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1ª Edição Lisboa: Editorial Estampa, 1997.

DA DESCOBERTA DO ESTILO ROMÂNICO

XIX. 1ª Edição Lisboa: Editorial Estampa, 1997.

469 MARTINS, Ana Cristina – Possidónio da Silva (1806-1896) e o elogio da Memória. Um percurso na

Arqueologia de Oitocentos. Arqueologia & História – Monografias. Lisboa: Edição da Associação dos

Arqueólogos Portugueses, 2003.

470

ANACLETO, Maria Regina Dias Baptista Teixeira – Arquitectura Neomedieval Portuguesa (1780-1924).

Op. Cit.

471 COUTINHO, Glória Azevedo – A Propósito do Palácio de Monserrate em Sintra. Op. Cit.

472 SIMÕES, Augusto Filipe - Reliquias da architectura romano-byzantina em Portugal e particularmente na

Um primeiro testemunho do reconhecimento da arquitectura românica

Paulo Varela Gomes elucida-nos sobre a rara e pobre teoria arquitectónica produzida em Portugal durante o século XVIII e que, comparativamente ao que se passava no resto da Europa, na mesma época, é pouco, escandalosamente pouco, mesmo473

. Com excepção de

alguns livros da autoria de engenheiros militares, a obra de Cyrillo Volkmar Machado (1748- 1823)474

surge de forma isolada neste panorama de vazio teórico sobre arquitectura475

.

É por influência estrangeira que o gótico começa a assumir contornos de problema para os teóricos e arquitectos portugueses em finais do século XVIII476. Não nos podemos

esquecer dos avanços historiográficos que tanto a Inglaterra, como França, tinham já dado sobre esta matéria, como já tivemos oportunidade de verificar.

Até ao aparecimento das Conversações de Cyrillo em 1794477, eram constantemente

repetidos os lugares-comuns de tendência classicista. Este tratadista mostra-nos, em finais do século XVIII, ser detentor de um vasto conjunto de conhecimentos, pois entre os seus papéis foram encontramos estudos de Botânica (com desenhos feitos ao ar livre), um tratado de

Anatomia ou Simetria, um Tratado de Perspectiva para Usos dos Artistas ou Curso de Perspectiva prática dividido em lições, inúmeras páginas de cópias e citações de tratados de

arquitectura e de autores de toda a ordem, desde Plínio e Horácio, a Winckelmann, mas também extensos maços de história, tabelas cronológicas, etc.478. Apesar de Cyrillo ter dado

uma especial atenção à História e à Arquitectura, a verdade é que este amplo conhecimento associado à literatura e às ciências naturais vai de encontro àquilo que se passava por então em países como França e Inglaterra, tanto mais que este autor conhecia as tendências mais avançadas da sua época479.

Embora Cyrillo Volkmar Machado tenha sido o primeiro português do século XVIII a ter uma concepção das condições básicas da história da arte, Paulo Varela Gomes não deixa de questionar se este português estaria em condições de compreender as novidades inerentes

473

GOMES, Paulo Varela – “Aspectos da teoria arquitectñnica produzida em Portugal no século XVIII” In Idem – A cultura arquitectónica e artística em Portugal no século XVIII. Lisboa: Editorial Caminho, 1988, p. 80.

474 Sobre a vida e obra deste teórico Vide Idem – “Cyrillo Volkmar Machado e a Histñria da Arte em Portugal na

transição do século XVIII para o século XIX” In Idem, p. 149-173.

475 Cfr. MACHADO, Cyrillo Volkmar – Tratado de Arquitectura e Pintura. Edição fac-similada de 1823.

Lusboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

476 GOMES, Paulo Varela – “Aspectos da teoria arquitectñnica produzida em Portugal no século XVIII”. Op.

Cit., p. 91.

477

MACHADO, Cyrillo Volkmar – Conversações sobre a Pintura, Sculptura e Architectura dedicadas aos

Professores e aos Amadores de Bellas Artes. Lisboa, 1794.

478 GOMES, Paulo Varela - “Cyrillo Volkmar Machado e a Histñria da Arte em Portugal na transição do século

XVIII para o século XIX”. Op. Cit., p. 151.

479

aos estudos de Winckelmann, a título de exemplo, tendo em conta a evidente ausência de cultura propriamente estética actualizada, pois não conhecia directamente aquilo que a pintura e a arquitectura da sua época estavam a produzir480

.

Um dos primeiros aspectos que queremos relevar do pensamento de Cyrillo associa-se à ideia, embora vaga, que este autor manifesta quando considera que a restauração da Arte

começou pelo mesmo tempo em que principia a Monarchia Portugueza481

. Apesar de, segundo Varela Gomes, Volkmar Machado não se comprometer ainda em afirmar (e talvez mesmo a pensar) que já estamos diante da arte portuguesa, cremos que esta questão pode ir ainda mais longe. Não estando ainda neste momento clarificada a diferença estilística entre românico e gótico – percepção que caberá pela primeira vez entre nós a este mesmo autor, como veremos de imediato -, podemos entrever aqui alguma espécie de intuição, quiçá, de uma ideia que será tão querida à historiografia portuguesa sobre a matéria e que procura casar o românico e nacionalidade, porque coevos, como significantes. Voltaremos, naturalmente, a este assunto.

É na senda do pensamento de Jean-François Félibien que devemos perceber as ideias defendidas por Cyrillo relativamente à origem da arquitectura gótica, e que à maneira de o tentar «domesticar», «naturalizou-o», incluindo-o assim na tradição clássica da arquitectura como identidade e posteriormente como representação482. É por demais conhecida a

interpretação humanista da arquitectura clássica (e classicizante) que estabelece paralelos entre o estudo do cânon e da proporção da arquitectura com os equivalentes humanos. Assim, Cyrillo questiona483:

Aonde tudo he arbitrario não póde haver Ordem, nem Beleza, para merecer o nome de Architectura, aonde tudo he feio e desproporcionado. Se os Gregos medirão as columnas pelo corpo humano, os Godos copiarão talvez as suas, pela sombra magra, e disfórme, que fazem os córpos no chão, quando o Sol está perto do Horizonte.

Há vários aspectos que devem ser desde já destacados. O primeiro, por demais evidente, é a preferência que Cyrillo manifesta, tal como muitos dos seus contemporâneos europeus, pela regra e cânon inerente à arquitectura Clássica. Mas também como eles, este português viu-se impelido a olhar para a arquitectura gótica, inicialmente, pela negativa,

480 Idem. 481

MACHADO, Cyrillo Volkmar Cit. In Idem, p. 160.

482 GOMES, Paulo Varela – “Aspectos da teoria arquitectñnica produzida em Portugal no século XVIII”. Op.

Cit., p. 92.

483 MACHADO, Cyrillo Volkmar – Conversações sobre a Pintura, Sculptura e Architectura… Op. Cit, Livro

enquanto antítese da primeira. Paulo Varela Gomes inscreve ainda estas tentativas num quadro de aproveitamento qualitativo e romântico da arquitectura medieval e que assenta em igual desconhecimento técnico e histórico da mesma484. A verdade é que esta estava,

historiograficamente, a dar ainda os seus primeiros passos. Depois Cyrillo continua:

Como as columnas representão as Arvores, e as do Norte são ordinariamente magras; seria por isso que os Godos as fizerão mui delgadas e mui altas. As mesmas nervuras das abóbadas parecem ramos do seu tronco.

É significativa esta ideia de Cyrillo, associada à origem setentrional da arquitectura gótica, atribuindo-a ainda aos povos bárbaros, nomeadamente aos Godos, seguindo uma tradição Vasariana, como já vimos485:

O certo he, que como estes póvos erão igualmente barbaros no gosto, no juizo, na educação, e nos costumes, as suas obras são tão indignas como elles erão. Os Romanos modernos, que forão os principaes Restauradores da Architectura antiga, tem demolido, ou mascarado, todos os seus edifícios Góthicos.

Cremos que estas citações das Conversações de Cyrillo são por demais elucidativas de que a “Teoria Bárbara”, assim definida por Paul Frankl, estava muito arreigada, mantendo- se ainda no seu pensamento em 1822486

:

Quando domirão os Barbaros, a ignorancia introduzio a Architectura Gothica, que não he Architectura.

Todavia, Volkmar Machado vai acabar por se render ao gótico do Mosteiro da Batalha, lindo no seu género e de grande magnificência487. No entanto, Lúcia Cardoso Rosas

chama-nos a atenção para o facto de que a opinião de Cyrillo não deve ser considerada como um indício de valorização do gótico, mas antes como uma admiração motivada pela qualidade do Mosteiro da Batalha488. Nos raros teóricos portugueses de arquitectura, os

484

GOMES, Paulo Varela – “Aspectos da teoria arquitectñnica produzida em Portugal no século XVIII”. Op.

Cit., p. 92.

485 MACHADO, Cyrillo Volkmar – Conversações sobre a Pintura, Sculptura e Architectura… Op. Cit, Livro

IV, p. 72.

486 No “Breve discurso sobre o princìpio, e progressos da Architectura” Cyrillo esclarece perfeitamente a sua

posição perante a superioridade da arquitectura Clássica, quando afirma que se a arquitectura não tiver aquella

belleza, e armonia, que só os Gregos dos melhores séculos, e os seus bons imitadores lhe souberão dar, numa merecerá o nome de Architectura. Cfr. Idem – Collecção de Memorias Relativas às Vidas dos Pintores, Sculptures, Architectos e Gravadores Portuguezes e dos Estrangeiros que esiverão em Portugal [1823].

Coimbra: Universidade de Coimbra, 1922, p. 127.

487 MACHADO, Cyrillo Volkmar Cit. In ROSAS, Lúcia Maria Cardoso – Monumentos Pátrios. Op. Cit., Vol. I,

p. 74.

488

programas construtivos cuidados e monumentais provocam frequentemente comentários positivos, sobretudo se corresponderem a uma fundação real ou de pessoa ilustre, daí que Lúcia Rosas afirme que a arquitectura antiga que apresenta qualidade e robustez é algo que

sempre se valoriza independentemente do tempo e do seu estilo489

.

Um outro aspecto extremamente significativo, e que para nós é de particular interesse, é que com Cyrillo Volkmar Machado, pela primeira vez na historiografia artística portuguesa, encontramos uma percepção da existência de uma diferenciação na tão abrangente arquitectura gótica490:

Foi ella [a Architectura Gothica] de duas sortes; a antiga, era baixa e pezada, e a moderna pelo contrario magra, e muito alta, tendo assas de gosto Arabe.

Como já nos apercebemos, Cyrillo era conhecedor (e seguidor) da obra de Félibien e foi certamente através deste que descobriu das diferenças entre os edifícios góticos anciens e

modernes.

O romantismo oitocentista e o despertar nacional para a arquitectura gótica

O século XIX, século romântico por excelência, vai caracterizar-se pela paulatina afirmação de toda uma cultura em torno dos monumentos, dos quais se exalta o seu valor histórico, valor esse que se torna premente salvaguardar para justificar a origem da Nação para as gerações vindouras. Num século em que impera a nostalgia por um passado que se impõe como reflexo de uma afirmação da identidade e origem nacionais, o valor histórico

reside no facto de que ele representa para nós um estádio particular, de certa forma único, no desenvolvimento dum domínio da criação humana491. Apoiando-se no estádio particular

que foi o da formação das nacionalidades, o século XIX ao identificar os monumentos seus coetâneos, enquanto criação humana que são, vai simultaneamente atribuir-lhes um valor de memoração, enquanto “documentos” que testemunham esse mesmo passado492.

489 ROSAS, Lúcia Maria Cardoso – Monumentos Pátrios. Op. Cit., Vol. I, p. 74. 490 MACHADO, Cyrillo Volkmar – Collecção de Memorias… Op. Cit., p. 128. 491

RIEGL, Aloïs – Le Culte Moderne des Monuments. Son essence et sa genése. Paris : Éditions du Seuil, 1984, p. 73, tradução nossa.

492 Recorde-se aqui a origem etimolñgica da palavra Monumento, originária do latim “monumentum”, que por

sua vez deriva de “monere” (advertir, recordar), interpelando à memñria. Cfr. CHOAY, Françoise – A Alegoria

De facto, o romantismo vai incutir toda uma cultura nacionalista493, apoiada em ícones

com os quais se identifica. É através dos monumentos que as Nações, de uma forma geral, vão procurar demonstrar a sua ancestralidade. Assim, os monumentos medievais, monumentos contemporâneos da formação das Nacionalidades, vão converter-se, paulatinamente, em símbolos de antiguidade, em símbolos nacionais sacralizados, carregados de valor histórico, que é necessário salvaguardar.

No entanto, o início do século XIX dirige o seu olhar, de um modo especial, para o gótico. À pouco referimos que para Cyrillo Volkmar Machado a restauração da Arte

começou pelo mesmo tempo em que principia a Monarchia Portugueza494. De certa forma

relacionada com esta ideia está a designação que Alexandre Herculano (1810-1877) tem de estilo gótico. Este autor romântico e nacionalista apreende a Idade Média como um todo495,

pelo que o gótico abrange todos os edifícios erguidos entre 1143 e o reinado de D. João I496.

Estávamos em 1837497 e tanto em Inglaterra como em França já tinha sido “inventada” toda

uma terminologia identificativa da arquitectura românica. Lúcia Cardoso Rosas lembra-nos que a divulgação dessa nomenclatura e a sua real assimilação foi bastante tardia entre nós, tanto mais que em Portugal o atraso da cultura artística era grande e nesta época predominava ainda, por toda a Europa, uma acentuada valorização da arte gótica498

.

Todavia, Herculano estava perfeitamente ao corrente daquilo que se fazia em Inglaterra e em França ao nível do restauro arquitectónico do património medieval (elogiando mesmo a obra realizada na catedral de Estrasburgo, seguindo o sistema gótico)499. Não nos

podemos esquecer que, juntamente com Almeida Garrett (1799-1854), Alexandre Herculano encabeçava essa “geração romântica”, nacionalista, nostálgica por um passado originário relativamente ao qual sente especial afectividade. Daì o seu interesse pelos “documentos” da Nação, mas também o desenvolvimento de um sentimento de responsabilidade pela sua

493

Sobre a problemática em torno da memória nacional e sua materialização na Historiografia de Oitocentos vide MATOS, Sérgio Campos - Historiografia e Memória Nacional no Portugal do Século XIX (1846-1898). Op. Cit.

494 MACHADO, Cyrillo Volkmar Cit. In GOMES, Paulo Varela - “Cyrillo Volkmar Machado e a Histñria da

Arte em Portugal na transição do século XVIII para o século XIX”. Op. Cit., p. 160.

495 FRANÇA, José-Augusto – “A Arte Medieval Portuguesa na Visão de Herculano” In ACADEMIA

Portuguesa de História – Alexandre Herculano à luz do nosso tempo. Ciclo de Conferências. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1977, p. 49-67.

496 ROSAS, Lúcia Maria Cardoso – Monumentos Pátrios. Op. Cit., Vol. I, p. 21. 497

Esta ideia surge num artigo que Alexandre consagrou à Igreja do Carmo de Lisboa, na revista “Panorama”. [HERCULANO, Alexandre], s.a., “A Arquitectura Gothica. Igreja do Carmo em Lisboa” In Panorama. Lisboa, nº1, 6, Maio, 1837, p. 2-4 Cit. In Idem, p. 17.

498 Idem, p. 21. 499

salvaguarda, muitas vezes feito através de apelos500 que nos surgem tanto através da literatura

– recorde-se as tão citadas Viagens na Minha Terra -, como através da imprensa501.

Cremos que é, ainda, na senda desta noção de monumenta historica, ou seja, de monumento enquanto documento e enquanto objecto capaz de memorar o passado502

, que deve ser entendido o elogio feito por Cyrillo ao Mosteiro da Batalha. Embora Herculano seja o protótipo do historiador romântico português, não nos podemos esquecer dos notórios elogios feitos por Cyrillo à arquitectura clássica e das considerações pejorativas que fez sobre a arquitectura gótica, que via como bárbara. Neste sentido, só o valor histórico da Batalha terá permitido a este tratadista de finais de setecentos elogiar, tão precocemente no panorama português, um edifício que veio a ser considerado como símbolo máximo da arquitectura gótica portuguesa.

Em contrapartida, não nos podemos esquecer que devemos a José Manuel de Carvalho e Negreiros (1751(?)-1815) o primeiro elogio, sincero, do gótico feito por um escritor português503. Tendo regressado a Portugal em 1776, depois de uma estadia no

estrangeiro, este engenheiro militar elogiou a arquitectura gótica pela sua ousadia técnica, e não pela sua estética504:

… os Godos foram os primeiros que para fazerem as suas torres e outros similhantes edifícios com tanta ligeireza e arrogancia, uzarão com muita industria (…) de assentar o peso vertical nos encostos das abobadas e cupulas…

Também Joaquim Possidónio Narciso da Silva505

elogiou em 1833 a ousadia da construção gótica, assim como o valor impressivo e místico que esta lhe causa506

. Para este arquitecto oitocentista, foi nos monumentos religiosos que esta arquitectura medieval

500

Ambos os autores manifestaram-se diversas vezes desagradados pelo estado de conservação - ou de não conservação - em que se encontravam os monumentos símbolos da Nação, emitindo vários apelos de sensibilização em favor da conservação e valorização dos “Monumentos Pátreos”, herança dos nossos antepassados e de épocas gloriosas, mas ao mesmo tempo vítimas constantes dos mais variados vandalismos.

501

Sobre a evolução dos factos, conceitos, meios e personalidades que presidiram a toda uma tomada de consciência patrimonial e de salvaguarda do Património Edificado no Portugal de Oitocentos vide ROSAS, Lúcia Maria Cardoso – Monumentos Pátrios. Op. Cit.

502

É a Herculano que devemos esta progressão semântica do conceito de monumento entre nós, ao qual passa a atribuir a categoria nuclear de memória e acrescenta a qualidade de ilustração da história. Cfr. Idem, p. 29.

503 Idem, p. 71-72. 504 Cit. In Idem.

505 Sobre a personagem carismática que foi Possidónio da Silva e sobre a sua obra no campo da salvaguarda dos

Patrimónios artístico e arqueológico vide MARTINS, Ana Cristina – Possidónio da Silva (1806-1896) e o elogio

da Memória. Op. Cit.

506 Esta ideia surge inscrita no texto que este autor intitulou de “O que foi e é a Arquitectura e o que aprendem os

Arquitectos fora de Portugal”, Cit. In ROSAS, Lúcia Maria Cardoso – Monumentos Pátrios. Op. Cit., vol. I, p. 76-77.

alcançou a sua perfeição máxima pelo que considera que este tipo de arquitectura devia ser sempre utilizada nos templos consagrados a Deus. Voltaremos a esta figura mais adiante.

James Murhpy e a internacionalização do Mosteiro da Batalha

A arquitectura gótica do Mosteiro de Santa Maria da Vitória assumiu por esta época um papel de especial protagonismo no que toca ao reconhecimento, entre nós, da importância e valor (mesmo superioridade) da estética gótica, naturalmente por influência estrangeira.

Ao nível teórico, o indicador de mudança surge-nos na figura de Frei Francisco de São Luís (1766-1845) que em 1827, na sua Memoria Historica sobre a Batalha, exalta a sua grandiosidade, o seu carácter sublime, expressa na admiração provocada por todo o complexo arquitectónico507. Todavia, esta oposição feita à tão comum depreciação do gótico, surge

imbuída de todo um conjunto de ideias e de valores nitidamente influenciados pela obra que James Murphy508 dedicou a este convento dominicano - Plans, Elevations Sections and Views

of the Church of Batalha, in the Province of Estremadura in Portugal with the History and Description by Fr. Luis de Sousa, With remarks. To Which is prefixed an Introductory Discourse on the Principles of Gothic Architecture509.

Em finais do século XVIII, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória passa a proporcionar matéria de estudo a autores ingleses510, como Thomas Pitt (1737-1793) e James Murphy,

cujas viagens são já bem conhecidas511. Todavia, há que ressalvar aqui a importância que

estas tiveram enquanto meios de divulgação da arquitectura portuguesa, e especialmente da gótica, além das nossas fronteiras, mas também do impacto que as obras que resultaram destas viagens512 tiveram sobre os eruditos nacionais, no sentido da sua maior sensibilização.

Não nos podemos que esquecer que as devastações provocadas pelo Terramoto de 1755

507 Idem, p. 75-76.

508 Sobre a obra de James Murphy e seu reflexo no pioneiro restauro do Mosteiro de Santa Maria da Vitória vide

NETO, Maria João Baptista - James Murphy e o Restauro do Mosteiro de Santa Maria da Vitória no Século XIX.

Op. Cit.

509 MURPHY, James - Plans, Elevations Sections and Views of the Church of Batalha, in the Province of

Estremadura in Portugal with the History and Description by Fr. Luis de Sousa, With remarks. To Which is prefixed an Introductory Discourse on the Principles of Gothic Architecture. London: printed for I. & J. Taylor,

High Holborn, 1795.

510 NETO, Maria João Baptista - James Murphy e o Restauro do Mosteiro de Santa Maria da Vitória no Século

XIX. Op. Cit., p. 18.

511

Cfr. Idem.

512 Veja-se, a título de exemplo, MURPHY, James - Travels in Portugal through the Provinces of Entre Douro e

Minho, Beira, Estremadura, and Alem-Tejo, in the years 1789 and 1790, Consisting of Observations on the Manners, Customs, Trade, Public Buildings, Arts, Antiquities, & c. of that Kingdom. London: A. Strahan and T.

causaram muita curiosidade nos meios culturais europeus, que a Guerra Peninsular deu origem a uma série de relatos militares, género de literatura muito apreciada em Inglaterra, o que se repetiu com as guerras liberais513

, e que para evitar a França Revolucionária, o itinerário daqueles que a partir de Inglaterra enveredavam pelo Grand Tour mudou, passando a abranger Portugal514, e Espanha515. Os estrangeiros que visitaram Portugal, entre as últimas

décadas e os finais do século XIX, e que escreveram ou nos deixaram imagens sobre o país foram essencialmente viajantes, artistas, escritores, poetas, diplomatas e militares, atraídos pela busca do pitoresco e do exotismo da paisagem, dos costumes e dos monumentos516.

É nesta procura de exotismo que devem ser entendidas muitas das apreciações preconcebidas dos estrangeiros sobre os nossos monumentos medievais, que na descoberta do país através da sua paisagem monumental procuravam ou forçavam os indícios desse exotismo. Oriundos de países onde a valorização do gótico se fazia desde o século anterior, os estrangeiros vão ocupar-se principalmente das construções medievais que tendencialmente classificam de sarracenas e mouriscas517.

Assim, tendo vindo até Portugal sob a acção mecenática de Sir William Burton Conyngham (1733-1796), e numa resposta ao desafio entreposto por Thomas Pitt, o irlandês James Murphy vai acabar por “reabilitar” o gñtico, sem no entanto hostilizar o classicismo518.

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