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3.2.1 Considerações gerais

O movimento de gases em meios porosos tais como em solos ou GCLs ocorre devido a dois principais mecanismos de transporte: fluxo advectivo e fluxo difusivo. No fluxo advectivo, o gás se move em resposta ao gradiente de pressão total, da região de maior para de menor pressão. O fluxo difusivo ocorre em resposta a um gradiente de pressão parcial ou de concentração. Quando um gás é mais concentrado em uma região do que em outra, ele se move da região de maior concentração para aquela de menor concentração. Uma breve revisão da teoria básica sobre o mecanismo de fluxo difusivo em meios porosos e do estudo desse mecanismo em GCLs pode ser encontrada em Aubertin et al. (2000) e Bouazza et al. (2002b).

O mecanismo de fluxo advectivo de gases difere do fluxo de líquidos visto que a velocidade nas paredes dos poros não pode ser assumida como nula no caso de transporte de gases. A lei de Darcy, que governa o fluxo advectivo de líquidos em meio poroso, é baseada na condição de fluxo viscoso no qual a velocidade é nula ao longo das paredes dos poros. Velocidades não-nulas na parede dos poros resultam em fluxos maiores do que os previstos pela lei de Darcy, sendo este fluxo adicional denominado

“slip flow” (escoamento por deslizamento).

Tem sido mostrado, porém, que a lei de Darcy pode fornecer uma aproximação razoável para quantificar o fluxo de gás em materiais de baixa permeabilidade (Alzaydi &

Moore, 1978). Adicionalmente, foi constatado que, em solos argilosos, a parcela de fluxo correspondente ao “slip flow” diminui quando o grau de saturação decresce, indicando que esta parcela é muito pequena em relação à parcela de fluxo viscoso (Izadi

& Stephenson, 1992). Brusseau (1991) também indicou que a parcela de “slip flow” não é observada para pressões diferenciais menores que 20 kPa, o que corresponde à realidade de um aterro sanitário, podendo portanto ser excluída do processo de modelagem para as condições de transporte advectivo de gases. Ele realça o fato de que,

Capítulo 3 Transporte de gases através de geocompostos bentoníticos

para baixas pressões diferenciais, a hipótese de fluxo incompressível do gás em meio poroso é válida.

Em suma, os modelos desenvolvidos para o fluxo de água em meio poroso podem ser usados para o fluxo de gás (Massmann, 1989), e as condições para as quais a lei de Darcy se aplica ao mecanismo de transporte de gases é similar àquelas encontradas em uma camada de cobertura de um aterro sanitário. Segundo McBean et al. (1995), o fluxo gasoso pode ser um processo expressivo mesmo para pressões diferenciais da ordem de 3 kPa freqüentemente vistas em regiões adjacentes a um aterro sanitário. Eles ressaltam que as maiores pressões diferenciais desenvolvidas em um aterro sanitário são da ordem de 8 kPa no caso de aterros profundos, úmidos, revestidos na base e na cobertura, sendo de um modo geral improvável que estas pressões diferenciais através de uma cobertura típica de aterro sanitário sejam maiores que 10 kPa.

3.2.2 Permeabilidade a gás sob regime de fluxo permanente: fundamentação teórica

Com base na lei de Darcy, o fluxo em massa unidimensional de gás (Q) através de um meio poroso é dado por:

dx AdP Q k

−µ

= (3.1) onde k: permeabilidade intrínseca do material poroso; µ: viscosidade dinâmica do gás;

A: área de seção transversal do material poroso;

dx

dP: gradiente de pressão.

Assume-se que a permeabilidade intrínseca é função exclusiva das propriedades do material poroso, e não do gás permeante. Considerando a compressibilidade dos gases, a taxa de fluxo muda de um ponto a outro quando a pressão diminui. Contudo, pode ser assumido que os gases de aterrros sanitários comportam-se como gases ideais, de modo que a equação da continuidade dos gases ideais pode ser escrita como:

P T P

T

o o

o ρ

ρ = (3.2)

onde ρo: densidade do gás à pressão padrão (Po) e à temperatura padrão (To), e ρ: densidade do gás à pressão (P) e à temperatura (T).

Assumindo-se que a taxa de fluxo em massa é constante (ρQ=cte) e aplicando-se a lei de conservação de massa, um regime de fluxo permanente (dQ)/dt) pode ser escrito como:

) 0

( =

dx Q d ρ

(3.3) Das equações (3.1), (3.2) e (3.3), uma equação diferencial linear para o fluxo unidimensional sob regime permanente em um meio poroso homogêneo isotrópico sob condição isotérmica é obtida:

Capítulo 3 Transporte de gases através de geocompostos bentoníticos

) 0 (

2 2

2 =

dx P

d (3.4)

Para uma amostra de espessura L (Figura 3.1), a solução da equação (3.4) é submetida às condições de contorno P=P1 em x=0 e P=P2 em x=L, chegando-se a:

L x P P P

P ⎟⎟⎠

⎜⎜ ⎞

⎛ −

+

= 12 22 12

2 (3.5)

Figura 3.1. Fluxo de gás através de uma amostra de material poroso (GCL, por exemplo).

Figure 3.1. Flux de gaz à travers d’un échantillon de matériau poreux (GCB par exemple).

Das equações (3.1) e (3.5), o fluxo em massa de gás na distância x pode ser obtida pela equação seguinte:

⎟⎟

⎟⎟

⎜⎜

⎜⎜

+ −

− −

=

L x P P P

P P L

Qx kA

)

2 ( 2

1 2 2 2 1

2 1 2

µ 2 (3.6)

Considerando-se um fluxo de massa a uma distância L, a equação (3.6) torna-se:

⎟⎟⎠

⎜⎜ ⎞

⎛ −

=

2 2 1 2 2

) 2

( LP

P A P

QL k

µ (3.7) Verifica-se, portanto, que no caso de fluxo gasoso sob regime permanente, o fluxo QL é função de ∆P= P22P12, e não de ∆P=P2 - P1.

Sabe-se que a lei de Darcy é válida em um domínio restrito correspondente à condição laminar de fluxo. O número de Reynolds (Re), o qual expressa a relação entre as forças inerciais e viscosas, é geralmente usado como critério para distinguir entre o fluxo laminar que ocorre a baixas velocidades e o fluxo turbulento. A taxa de fluxo para a qual o fluxo começa a desviar-se do comportamento regido pela lei de Darcy é

X=0

X=L

L P1

P2 dx

GCL

Capítulo 3 Transporte de gases através de geocompostos bentoníticos

observada quando Re excede algum valor entre 1 e 10 (Bear, 1972). Para fluxo através de meio poroso, o número de Reynolds é definido como:

ν

= vd

Re (3.8) onde v: velocidade de Darcy; d: diâmetro médio dos grãos da matriz porosa; ν: viscosidade cinemática do gás.

3.2.3 Permeabilidade sob regime de fluxo transiente

Segundo Roy (1988), a medida de valores muito baixos de permeabilidade apresenta problemas especiais para os quais as técnicas de medida padrão são geralmente não muito práticas e difíceis de serem implementadas. Ele reforça que, se a permeabilidade é muito baixa, longos períodos de tempo são requeridos para que a condição de fluxo sob regime permanente seja estabelecida. Para vencer tais limitações, Brace et al. (1968) introduziram um método de fluxo transiente para medir a permeabilidade de rochas graníticas à água. Neste projeto experimental (Fig. 3.2), amostras cilíndricas de granito foram revestidas por membranas flexíveis e conectadas em suas extremidades a reservatórios de montante e de jusante preenchidos com o fluido permeante. No início do ensaio, ambos os reservatórios e a amostra foram mantidos à mesma pressão constante. O fluxo de água foi iniciado pela rápida imposição de um gradiente de pressão entre os reservatórios, e quando a pressão começou a cair através da amostra, ela foi monitorada ao longo do tempo, sendo possível o cálculo da permeabilidade.

Figura 3.2. Representação esquemática do equipamento empregado por Brace et al. (1968) para medir a permeabilidade a água sob regime de fluxo transiente.

Figure 3.2. Schéma général de l’équipement employé par Brace et al. (1968) pour mesurer la perméabilité à l’eau en régime transitoire.

O método, também denominado “Método de queda de pressão”, tem sido estendido de forma bem sucedida para a medida das propriedades hidráulicas de materiais de baixa permeabilidade tais como rochas (Lin, 1977; Hsieh et al., 1981; Neuzil et al., 1981;

P

c

P

j

P

m

Manômetro Manômetro

Manômetro

Reservatório Reservatório

Válvulas Amostra

Célula de permeabilidade

Pm: pressão de montante Pj: pressão de jusante Pc: pressão confinante Pc>Pm>Pj

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Trimmer, 1981; Carrera & Neuman, 1986) e concreto (Hooton & Wakeley, 1989;

Pommersheim & Scheetz, 1989; Roy et al., 1993; Selvadurai & Carnaffan, 1997).

Recentemente, Li et al. (2004) propuseram uma solução analítica para estimativa da permeabilidade ao ar de camadas de revestimento asfáltico usando os dados obtidos pela aplicação do método de queda de pressão em laboratório.Tendo por base esse modelo analítico, Barral (2005) propôs um dispositivo experimental destinado a estimar em laboratório a permeabilidade a gás de amostras prismáticas de argila compactada, considerando-se amostras intactas ou sujeitas a trincas de recalque. Ressalta-se que o método que considera o regime de fluxo permanente requer a medida do fluxo através da amostra, o que não é necessário no caso do método transiente. As bases matemáticas desse método e as simplificações que permitem a análise teórica da relação pressão versus tempo para materiais porosos permeados por um dado gás serão apresentadas no Capítulo 4 dessa Tese.