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Para solucionar o problema da falta de terra e de trabalho para os filhos, os pais utilizam a estratégia de dividir o lote com os filhos. Por exemplo, um lote de 4,5 ha, o pai destina 1,0 ha para que um filho faça algum plantio, na maioria das vezes, os pais já entregam o pedaço de terra, como eles dizem, situado com alguma cultura, banana ou coco. Nas famílias dos colonos, em que os pais já são aposentados, a responsabilidade do lote é passada para os filhos, enquanto os pais ficam apenas na administração dos lotes e na comercialização dos produtos, como narra um informante:

É os 03 homi e 04 comigo e quase todas as famílias tá nessa

situação, porque o projeto que foi feito, ele num foi feito assim,

numa maneira que num pensaram assim, que esse povo ia

crescer e ia casar; eu acho que num pensaram, e casam quase

todos com gente daqui mesmo. É, e ainda tem os netos, olhe

esse pequenininho aqui (apontando para o neto) vai pra o lote

todo dia, já vai já trabalhá e os meus também, desse tamainho,

já iam pra o lote, deixar recado, catava feijão mais eu, tudo

pequenininho assim, botava um numa carreira e eu ia em

outra, botava os dois do outro lado e catava o feijão todinho e

plantava, e esse aí desse tamanho a gente tira o leite da vaca,

bem cedinho e ele vai levar, ele e o outro, o irmãozinho,

começa assim, e vai pra escola, aí o outro quando chega da

escola vai pra o lote, o outro vai de manhã que estuda à tarde

e quando os meus meninos eram pequenos era assim (Dona F.

S., 38 anos – esposa de colono).

Analisando, objetivamente, os chefes da parentela reconhecem a impossibilidade de com pouca terra e recursos escassos assegurar condições de vida para tantas pessoas, mesmo dividindo o trabalho no lote com os filhos e genros que continuam ligados à parentela. Entretanto, subjetivamente, temem a saída dos filhos, sobretudo, se eles tiverem que deixar a agricultura, porque, para os pais, além da separação, encarada como o “corte do cordão umbilical”, eles acreditam que longe da família e das redes de ajuda existentes no Perímetro, os filhos enfrentarão muitas privações.

Ante as dificuldades que tornam o trabalho incerto e ameaçam o futuro das famílias, as opiniões se dividem entre pais e filhos, irmãos e parentes. Praticamente todos os filhos dos colonos, homens e mulheres têm conhecimento das práticas agrícolas, no entanto, há aqueles que não se identificam com o trabalho na agricultura, permanecendo no Perímetro, apenas, porque ainda não têm possibilidade de sair. Alguns filhos dos colonos, especialmente daqueles que “não-prosperaram” analisam a vida dos pais , as dificuldades financeiras que estes enfrentam e concluem que talvez não valha a pena trabalhar no lote. Justificam que o trabalho na roça é árduo e mal remunerado. Vejamos o que nos diz um informante:

Quem é que gosta de trabalhar em lote homi?, num tem quem

goste não, eu sou doido pra sair daqui, eu já queria ter

terminado o terceiro pra ir embora, como a maioria dos jovens

daqui, tão indo embora por causa que num tem fonte de renda

aqui (A. F. L., 17 anos – filho de colono)

Mas, a maioria dos filhos , desde muito cedo internalizam um sentimento afetivo pelo trabalho e afirmam que este ofício é contagiante, pois lidar com a terra requer envolvimento afetivo, como revela a narrativa:

Eu tenho um sobrinho que ele trabalha muito, ele estuda, a

mãe dele quer que ele só estude, mais ele não quer só estudar.

Ele estuda, cria bode, tira ração, vai pra o lote, ela quer tirar

e ele não deixa, ela quer que ele se dedique só no estudo e ele

estuda mas, num quer nem saber, começou comprando um

bicho, comprando outro, aí já tem um monte num quer nem

saber, ele acha bonito sabe o sonho dele é ter uma fazenda

com cavalos, bois coelhos. Eu achei tão interessante, um dia

até um urubu ele inventou de criar. Ele acha muito bonito tudo

o que faz parte da natureza, parece que chama a atenção dele,

é vocação mesmo. E ele já diz que quer terminar o segundo

grau lá na escola agrotécnica (L.B.D., 23 anos – filha de

colono)

As impressões desses filhos de colonos podem ser explicadas pelo fato de que o trabalho na roça é um saber aprendido na infância, de maneira lúdica e prazerosa. Apesar da interferência da tecnologia, não há, nesta forma de produzir uma transformação alienante no curso do processo de produção, quer dizer, o agricultor não perde completamente a identificação com a sua criatura – o produto.

Portanto, essa maneira de conceber o trabalho faz como que ele seja produtor não só de mercadorias, mas também do “afeto da terra” como afirma Brandão (1999). Desse modo, o saber-fazer internalizado através da prática do trabalho e o sentimento de pertença geram disposições que, muitas vezes, levam esses filhos a transgredirem as normas instituídas, por exemplo, invadir áreas do DNOCS ou da Cooperativa com a finalidade de obter uma terra para trabalhar e fixar moradia naquele lugar.

Os terrenos invadidos correspondem às áreas onde estão localizados os prédios, galpões e garagens da Cooperativa e as áreas de Reserva Legal que estão sob o domínio do DNOCS, além dos terrenos que ficam no entorno dos núcleos habitacionais. Tais invasões ocorrem, geralmente, à revelia dos pais, antigos colonos que mesmo reconhecendo a necessidade de ampliação do Projeto para atender à demanda das famílias que se reproduziram, reprovam as atitudes dos filhos. Os pais concebem o ato de invadir e tomar posse de terras, mesmo que estas sejam do governo, como “mexer no alheio”. Para eles, isto não é atitude de gente de bem.

Quando se fala da inexistência de políticas públicas para atender às necessidades e oferta de bens capazes de favorecer a qualidade de vida das populações que vivem no meio rural, estamos nos referindo às situações como esta, na qual as famílias acreditam no trabalho da terra. No entanto, falta a elas condições para investir e tornar mais eficaz o processo produtivo como um todo. Como afirmam os informantes, entra governo e sai governo e aqui,

pra nós, não chega nada.

Assim como a água, a falta de terras para os filhos morarem e trabalharem é um problema que influencia na qualidade de vida das famílias. Uma vez que, não havendo terra também não há como pensar em trabalho e é preciso fazer com que a terra disponível produza

incessantemente, e aí surge outro problema ainda mais grave que é o uso indiscriminado dos insumos químicos agrotóxicos, herbicidas, pesticidas. Esta prática tem repercutido

negativamente não só sobre a qualidade da água, como também sobre a saúde da população local, a biodiversidade da região, a produção, a qualidade dos produtos e a fertilidade dos solos (Freitas, 1999: 129).

Com tudo isto que é aplicado mudou muito a qualidade do

solo. Hoje, é inferior, meu pai mesmo tem lá no lote dele uma

terra que plantava, sempre plantava, todo ano, plantava e

dava, agora tem um terreno lá que é isolado, porque se plantar

todo ano seguido num dá cultura que preste, o terreno tá muito

cansado devido os venenos que usa. Os agrotóxicos. Usa

muito, aqui tudo que planta só tira se tiver muito agrotóxico, o

coco de 15 em 15 dias; o coqueiro aqui é pulverizado, tomate

se plantar, se num pulverizar todo dia num dá por causa da

mosca branca e dos insetos que tem aqui, tudo agora é

agrotóxico demais. Inclusive, depois dessa época pra cá que tá

tendo muito assim, essa pulverização com agrotóxico, o nível

de câncer aqui dentro aumentou demais os casos de câncer

aumentou bastante; e o pior, a gente consome tudo, o que eles

colhem, uma parte fica em casa, né? Outra parte é pra

comercializar, tem arroz, tem banana, tem goiaba tem, tem

tudo o coco tudo é do lote, o milho, o

feijão (L.G.,30 anos –filha de colono).

Os colonos afirmam que fazem uso dos venenos com moderação, porém reconhecem que, no início, não era necessário adotar nenhum desses procedimentos para produzir. Mas, hoje, é necessário usar mais de vinte tipos de veneno para obter qualquer produção. A aplicação desses produtos é feita, na maioria das vezes, sem nenhuma proteção e sem qualquer recomendação técnica o que, sem dúvida, acaba prejudicando a saúde das pessoas e a qualidade dos recursos, água e solo, princ ipalmente, como narrou uma informante, quando perguntamos se havia evidências dos males causados à saúde dos colonos, em decorrência do uso de agrotóxicos:

Tem demais porque o pessoal pulveriza desde a raiz do coco e

o pior que tem é a tomate, por exemplo, tem muito cabra aqui

que planta tomate, mas eu num como não, eu como quando eu

planto, porque eu sei o que é que eu vou fazer. Quando chega

o período de colheita, eu passo 15 dias sem aplicar o veneno

pra tirar, mas, tem muita gente aqui que num quer nem saber,

quer saber se tira muito, pode matar como matar, se for colher

amanhã ele pulveriza hoje, se tiver inseto, e colhe, chega os

cabra pra colher, num tem um controle porque era pra ter,

num é? Vai colher amanhã, ele não pulveriza se não vai matar

a população toda de CA, como tem por aí. E mesmo assim a

produção só vem caindo depois dessa mosca branca, ninguém

produz não, é tudo pela metade até os coqueiros agora num tá

produzindo mais nada, você pulveriza é mesmo que nada da

uma feridazinha chama ferida, da uma broca aí o pessoal num

quer não, é rufugo, aquilo, aí o cabra tira 5.000 coco perde

4.000, aí o futuro ninguém sabe como é não, num tem um

técnico pra orientar, num tem nada é tudo por conta da gente

ai fica tudo voando, o que é que eu vou usar, num tem um

técnico pra orientar num faz uma palestra, num faz nada; é

claro que a maioria da gente aqui, já vive há muitos anos de

agricultura mais num... de coco, é pouco tempo, de uns 10

anos pra cá, sem nenhuma assistência técnica

(Sr. C.A.A., 45 anos – colono).

Segundo as agentes comunitárias de saúde (AGS), há evidências de que os inúmeros casos de câncer, descobertos recentemente, estejam relacionados aos altos índices de substâncias tóxicas. As agentes afirmaram que os exames de sangue feitos nos colonos confirmaram a existência de uma quantidade elevada de substância tóxica, encontrada na corrente sanguínea dos colonos, em particular, daqueles mais antigos. Vejamos a narrativa de uma filha de colono:

Já assim, devido ao veneno da pulverização têm muitos

colonos que tiveram doenças causadas pelo veneno e

morreram de câncer. Aí quando chega nos hospitais, o médico

vai e diz: ‘tem tanto de veneno no sangue’, têm muitos que eu

num sei do que é que morre, só sei que é mode o veneno. Lá no

II mesmo teve um bocado que deu câncer, o médico diz que foi

do veneno num sei se foi no pulmão, parece que foi. E antes

não, num tinha isso aqui de jeito nenhum mais de um tempo

desse pra cá... o veneno é quem tá matando um bocado dos

colonos. Meu pai mesmo, acusou veneno no sangue dele, só

que esse veneno vai gerando uma doença, né?, Aí ninguém

sabe, só quando morre mesmo é que sabe (M.P da S., 28 anos

– filha de colono)

Analisando as narrativas, percebe-se que, mesmo fazendo uso intensivo de agrotóxicos, a produção vem caindo, mas esse não é o único problema relacionado à produção que influencia a qualidade de vida no PISG. Registramos também, os elevados índices de salinidade nos lotes, decorrentes da falta de drenagem e do tipo de irrigação adotada (Foto 17). Para solucionar esse problema, a maioria dos colonos, considerados “bem sucedidos”, já

conseguiu modificar o sistema de irrigação, de inundação para micro-aspersão, evitando assim, um processo maior de erosão e salinidade do solo e, ao mesmo tempo, fazendo uso mais racional dos recursos hídricos.

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