no desenvolvimento da outra. Lembrando que, a agricultura era tida como atrasada e subdesenvolvida, enquanto que a indústria era moderna. Mas, a partir das demandas impostas pelo modelo produtivo, o campo precisou modernizar-se. A região Nordeste “passa a ser colocada como o palco dos interesses e ações da expansão capitalista.”. (LISBOA, 2007, p.106).

A propagação desigual do progresso técnico, colocado como central para alavancar o desenvolvimento econômico, expressa à maneira da divisão internacional do trabalho, que se coloca de um lado, o conjunto das economias industrializadas, e de outro, economias exportadoras de produtos primários, que não dispõem do comando do seu próprio crescimento. Estas diferentes/desiguais economias são consideradas como modelos antagônicos e não como unidade, onde a economia avançada se alimenta da economia tida como atrasada. (Id. Ibid., p.49)

Esse é o discurso do subdesenvolvimento, em que a indústria se coloca como central para a realização do dito “progresso”, ocorrendo dentro de um processo desigual e combinado no qual os espaços do “pão e do aço” são produzidos de maneira diferenciada, mas combinados, de tal forma articulados entre si, em benefício da reprodução ampliada do capital. “Chega-se à conclusão da impossibilidade de qualquer projeto emancipador que não venha acompanhado de mudanças estruturais no sistema produtivo” (SOUZA, 2009, p.8). Esse discurso desenvolvimentista passar a ser então uma falácia, “já que se concretiza apenas na garantia dos privilégios das classes dominantes – os proprietários fundiários e os capitalistas” (Id. Ibid.).

Hoje, é visto o desenvolvimento agrário, através da incorporação do agronegócio, da produção em larga escala para a exportação, por outro lado, a indústria

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também está bem desenvolvida, com tecnologia de ponta e equipamentos sofisticados. É a dita globalização a serviço da permanência do capital, através da ideologia de que o crescimento econômico seria responsável pelo o fim da desigualdade. Ora, a fome, a pobreza e a miséria ainda perpassam por esses espaços desiguais e contraditórios. E especificamente, o Brasil é um país privilegiado em termos ambientais, por isso também, ele é atrativo para os grandes capitalistas e pelo Estado.

O Estado é o grande responsável por territorializar essa relação capital-trabalho, atendendo as demandas do processo de acumulação evidenciado, em que ao lado dos capitalistas, o Estado promove as condições perversas desse modo de produção, exacerbando problemas como: a criminalidade, a violência e o desemprego, causados devido à própria estrutura social.

Apoiada na leitura crítica de Ricardo Antunes (1999) entende-se que a transformação social deve partir do próprio trabalho, no qual as pessoas não devem mais ser postas como mercadorias, além da produção ser voltada a atender as necessidades humanas, como saciar a fome dos sujeitos.

A revolução de nossos dias é, desse modo, uma revolução no e do trabalho. É uma revolução no trabalho na medida em que deve necessariamente abolir o trabalho abstrato, o trabalho assalariado, a condição de sujeito-mercadoria, e instaurar uma sociedade fundada na auto-atividade humana, no trabalho concreto que gera coisas socialmente úteis, no trabalho social emancipado. Mas é também uma revolução do trabalho, uma vez que encontra no amplo leque de indivíduos (homens e mulheres) que compreendem a classe trabalhadora, o sujeito coletivo capaz de impulsionar ações dotadas de um sentido emancipador. (Id. Ibid., p.96).

Para que os problemas sociais possam ser resolvidos, o Estado não deve existir, assim rompendo a aliança entre capitalistas e Estado será possível pensar uma sociedade sem classes sociais. Ora, o capitalismo também deve ser extinto. Não há como conceber a existência do povo sem fome vivendo neste modo de produção que tem por base a reprodução ampliada do capital.

O fato é que a fome no Nordeste não pode ser explicada pela seca que atinge a região. Diversos fatores influenciam e são causadores desse fenômeno. No contexto histórico explicado por Josué de Castro, em que devido ao subdesenvolvimento do

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Nordeste, ao não investimento do Estado para com esse território, a maioria do povo não possui reserva de alimentos, nem poder de compra e no período da seca, fica à mercê da pobreza e da miséria. Atualmente, já ocorreu um avanço nesse sentido, visto que houve o aumento do poder de compra desses sujeitos, que anteriormente, em um contexto de seca, morriam de fome, mas, por outro lado, muito ainda precisa ser feito, principalmente no que diz respeito a luta contra o fim do latifúndio e da monocultura.

No momento em que o Nordeste brasileiro começou a ser visto como rentável, iniciou-se o processo de industrialização do campo, no qual expulsou muitos camponeses e no seu lugar diversas maquinarias são implantadas para atender ao aumento da produtividade. Ora, o problema da seca precisaria ser solucionado, então o Estado age através da implementação de projetos voltados para os recursos hídricos, como é o caso da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), criada para armazenar água destinada a projetos de irrigação. No entanto, somente os capitalistas e latifundiários se beneficiam com tais ações, pois somente esses têm como investir de tal maneira nos meios de produção.

Desde a colonização portuguesa, o Brasil é um dos responsáveis internacionalmente pela produção de alimentos, no início, com a produção do açúcar, e posteriormente, com uma variedade de monoculturas. Atualmente, houve um significativo avanço na produtividade agrícola no Nordeste, dado o investimento na produção voltada ao mercado exportador. É notável como o latifúndio está presente desde os primórdios.

ABORDANDO ALGUNS CONCEITOS: FOME, POBREZA, MISÉRIA E PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO

O conceito fome é que guia todo o trabalho, pois a partir da fome abordada por Josué de Castro desde o ano de 1946, vem à tona a necessidade de esclarecer os fatores responsáveis por essa carência, que poderia ter sido resolvida, mas que até então está presente no cotidiano de muitos seres humanos. É a vontade de comer, o desejo pelo alimento, que caracteriza a fome humana. Percebe-se a inter-relação desse conceito com

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a miséria e a pobreza, pois são os sujeitos sociais submetidos a tais condições sociais que passam fome.

Ao trazer a relação entre esses três conceitos sociológicos para a Geografia, afere-se a condição de expropriação da classe social que historicamente passa fome e demais privações sociais, e que tal situação, imposta pela contradição na relação capital

versus trabalho, produz os espaços desiguais, espaços da concentração de capital – que

compõe os locais de reprodução das classes detentoras dos meios de produção, e os espaços da pobreza, da miséria – que constitui o lócus de reprodução da classe trabalhadora, expropriada dos meios de reproduzir a vida. O espaço geográfico é a própria expressão dessa contradição. Como enfatiza Lenyra Rique da Silva, ao indagar sobre essa negação imposta ao trabalhador:

O princípio da propriedade privada capitalista, que é o mesmo das classes sociais, o qual norteia a divisão internacional do trabalho, não só é destituído de espacialidade, como de reconhecimento pela natureza humana dos expropriados ou semi expropriados. Tomando-lhes qualquer espaço digno para a sua reprodução, ou forçando-os a uma escravidão exterior, o sistema dá mostras de que a natureza humana do trabalhador não só é negada no processo de trabalho, como fora dele. Se é negada, não tem porque o trabalhador comer bem ou morar com dignidade e muito menos ter satisfeita outras necessidades. Ao mesmo tempo que a natureza humana dos expropriados é negada, ela é humilhada e aviltada. Uma condição fria demais. (SILVA, 2001, p.44-45)

A miséria manifesta-se na constante ausência de um meio de subsistência. Entende-se que a fome é resultado da miséria, que se não saciada, leva o ser humano a condição de miserabilidade. Uma diferença simples entre a fome e a miséria é que a primeira é algo momentâneo, que pode ser resolvido com a ingestão de um alimento. Já a última, é quando não se tem o alimento para saciar a fome e nem se sabe quando terá, resultando numa vida muito sofrida. Então, Castro revela os espaços onde há esses miseráveis que sofrem pela falta do alimento, pela fome. Lembrando que, se o trabalhador se apoderasse do produto do seu trabalho, ele mesmo decidiria sobre os caminhos da sua vida. (Id. Ibid., p.46). E consequentemente, saciaria a fome e diversas outras necessidades que são impostas por esse sistema perverso que gira em torno do capital.

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A pobreza não pode ser definida de forma única, mas ela se evidencia quando parte da população não é capaz de gerar renda suficiente para ter acesso sustentável aos recursos básicos que garantam uma condição de vida digna. (GOMES; PEREIRA, 2005, p.359). A condição de pobreza está atrelada a escassez de meios materiais, não necessariamente do alimento, o ser humano pode ter só o que comer e nada mais que isso. Portanto, nem todo pobre é faminto, ao contrário do miserável.

Presente nos anos quarenta, cinquenta, sessenta ou mesmo setenta, a palavra pobreza foi identificada como reconhecimento do baixo poder aquisitivo, da exploração assalariada. A partir dos anos oitenta, a miséria torna-se condição substantiva, explicativa desta temporalidade, tendo como significado a situação de carência absoluta dos meios de subsistência, indigência, penúria, ou seja, condição do que possa ser considerado vergonhoso, deplorável, infâmia e torpeza. Enfim, como registra o dicionário: aquele que caiu em desgraça. (CONCEIÇÃO, 2005, p.2)

Percebe-se como esses conceitos estão entrelaçados entre si. Como enfatiza Alexandrina Luz (2005), “é responsabilidade do geógrafo, ver a espacialização da miséria não como simples registro de paisagem, mas como sujeito responsável por sua alteração na luta pelo fim do capital. Logo, revolucionário de um tempo presente, de um tempo histórico”. O geógrafo deve, portanto, enxergar a paisagem para além do que os olhos veem, através da percepção da transformação que o homem faz naquele espaço e não, pura e simplesmente, da sua descrição. É também, parte dos sujeitos que lutam pelo fim do capital, que não é algo recente, essa luta foi travada há tempos, pois é a saída para o fim da desigualdade social, acentuada pela propriedade privada e pela divisão de classes.

ÁREAS DE FOME: ENDÊMICA E EPIDÊMICA

Josué de Castro em seu livro Geografia da fome dividiu o Brasil em cinco distintas áreas alimentares: Área Amazônica, Nordeste Açucareiro ou Zona da Mata Nordestina, Sertão Nordestino, Centro-Oeste e Extremo Sul, sendo que, cada uma delas foi classificada dentro de tipologias de fome. Introduziu novos e importantes conceitos, como fome endêmica e fome epidêmica.

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Durante a descrição de cada área, Castro foi identificando os diferentes níveis de fome. O autor traz conceitos essenciais para o entendimento da proporção como a fome afeta o homem no espaço geográfico. Embora se considere esse debate de fundamental importância, não se pode perder a mediação de que esse homem, indivíduo, constitui-se no processo histórico em que há a divisão de classe e que, portanto, tem as suas condições objetivas de forma diferenciada. A produção da riqueza se dá de forma social, mas não a apropriação da riqueza socialmente produzida.

Consideramos áreas de fome aquelas em que pelo menos a metade da população apresenta nítidas manifestações carenciais no seu estado de nutrição, sejam estas manifestações permanentes (áreas de fome endêmica), sejam transitórias (áreas de epidemia de fome). (...) Para que uma determinada região possa ser considerada área de fome, dentro do nosso conceito geográfico, é necessário que as deficiências alimentares que aí se manifestam incidam sobre a maioria dos indivíduos que compõem seu efetivo demográfico. (CASTRO,1967, p.39)

Nas duas primeiras áreas analisadas, a Amazônia e o Nordeste açucareiro, tem-se a dita fome endêmica, na qual os indivíduos vivem em um estado permanente de carência alimentar. Já na área do Sertão do Nordeste, predomina outro tipo de fome (epidêmica), que ocorre em surtos epidêmicos nos períodos de seca, atingindo de maneira geral todos os sujeitos, desde os ricos até as crianças, em níveis altíssimos de desnutrição (Id. Ibid., p.155). Já a área central e a área do Sul, não são consideradas como áreas de fome, mas de subnutrição, por isso, não foi feita uma análise detalhada delas por Castro. É algo a se pensar. Na realidade atual, ricos e pobres sofrem, igualmente, os efeitos da seca? É lógico que não. Os ricos possuem capital para investir em projetos de irrigação, por exemplo, para sanar o problema da seca e conseguem reverter esse quadro e continuar lucrando com sua produção agrícola. Já os pobres, não recebem nenhum incentivo para tal iniciativa, pois não convêm ao Estado.

Entre as causas econômicas da fome, a pobreza continua a ser a mais importante e profunda. E, como o que garante o acesso das pessoas aos alimentos é o seu poder de compra, a perversa concentração de riqueza produz a miséria de milhões de pessoas e gera o episódio da fome endêmica no mundo. (COSTA, 2003, p.90)

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Castro ainda ressalta que, existem duas formas de morrer provocada pela fome, uma é que se a pessoa não comer nada, vai emagrecendo e enfraquecendo até a morte; e outra é ter uma alimentação inadequada, com a falta de algum nutriente importante para o corpo, levando o ser humano a morrer aos poucos até o fim.

A destruição anual de dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças pela fome constitui o escândalo do nosso século.

A cada cinco segundos, morre uma criança de menos de dez anos. Em um planeta que, no entanto, transborda de riquezas (...). No seu estado atual, a agricultura mundial poderia alimentar sem problemas 12 milhões de seres humanos – vale dizer, quase duas vezes a população atual. (ZIEGLER, 2013, p.21).

A fome também tem sua expressão espacial, reafirmando o já posto por Josué de Castro. Esses compõem os espaços da reprodução camponesa – daqueles que por resistência ou teimosia se negam a expropriação, nos distritos e povoados rurais – compondo aqueles que marcham, incessantemente, em busca de trabalho, nos bolsões de miséria que se constituem as periferias urbanas – por meio de sujeitos que alternam a vida entre o desemprego e os trabalhos precarizados. Mas, engloba, também aqueles que não possuem mais nada, sequer a esperança, e vivem da mendicância, da indigência.

O espaço geográfico, seja urbano ou rural, é a evidência concreta dessa contradição capital versus trabalho, realidade através da qual a fome se expressa e pode ser, evidentemente, explicada. Não há, em absoluto, nenhum mistério ou fantasia para se explicar a fome. Como já explicitado por essa pesquisa ela é a própria expressão de uma sociedade desigual, como a que vivemos, pautada na produção e reprodução ampliada do capital. Um mundo das coisas, da mercadoria, não dos seres humanos, tal qual apontado por Marx (2004) nos manuscritos econômicos filosóficos, pois a condição de humanidade já foi, há muito, negada a esses sujeitos. Nessa compreensão, superar a fome (e qualquer outra mazela) imposta por esse modo de produção, requer evidenciar tais contradições, e lutar pela sua superação.

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A retomada do debate clássico de Josué de Castro foi essencial para direcionar o trabalho, apresentando seus limites e apontando outros questionamentos inseridos na essência contraditória do capital. Tal análise também contribuiu para a desmistificação de que os processos de industrialização e urbanização iriam promover o dito “desenvolvimento” e “progresso” do Brasil. No Nordeste, por exemplo, apoiado no discurso ideológico regional, ao apontar a fome como consequente da seca, mascaram-se as contradições sociais, econômicas e políticas. Daí a importância de analisar o flagelo da fome a partir da sua totalidade.

E assim, a fome segue aniquilando a vida da classe trabalhadora pobre e/ou camponesa, com seus efeitos sob o corpo e a mente, já que a apropriação da riqueza não se dá de forma social, pois está comandada pelos detentores do capital. Sua superação só será concretizada através da destruição das relações de produção, ou mesmo, pelo fim capital.

BIBLIOGRAFIA

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Referências

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