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MOBILIDADE ESTUDANTIL NO PASSADO E A CASA DE ESTUDANTES DO

2 O LUGAR DA PARTIDA: É UM ORGULHO SABER DE ALGUÉM ESTUDANDO

2.5 MOBILIDADE ESTUDANTIL NO PASSADO E A CASA DE ESTUDANTES DO

No que concerne à quantidade expressiva de cabo-verdianos no exterior, o fenômeno não é algo recente, pois, como já mencionado, os fatores climáticos, sobretudo, a seca, são comumente apontados como estímulo para a migração de cabo-verdianos para o exterior em busca de melhores condições de vida. No tópico sobre intelectuais e mestiçagem, Gilberto Freyre se apoia em intelectuais nativos para comentar acerca dos motivos que incentivam a migração, atribuindo apenas aos fatores climáticos, mantendo tal justificativa do senso comum e ainda presente até nos documentos oficiais do governo. Entretanto, por diversas razões, os cabo-verdianos ainda saem de seu território. O que será visto aqui são prioritariamente as motivações por questões acadêmicas, levando em consideração o modo em que foi construído o país, tendo como base pessoas de diferentes origens e a ausência de uma população nativa.

Esse deslocamento ocasionado por interesse em cursar o nível superior no exterior, em função da língua em comum, tem atualmente Brasil e Portugal como os principais destinos e, em menor escala, outros países europeus e Estados Unidos. O acesso ao ensino formal sempre trouxe privilégios à sociedade cabo-verdiana. Durante a colonização, o acesso apenas ao Ensino Médio já era o suficiente para garantir cargos de prestígio dentro do sistema colonial. Nesse sentido, enquanto colônia portuguesa, os cabo-verdianos foram usados como trabalhadores da coroa em Guiné Bissau e outras colônias portuguesas no continente africano (HERNANDEZ, 2002), o que exigiu um deslocamento de um quantitativo que viria a integrar a elite:

Desse modo a metrópole utiliza essa mão de obra cabo-verdiana como correia de transmissão da administração colonial, criando em Angola, Moçambique e, em particular, na Guiné portuguesa certa animosidade por parte dos nativos para com cabo-verdianos (HERNANDEZ, 2002, p.103).

A elite intelectual se dirigia principalmente à metrópole, aos Estados Unidos ou à União Soviética. Assim, se formavam no exterior com o intuito de conseguir algum

cargo dentro do sistema colonial, fora ou dentro de seu país de origem. Desse modo, podemos notar que o interesse na obtenção do título de ensino superior no exterior não é recente, tendo em vista, principalmente, que as instituições de nível superior em Cabo Verde surgiram somente no fim da década de 1970..O Curso de Professores de Educação secundária foi o primeiro estabelecimento de nível superior e surgiu com o intuito de formar professores qualificados, já que, havia uma carência de profissionais formados para assumir a função .Por outro lado, a pouca diversidade de cursos universitários gerou uma série de acordos diplomáticos para que os jovens cabo- verdianos pudessem cursar as graduações não existentes. Tais acordos, possibilitaram uma oferta expressiva de bolsas pelos chamados países amigos, que, muitas vezes, superou a procura interna.

Os estudantes universitários cabo-verdianos foram de suma importância para a descolonização. Em 1960, as Organizações das Nações Unidas (ONU), através de 73º artigo14, comentou timidamente sobre os países colonizados, solicitando um auxílio dos colonizadores aos seus colonizados. No mesmo ano, os estudantes africanos universitários começam a abandonar suas respectivas metrópoles para voltar ao país natal com a finalidade de um engajamento nos movimentos de libertação.

A Casa de Estudantes do Império (CEI), criada em 1944, tinha como objetivo ser um espaço em Portugal de comunhão dos estudantes provenientes das muitas colônias portuguesas no continente africano. Essa casa que poderia reunir numa só todas as outras de estudantes, foi onde compartilharam vivências e passaram a se organizar em associações que obtinham apoio de caráter progressista advindos de forças nacionais e estrangeiras. A troca de experiências foi fundamental para a disseminação de insatisfações quanto a situação em que se encontravam as colônias. Por outro lado, o Estado novo português, inicialmente, acreditava que a CEI pudesse contribuir para reforçar a mentalidade imperial. A iniciativa de fundir as casas de estudantes provenientes das então colônias portuguesas em uma única parte de um encontro entre os Ministérios das Colônias, Mocidade e representantes de cada uma das colônias portuguesas. Antes da fusão, era usual que os estudantes se instalassem em repúblicas em Portugal, de acordo com a sua terra natal. A união de todas as casas foi incentivada pela ideia de união do Império português, já que não

14 Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/11/A-Carta-das-Nações-

agradava em nada a dispersão dos estudantes entre colônias de origem (CASTELO, 2011).

Figura 3 – A Casa de Estudantes do Império – Primeira sede

Fonte: UCCLA15.

A CEI funcionava em Lisboa e era organizada através de um presidente, além dos gerentes correspondentes a cada uma das colônias. Essas associações recebiam o subsídio do Ministério das Colônias, que prestava assistência social e material aos discentes, havia oferecimento de bolsas. Exposições sobre as colônias, palestras e disputas esportivas eram algumas das atrações que ocorriam no local. Entretanto, na década de 1950, contemporâneo à virada que ocorreu na revista Claridade, se inicia uma movimentação anti-salazarista de valorização da cultura africana que culminou na busca por uma distinção entre suas identidades. Os ícones de libertação colonial, tal como Amílcar Cabral, se formam nesse período de disseminação do descontentamento colonial (CASTELO, 2010).

Sendo assim, as insatisfações dos estudantes da CEI eram retratadas através de manifestações culturais. Além disso, lá eram realizadas conferências explorando essa temática. Os alunos defendiam a valorização da cultura africana e o

15 Disponível em: https://www.uccla.pt/fotos-historicas-casa-dos-estudantes-do-imperio. Acesso em: 18

investimento em educação em seus locais de origem. Entretanto, acabaram despertando a vigilância portuguesa que passou a investigar os estudantes (TOLENTINO, 2007). A CEI encerrou suas atividades em meados da década de 1960. Já havia tido uma diminuição significativa no quantitativo de associados e acumulava dívidas. Após a extinção, seus livros e ficheiros foram apreendidos, tendo fim as exposições culturais. A CEI e seus integrantes foram fundamentais para a construção dos Estados que atualmente são designados genericamente como Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

Sob esse prisma, a mobilidade estimulada por fins de estudo, ao longo da história de Cabo Verde, significou, além de perspectiva de ascensão ou manutenção social, uma força condutora de ideais emancipatórios. Através do movimento de estudantes universitários para o exterior, ocorreu a retomada e valorização de suas raízes africanas.