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De qualquer modo, se de um lado a região sudoeste paulista permaneceu menos envolvida pelo ciclo desenvolvimentista da segunda metade do século XX, de outro lado este próprio alheamento acarretou-lhe significativo grau de preservação de seus recursos naturais em relação às demais regiões que expandiram suas atividades econômicas num período em que se tinha excessivo liberalismo nas políticas ambientais.

O interior de São Paulo teve entre 1985 e 1990 uma perda de aproximadamente onze por cento de sua cobertura vegetal, acelerando um processo de desmatamento ocasionado por diversas frentes de desenvolvimento nos últimos 150 anos. Na região de Itapeva, a despeito da riqueza de seus ecossistemas, não foi muito distinto. Todavia, os fragmentos remanescentes da floresta subtropical, cerrado e campos, os capões remanescentes de araucária e matas ciliares, mesmo ameaçados pela ação antrópica, continuam desempenhando importantes funções ecológicas para a manutenção da biodiversidade regional, proteção de mananciais, constituindo importante patrimônio para as estratégias de conservação e recuperação de novas áreas (SILVA, Iracy, 2006). Assim, no limiar do século XXI a região do alto vale do Paranapanema detém um patrimônio ambiental ímpar no território paulista que merece ser preservado.

2.3.3 – As referências patrimoniais do município

Do ponto de vista da demarcação espacial e temporal dos cenários de ocupação humana importa considerar a inserção territorial das populações em cada intervalo de tempo correspondente e, a partir daí, identificar as suas respectivas referências patrimoniais que se consolidam como indicadores de memória. A partir de fontes arqueológicas, etno-históricas, histórico-arquitetônicas e históricas, consolidadas em referências bibliográficas, Sílvio Araújo apresenta um resumo da ocupação humana de Itapeva e região (11 municípios) que identificam sistemas regionais de assentamento e ciclos econômicos regionais, distribuídos em sete diferentes cenários, sempre com a ressalva de que

Os cenários de ocupação humana correspondem a determinados espaços de tempo que não são estanques e uniformes; são complexos tal como é a sociedade. Em vários casos um cenário se sobrepõe a outro devido à espacialidade da área. Então, os dados apresentados aqui devem ser interpretados como fragmentos do tempo materializados em bens patrimoniais. (ARAÚJO, S., 2011, p. 251)

Assim o processo de construção do território patrimonial de Itapeva passa pela caracterização de diferentes cenários. A cada um deles corresponde uma delimitação espacial específica que resulta de variadas circunstâncias de natureza histórica e cultural, determinadas pela diversidade dos modos de vida, dos costumes e das práticas que os seres humanos utilizam nas diversas esferas de sua vida pessoal ou coletiva. Sobre as relações entre o homem e a natureza, o olhar geográfico de Berdoulay (2012) ―nos indica que essas práticas têm uma dimensão espacial, que requerem uma organização de territórios ou uma interação com o meio ambiente, levando a uma adaptação deste à sua transformação‖.

Os cenários de ocupação humana descritos por Sílvio Araújo se distribuem no tempo e no espaço. No primeiro cenário, os paleoíndios – ―definidos como o estágio de adaptação de sociedades imigrantes às condições climáticas e fisiográficas glaciais e pós-glaciais no novo mundo‖61 – estão relacionados à caça de mega fauna (SILVA- MÉNDES apud ARAÚJO, S., p. 254, 2011) e deles são encontrados raros vestígios na bacia do Apiaí, Taquari e alto Itararé, sendo mais frequentes encontrá-los no Vale do

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Ribeira. Delimitar o espaço por eles ocupado não é seguro, embora possa se deduzir que tenham migrado por todo o sudoeste paulista.

CENÁRIOS DE OCUPAÇÃO HUMANA REFERÊNCIA TEMPORAL BASE DE REFERÊNCIA

1º Cenário: Macrossistemas de caçadores-coletores

Paleoíndio Cerca de 11.500 ± anos A.P. Arqueológicas

Caçador-coletor antigo 7.000 ± anos 3.500 ± anos A.P. Arqueológicas Caçador-coletor recente 3.500 ± anos a 1000 ± anos A.P. Arqueológicas

2º Cenário: Macrossistemas de agricultores (Guarani, Kaingang e Tupi)

Guarani Forte presença em 1.000 anos A.P. Arqueológicas e etno-históricas

Kaingang De 1.530 anos a 150 anos A.P. com forte

presença por volta de 1.000 anos A.P.

Arqueológicas e etno-históricas

Tupi 295 ± 30 anos A.P. para o sítio Bianco e SCF-1

380 ± 30

Arqueológicas e etno-históricas

3º Cenário: Contato interétnico e a escravidão

Bandeirismo de apresamento De 1530 a 1845 Históricas e etno-históricas

Bandeirismo prospectivo De 1700 a 1780 ± Arqueológicas, etno-históricas e

históricas

Ciclo do tropeirismo De ± 1700 a ± 1860 Arqueológicas, etno-históricas e

históricas

4º Cenário: Fortalecimento da Agropecuária e a EFS

Declínio do tropeirismo ± 1860 a 1930 Arqueológicas, e históricas

Produção de algodão e suínos ± 1860 a 1940 Arqueológicas, e históricas

Extrativismo vegetal/serrarias ± 1910 a 1950 Arqueológicas, e históricas

5º Cenário: Urbanização e pré- industrialização

Edifícios institucionais, primeiras indústrias e a Estrada de Ferro Sorocabana

1890 a ± 1960 Arqueológicas, e histórico-

arquitetônica

6º Cenário: Revoluções de 1930/1932 e extrativismo minerário

As trincheiras revolucionárias Ano de 1930/1932 (revoluções) Arqueológicas e históricas Extrativismo minerário 1940 até hoje

7º Cenário: O reflorestamento e o AI 2

Ditadura Militar, o reflorestamento e a agricultura mecanizada

1965 até hoje Arqueológicas (alteração da

paisagem) e históricas

Quadro 04 - Quadro resumo dos cenários da ocupação humana para a área de estudo. Fonte: ARAÚJO, S., 2011, p. 252

Os caçadores-coletores antigos, que também eram nômades, ―podem ter vivido em compartimentos geomorfológicos e ambientes variados da recente mata Atlântica em regiões ocorrentes nas regiões mais úmidas, manchas de cerrado e presença de araucárias‖ (GONZALES apud ARAÚJO, S., p. 255, 2011). Estima-se, todavia, que a não frequência desse grupo na parte central do Paranapanema superior (Itapeva, Itararé, Capão Bonito e Paranapanema abaixo) pode-se dever à sua baixa densidade demográfica ou por questões paleoclimáticas – a região de Itapeva estaria pouco

favorável ao estabelecimento humano antes de 7.000 ou 6.000 anos A.P. -, ou ainda, à conjugação de ambos os fatores. O grupo de caçadores-coletores recentes vai ocupar espaços variados de 1.000 anos a 750 B.P., cobrindo toda a bacia do Paranapanema. (ARAÚJO, S., p. 257, 2011)

No cenário de macrossistema de agricultores, os sítios Guarani são encontrados em Itapeva com datações que variam de 1.010 ± 110 A.P. para 1.190 ± 120 (sítio Fonseca, no bairro da Caputera, conforme Pallestrini, 1970. Com intervalos de tempo variáveis, eles também estão presentes em Campina do Monte Alegre (sítio Panema, sítio Campina e sítio Jango Luís), em Angatuba (sítio São Roque).

Sítios Kaingang são encontrados em três bacias hidrográficas no Paranapanema superior: Apiaí, Taquari e alto Rio das Almas. Cronologicamente estão situados entre 1.550 anos A. P. e 150 anos A.P., aproximadamente.

Astolfo Araújo (2001) indica a convivência de povos de origem Jê no alto Taquari com grupos Tupi-guarani, ficando os últimos nas áreas de relevos mais suaves e os primeiros em relevo mais acidentado próximo à serra do Mar (Paranapiacaba). No Abrigo Itapeva, escavado em 1969 por Astolfo Araújo, não foram encontrados materiais de origem Jê. Sílvio Araújo (2006; 2011), afirma ter encontrado ali em pesquisa posterior fragmentos cerâmicos do sistema regional Kaingang.

Descrito inicialmente por Araripe em 1887 como a ―inscrição indígena do Vorá62 na Faxina‖, o sítio está localizado no Escarpamento Estrutural de Furnas, que do ponto de vista da estratigrafia seria sobreposto à Formação Ponta Grossa, ―entretanto a erosão ocorrida entre o final da deposição desta formação e o início da deposição do Grupo Itararé foi responsável pelo desaparecimento da Formação Ponta Grossa no Estado de São Paulo‖ (SILVA, Iracy, 2006, p. 176).

Segundo a narrativa de Aytai (1970, pag. 30),

―A rocha dominante da região é arenito (grés) de origem devoninana de uns 450.000.000 anos de idade. Em tempos passados, o atual rio Taquari-Guaçu cortou um sulco profundo, com paredes verticais, nesta rocha. A erosão continuou agindo em muitos lugares nos pés destas paredes, escavando-as profundamente e tornando salientes suas paredes superiores.‖

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Vorá [variação de borá do Tupi, o que tem mel]. Espécie de abelha comum em barrancos, em fendas de paredões de rocha e em ocos de árvores.

Figura 23: Reprodução do Vorá com desenhos esquematizados por Aytai

No lugar onde se encontram as inscrições rupestres, a rocha saliente não teria resistido a seu próprio peso e com a queda de um bloco formou-se um abrigo. Segundo a descrição de Aytai (1970, pag. 31), ―as inscrições cobrem a parede em 20 ms (sic) de comprimento e até 3 ms (sic) de altura, mais ou menos, sendo a concentração das figuras muito maior na região central‖.

Ali existem dois tipos de inscrições rupestres: petrografias (dois cervídeos no canto à esquerda do painel e outras formas não identificáveis) e outro grupo de litóglifos (formas em baixo relevo preenchido com pigmentos pretos e vermelhos que constituem a maior parte das inscrições), ambos descritos por Aytai (1970/1972) e Prous (1997). Prous atribui as inscrições do Abrigo Itapeva à Tradição Geométrica, mas destaca o registro de uma imagem pintada de um cervídeo, pertencente à Tradição Planalto, apontando a possibilidade de terem sido originados por diferentes etnias.

Figura 25: Inscrições rupestres do Abrigo Fabri: Foto: Silvio Alberto Camargo Araújo

A presença de agricultores Tupi ainda está em estudos. Segundo Astolfo Araújo (apud ARAÚJO, S., 2011, p. 262), há diferenças entre os tupi-guarani do médio e alto Taquari. Ele também localiza uma ―fronteira‖ entre grupos portadores de cerâmica tupi- guarani que separa os sítios do Alto Taquari detectados mais ao norte (Silveira, Fonseca) e do médio Paranapanema (região de Piraju). Conjectura-se que os sítios tupi-guarani do Alto Taquari seria uma ocupação Tupi.

Situam-se entre os anos 1000 e 780 d.C, as primeiras datações de testemunhos materiais deste período, realizadas em 1970 por Luciana Pallestrini pelo método de termoluminescência em fragmentos de cerâmica do sistema regional Guarani feitas no sítio Fonseca.

Em resumo, a ocupação de diferentes etnias indígenas (Guarani, Kaingang, Tupi- guarani) se estendeu, em distintos intervalos de tempo que por vezes se sobrepunham. Ocuparam no planalto ocidental paulista as terras mais altas dos campos, do cerrado, entre os rios Tietê e Paranapanema, vales e espigões, margeando os rios Tietê, do Peixe, Aguapé/Feio e Paranapanema. No mapa elaborado por Hermann Von Lhering, em 1907 (RODRIGUES, p. 72. 2007), consta a distribuição das ocupações indígenas identificadas por ele no sudeste brasileiro.

Mapa 19 – Mapa da ocupação indígena no sul e sudeste do país. Fonte: Museu Índia Vanuíre

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