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José Pessanha (1865-1939) e a procura da origem bizantina do românico português português

ROMÂNICA EM PORTUGAL

D. José Pessanha (1865-1939) e a procura da origem bizantina do românico português português

embora, como se verifica em Santa Cruz de Coimbra53, estas sejam valorizadas pelos

acontecimentos históricos que lhe estão ligados. O que é certo é que este Guia Histórico foi, ao seu tempo, uma obra reconhecida pela crítica.

D. José Pessanha (1865-1939) e a procura da origem bizantina do românico português

Neste ambiente finissecular de descoberta do estilo românico entre nós, e de associação das suas origens à arte cristã do Oriente, também deve ser destacado o contributo de D. José Pessanha54

.

Este autor aborda a temática da arquitectura românica portuguesa a propósito da «Dissertação» que dedica à Architectura Byzantina e que apresenta em 1904 na sua candidatura ao lugar de professor da 13ª cadeira da Escola de Belas Artes de Lisboa55

. Em 1907 apresentou-nos uma nova edição da mesma «Dissertação», só que desta vez

51

ALMEIDA, Fortunato de – “Dr. Augusto Mendes Simões de Castro” In VASCONCELOS, J. Leite de (redactor) – O Archeologo Português. Colecção Ilustrada de Materiais e Notícias. Lisboa: Museu Etnológico Português, 1920, Vol. XXIV, p. 8.

52

Cfr. CASTRO, Augusto Mendes Simões de – Guia Histórico do Viajante em Coimbra e Arredores.

Condeixa, Lorvão, Mealhada, Luso, Bussaco, Monte-Mor-o-Velho e Figueira (com gravuras). Coimbra:

Imprensa da Universidade, 1867.

53 Idem, p. 36-67. 54

Sabe-se pouco sobre a formação de D. José Pessanha: não só a sua obra tem um carácter extremamente reduzido, particularmente se comparada em dimensão com a de outros autores vamos no contexto da historiografia da arte românica, como também são muito pontuais as referências às mesmas feitas por outros autores. Todavia, considerámos ser importante apresentar uma abordagem sobre o seu pensamento, dado o seu carácter extremamente original dentro do panorama do românico português. Sobre a biografia deste autor Vide respectiva ficha biográfica In Corpus Historiográfico do Românico Português, url:

www.marialeonorbotelho.com.

55 PESSANHA, D. José Maria da Silva – A Architectura Byzantina. Dissertação de Concurso por D. José

Maria da Silva Pessanha, candidato ao logar de professor da 13ª cadeira da Escola de Bellas-Artes de Lisboa. Lisboa: Officina Typographica, 1904.

Retocada e Ampliada56. E é precisamente na nova abordagem que então propõe que

encontramos a ampliação do trabalho anterior, agora seguramente mais desenvolvido. É com base nestes dois estudos, ou antes, «Dissertações», que podemos entrever o pensamento de D. José Pessanha em torno da arquitectura românica. A abordagem que este autor propõe não se centra exclusivamente na arquitectura portuguesa, antes procura através das manifestações daquilo que designa por arte christã do Occidente – a

arte românica – e que surgem nos mais diversos pontos da Europa, identificar as

influências da arte christã do Oriente – a arte byzantina –, aos mais diversos níveis. O O pensamento deste autor integra-se no movimento internacional acima referido da procura das fontes bizantinas da arte românica.

D. José Pessanha parte da certeza que foi com a architectura a que, desde

Gerville e Caumont, se applica, mais ou menos propriamente, o qualitativo de romanica

e que foi apenas no X ou XI seculo, mercê da influencia exercida pelas escolas

orientaes sobre a degenerada arte romana, que os artistas christãos, através das difficuldades derivadas dos acontecimentos politicos, haviam logrado salvar de completa ruina, se define uma nova formula de arte, - essencialmente monástica e principalmente caracterizada pelo emprego da abobada57

. É pois na análise dos contributos das escolas artísticas orientais sobre as ocidentais, seus meios de transmissão e locais onde a sua influência se torna mais evidente que o autor irá centrar primeiramente o seu pensamento. Assim sendo, vai procurar identificar os paralelismos e as problemáticas em torno destas duas manifestações artísticas da Idade Média cristã, cujas diferenças geográficas se reflectem de forma evidente nos caracteres das mesmas. Tendo em conta a conjectura histórica e a diversa situação política dos dois ramos do velho império, D. José Pessanha reconhece a anterioridade da arquitectura cristã do Oriente, que surge já completamente caracterizada no século VI58. A

arquitectura bizantina resulta de uma fusão de elementos classicos e elementos

orientaes59, colocados ambos ao serviço da ideologia cristã60. Na verdade, a arte

bizantina, longe de ser um resultado accidental de phantasias individuaes, e de

56 Idem - A Architectura Byzantina. Segunda Edição Retocada e ampliada. Lisboa: Escola Typographica

das Officinas de S. José, 1907.

57 Idem - A Architectura Byzantina. Dissertação de Concurso… Op. Cit., p. 5 e Idem - A Architectura

Byzantina. Segunda Edição… Op. Cit., p. 8.

58 Idem - A Architectura Byzantina. Dissertação de Concurso… Op. Cit., p. 7.

59 A arte bizantina combina, pois, na Síria, na Ásia Menor e em Constantinopla, os princípios da arte

persa com a tradição clássica. Idem, p. 59.

elementos diversos imperfeitamente combinados, é uma arte bem organizada, original, e representativa do genio proprio de um povo61. É pois este carácter homogéneo que,

apesar da identificação de fases de maior ou menor desenvolvimento artístico, define a arte bizantina no seu todo, conferindo-lhe uma enorme capacidade de expansão.

Segundo Pessanha, de um modo geral e synthetico, pode affirmar-se que a

architectura byzantina representa, como estructura, o calculo, e, como decoração, o fausto62. Este cálculo resulta, ainda, da mistura, aliás technicamente habilissima, de dois

systemas constructicos distinctos: o romano – o elemento clássico -, patente na

planimetria dos edifícios, herdeiros directos da basílica paleocristã e o procedente das tradições persas e assírias – o elemento oriental -, patente no sistema de cobertura adoptado63.

O que é certo é que por diversas vias, e devido aos mais variados motivos, D. José Pessanha reconhece a grande força de expansão da arte bizantina, quer no próprio Oriente, quer no Ocidente. No que diz respeito ao Oriente, aborda as manifestações da arte bizantina que surgem na Rússia, na Arménia ou sobre a arte islamita64

.

No entanto, este autor reconhece a importância do meio onde estas influências se vão manifestar, resultando em testemunhos diferenciados conforme a interferência das tradições e do génio local, das circunstâncias históricas, climatéricas e da natureza dos materiais. Assim, segundo a elaboração que experimenta é mais ou menos completa, converte-se numa fórmula artistica independente e original, ou num mero sub-estylo, pelo que, tendo por base este pressuposto, assume que a influência da arte bizantina sobre o Ocidente medieval deve ser avaliada, de forma metódica, tendo em conta:

1º Os monumentos byzantinos levantados fóra dos limites do imperio65 ; 2º Os edificios latino-byzantinos, isto é, que documentam a penetração dos dois primitivos estylos christãos66

;

61 Idem, p. 39.

62 Idem. De um modo geral, a arquitectura bizantina caracteriza-se por uma decoração exuberante, que

procura deslumbrar pela riqueza, pela cor, pelos effeitos de luz e que mascara uma arquitectura onde o

equilíbrio e a estabilidade da construção definem a fábrica mais audaciosa. Idem, p. 26.

63 É a aplicação da cúpula sobre pendentes aos edifícios de planta rectangular, que surgem na

continuidade directa das basílicas paleocristãs romanas, que confere a maior originalidade às construções bizantinas.

64 Cfr. Idem, p. 42 e ss. 65

Neste grupo inclui os exemplares erguidos na Península Itálica, mais concretamente em Veneza e Ravena.

66 Este segundo grupo vai centrar-se sobre os edifícios eclécticos, ou seja, aqueles em que se misturam os

elementos latinos e elementos byzantinos, de que são exemplo os edifícios erguidos na Sicília ou a capela de Aix-la-Chapelle, construída por Carlos Magno.

3º A parte que teve a architectura byzantina na formação da romanica67.

Para o âmbito do nosso estudo interessam-nos, naturalmente, os edifícios do terceiro grupo, pois é nestes que se reflecte como a arquitectura bizantina contribuiu

muito para o radioso desabrochar da architectura romanica, denominada, até, por alguns archeologos – romano-byzantina68

. O que é significativo é que o Ocidente se mostrou um campo propício à aceitação e adaptação dos modelos artísticos propagados a partir de Bizâncio69

, considerado pelas as novas monarchias occidentaes o seu

laboratório e a sua escola de arte70

.

Identificados os meios de transmissão dos elementos bizantinos, os modos pelos quais este se manifesta e, ainda, as condicionantes a que estão sujeitos, D. José Pessanha vai procurar definir a architectura christã do Occidente nos seus caracteres essenciais.

Como já tivemos oportunidade de referir, D. José Pessanha associa o conceito de

architectura christã do Occidente ao de arte românica, considerando, ainda, esta como

sendo uma architectura eminentemente racional, quer nos seus principios, quer nas

suas apllicações71. De facto, esta arquitectura racional procura conciliar, na basílica, a

iluminação directa da nave central com a estabilidade da respectiva abobada pelo que

deve ser tida em alto apreço72. Na verdade, para este autor, abóbada e arquitectura românica são sinónimos pois a primeira constitui a fórmula propriamente românica73. Será que D. José Pessanha era conhecedor das ideias de Jules Quicherat?74

Embora este autor reconheça, e identifique, na arte românica evidentes contributos da arte romana, a influência dominante é, contudo, a das escolas orientais75. Há, assim, todo um conjunto de elementos que conferem uma originalidade particular à arte românica e que não podem explicar-se pela persistencia de antigas tradições

67 Idem - A Architectura Byzantina. Segunda Edição… Op. Cit., p. 67. 68

Idem - A Architectura Byzantina. Dissertação de Concurso… Op. Cit., p. 59.

69 Idem, p. 46.

70 Idem - A Architectura Byzantina. Segunda Edição… Op. Cit., p. 65. 71 Idem, p. 8.

72

Idem.

73 Idem, p. 100.

74 Apesar de não termos encontrado qualquer referência bibliográfica à obra de Jules Quicherat nas

“Dissertações” de D. José Pessanha, cremos que este autor seria certamente conhecedor da sua tese, que vê no abobadamento a síntese de toda a estrutura românica. Não nos podemos esquecer do impacto que esta ideia alcançou na historiografia consagrada ao românico, um pouco por todo o lado. Acrescente-se, ainda, que a cultura artística do autor lisboeta é bastante ampla, encontrando-se ao longo das suas publicações citações de Viollet-le-Duc, Choisy e Lampérez y Romea, entre outros.

75

Esses contributos vão desde o plano basilical ao princípio da abóbada, passando pelos capitéis coríntio e compósito e pela folha de acanto. Cfr. Idem, p. 106.

occidentaes, porque sempre foram estranhos á arte romana, mas também não puderam

ter sido criados a partir do nada pelos artistas românicos, pelo que força é acceitar que

nos vieram do Oriente, onde desde muito existiam76. Também ao nível da ornamentação românica se manifesta o domínio da influência oriental, quer na policromia, quer nos motivos e temas adoptados, claramente inspirados nas miniaturas, nos marfins e nas peças de ourivesaria que o comércio com o Oriente fazia chegar aos artistas românicos77

.

Assim, tanto o elemento latino como o oriental (bizantino, romano-sírio e persa)78

estão presentes na arquitectura românica. E é precisamente este casamento artístico que confere originalidade à arte christã do Occidente. Desta forma, vemos D. José Pessanha a definir a arquitectura românica do seguinte modo79

:

…não é mera copia, nem da latina nem da byzantina, applica, todavia, principios da uma e da outra, accomodando-os da maneira mais habil e mais racional ás necessidades do tempo e á natureza dos materiaes e do clima das diversas regiões, sob a influencia d’aquelle espirito analytico já manifestado nas obras mais audaciosas e mais originaes do periodo anterior.

É precisamente esta valorização da adequação racional das várias componentes arquitectónicas que faz da arte românica uma arte tão original para D. José Pessanha. Apesar da força do elemento bizantino presente na arte christã do Occidente medieval – tanto mais que este resulta da fusão se elementos clássicos e elementos orientais, sob a influência cristã80 -, este foi naturalmente modificado de acordo com as condicionantes histórico-artísticas ocidentais. E o que é extremamente significativo é que não encontramos no Ocidente uma cópia artística do Oriente, onde dominava o formalismo. Para este autor, o Oriente foi consultado, mas com proveito81

.

O carácter específico da arte românica reside, precisamente, nesta sua independência e originalidade face ao elemento oriental. Mais, esta noção vai de encontro às ideias manifestadas por este autor relativamente às modificações a que está

76 São estes elementos: a aplicação da cúpula ao plano quadrado, a abóbada de aresta, o arco quebrado, o

pilar composto, as bases românicas (com garras de ângulo nos socos dos pilares) e as colunas adossadas ao exterior da abside, ao modo de contrafortes. Idem, p. 107 e ss.

77 Idem, p. 111. 78 Idem, p. 110. 79 Idem, p. 105-106. 80 Idem, p. 129. 81 Idem, p. 130.

sujeita a difusão de um dado estilo e à influência que o meio tem sobre a sua formação e definição82

. E esta acentuação da originalidade e da independência da arte românica é tanto mais pertinente quanto D. José Pessanha reconhece a Idade Média como sendo uma epoca fecunda, organica, durante a qual se elaborou toda a civilização moderna83

. Mais, o reconhecimento d’uma verdadeira renascença no século XI é ainda acentuada pela fusão, aos elementos já referidos, do principio barbaro, em lucta nos seculos

anteriores84

. É, pois, por isso que a arte traduz e reflecte as diversas modalidades da

civilização, os successivos estadios da humanidade85

. Está já longe a concepção pejorativa da Idade Média, substituída paulatinamente pela de uma época de

renascimento cultural e artístico.

E é, por fim, na Península Ibérica românica que D. José Pessanha vai encontrar uma arte extremamente interessante e original, onde o elemento bizantino está bem evidente, associando-se às correntes e influencias diversissimas, politicas, sociaes e

religiosas, a arte romanica, importada pelos monges de Cluny, pelas cruzadas que vieram em auxilio dos christãos nas luctas da Reconquista, e pelas peregrinações que se dirigiam a Compostela86. De facto, em D. José Pessanha é muito significativa esta procura incessante das origens do românico através da identificação dos contributos bizantinos que, todavia, acabam por associar-se aos mais diversos elementos de origem francesa e local.

Por fim, encontramos na obra de D. José Pessanha uma ideia isolada. Em 1889 manifestou uma vontade de encontrar uma arte verdadeiramente nacional87, aspecto que,

como veremos, não lhe foi exculsivo. Neste sentido, para este autor,

…o conhecimento perfeito e completo da tradição artistica, é [portanto] indispensavel para que a Industria e a Arte d’um paiz tenham um caracter manifestamente nacional, e constituam, não só um valioso elemento de riqueza, mas uma gloria indiscutível88

.

82

Recorde-se, a título de exemplo, a tradução em pedra das tipologias bizantinas nas cúpulas sobre pendentes esféricos do Périgord francês. Idem - A Architectura Byzantina. Segunda Edição… Op. Cit., p. 76. 83 Idem, p. 103. 84 Idem. 85 Idem. 86 Idem, p. 114.

87 Cfr. Idem – A Historia das Industrias Artísticas em Portugal. Lisboa: Typographia do Jornal – O

Tempo, 1889, p. 9-10.

É, pois, nas indústrias artísticas que se revela e se crystalisa em toda a sua

pureza, em toda a sua evidencia, o génio artistico nacional89

. Mas, como dissemos, esta

tese surge em D. José Pessanha sem qualquer continuidade, sendo que devemos a Joaquim de Vasconcelos (1849-1936), se não a sua autoria, pelo menos um aturado desenvolvimento da mesma.

Joaquim de Vasconcelos (1839-1936) e a procura de um estilo verdadeiramente nacional

Joaquim de Vasconcelos90 é uma figura incontornável da historiografia da arte

portuguesa, estando mesmo na origem de um significativo ponto de viragem. Reinaldo dos Santos (1880-1970) afirmou que a Historiografia da Arte em Portugal pode dividir-

se em dois períodos – um antes do Sr. Joaquim de Vasconcelos, e outro, que êle iniciou, integrando-a na evolução dos estudos históricos e filosóficos91. Coube, ainda, a Joaquim

de Vasconcelos, a glória indisputável de ter lançado as bases da nossa historiografia

artística, integrando-a por métodos rigorosos, bem modernos, na história geral da Nação92.

No que toca à historiografia do românico em particular, o contributo de Joaquim de Vasconcelos foi imenso e pode também ser dividido em dois períodos distintos, bem datados no que toca às problemáticas abordadas. Assim, para esta etapa do nosso estudo interessa-nos a atenção que este autor de formação germânica93 colocou na procura de

um estilo verdadeiramente nacional na arte portuguesa94 com base no conceito de

89 Idem, p. 6. 90

Vide respectiva ficha biográfica In Corpus Historiográfico do Românico Português, url:

www.marialeonorbotelho.com.

91 Cfr. SANTOS, Reynaldo dos – “Joaquim de Vasconcelos” In ABREU, Marques (dir.) – Ilustração

Moderna. Porto: Edições Ilustradas Marques Abreu, 4º Ano, nº30 (1929), p. 282.

92

BASTO, Artur de Magalhães - “Prestemos homenagem a Joaquim de Vasconcelos no primeiro centenário do seu nascimento” In O Tripeiro. Série 5, Ano 4, nº10 (1949), p. 218.

93 Joaquim de Vasconcelos estudou primeiro em Hamburgo e depois em Berlim, onde se graduou em

Filosofia.

94 Recorde-se que é ao longo da segunda metade de Oitocentos que o problema da especificidade

nacional adquire premência ao nível dos estudos artísticos, afirmando-se esta tendência em paralelo com

as metodologias de pretensa objectividade pura e com a manutenção dos critérios básicos de valorização estética. Recordem-se as raízes republicanas e positivistas deste problema. Sobre este assunto Vide ROSMANINHO, Nuno – A historiografia artística portuguesa de Raczynski ao dealbar do Estado Novo

Kulturgeschichte que apreendera na Alemanha95. Na abordagem que fez à pintura

portuguesa dos séculos XV e XVI, editada em 1881, podemos apreender os requisitos que permitiam definir uma escola artística, que necessariamente teria de ser sentida ao nível de uma lenta progressão artística. Assim, para este autor, o que era importante era96:

…a originalidade de concepção, junto à novidade dos processos técnicos; é a forma sui generis pela qual o artista traduz as ideias peculiares, características, de uma época nacional, quando essa época marca o ponto culminante da cultura de um povo.

A este conceito, definidor do pensamento de Vasconcelos, associa-se um outro, o de Volksgeist, que conheceu um grande acolhimento no quadro mental de oitocentos. É em torno deste eixo fundador, que devem ser estabelecidas as várias fases da história da humanidade97. Assim, a configuração da cultura nacional depende do carácter único

de cada povo, daí que de toda a prática cultural distintiva resulte um certo génio nacional. Trata-se, pois, de um pensamento partilhado por uma comunidade98

. Citando Joaquim de Vasconcelos99

:

Um estylo original na arte deveria ser em Portugal o que foi em todos os paizes: a expressão mais elevada do modo de sentir a eurythmia das linhas, a harmonia da cor, a melopeia musical, dentro do limite das tradições patrias".

Em 1885 Joaquim Vasconcelos realiza uma das Conferências100 que mais o

notabilizou, associada à realização da exposição Distrital de Coimbra, centrada na

95

LEANDRO, Sandra Maria Fonseca – Joaquim de Vasconcelos (1849-1936). Historiador, Crítico de

Arte e Museólogo. Dissertação de Doutoramento em História da Arte Contemporânea apresentada à

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 269.

96

VASCONCELOS, Joaquim de – A Pintura Portuguesa nos séculos XV e XVI. Coimbra: Imp, da Universidade, 1929, p. 9.

97 NAYROLLES, Jean – L’Invention de L’art Roman à l’Époque Moderne (XVIIIe-XIXe Siècles). Op. Cit.,

p. 28.

98

RECHT, Roland – “L’interprétation de l’art roman entre les sciences naturelles et la linguistique”. Op.

Cit., p. 127.

99 VASCONCELOS, Joaquim de – Da Architectura Manuelina. Conferência realisada na Exposição

districtal de Coimbra. História da Arte em Portugal (Sexto Estudo). Coimbra: Imprensa da Universidade,

1885, p. 16.

100

As conferências foram uma constante da actividade de Joaquim de Vasconcelos, tendo por base os mais variados contextos, sejam as excursões, como a do Mosteiro de Leça do Balio, sejam as exposições, de que é exemplo mais flagrante a dedicada à Arte Românica em Portugal ou ainda as conferências por si próprias, organizadas num ciclo com um objectivo específico, de que é testemunho aquele que o historiador de arte consagrou também ao estudo da arte românica. Cfr. Idem – “Mosteiro de Leça do

Architectura Manuelina101. Reconhecendo desde logo a importância do debate gerado

em torno da originalidade de um estylo nacional, representado nos monumentos do

século XVI, como de um facto historico provado e já absolutamente indiscutível102,

Joaquim de Vasconcelos não deixa de chamar a atenção - numa das muitas manifestações do seu espírito atento e questionador - para o facto de não terem sido levantadas toda uma série de questões aquando da definição deste conceito. Criticando de forma acintosa o pensamento de Garrett e de Varnhagen103 – considerando este

último o inventor do estylo manuelino, um auctor de merito secundário104 - vai insistir

nas suas fragilidades, chamando de um modo particular a atenção para o facto de até então ninguém ter procurado provar, pela critica comparada dos monumentos da

Europa meridional, que os caracteres d’esse estylo sejam propriedade exclusiva dos nossos edifícios da epocha manuelina105. Joaquim de Vasconcelos é considerado entre

nós o iniciador da crítica comparada, aspecto que considera fundamental na medida em que a evolução artística está dependente de trocas de influências, mais ou menos directas.

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