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2 O LUGAR DA PARTIDA: É UM ORGULHO SABER DE ALGUÉM ESTUDANDO

3.8 O PRESENTE E FUTURO DOS PROGRAMAS

3.8.2 A África não está monótona

Neste tópico, apresento os eventos acadêmicos sobre o dia da África que aconteceram nas universidades. A maior festa de reunião de alunos PEC G e PEC PG, a de comemoração de surgimento da União Africana, era realizada dia 25 de maio. No entanto em 2018, a proposta foi a substituição da festa por eventos que discutem a atual situação política e econômica no continente. A Figura 4, traz uma imagem do painel de fundo do evento, intitulado: Brazil African Student Conference 1ª edição - 55 anos de União Africana: A governança e o sonho de nossos pais fundadores. Ao fundo, podemos observar bandeiras de quase todos os países africanos, dentre eles, Cabo Verde. Esse evento, realizado em 24 de maio de 2018,

teve como debatedores dois estudantes angolanos de pós-graduação e um estudante de graduação congolês. Ao conversar com uma das organizadoras do evento, uma jovem angolana, ela teria dito que: “No passado era comum o dia ser dedicado às festividades, mas a situação de crise que se encontra o continente, a necessidade é que nós possamos conversar sobre o que se passa.”

Figura 4 – Painel do evento Brazil African Student Conference 1ª edição - 55 anos de União Africana: A governança e o sonho de nossos pais fundadores

Fonte: Arquivo pessoal.

Sobre a composição da mesa de debatedores: “Não escolhemos pelo país, divulgamos e decidimos de acordo com quem estava disposto a falar.” Porém, a moça

afirma que poderia ter havido uma divulgação maior, que seria aprendizado para os próximos anos, já que teria sido a primeira vez que aconteceu a conferência.

Quanto aos ouvintes, havia brasileiros, e também africanos de diversas origens. Os questionamentos e intervenções da plateia eram majoritariamente realizados por angolanos, senegaleses, congoleses e brasileiros. As perguntas dos brasileiros eram abrangentes, pouco se situava os países, apenas uma pergunta se dirigiu especificamente à Líbia. Foi solicitado por um dos organizadores que se mantivesse o foco para o tema principal voltado para política e economia na contemporaneidade, já que as perguntas dos brasileiros eram abertas e não abarcavam o que tinha sido proposto.

O primeiro debatedor a se apresentar, pediu para que os ouvintes batessem palmas intercalando entre palmas do lado direito e esquerdo. Ele que justificou a dinâmica seria para romper com as tensões. Mais adiante, ele comentou que a dinâmica é como a África, que não está monótona, no sentido que existem avanços. Prosseguiu sua comunicação revelando que o continente africano é múltiplo: “Nós convivemos com várias Áfricas.”

No que concerne aos estereótipos, ele retorna ao passado revelando seu incômodo com algumas visões coloniais da própria ciência, em que os africanos eram percebidos como menores ou primitivos: “Minha relutância é com a antropologia da época, que só estudava o externo. Não havia antropologia que estudasse a Inglaterra ou a França”.

Mais especificamente sobre a imagem do continente no Brasil, outro debatedor expõe: “Aqui no Brasil, precisamos ter clareza nos conceitos sobre a África para que não haja confusões.” Mesmo assim as perguntas dos universitários brasileiros continuavam sem distinguir que se tratava de um continente extenso com vasta diversidade cultural. Como por exemplo, uma graduanda de enfermagem indagou aos palestrantes se na África existe sistema público e particular de saúde e mais uma vez os debatedores ressaltaram a diversidade do continente.

Nas elocuções dos debatedores e nas intervenções do público ouvinte de origem africana, a pauta que se manteve foi sobre uma maior unidade entre países africanos e que reconheciam a ineficácia da atual União Africana como assegurou um debatedor: “Um clube de ditadores que se protege entre si.” Em outro sentido, eles comentam acerca das relações bilaterais Sul-Sul, que seria uma espécie de enganação em que os países emergentes, como a China, por exemplo, mais

exploravam do que cooperavam, de fato. Nesse contexto, os conferencistas destacaram que das iniciativas advindas do exterior, as que possibilitam uma verdadeira cooperação, seriam as que foram as ensejadas durante a gestão de Lula, com a ampliação de vagas nos próprios PEC G e PEC PG. Em face da pauta voltada para união entre os Estados africanos, foi evidente que, por mais que falem de um quadro mais abrangente, reivindicam que se considere a diversidade cultural, geográfica, política, dentre outros âmbitos, no que se refere à África.

A presença de cabo-verdianos não foi notada nem na mesa de debates, nem como parte da plateia que interagiu com os debatedores. Contudo, não foi possível verificar se estiveram presentes e não participaram ou se não compareceram ao evento. No ano, seguinte, em 2019, novamente foi realizado um evento para discutir a atual situação do continente, com o apoio da reitoria. O painel de divulgação possuía a ilustração de personalidades de diferentes países africanos, dessa vez, sem nenhuma menção a Cabo Verde, conforme podemos observar na Figura 5. O que salienta mais uma vez a ausência de participação na organização do evento.

O evento apresentou muitas similaridades com o do ano anterior e novamente os cabo-verdianos não integravam a mesa de debatedores ou mesmo participaram realizando perguntas.

Figura 5 – Painel de divulgação do evento com a ilustração de personalidades de diferentes países africanos

Fonte:http://www.uff.br/?q=events/africa-panorama-social-cultural-e-politico.

Além da abordagem sobre as condições no continente, foram tratados assuntos como a visão preconceituosa disseminada sobre o continente, bem como uma união entre os estudantes, através de uma valorização de suas africanidades, assuntos que embora tenham aparecido nos discursos das minhas interlocutoras, não foram atrativos o suficiente para que os cabo-verdianos se manifestassem durante os eventos. Além disso, no momento em que os debatedores discutiram o atual

panorama político na África, Cabo Verde foi citado diretamente algumas vezes como referência de país no continente, devida a estabilidade política, o que denota que foram tecidos comentários sobre o país, estava em evidência nas falas, e mesmo assim sem nenhum tipo de comentário nativo da plateia.

Tcham (2016) observou o mesmo fenômeno no Nordeste do Brasil, que por mais que houvesse momentos de confraternizações ou eventos acadêmicos que reunisse jovens africanos de diferentes nacionalidades, era comum que os cabo- verdianos estivessem ausentes. Para o autor, isso seria justificado pelo caráter diaspórico do cabo-verdianos, em que a identidade nacional não seria algo tratado como uma prioridade para eles.

Por outro lado, a ausência pode ter outras motivações. Bem como o enunciado por um dos debatedores, Cabo Verde se apresentava como uma exceção ao panorama político econômico em que se situava a maior parte dos países de origem africana, com uma estabilidade política e pouco afetado por escândalos de corrupções ou golpes de estado, além de crises de cunho econômico. Então mesmo diante da possibilidade de retirar o país da invisibilidade com comentários de seus nativos, de modo a exaltar sua tão mencionada cabo-verdianidade ou até mesmo da identificação como africano, os cabo-verdianos aparentam não se sentir interessados pelas discussões e reivindicações por temas que não os contemple.

O evento que teria uma participação efetiva de um cabo-verdiano seria realizado dia 25 de maio de 2018, com uma mesa de abertura composta pelo responsável do setor de convênios da universidade, dois representantes do grupo de estudantes africanos, sendo um da instituição sede e o segundo de outra universidade pública do Rio de Janeiro, além dos cônsules de Moçambique e Cabo Verde. As palestras previstas seriam igualmente focadas em economia, política e teriam a presença de três acadêmicos, um guineense, um moçambicano e um congolês. Na parte da tarde, após as palestras, o encerramento seria com danças de diversas partes do continente. A realização foi impossibilitada, em decorrência da greve dos

caminhoneiros, que afetou todo o transporte do estado, devido a escassez de combustível. O evento não foi remarcado, portanto não consegui registrar, presencialmente, nenhum evento com engajamento de nativos de Cabo Verde.

4 NARRATIVAS CABO-VERDIANAS NO NÃO PARAÍSO BRASILEIRO

“[...] A “África” é o significante, a metáfora, para aquela dimensão de nossas sociedade e história que foi maciçamente suprimida, sistematicamente desonrada e incessantemente negada e isso, apesar de tudo que ocorreu, permanece assim.”

(HALL, 2003, p.40).

Esse capítulo tem como objetivo compartilhar as narrativas das minhas interlocutoras no Brasil. Para isso, será estruturado em 4 grandes temas: a burocracia, como momento em que ocorreram os primeiros entraves, quando começam a notar uma diferença de tratamento, comparados aos nativos; a descoberta da inexistência do Brasil paradisíaco que foi difundido no exterior e o descontentamento causado pela imagem que se construiu sobre a África e, consequentemente, Cabo Verde; na terceira parte recorro aos processos de ressignificação de suas identidades e como visualizam a mobilidade; Por fim, abordei como elas relatam suas experiências e percepções sobre racismo.