Se não há conceitos totalizantes, se, do ponto de vista das teorias correntes, o poético já não reside na estruturação linguística do texto, nem nas suas projeções imaginárias impregnadas do inefável, não se resolve pelo desvio de linguagem ou pela opacidade da linguagem (como queria Sartre), não partilha do sagrado e da totalidade original, não é a “morada do Ser” heideggeriana, o que resta é perscrutar o que dizem os poetas. Todavia, eles já não se comportam como os modernistas, que pontificavam do alto de seus programas e estabeleciam regras até para a ruptura do convencional. Não é que recusem o legado da poesia moderna, pois temas, procedimentos técnicos, posições estéticas desta reaparecem seguidamente em sua produção. O que os distingue é uma aproximação maior com o público, uma abertura à transparência de atitudes, revelando incertezas e insuficiências, uma tendência ao subjetivismo e à autoexposição, paradoxalmente mais fictícia do que autobiográfica.
& Vox converge para a primeira definição, constituindo-se como um aparato ou su- porte para entendermos a escrita de HerbertoHelder. São elementos dessa poética herbertiana o significado de poesia – “Os poemas são apenas equivalências do crime, ou são então eles mesmos um acto explosivo no próprio centro do mundo” (45); a natureza da palavra e das imagens construídas nos poemas – “Delas irrompe a cega proliferação das imagens” (60) e a mão que escreve – “Um autor está entregue a si mesmo, corre os seus (e apenas os seus) riscos” (71).Para entendermos o sentido de Photomaton & Vox, é impreterível que comecemos alcançando a ideia de poesia em seu autor. recordemo-nos de Sophia de Mello breyner andresen, contemporâ- nea de HerbertoHelder e que também escreve as suas artes poéticas, compostas de aspectos estéticos e temáticos recorrentes nas suas poesias. conforme coloca José augusto Mourão no ensaio “a arte poética de Sophia de Mello Breyner andresen (do elogio da ascese e da nostalgia do signo)”, “não podemos deixar de notar na nostal- gia mítica do reino da poesia, na obstinação da escrita em relação ao real, na ascese e na rejeição do artesanato” (1984: 205). a poesia portuguesa pós-Fernando Pessoa emerge com produções que elaboram novas formas de usar a linguagem e de pensar a própria criação poética. “O mundo é a linguagem como invenção”, diz-nos Herber- to Helder em Photomaton & Vox, e é a partir dessa ideia que se constrói o sentido de uma poética elaborada pelo poeta, o que leva Manuel Gusmão a comentar acerca do assunto:
Foram as vanguardas históricas do início do século XX que introduziram de modo criativo um uso da linguagem poética que tomasse máquinas como modelos. O futurismo italiano, o dadaísmo franco-suiço e o cubofuturismo russo-soviético fizeram o elogio da modernidade naquilo que ela teria de técnico, industrial, fabril, geométrico, calculável e manipulável. Peter Burger afirma em Teoria da vanguarda que esse ideário seria contraditório por deitar raízes na narrativa burguesa do progresso técnico e, ao mesmo tempo, desejar romper com a linguagem do utilitarismo burguês ao ambicionar o encontro entre vida e arte através do mesmo progresso técnico no âmbito da linguagem artística. É ainda no influxo dessas vanguardas no pós-guerra que tanto Melo e Castro quanto Helder experimentarão criar via dispositivos combinatórios.
Em Os nomes da obra: HerbertoHelder ou O Poema Contínuo (2016), a também portuguesa Rosa Maria Martelo discute a obra de Helder e relembra o progressivo recolhimento do escritor, que detestava notoriedade pública, recusava-se a receber quaisquer prêmios, dar entrevistas ou apresentar-se em público. A crítica comenta também que a obra poética do escritor estava inextricavelmente ligada a esse apagamento (MARTELO, 2016, p. 20). Ao negar seu corpo biológico como parte de uma máquina mercadológica que apela à celebridade como par a o talento artístico na contemporaneidade, sem “nenhuma premeditação comercial” (MARTELO, 2016, p. 21), Helder estaria, segundo a autora, dando vazão a uma faceta-chave da experiência poéticamoderna que remonta a Samuel Coleridge e Arthur Rimbaud, por exemplo: o silenciamento ou a morte da figura autoral. Cabe-nos aqui perguntar: o efeito do apagamento dessa figura gera um espaço vazio de silêncio em lugar daquela presença divina que justificaria e explicaria a obra?
Macabéa – Revista Eletrônica do Netlli | V. 5, N. 2, p. 17-27, jul.-dez. 2016 relação ao conhecimento racional, mas originárias e primárias, situando-se num plano diferente do plano do intelecto, porém dotado de igual dignidade. Foi Vico o primeiro a expressar esse conceito de mito. “as fábulas, ao nascerem, eram narrações verdadeiras e graves (donde ter a fábula sido definida como vera narrativo) que no mais das vezes nasceram obscenas, e por isso depois se tornaram impróprias, a seguir alteradas, então inverossímeis, adiante obscuras, daí escandalosas, e finalmente incríveis, que são as sete fontes da dificuldade das fábulas”, portanto, a verdade do mito não é uma verdade intelectual corrompida ou degenerada, mas uma verdade autentica, embora com forma diferente da verdade intelectual, com forma fantástica ou poética:” os caracteres poéticos nos quais consiste a essência das fabulas nasceram, por necessidade natural, da incapacidade de extrair as formas e as propriedades dos fatos, por conseguinte, devia ser maneira de pensar de povos inteiros que se encontravam em tal necessidade natural, que ocorreu nos tempos de sua maior barbárie”. Desse ponto de vista, “os poetas devem ter sido os primeiros historiadores das nações” e os caracteres poéticos contem significados históricos que, nos primeiros tempos, foram transmitidos de memória pelos povos. Mais tarde, em ensaio sobre o homem, Cassirer viu o caráter distintivo do mito em seu fundamento emotivo. “o substrato real do mito não é de pensamento, mas de sentimento. A terceira concepção de mito consiste na moderna teoria sociológica que se pode atribuir principalmente a Fraser e a Malinowski. “o mito não é simples narrativa, nem forma de ciência, nem ramo de arte ou de história, nem narração explicativa”. Cumpre uma função sui generis, intimamente ligada à natureza da tradição, à continuidade da cultura, à relação entre maturidade e juventude e a atitude humana em relação ao passado”. “A função do mito é em resumo, reforçar a tradição e dar-lhe maior valor e prestigio, vinculando-a a mais elevada, melhor e mais sobrenatural realidade dos acontecimentos iniciais”. Nesse sentido o mito não se limita ao mundo ou a mentalidade dos primitivos. É indispensável a cada cultura, cada mudança histórica cria sua própria mitologia, que, no entanto tem relação indireta com o fato histórico. (ABBAGNANO, 2012, p 758, 759).
O tema da criação literária percorre há muito a literatura, em especial a poesia. A valorização da escritura em detrimento do Humanismo e da História, ambos detentores de um saber teleológico, permite-nos hoje percebê-la por si e numa busca de si. Em nossa contemporaneidade, a noção de unidade não permanece em sua essência primária, o que nos permite pensar na idéia de fragmentação. Tencionamos apresentar uma leitura da poética de HerbertoHelder atentando para as figurações da imagem do corpo e mostrar a relação entre criação literária, origem da voz poética e corporificação/fragmentação do discurso. Dedicaremos ainda parte de nossos escritos a elaborar uma reflexão sobre a leitura de poesia e sobre a situação da linguagem poética a partir de críticos pós-estruturalistas, mas sempre pensando o texto literário de HerbertoHelder. Concentrar-nos-emos em alguns poemas da edição brasileira de Ou o poema contínuo. Fundamentamo-nos em concepções teórico- filosóficas de Maurice Blanchot, nas obras L’espace littéraire, La part du feu, L’entretien infini et Le livre à venir, por exemplo, e ainda levamos em conta leituras de Roland Barthes, Gilles Deleuze, Giorgio Agamben, Antoine Compagnon, Jacques Rancière e Leyla Perrone- Moisés.
tal como se vê na tradução desse poema dos Caxinauá, tem sido interpretado como um desejo de retorno a um mundo ances- tral, não contaminado pela civilização. Acreditamos, todavia, que o desejo desse encontro nostálgico não é o que motiva a poética do autor; o ato poético não deve ser entendido como uma oposição entre a cultura moderna ocidental e a cultura primitiva, em que haveria uma valorização da segunda em detrimento da primeira. Não se trata de um olhar melancólico sobre o passado que leria o mundo ancestral como um lugar de beleza e de plenitude, ao passo que o mundo moderno seria totalmente empobrecido e esvaziado pela técnica. Parece-nos que Helder efetivamente procura a possibilidade de deforma- ção desse mundo mesmo, realizada através do alargamento da linguagem e da destruição de sua lógica. Ainda na nota sobre a tradução do poema dos Caxinauá, Helder escreve: “Temos diante de nós uma poderosa dicção mítica, mágica, lírica, trans- gredindo em todas as frentes a norma da palavra portuguesa. Este transtorno faz-se ele mesmo e imediatamente substância e acção poéticas ”* .
O poema em questão, texto que parece reivindicar uma aliança entre não só amigos, mas amigos poetas, indica, por meio de uma série de imagens que nos remete ao universo do ofício da escrita (os dedos, os livros, o talento), alguns dos topoi da poética herbertiana que mais de perto aqui nos interessa. A loucura (“Os amigos que enlouquecem e estão sentados [...]”), primeiro desses topoi que gostaria de assinalar, marca da desrazão dionisíaca que rege esta poesia, surge em simultâneo com a condição sentada dos amigos, condição que simbolicamente aponta para a situação criativa, como é possível notar em outros passos da obra de Herberto. Sendo assim, loucura e criação são tópicos correlativos, de modo que podemos inferir ser a criação uma espécie de loucura, ou um gesto por ela movido, o que faz do poema (o objeto criado) uma obra que resguarda sentidos à margem da lógica racional – organizadora do mundo profano do trabalho e da produtividade. A obra poética é, por assim dizer, em termos herbertianos, um anti-trabalho, uma ação geradora de improdutividade. Em Herberto, a criação é consumo excessivo, dispêndio. Talvez por esse motivo os amigos evocados tragam “os livros a arder para toda a eternidade”: imagem de ecos infernais que, por analogia, pode nos remeter a Lúcifer, o Príncipe das Trevas.
É precisamente esta dualidade que tento analisar: o facto de o reconhecimento de que algo escreve não excluir uma exclamativa referência ao querer negativo do poeta-arqueiro. De muitas maneiras, a obra de HerbertoHelder insiste na ausência do poeta: o poema só acontece «quando o rosto inquilino da luz já não se filma», lê-se em Do Mundo 8 . E em Ou o Poema Contínuo – Súmula (2001b), o próprio nome de autor «HerbertoHelder» surgia articulado com o título da Obra, como se antes da conjunção ou não houvesse ninguém, apenas outro nome para a continuidade do poema, condição que, em 2004, a transferência do título Ou o Poema Contínuo para o volume de recolha de toda a poesia iria acentuar ainda mais.
modo como converge para a construção do que, segundo abordagem de Deleuze, seria um “grande pensamento”. Diferente do que ocorre em O corpo o luxo a obra (2006), poema contínuo cujo centro energético parece estar na ideia de corpo orgânico, trata-se de uma poética marcada por divisões cujas partes comunicam-se entre si e com outros poemas da obra herbertiana, de modo que esse diálogo converge para a ideia de gênese. É nesse poema, por excelência, que o trânsito da ideia de corpo para a de mundo parece manifestar-se de forma mais expressiva, já que, no texto poético, o corpo genesíaco presente em O corpo o luxo a obra retorna em um movimento em espiral e culmina na diluição dessa imagem que se confunde no fluxo das agitações, também orgânicas, do mundo. Como afirma Rosa Maria Martelo em “Corpo, Velocidade e Dissolução (De HerbertoHelder a Al Berto)” (2001): o esvaziamento do eu, ou, no caso em questão, de uma forma, tem por produto final forças e energias que fazem de dada referência “uma espécie de palco onde os fluxos vitais adquirem um sentido cósmico.” 2 Se se pode identificar dados momentos
No panorama português, o nome de HerbertoHelder (1930-2015) – que sintomaticamente frequentou o curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – surge, neste contexto, como inevitável paradigma dessa obsessão com um poema contínuo, constantemente reescrito 4 . Compreende-se, por isso, que um herdeiro do legado herbertiano, como Valter Hugo Mãe – também ele aliás com formação académica na área da literatura 5 – surja ainda marcado por essa ânsia da revisão, claramente assumida nos seus livros, encarados como “um corpo em mutação, dinâmico, orgânico, uma obra não acabada mas em permanente construção” (Lage, 2006: 19).
objectos e dos corpos, a sua energia oculta aproxima a cada momento o início da vida e a morte; indiferentes ao tempo em que se situam carregam consigo essa eternidade capaz de explicar a origem e o caos, “o angélico e o demoníaco” (p. 579). Esta energia que de algum modo representa o espírito dos corpos e dos objectos encontra-se parcialmente identificada com o ar e com o vento (recorde-se o sopro da vida): “a luz do vento abria as searas profundas / encapelava o ouro”. O distúrbio provocado pelo movimento do ar (leia-se: capacidade criadora da palavra poética) ilumina os objectos, destaca deles o ouro, a essência e a perfeição representadas pelo metal conseguido à custa das transmutações do processo alquímico e neste processo o brilho significa intensidade, excesso de energia reunida para que se verifique a purificação: o brilho mantém-se ao longo de todo o percurso vertical em que os corpos e os objectos transitam: “os corpos são varas de ouro plantadas. / A seiva rutila nelas”. O tempo está neles, vivem intensamente pela memória, trazem consigo a disponibilidade e a capacidade de elevação: “os objectos eram espasmos / do espaço […] os corpos são varas de ouro”.
A mãe constitui, porém, uma figura ambígua, apontando para duas ideias: de um lado, tem-se a irrupção do semiótico no simbólico a partir da força propulsora que vem dela; de outro, a mãe pode ser entendida associada ao simbólico na medida em que está ligada ao idioma ordenado pela gramática. A “língua dentro da língua” precisa de autonomia em relação à língua- mãe, a língua materna. A poesia também se faz da luta violenta entre a língua e a outra língua do poético. O surgimento do semiótico não acontece sem destruição. A força motora do poético é a mãe em estado de dissolução, a mãe morta. Mas a mãe morta também renasce através de sua presença no poema. Há um constante movimento de vida para morte e de morte para vida na linguagem poética. A língua depois da morte (da mãe, da língua, da língua-mãe, do simbólico) renasce como outra língua (da poesia, do semiótico). A outra língua também diz respeito à presença da mãe sonhada, imaginada e lembrada, a que fala ao filho em diálogo, reconstituída “toda”, saída do silêncio através da linguagem-diálogo poético: a mãe recriada.
no que tange à demanda de um signo que supra, que acrescenta, que “vem a mais”, pois, como veremos, a escrita livre de HerbertoHelder embora herdeira da grafia surreal é menos automática do que marcada por uma consciência linguística diligente. Importa, sobretudo, é a aventura da construção textual e o jogo da sua realização. Se o princípio combinatório, como defende HerbertoHelder, é a base linguística da criação poética, então, glosando Derrida, todo discurso é bricoleur. No caso, o lúcido jogo textual feito de imbricações várias alude ao trabalho de bricolage: entenda-se, com Giorgio Agamben, um “trabalho intermitente” cujo processo compositivo consiste em montar novas estruturas mediante a recombinação de peças e materiais disponíveis, por extensão, um trabalho
Nessa perspectiva global, podemos pensar a tradução na poética do autor como elemento da composição da própria obra. Porque, em HH, tradução e escrita se aproximam de tal forma que já não se emprega o termo “poema traduzido”, mas “poema mudado”. Refiro-me aos “poemas mudados para o português”, série composta pelos livros O bebedor noturno (1986), As Magias (1987), Ouolof (1997), Poemas Ameríndios (1997) e Doze nós numa corda (1997). Nessa série, o autor traduz, de modo muito próprio à sua poética, poemas de culturas extremamente diversas, vindos de partes distintas do mundo, atravessando períodos que remontam à escrita bíblica do Cântico dos Cânticos, passam por antigos ritos e cantos tribais indígenas e africanos, por poetas ocidentais e orientais e poetas mais recentes, como Henri Michaux e Le Clézio.
Mas não é como vítima passiva dos acontecimentos que a Constança Manuel ficcional enfrentará a infidelidade do esposo. Vendo-se afrontada pela amante “favorita” de Pedro, como bem classificou HerbertoHelder, a infanta ainda se revelará uma mulher arguta e perspicaz, sabendo se comportar com nobreza diante dos sogros que a muito estimavam: “[…] o infante compreenderá quanto bem vos queremos e que sempre velaremos para que nenhum mal vos aconteça” (NERY, 1998, p. 68); ou mantendo cautela e resignação inteligente, mesmo nos muitos longos períodos em que não recebia Pedro em sua alcova. Procurando sempre conhecer os segredos dos outros pelos sonhos, para melhor compreender o que lhe era inacessível e obscuro, não demorará em adentrar os aposentos de Pedro “com passos de anjo” enquanto ele dormia:
Todavia, pese embora a iniludível dimensão tanatológica, estamos em crer que a dimensão futurante desta obra como que nos obriga a reposicionar o selo testamentário e final que, indubitavelmente, lhe podemos outorgar. Manuel de Freitas revela-se particularmente persuasivo quando, em “Baixa biografia”, se reporta ao itinerário mais recente da obra poética herbertiana, mostrando como Servidões vem aprofundar a viragem inovadora que A faca não corta o fogo (2009) verdadeiramente significou. Freitas defende que Helder tinha chegado em
Acontece que em HerbertoHelder todas essas questões são expostas em consonância com um percurso de criação – e, sendo assim, a busca pelo conhecimento é simultânea à sua elaboração escrita – de modo que o conhecimento está atrelado à criação de um saber, neste caso, possível de ser reelaborado conforme as relações promovidas entre as partes de que se compõe o todo (o que ocorre incessantemente em AR, em que não há a preocupação em obedecer a uma lógica de composição causal, nem a uma sucessão temporal, tampouco ao princípio da não contradição), fato que confirma a sua adesão àquilo a que ele chamou lei da metamorfose, além de apontar para um conhecimento na e da obscuridade, difuso, que não depende da via racional, como é possível atestar mediante o uso dos vocábulos: erro, vigília, loucura, ilegível, obscuro –escolha lexical que confirma essa noção de conhecimento que subverte a lógica racionalista e se define no ato mesmo da criação artística. Sobre a sabedoria associada ao processo criativo da escrita e a sua metáfora inicial da Gênesis, vale citar o seguinte trecho, que encerra a segunda parte do livro, intitulada “os ritmos”:
O silêncio deixa o poeta a imaginar o que o leitor espera dele e a poesia que es- creve se torna uma constante busca em alcançar o leitor imprevisível, indizível e misterioso. Até mesmo a comparação a um cadáver, cujo corpo inerte e silencioso não emite a vida ou a outrem o que está por trás da morte. O silêncio do leitor é ins- tigador, constrangedor a ponto de perturbar o poeta, assim é o leitor para Fernando Pessoa. A representação no poema retrata o perfil de um leitor que não se comunica com o poeta ou com a sua poesia, mas essa incomunicabilidade é estabelecida quando o poeta se afasta do seu lirismo, pois o leitor tende a buscar e compreender os senti- mentos do sujeito biológico na tentativa de criar uma identificação com o mesmo e consequentemente com a obra poética.