A sociedade contemporânea caracterizada pelo uso das novas tecnologias de informação leva-nos a crer que a linha que separa o público do privado é muito ténue dando a perceber que a conceção de espaçopúblico tal como surgiu perdeu todo o seu sentido. Ao invés de considerarmos o espaçopúblico o local onde as opiniões se fornam em conjunto com o conhecimento e ideias transmitidas, poderemos ter de considerar este “novo” espaçopúblico como o local onde as ideias se impõem e tornam próprias, onde se coloca o debate de parte para se vincar e veicular os ideais formulados pelo fácil acesso à informação. Resumindo, transforma-se o que era um espaço de debate num espaço de exposição de ideias e situações sem espera de resposta discursiva. Esta fragmentação do espaçopúblico pode estar relacionada com a simplificação da liberdade de expressão, na sociedade atual, não se tem pudor ou medo de represálias com a exposição de ideais ou ideias o que torna cada vez mais difícil avaliar a veracidade dos conteúdos que nos são transmitidos. Esta simplificação de liberdade de expressão leva, quase obrigatoriamente, à simplicidade do discurso. Não se pretende saber mais sobre o que se está a debater, pretende-se, sim, apenas debater ou participar da opinião pública. A liberalização das várias formas de expressão, principalmente
Pode-se dizer que esse argumento teve êxito, no sentido de garantir uma margem de imunidade a práticas terapêuticas que reclamam motivação religiosa. Essa constatação, contudo, deve vir acompanhada de outras duas. De um lado, o Estado conservou o princípio que oficializa, em tese, o monopólio da cura à medicina acadêmica; de outro, no universo das práticas “espíritas”, predominou um vetor que produziu uma adequação, também em tese, das terapêuticas a intervenções “espirituais”. Na prática, porém, é considerável o espaço para o desenvolvimento e a oferta de “terapias espirituais”, sobretudo sob estatuto de informalidade e sem a sua penetração nos espaços da medicina acadêmica. Em relação à questão das formas de presença do religioso, pode-se afirmar que o argumento espírita da caridade produziu uma extensão da modalidade moldada a partir do argumento católico da liberdade. Em outras palavras: é legítimo que essas pessoas que são as associações religiosas desenvolvam terapêuticas “espirituais” cuja presença no espaçopúblico, se não aceita, é bastante tolerada. Lembre-se que essa legitimação da dimensão terapêutica, dentro de certo formato, foi acompanhada da aproximação de instituições espíritas com o Estado pela via da assistência social, o que já ocorria, em grau bem maior, na relação com a Igreja Católica e correspondia, mesmo sem alcançar a mesma legitimidade, ao exercício da “colaboração” consagrada pela Constituição de 1934 e ratificada nas seguintes.
Nesta dissertação busca-se estabelecer um diálogo entre os campos da arquitetura e da educação ao analisar as apropriações de espaços públicos pelo sujeito contemporâneo, este definido com base no duplo recorte, geracional e social: a infância das camadas populares brasileiras. O locus do estudo é a Praça Jerimum, localizada na periferia de Belo Horizonte, construída com base na metodologia participativa, da qual pesquisador atuou como arquiteto. Foram analisadas as formas como o espaço pode alterar os processos de transmissão de conhecimentos e os modos diferenciados como as crianças e suas famílias usam, se apropriam e atribuem sentido aos tempos livres, aos espaços públicos urbanos livres e seus equipamentos. Além disso, foram analisadas, nesse contexto particular, as formas de diálogo que se estabeleceram entre as crianças e destas com o mundo adulto. Na pesquisa bibliográfica, foram buscados dados, principalmente, nas áreas de urbanismo, ciências sociais e nos estudos da infância com o intuito de entender alguns dos significados impressos ao espaçopúblico pelos sujeitos. A análise de documentos relativos às políticas públicas para o lazer em Belo Horizonte, aos processos de construção da Praça e os dados obtidos mediante observação participante no campo privilegiam as relações dos sujeitos com o espaço na construção de práticas lúdicas. Foram avaliadas as possibilidades e os limites das formas de sua apropriação, tendo como foco a relação que a criança estabelece com tais espaços de lazer, voltados para a ação do brincar. As atividades lúdicas, dentre jogos, brincadeiras e desenhos infantis, apresentadas nesta dissertação, ocupam a maior parte do tempo-espaço disponível dos usuários, ou seja, a unidade espacial no caso estudado define sociabilidades próprias, configurando grupos infantis da Praça Jerimum, distintos daquelas originadas na escola, na família ou em outros espaços.
Então qual seria a herança situacionista no contexto da praia? O situacionismo gerou três condições influenciadoras que ajudam explicitar o fenômeno da praia e neste processo expor praiapaisagem: 1] Não poderíamos considerar todos aqueles que engajam diretamente com a praia hoje flâneurs contemporâneos? 2] O projeto situacionista quando idealizou o espaçopúblico encontra na criação, desenvolvimento e implementação de praias urbanas no mundo todo a concretização do seu ideal. Não seria Paris Plage a manifestação deste último gesto? Sem se impor pela força a permanência de Paris Plage no seio da cidade surge agora como um gesto delicado, leve e moderado, sendo uma resposta ao mandato situacionista original, estabilizado exatamente pela geração de maio de 68 que agora ocupa os cargos políticos que permitem a criação e consolidação de espaços públicos deste gênero. Então este desejo, o sonho pela praia, extravasou o movimento estudantil e invadiu a cultura popular. 3] A proliferação dos meios de registros digitais é uma resposta direta à psicogeografia, uma prática comum e leviana na sua maioria, mas que mapeia intensamente e constantemente a situação urbana.
A verdade é que a referida norma, ao evocar exclusivamente os meios de comunicação social, nada refere acerca da possibilidade de divulgação por parte de outros intervenientes que estejam envolvidos no processo. Caso uma dessas pessoas decida divulgar o conteúdo dessas escutas telefónicas, por exemplo, numa página da sua responsabilidade nas redes sociais, incorre na prática do crime de desobediência simples? E caso o faça, os meios de comunicação poderão publicar o conteúdo dessas mesmas escutas telefónicas visto que já é um acontecimento que está no espaçopúblico? Ou incorrerão também na prática do crime de desobediência simples, tal como previsto no n.º 4 do artigo 88.º do CPP? O mesmo pode ser questionado até no que diz respeito ao segredo de justiça nos processos referentes aos crimes enunciados na alínea e) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP. Será que faz sentido manter o segredo de justiça externo em processos desta natureza após a cessação do segredo de justiça interno se a partir desse momento, em teoria, qualquer pessoa pode constituir-se como assistente no processo e passar a ter acesso a autos, incluindo interceções telefónicas, que anteriormente que lhe eram vedados pela vigência do segredo de justiça interno?
Curioso o fato de que uma das mais conhecidas obras de arte contemporânea planejada para um espaçopúblico tenha se tornado célebre não por sua instalação, mas pela sua retirada: refiro-me à obra Tilted Arc, de Richard Serra, que permaneceu por nove anos, entre 1981 e 1989, na praça do centro Jacob Javits, em Nova Iorque. Num amplo debate jurídico, venceram aqueles que acusaram a obra de impedir a livre circulação na praça e torná-la propícia para o grafite. Em 1984, tive a oportunidade de presenciar o que as obras de Richard Serra causavam no espaçopúblico: Clara-Clara tinha também sido retirada do lugar planejado para a Tulherias, em Paris, e foi transferida para uma pequena praça, onde várias trepadeiras foram plantadas ao longo das duas lâminas de aço a fim de encobri-las integralmente. Num impulso romântico, Carlito Carvalhosa e eu retiramos todas as trepadeiras apressadamente para que a polícia não nos abordasse. A partir de “Tilted Arc”, creio que Serra voltou-se cada vez mais para o espaço interno dos museus, ao invés de continuar a instalar suas obras na rua. As lâminas foram se curvando, de modo que as obras mais atuais tendem a formar um interior, como em uma espécie de caracol.
Para Arendt, não existiria nenhuma possibilidade de reconstruir uma esfera pública unificada na contemporaneidade. Sua teoria performativa da ação e sua visão agonística da política indicam antes uma ação política instantânea, múltipla: política como acontecimento e começo, como interrupção de processos automáticos. O mundo aparece sob diferentes aspetos não redutíveis a uma única esfera. Nas suas descrições do espaçopúblico da pólis grega ou dos grounding fathers americanos, ela nunca nos ofereceu uma visão singular ou unitária. O espaçopúblico se apre- senta sempre sobre uma multiplicidade de aspetos, o qual só com o tri- unfo das determinações biológicas ou dos processos econômicos aparece como singular. Ou seja, o fim do mundo compartilhado, do espaço dos assuntos humanos, aparece no momento em que ele é visto sob um aspecto particular e não na sua multiplicidade. Sua ênfase na pluralidade, no agonismo, na teatralidade e na performatividade, lhe impede de apre- sentar a esfera pública como uma unidade. Não ligando o espaçopúblico ao Estado, como Habermas o faz, não existe nenhum local privilegiado para a ação política, isto é, existem múltiplas possibilidades de ação, múltiplos espaços públicos que podem ser criados e redefinidos constan- temente, sem precisar de suporte institucional, sempre que os indivíduos se liguem por meio do discurso e da ação: agir é começar, experimentar, criar algo novo, o espaçopúblico como espaço entre os homens pode sur- gir em qualquer lugar, não existindo um locus privilegiado.
Destacam-se os princípios I e V. A vontade política é indispensável para que um objetivo seja concretizado. Sem apoio e comprometimento, observa-se descontinuidade nos planos. Inserir a meta de não desperdiçar as oportunidades (princípio V) é realmente estratégico e potencializador dos seus objetivos. Beneficiam-se de todas as operações em curso, cientes de que os investimentos são limitados, expande-se a implantação da acessibilidade a todos os departamentos que atuam no espaçopúblico, cumprindo-se a legislação de implementá-la. Neste documento afirma-se que “Todos os dias se fazem planos, projetos e obras (pequenas e grandes, públicas e particulares) que podem eliminar barreiras sem custo adicional para a CML. É preciso preparar soluções que possam ser integradas nesses trabalhos. E aproveitar os projetos piloto como oportunidade de aprendizagem e demonstração”. 203
Um dos problemas das cidades portuguesas, nomeadamente das de média dimensão, prende-se, precisamente, com o abandono gradual e progressivo dos seus centros históricos que, nas últimas décadas, têm vindo a perder parte da sua população residente, mantendo apenas uma população envelhecida e predominantemente feminina, logo, duplamente vulnerável (Fernandes, 2009). Apesar da desertificação que se verifica, mantêm-se, ainda, nestes espaços grande parte dos edifícios de serviços e o comércio tradicional como, habitualmente, é designado o pequeno comércio, que se tornam alvos extremamente vulneráveis. Instala-se, por isso, nestes espaços, um medo difuso e um sentimento de inquietação motivados pela pequena criminalidade de rua e pelo delito de oportunidade que é potenciado, em muitos casos, por comportamentos transgressivos ou incivilidades que, não sendo considerados actuações criminosas, denotam propósitos agressivos e, em alguns casos, deliberadamente ofensivos como a destruição de equipamento e de mobiliário urbano, a danificação de iluminação pública, a quebra de vidros e a marcação das superfícies exteriores dos edifícios com inscrições do tipo graffiti que conduzem à própria degradação do espaçopúblico que se “transforma em ‘terra de ninguém’ e onde a regra é a ausência de regras” (Cabral, 2007: 39). “Perante a incivilidade, o cidadão comum sente-se afectado na sua segurança face aos comportamentos daqueles que desprezam o sentido da res publica e o respeito pelo outro.” (Cabral, 2011: 5).
Neste contexto, este trabalho, aborda a escala humana do planeamento urbano, como elemento promotor do desenvolvimento sustentável. Procedeu-se ao estudo de caso de um trecho do espaçopúblico da Baixa de Algés, no Concelho de Oeiras, em Portugal, no que respeita às transformações do seu uso e morfologia, durante a vigência do atual Plano Diretor Municipal (PDM), desde 1994 até 2014. A partir de um estudo exploratório, abarcado por visitas ao local, pesquisa documental e aplicação de inquéritos, foi possível perceber as suas caraterísticas, as intervenções realizadas e a perceção das pessoas relativamente às mesmas, e concluir que o desenho atual desse trecho do espaçopúblico não fomenta dinâmicas que promovam o desenvolvimento sustentável.
Enfim, há instâncias de espaçopúblico além da esfera representativa. Ela é apenas um método de mediação de interesses em grau de generalização elevado e, portanto, inclinada à politização de questões fundamentais. Dizer que se presta a hospedar questões específicas significa ordenar-se o vício de limitação procedimental das decisões como fatalidade. O espaçopúblico é um espaço construído diuturnamente e depende de quem se habilite a criá-lo. A delimitação temática induz à seleção do público interessado e viabiliza a especialização da virtude política enquanto esta encarnar uma opção; uma opção sobre com o que se preocupar já que ela é, em si, um compromisso de preocupar-se com o todo de que se faz parte.
O espaçopúblico é um conceito que tem evoluído na sua significação. Do ponto de vista histórico, ele surge como espaço reservado e selectivo, próprio das elites sociais do séc. XVIII. Porém, a expressão EspaçoPúblico passou a traduzir uma noção de espaço participado, que se afigura como um espaço de bem-estar, de cultura urbana, de participação e de qualidade de governação, nos finais do séc. XX. Saliente-se que até ao século XVIII, o “espaçopúblico” referia-se a um lugar honorífico que celebrava o poder dos reis ou da aristocracia e evocava a sua soberania. As revoluções políticas dos séculos XVIII e XIX transformaram estes lugares circunscritos da cidade na esfera pública democrática. O sentido do espaçopúblico ampliou-se ao ponto de incluir lugares de encontro social e de debate de ideias, de argumentação racional e de crítica do antigo regime.
Admitidas as insuficiências das concepções cepalinas e da teoria da dependência, caracterizadoras dos dois primeiros momentos analíti- cos, o terceiro momento, questionador do próprio processo de desenvol- vimento capitalista visto como intrinsecamente excludente, resta igual- mente problematizado com as dificuldades enfrentadas pelas experiên- cias do “socialismo real”. Para os que apostavam no caminho socialista como alternativa ao modelo capitalista a crise e a própria derrocada das experiências reais feitas em nome do socialismo abriram um vácuo nas discussões sobre o desenvolvimento. Se a perspectiva socialista perdeu em boa parte seu poder utópico de alternativa ao capitalismo, o que, aliás, sinaliza para a crise de qualquer outro modelo global de desenvol- vimento, em que direção avançar o debate em torno da construção de espaços públicos generalizáveis e inclusivos? O fato é que, mesmo no contexto de um processo de globalização ao mesmo tempo homogeneizador e gerador das mais variadas fragmentações de interes- ses, urge perseguir formas alternativas, sustentáveis e de caráter emancipatório para o desenvolvimento, as quais permitam a ampliação do espaçopúblico democrático e potencializador da cidadania. Nessa direção vão as reflexões a seguir.
Possuem uma infinidade de funções, as quais podem ser organizadas em três categorias distintas: a função de lazer, económica ou institucional. A função de lazer ou embelezamento, que contém uma forte componente social, prende-se com o fato de o espaçopúblico englobar elementos que possibilitam a criação de relações sociais entre os mais diversos habitantes das cidades e o seu bem-estar. São utilizados como espaços para relaxamento e atividade físicas. Perante a função económica, os espaços públicos possibilitam a deslocação de bens ou pessoas entre as diversas partes constituintes das cidades, criando condições para um bom funcionamento do comércio e das trocas comerciais, e consequentemente um bom suporte económico sendo este um aspecto indispensável ao bom funcionamento urbano. Por fim em termos institucionais, enquanto espaço de uso coletivo bem como expressão de poder, o espaçopúblico possui as mais variadas funções, quer sejam elas as de proporcionar espaços condignos para que o poder local ou outro exerça a sua actividade, educando a sociedade em geral para um determinado acontecimento, ou enquanto espaço de eleição para os habitantes se manifestarem coletivamente. Estas três funções principais, englobam diversos espaços em si que variam no tipo de utilização bem como na sua morfologia.
bastante simbólica das intencionalidades dos organizadores do evento em relação ao público que se pretendia atingir e à amplitude em termos não apenas de tempo de manifestação, mas também de quantidade de pessoas sensibilizadas. Para atrair a atenção, foram programadas atividades culturais, como uma roda de capoeira do grupo Abadá-Capoeira e músicas populares cantadas ao som da sanfona por artistas locais. Em paralelo, ocorriam “arrastões” nos quais os integrantes do grupo de mobilização percorriam todas as ruas ocupadas pela feira, distribuindo panfletos e proferindo palavras de ordem. Do ponto de vista da receptividade do movimento, se, por um lado, as atividades culturais foram assistidas e apreciadas ao ponto de formar uma aglomeração maior de pessoas (Figura 3), por outro, a reação ao folheto e às palavras de ordem foram as mais diversas. Mesmo sendo uma feira marcantemente frequentada por pessoas de menor renda, não se poderia esperar ampla concordância em relação aos temas levantados pelos organizadores, haja vista a complexidade da polarização política e social em curso. De qualquer modo, o que é mais importante não se restringe à concordância de posicionamento sobre o afastamento da presidenta e as pautas apresentadas contra as quais os manifestantes se posicionavam. Colocar o tema em debate no espaçopúblico e gerar reflexões, incômodos e angústias é o aspecto a ser mais valorizado. A construção do direito à cidade não pode ser pensada a partir do consenso e da pasteurização de um conjunto de pautas. Menos ainda se pode pretender uma unanimidade de posicionamentos políticos. Ainda assim, isso tampouco pode ser usado como subterfúgio para o abandono do espaçopúblico apenas às práticas ligadas ao consumo ou à sociabilidade individual, ou mesmo aquela mediada por questões de fundo não político.
No que respeita à apreciação/aprovação das operações de loteamento, a prática mais comum da gestão urbanística prende-se apenas com a verificação da sua conformidade regulamentar. Estas operações de loteamento, não se encontrando, na maioria das vezes, integradas em PP ou PU, apresentam-se como iniciativas privadas, fechadas no limite da propriedade, desgarradas da estrutura urbana envolvente, relegando a importância do espaçopúblico para segundo plano, embora se encontrem em cumprimento dos parâmetros definidos em PDM. Os Municípios, com responsabilidade pela gestão dos seus próprios territórios, não participam de forma ativa na elaboração de instrumentos ou estudos urbanísticos que sirvam de suporte às operações de loteamento, e antecipem nomeadamente, as necessidades de localização e dimensionamento de áreas verdes públicas, equipamentos coletivos e infraestruturas viárias. Dito de outra forma, os Municípios, a quem compete elaborar a estratégia para o conjunto urbano, não participam de forma ativa na elaboração de “projetos” dos vários fragmentos que o constituem, nem no traçado dos elementos estruturantes que teriam a capacidade de os unir e ordenar. Assim, o ordenamento territorial que surge de operações de licenciamento casual, essencialmente de loteamentos, não dá origem a um espaço qualificado, mesmo que se encontrem cumpridos os parâmetros previstos no âmbito das cedências para equipamentos e espaços verdes (Marques, 2012).
tanto mais que esta trajetória incorpora algumas práticas claramente transgres- sivas no contexto da cidade, designadamente o modo como a comunidade gay se apropriou do espaçopúblico, sem receio de afirmar os seus valores, comportamentos e práticas. Há que salientar também, neste processo, o papel da cidadania ativa na negociação e na procura de consensos suscetíveis de responder às necessidades da comunidade. fazendo uso de uma ideia de João ferrão (2002), os princípios da de- mocracia deliberativa, como fonte de decisão e de ação têm sido amplamente aplica- dos no território do Marais, nomeadamente, através do projeto Maison des Associa- tions, – agregado de entidades associativas do terceiro sector – que, neste bairro, adquiriu uma dimensão simbólica muito significativa mediante uma mobilização de recursos com notória capacidade criativa. O acervo de entidades associativas reforçou a coesão e o sentimento de identidade no bairro, nomeadamente por via do estabelecimento de redes sociais locais de apoio e capacitação das comunidades em situação de maior vulnerabilidade social. Disto é exemplo o intenso trabalho dirigido às crianças da comunidade chinesa do alto Marais, a defesa ativa da igualdade de direitos das minorias sexuais, ou do direito à governação do próprio território, por intermédio das várias associações que integram os órgãos consultivos do poder municipal/ (Conseils de Quartier) i .
Assim, esta dissertação centra-se numa proposta de boas práticas em termos de intervenção urbana, dirigida para o Largo do Mercado em Vila Franca das Naves, que possa constituir um caminho para futuras soluções que minimizem a sua descaracterização atual e o tornem num lugar de identidade da comunidade local, por ela apropriado de modo estruturante e dinamizador de vivências sociais e culturais. Não se pretende contudo, proceder à definição de uma proposta detalhada e definitiva de desenho urbano deste espaçopúblico central. Pretende-se antes, aplicar um conjunto de boas práticas projetuais que possam servir de inspiração a futuras intervenções de requalificação do local. Por outro lado pretende-se que esta proposta possa vir a contribuir para a valorização deste espaçopúblico e da sua relação com a malha urbana envolvente, contribuindo para inverter um passado de ações de fragmentação deste espaço e da sua descaracterização.
A relação do homem com a cidade transcende os aspectos considerados no planejamento urbano do século XX e apresenta características subjetivas na sua identificação com o espaçopúblico, indispensáveis para o bem-estar social. Propõe-se uma revisão teórica acerca da origem do Urbanismo em suas diversas correntes utópicas que influenciaram o meio urbano conhecido hoje, buscando compreender formas mais humanas de se intervir na cidade. A necessidade do lugar, enquanto suporte existencial do ser, é exposta através da manifestação social, onde a rua assume caráter decisivo na escala da urbe, originando movimentos como o Placemaking. Entende-se a influência do ambiente construído no comportamento humano, e destacam-se as qualidades perceptivas do desenho urbano que, apesar de subjetivas, tem relação com atributos físicos, sendo, portanto, papel do arquiteto compreende-las e geri-las. A mobilidade urbana é um dos principais temas que relacionam o homem com o meio, sendo a integração com os modos ativos a forma mais eficaz de se alcançar comunidades sustentáveis. Assim, explora-se a Caminhabilidade enquanto ferramenta benéfica para a sociedade nos aspectos econômicos, ambientais, de saúde (física e mental) e, principalmente, sociais. A componente prática consiste em aplicar um modelo de análise qualitativa do ambiente urbano, e compará-lo com as análises quantitativas nos diferentes casos de estudo no concelho de Cascais. Com os resultados faz-se uma reflexão sobre como, a partir do impacto das qualidades perceptivas na mobilidade ativa, é possível promover ruas mais propícias às atividades não necessárias, ou seja, as atividades opcionais e sociais.
Mas, se aquele contexto dos anos 60 é, hoje, naturalmente diferente, digamos que boa parte dos pressupostos sociológicos e filosóficos pre- sentes naquela obra, mantém, ainda, uma acuidade analítica significativa, ainda que politi- camente datada. Por isso, para aquele autor, "o direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou de retorno às cidades tradicionais. Ele só pode ser formulado como di- reito à vida urbana, transformada, renovada". E, numa tal formulação, o autor entende por "ur- bano", naturalmente, "o lugar do encontro, a prioridade do valor de troca, a inscrição no espa- ço de um tempo promovido ao posto de bem supremo entre os bens", no pressuposto, afinal, que "o urbano encontre a sua base morfológica e a sua realização prático-sensível" (op. cit., 132). Trata-se, assim, de uma reivindicação polí- tica e cultural em relação à vida urbana, entendida, sobretudo, ao nível dos processos de sociabilidade urbana e de fruição plena da cida- de, o que, num quadro analítico diferente, remete para os processos de apropriação pública do espa- ço urbano, independentemente da natureza jurídica, pública ou privada, desse mesmo espaço citadino. Como facilmente se entenderá, tais pro- cessos questionam, de modo premente, a própria vida urbana na cidade contemporânea, nomea- damente, no quadro problemático do espaçopúblico, sobre o qual teremos oportunidade de voltar mais adiante, dada a sua importância ex- trema, no contexto das presentes reflexões.