A tradução de poesia, como ato de “inocência” ou de “libertinagem”, cuja única referência é o eu-tradutor, o seu idioma pessoal, é o que caracteriza no fundo os PoemasMudados para Português. Traduzir acaba assim por representar uma atividade que invade o poema de outro para completar algo que existe mas que está incompleto em mim. É de facto “um ato extremo” que evidencia bem a necessidade que HerbertoHelder tem de fechar o círculo, de se completar na “fortíssima gramática poética portuguesa de Villa”, instaurando assim o seu próprio idioma poético. Viola-se o que é de outro sem deixar qualquer marca e o tradutor torna-se um agressor íntimo e inocente, pois muda tudo sem na realidade mudar nada; apodera-se de algo sem o conspurcar. Com efeito, HerbertoHelder vagueia livremente pelo poema original de Villa, deixando apenas um rasto discreto: a mudança de contexto. Pode até parecer um dado insignificante, mas visto com atenção ele adquire uma importância redobrada, já que o poema deixou de ser o mesmo, porque foi conduzido para um outro lugar (eis a etimologia do verbo latino traducere) e para um outro tempo. Daí que esta passagem “era como se tivesse traduzido o poema, como se o tivesse mudado para português e para mim”. Desta forma, o significado que o poema de Villa
A diferença entre as línguas permite que pensemos a ativi- dade de escavação em outro sentido ainda. Esse outro sentido também está anunciado em A tarefa do tradutor, quando, no final do texto, Benjamin cita Pannwitz, que censurava o tipo de tradução realizada pelos alemães, acreditando que a tradução deveria provocar um alargamento da língua do tradutor – o que faria com que esta se tornasse uma língua estranha –, e não ser uma tentativa de tornar mais familiar a língua estrangeira. Essa tarefa resultará, portanto, em alargar e aprofundar a sua própria língua, escavar em seu interior um oco de sentido, esvaziá-la de sua lógica, libertá-la de sua ordenação sintática. HerbertoHelder, no livro Ouolof, escreve uma nota a respeito de sua tradução de um poema dos índios Caxinauá chamado “A criação da lua”, em que assinala o alargamento da língua portuguesa pelo atrito com a língua estrangeira, produzindo “um português desarrumado, errado, libertado, regenerado, recriado” * .
A obra de HerbertoHelder é muito vasta e inclui trabalhos de poesia e tradução. Nota-se que na sua escrita há uma relação íntima entre as duas, tanto a poesia como a tradução surgem com uma potência erótica que será fundamental para a criação herbertiana. A tradução está intrinsecamente relacionada à criação, o próprio modo peculiar de o poeta nomear esse trabalho “poemasmudados para português” revela isso. A poesia e a tradução também instauram uma violência contra a linguagem, as duas deformam a língua, tirando-a do lugar-comum do sentido e aplicando a potência do vazio sobre ela. A desconstrução do sentido da palavra é o que possibilita a criação poética. A escrita de HerbertoHelder é relacionada ao corpo e as imagens dos órgãos sexuais, do sangue, do sêmen e da saliva apontam para o corpo deformado, pensado agora em partes energéticas e é da deformação do corpo que surge o buraco para o fazer poético. Busca- se pensar na importância do erotismo como vetor de construção poética. Nesse sentido, as reflexões de Georges Bataille serão importantíssimas para nortear o erotismo e o relacionar à obra de HerbertoHelder. Desta forma, a hipótese que se lança é de que o erotismo impõe uma violência contra a palavra e o corpo necessária para o trabalho de criação. Nesse sentido, nossa busca será pela presença do erotismo na poesia e na tradução de HerbertoHelder, privilegiando os textos onde se encontra a imagem da criação.
comum vermos ensaios e artigos de literatura, tais como o de Rui Torres, “Camões transformado e remontado: o caso de Herberto de Helder” (2006) que se valendo de outro ensaio, Outrora agora: relações dialógicas na poesia portuguesa de invenção (1993) de Maria dos Prazeres Gomes, aproxima a proposta de tradução como criação e releitura da tradição de Haroldo de Campos à tradução e releitura poética desenvolvida por HerbertoHelder. Sendo que essa aproximação entre os dois poetas feita por Torres tem como intuito explicar a poesia herbertiana, mais especificamente, a poesia experimental portuguesa, a partir das teorias haroldianas, associando os conceitos de transcriação e plagiotropia ao trabalho poético herbertiano, numa forma de mostrar a desconstrução da tradição empreendida pelo poeta português. Entretanto, ainda não foi realizado um trabalho que estabelecesse uma ponte de convergência entre os dois autores como forma de mostrar que os projetos poéticos de Haroldo de Campos e o de HerbertoHelder são semelhantes no que tange à releitura/desconstrução da tradição. Nesse caso, é importante ressaltar que essa convergência, desde o início, implica numa diferença, uma vez que cada poeta ao fazer sua releitura e renovação da tradição, o faz de modo particular e específico que, na maioria das vezes, está ligado ao processo de tradução poética – muito importante para a compreensão do trabalho de criação desenvolvido por ambos – pensada como diálogo entre línguas, culturas, literaturas e autores.
Nessa perspectiva global, podemos pensar a tradução na poética do autor como elemento da composição da própria obra. Porque, em HH, tradução e escrita se aproximam de tal forma que já não se emprega o termo “poema traduzido”, mas “poema mudado”. Refiro-me aos “poemasmudados para o português”, série composta pelos livros O bebedor noturno (1986), As Magias (1987), Ouolof (1997), Poemas Ameríndios (1997) e Doze nós numa corda (1997). Nessa série, o autor traduz, de modo muito próprio à sua poética, poemas de culturas extremamente diversas, vindos de partes distintas do mundo, atravessando períodos que remontam à escrita bíblica do Cântico dos Cânticos, passam por antigos ritos e cantos tribais indígenas e africanos, por poetas ocidentais e orientais e poetas mais recentes, como Henri Michaux e Le Clézio.
melhor, as versões – uma vez que Helder assinala essas obras com a legenda “poemasmudados para o português” –, respondem a incursões em culturas e temporalidades afastadas, predominantemente colonizadas ou dizimadas pelo Ocidente, como as comunidades maias, astecas e árabes, além de tribos indígenas e camponesas, entre outras. Ora, ao colocar lado a lado poemas do velho testamento e enigmas astecas, hinos órficos e canções e orações de origens remotas, HerbertoHelder não estaria, mais uma vez, por meio da montagem, desorientando a cronologia? Alternativo e combativo, especialmente, aos dualismos que apartam a cultura dos vitoriosos daquela dos vencidos, o escritor e tradutor, portanto, assume como uma de suas tarefas mais próprias a destruição de uma historiografia literária continuista. Incluem-se, aos Doze nós numa corda, poemasmudados de Henri Michaux, Mallarmé, Antonin Artaud e Hermann Hesse. Por mais celebrados e reconhecidos que alguns destes sejam, hoje, são eles, sobretudo, portadores da voz do desvario, do desconserto e da dissonância em relação ao tempo em que viveram. Compõem a reunião dos escolhidos, canônicos e silenciados, ritualísticos e descrentes, loucos, místicos e mágicos que, vertidos à língua portuguesa, em conjunto encabeçado por Helder, parecem apontar para uma dimensão trans-histórica da poesia a partir da tomada de consciência do antologista e tradutor em relação à não restrição ao seu tempo e espaço de produção.
ao acionar poesia feita com poesia, favorece a semiòsis ilimitada. Nesse sentido, discutir a poesia herbertiana num viés hipertextual implica observar um processo criativo aberto ao movimento das conexões associativas, a possibilidade de discutir o poema como rede de múltiplas interações combinatórias (o que solicita a metáfora da teia, da trama e do tecido como conectores ou hiperligações), a problematização do compromisso do poema com a linearidade e /ou sequencialidade do verso e com desfechos conclusivos. E, em decorrência desse processo, a promoção do leitor que, em situação de perda – pois o texto-fruição de HerbertoHelder, conforme a máxima barthesiana, faz entrar “em crise a sua relação com a linguagem”– , é convidado a flanar por ligações textuais diversas.
Apesar da sua brevidade, “Áporo” nos desafia desde o título. Além de abrir o poema, o título também o sintetiza. Como é de se supor, não há em Libras um equivalente fiel que contenha em si mesmo todos os significados abarcados na língua fonte. A escolha de apenas um significado privilegiaria esse em detrimento aos demais e poderia levar o público à compreensão equivocada impedindo-os de encontrar o fio interpretativo que se traça ao longo do poema. A nossa solução para transferir ao leitor ferramentas para montar o quebra-cabeça poético de Drummond e ao mesmo tempo transferir a sensação de estranhamento para a língua meta foi a utilização de decalque linguístico para Libras utilizando a datilologia. Dessa forma, o leitor surdo poderia realizar busca em dicionários que o auxiliariam a encontrar, a partir dos múltiplos significados comportados no vocábulo, as possibilidades interpretativas. Parece-nos uma solução aceitável, dado que mesmo um leitor mediano,cuja língua materna é o português, teria dificuldades de acessar imediatamente os significados da palavra e provavelmente necessitaria utilizar recursos externos na tentativa de decodificação do signo linguístico em questão. Adicionalmente, compreendemos que esse uso localizado da transliteração não compromete o texto na língua meta tornando-o truncado ou demasiadamente aportuguesado. Ainda que o recurso da datilologia pareça a saída mais rápida do problema, ela não resolve a questão dos múltiplos significados. Inicialmente pensamos em utilizar uma explicação que seria inserida no vídeo da tradução como uma nota do tradutor. Dessa forma, logo após a título foi inserido uma breve nota apontando os três principais sentidos comportados pela áporo.
Resumo: O presente artigo pretende investigar as diferentes adaptações de um poema que HerbertoHelder extirpou do conjunto de sua obra depois de assistir, durante sua estadia na África nos anos 60, a um curta-metragem baseado em seu texto. Ainda que a referência do poeta ao poema e à sua exclusão se restrinja à nota “(magia)”, em Photomaton & vox, o poema pode ser considerado um dos mais visuais e inquietantes de HerbertoHelder, conforme é possível verificar em uma gravação em disco narrada pelo próprio poeta e por um curta-metragem mais recente disponível na internet, produzido pelo grupo O Dizedor. Partindo da premissa do próprio poeta de que “todo poema é um filme”, abordamos o poema original, publicado em 1968 no livro Apresentação do rosto, e procuramos demonstrar suas respectivas adaptações em áudio e vídeo e a outros textos de HerbertoHelder afim de promover associações intermidiais, sobretudo entre a pintura e o cinema enquanto meios que permitem “ver” a poesia. Procuramos demonstrar que, mesmo sendo descartado por HerbertoHelder, as várias releituras deste poema o tornam um dos mais adaptados dentre toda a sua obra.
Da falta é que se produz algo, agora positivo, e, daí, desencadeando o movimento característico da chora semiótica, da hylé de Husserl, da dialética hegeliana e do semiótico já dentro do simbólico. O jogo positivo-negativo é ponto em comum entre as considerações teóricas expostas por Julia Kristeva (1974) e é justamente essse ondular entre opostos que também marca a temática do texto de Helder, contrapondo à mortalidade humana a criação do objeto perene, a poesia. O poeta faz do fim um novo princípio e surge da morte da mãe a possibilidade de criação. Em seu andamento, o poema vai se produzindo de oscilações entre imagens da memória que se desfazem para dar lugar às imagens da imaginação, do sonho, do desejo. Como numa sonata de Beethoven (Pathétique) à uma melodia se sobrepõe outra e a essa se sobrepõe à primeira, como diz-se do compositor: a melancolia e a revolta se encontram; ou, então, é a revolta e a esperança (Apassionata) que se chocam e, desses duelos, se faz a música assim como a poesia do autor português.
mesma leitura nascida de uma montagem ― processo muitíssimo recorrente na poética herbertiana. Este método pressupõe, igualmente, um leitor entendido para um autor de difícil leitura conforme o afirma, aliás, a crítica. O leitor herbertiano tem de ter bases seguras e conhecimentos profundos para que possa mergulhar as suas raízes nesta leitura de carácter tão complexo, e desta forma, poder apreendê-la. Ao confrontar os dois poemas, o leitor poderá observar a leitura (ou re-leitura e re-escrita) que HH faz do soneto camoniano, adaptando-o e transformando-o, por assim dizer, ao seu estilo poético. É de notar que os dois poemas estão separados por cerca de cinco séculos, pelo que não deixa de ser interessante a vertente intertextual, por um lado, e, por outro lado, a erotização que HH coloca num soneto renascentista, no qual o amor platónico e inteligível se encontra bem presente. Temos, em Camões, a presença do amor cortês, isto é, de um amor que pretende ser espiritual, ao passo que no poema de HH esse amor é erótico, carnal, terreno 1 .
(...) Desde que se assegurou aristotelicamente a arte imitar a natureza, a natureza começou a desavir-se dentro da arte; e então a arte obrigou-se à expulsão da natureza, para ter a casa na sua ordem, e nela manter habitação, sono e insónia próprios, e o despertar e a vida seguida. Conforme informações britânicas, a natureza pôs-se então a imitar a arte, coisa de algum regozijo irónico para ela, que se fez cada vez mais imaginosa, a ver até onde a natureza obtinha astúcias e recursos plagiários. Foi depois do conflito que a bicicleta se prestou às inquirições naturais. Portanto, a bicicleta passou a ser instrumento de observação da natureza, uma peça laboratorial das ciências naturais. Como a arte não era parte nisso, teve a subtileza de mobilizar a movimentação para os aeroportos helicopterianos (HELDER, 1995, p. 60-61)
Este trabalho se insere na linha de Estéticas contemporâneas, modernidade e tecnologia do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens já que se propõe analisar a obra A morte sem mestre do poeta contemporâneo portuguêsHerbertoHelder com o objetivo de investigar como o Absurdo se constitui enquanto parte da linguagem e enquanto fenômeno da experiência cotidiana do homem explorado como tema do livro. Para isso, serão estudados teóricos do Absurdo, principalmente os livros O mito de Sísifo (2012) e O homem revoltado (2017), de Camus. Além disso, será necessário conhecimento das discussões sobre a modernidade, cujo teórico principal será Anthony Giddens, As consequências da modernidade (1991). E por fim, será utilizada a perspectiva de tecnologia utilizada por McLuhan, em A galáxia de Gutemberg (1972), e Vilém Flusser, em A filosofia da caixa-preta (1895), para demonstrar como a linguagem e a metalinguagem de HerbertoHelder refletem uma dimensão do homem contemporâneo. Como resultado dessa base teórica, espera-se sustentar a ideia de que as subversões linguísticas/gramaticais da escrita do poeta português ajudam a compreender o indivíduo contemporâneo. Tendo isso em mente, três poemas do livro A morte sem mestre foram analisados sob este aparato teórico. Com isso, pretende-se desenvolver uma maneira de investigar o indivíduo por meio dos elementos linguísticos.
Em todo o caso, independentemente do ângulo de análise que se decida privilegiar, certo é que a crítica se revelou unânime em relação à pujança imagética e ao conseguimento poético deste novo livro de HerbertoHelder. De facto, perguntar-se-ia: em que é que se traduz um tal sucesso? Na verdade, o que Servidões vem trazer à actual paisagem literária portuguesa é, sem dúvida, uma poética profundamente amadurecida, quer na forma, quer nos seus conteúdos proposicionais. A despeito da unidade estrutural em torno da isotopia mortuária, observa-se uma riqueza prismática de temas e uma diversidade de registos discursivos que se aliam, de forma magistral, aos instrumentos prosódicos utilizados: destacamos, a título meramente ilustrativo, a mestria revelada ao nível do ritmo e da fluidez versificatória. Repare-se, ainda, no texto introdutório em prosa que enquadra os restantes textos poéticos e que condensa, in nuce, toda uma mundividência poética, sustentada por um eterno recomeçar da Palavra: “Mas penso que tudo isto é uma interminável preparação, uma aproximação. Porque o prestígio da poesia é menos ela não acabar nunca do que propriamente começar. É um início perene, nunca uma chegada seja ao que for”. 6 E o modo
Curioso notar que essa diferenciação foi proposta em ato pelo trovador occitânico Giraut de Borneil em diálogo com Rimbault D’Aurenga, na forma de um tenço. 162 Nele, discute-se a respeito da preferência de Girault pelo trobar leu. A forma do diálogo em alternância e os indícios de uma técnica de persuasão ao estilo da sofística (quando se afirma a estratégia da contradição, como em “Lingnaura, fort de bon conseill,/Etz fis amans contrarian”) são características do modo como, desde já, o discurso poético atrela-se ao pensamento crítico. Mas mais importante ainda é marcar que a criação desse modelo formal parece ter se dado performativamente, como defende o estudioso da versificação provençal Frank M. Chambers: “As far as we can tell, Girault himself was the inventor of all the structures he used, except the tenso with Rimbault D’Aurenga, who initiated the discussion and consequently determined its form”. 163 Nesse sentido, a própria divisão dada como composição revela a marca mais notável que é a transformação da poética em matéria do poema. Ao mesmo tempo, percebemos que os modos de trobar correspondiam menos à oposição entre eles, e mais às diferentes experiências na língua poética – o que em Dante será revivido pela antítese entre latim vulgar e gramática.
Na verdade, recorre-se freqüentemente a citações trazidas de Photomaton para analisar e comentar outros textos, de Helder e não só, relegando esse volu- me para uma posição adjacente, como se se tratasse de um potencial repositório de esclarecimentos metatextuais. Este modo parcelar de ler – ou de usar – Pho- tomaton & Vox tem vindo a dar forma a uma espécie de repertório de fragmen- tos que invariavelmente se citam e que atualmente já se identificam com relativa facilidade. Reconhecem-se por exemplo, como se fossem provérbios da escrita, aqueles que dizem que “escrever é literalmente um jogo de espelhos” (HEL- DER, 1995, p. 12) 1 ou que “Escrever não mostra o que fica mas o que falta” (p. 155),
O estudo intitulado “Das diferentes visões do amor, até o amor místico presente no conto Teorema de HerbertoHelder”, tem por objetivo realizar uma sondagem em busca das relações existentes entre as diferentes visões em que o amor é representado de acordo com a concepção traga pela filosofia, e o ideal de amor “imortal e mítico” que se encontra presente no conto Teorema . Para tanto, faz-se uso de uma metodologia de cunho bibliográfico centrada nas obras de Eduardo Farias Coutinho e Nicola Abbagnano. Como aporte teórico o estudo embasa-se na concepção de Mito e Amor adotada por Nicola Abbagano, e para dar sustentabilidade à relação entre essas duas concepções de amor, faz-se uso dos pressupostos da Literatura Comparada que pode ser compreendida segundo Marius-Francois Guyard, como a história das relações literárias nacionais. Sendo que o comparatista se coloca nas fronteiras, linguísticas ou nacionais, examina as mudanças de temas, ideias, livros ou sentimentos entre duas ou várias literaturas. Desta forma pretende-se estabelecer através do comparativismo literário as possíveis relações existentes entre as diferentes significações a que o amor é submetido segundo a concepção filosófica, e o ideal de amor imortal e mítico centrado no romance de D Pedro e D Inês de Castro. Além de explorar ainda a relação entre a narrativa e o titulo do conto (Teorema), o que consequentemente denota um movimento interdisciplinar entre a Literatura e a Matemática.
O que Macedo mostra, no princípio do livro, é que Natália inicia a escrever sua história em um estilo literário, que ela logo acaba por descartar ao apagar as primeiras linhas do seu livro, para então recomeçar sua escrita em uma maneira mais despojada, seguindo os conselhos dados pelo entrevistado. Logo, Helder Macedo, desde o início, procura negar que o que lemos é uma obra literária. Quando Natália percebe que está começando a escrever seu livro como um escritor tradicionalmente faria, o que seria natural levando em conta sua formação acadêmica, ela desiste dessa forma de escrita e volta ao zero, para só então reiniciar a escrever mais informalmente.
correspondem à estratégia de composição de AR, que é, a um só tempo, um texto poético, ensaístico, dramático e narrativo; a perspectiva, por outro lado, oscila entre a retrospecção e a atualidade totalizadora das impressões (há, vale frisar, uma perspectiva holística que perpassa toda a obra de HerbertoHelder e, desse ponto de vista, o indivíduo é como que parte de uma lógica totalizadora de funcionamento do mundo, o que veremos mais detalhadamente. Por esse mesmo motivo é que atentamos, anteriormente, para a problemática quanto ao fato da figura do Autor se referir, unicamente, a HerbertoHelder, e enfatizamos o caráter ontológico de seu retrato); e, por fim, o assunto é, de algum modo, a vida: não a vida do indivíduo particularizado, como geralmente ocorre nas autobiografias, mas a do escritor no seu exercício de decifração holística.
Algum do sofrimento é: uma criança não jantou ontem à noite; uma criança rouba porque não tinha dinheiro para comprar o jantar; ouvir uma mãe dizer que não tem dinheiro para comprar comi[r]