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O esboço geológico da região compreendida entre o meridiano de 4º W do Rio de Janeiro, rio Itararé e os paralelos 23‖35‘ e 24‖34‘ Latitude Sul, elaborado pelos engenheiros Guilherme Florence e Joviano Pacheco mostra que o município de Itapeva se divide entre formações do período devoniano (no mapa em marrom escuro), onde ocorre o Escarpamento Estrutural de Furnas, e a formação glacial (marrom mais claro). O clima do município é mesotérmico, com média de

temperaturas máximas em torno de 26,2ºC e a média das mínimas é de 14ºC46. O regime pluviométrico é caracterizado por dois períodos bem distintos: verões com altas precipitações e invernos mais secos, com ocorrência da geadas.

Antes da ocupação humana, a cobertura vegetal dos terrenos devonianos era constituída por campos limpos, com ocorrência de capões de mato remanescentes da Mata Atlântica e manchas da floresta araucária (araucária angustifolia), além de significativas manchas de cerrado e cerradão, ―com abundância de águas que correm límpidas em leitos de pedra‖, como assinalou Caio Prado Jr. (1957).

Conjunto admirável para o estabelecimento do homem e que fez Saint-Hilaire considerar a região o ―paraíso terrestre do Brasil‖. (PRADO Jr., 1957, p.59) A região constitui, portanto, uma área de transição entre três importantes biomas. Hoje, depois de longo ciclo de culturas agrícolas e de pecuária bovina, prevalecem nas áreas não ocupadas pelas atividades agropastoris grandes extensões de reflorestamento para fins industriais, com predominância do plantio de pinus e eucaliptos. A cobertura vegetal secundária de manchas remanescentes de floras tropicais afro-brasileiras e temperada ocupa parcela minoritária da área não cultivada. (SILVA, Iracy, 2006; ARAÚJO, S., 2012)

O longo período de devastação das reservas florestais do município teve início com a exploração de madeiras no início do século XX, com a implantação de Estrada de Ferro Sorocabana, conforme aponta relatório da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, assinado por seu diretor João Pedro Cardoso, em maio de 1927.

A estação E. F. Sorocabana, de construcção fora do commum, é bem affastada da cidade e não muito longe d’ella a estrada de ferro tem uma bella ponte que é uma das suas obras d’arte mais importantes.

Certa vez, visitando-a tivemos occasião de admirar a belleza e a imponencia de uma garbosa e possante locomotiva em marcha vencedora, queimando lenha e expelindo uma alva e longa pluma de fumaça que reproduzia nos ares o caminho por ella victoriosamente percorrido.

Arrastava extenso comboio com carregamento variado e quando atravessou bem proximo pudemos notar que a maior parte era de madeiras destinadas

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Fonte: CEPAGRI/UNICAMP - Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura. Disponível em http://www.cpa.unicamp.br/outras-informacoes/clima_muni_259.html Acessado em 07/03/3014.

na sua totalidade para S.Paulo, cuja cidade com o seu engrandecimento, desenvolvimento vertiginoso, consome diariamente uma quantidade incalculavel de materiaes de construcções para attender á múltiplos fins. Basta lembrar que a sua população em 1890 era de 64.934 habitantes; em 1910 de 375.324 e em 1925 de 846.725!

Depois que o trem passou alçamos o nosso olhar e contemplamos todo o horizonte observando o quanto elle é pobre de arvores. Nos lembramos então dos tempos que não vão muito longe, quando na Inspectoria do 2º districto Agronomico, fazíamos forte propaganda contra a devastação das mattas e mostravamos o temor que nos causavam suas consequencias no futuro. Estas vieram mais depressa do que esperávamos e em todo o Estado. Os nossos rios estão minguando, as estiagens causando prejuízos, os vendavaes assolando, os temporaes damnificando, as innundações causando prejuizos, a terra resequindo e as nossas famosas e opulentas mattas virgens estão desapparecendo. (João Pedro Cardoso, Director da Commissão. S.Paulo, Maio de 1927). (VIÉGAS, R.F., 1996)

O relato não deixa dúvida de que a vertiginosa expansão urbana da cidade de São Paulo nos primeiros anos do século XX deixou um passivo ambiental até hoje ainda não reparado em prejuízo de inúmeras regiões interioranas, cujos recursos naturais explorados pouco acrescentaram ao desenvolvimento local.

Como se vê, a paisagem do território itapevense permite uma leitura reveladora, cujos signos constituem referências diretas ao percurso histórico que definem o modo pelo qual a sua população se relacionou ao longo do tempo com o seu patrimônio ambiental.

A consciência de que o homem é um agente transformador da natureza se insere num campo de estudo muito amplo e profícuo alimentado por uma discussão que vem desde o século XIX sobre a relação do homem e seu meio. Quando Marx asseverou que o homem, em sua essência, é produto do meio em que vive, que, por sua vez, é construído a partir das relações sociais em que cada pessoa se encontra, segundo o pensamento de Berdoulay (2011, p. 105), expressava uma percepção de que a diversidade dos modos de vida, dos costumes, dos símbolos ou das práticas que os seres humanos utilizam nas diversas esferas de sua vida pessoal ou coletiva, é concebida como fruto de um conjunto de interações com modificações recíprocas das culturas e seus meios, passando pela construção de mediações mais ou menos estáveis, como as paisagens, as regiões, os gêneros de vida etc.

Berdoulay situa no embate entre as diferentes doutrinas da Geografia, a concepção de que a morfologia da paisagem podia ensinar a propósito das atitudes, das crenças, das ideologias e dos valores morais de uma sociedade.

A expressão geografia cultural foi difundida por Carl Sauer e ―a escola de Berkeley‖, em oposição à doutrina da geografia humana, caracterizada pelo determinismo ambiental. (...) Insistindo sobre o papel do homem, seus valores, atitudes e crenças na modificação do espaço terrestre, Sauer se inspirou na concepção alemã de distinguir paisagem natural (Naturlandschaft) de paisagem cultural (kulturlandschaft) para mostrar sua concepção da geografia humana. (BERDOULAY, 2011, p. 107)

Por uma lado a escola de Berkeley privilegiou a perspectiva histórica, as formações regionais e o estudo das paisagens transformadas pela ação humana. Na gênese das paisagens, defende Berdoulay, essa escola se interessa pelos longos períodos, pelas atitudes, pela contribuição da história das idéias, pela identificação dos valores próprios aos diversos grupos humanos. Em vez de fazer inventários, todo estudo geográfico, até mesmo regional, deve contribuir para responder às grandes questões sobre a transformação cultural do globo terrestre (ENTRIKIN, 1984, apud BERDOULAY, 2011, p. 108). De outro lado, pontua o geógrafo francês,

[...] como sugeriu Gottmann (1952), do ângulo da geografia política, as coletividades produzem uma iconografia que lhes possibilita definir seu território. Para exprimir suas crenças e valores, elas se apóiam em símbolos, patrimoniais ou inventados, materiais ou imateriais, como bandeiras, hinos, monumentos, lugares célebres ou emblemáticos etc. (BERDOULAY, 2011, p. 123)

Retomando a concepção de que a definição do território envolve sempre relações de poder, a crítica neomarxista denunciará a supressão dos oprimidos na produção dos símbolos, dos monumentos e, também, das paisagens.

De certo modo, essa ―crise de representação‖ [denunciada pela crítica neomarxista dos pós-modernistas] encorajou a geografia cultural a se interessar pelas múltiplas ―vozes‖ que poderiam se manifestar dentro da sociedade e que as representações dominantes têm tendência a esconder, como discursos de mulheres, homossexuais, minorias étnicas etc. (SOJA, 1989, apud BERDOULAY, 2011, p. 110)

Não fosse pelo reconhecimento do direito à memória da paisagem, Sauer, mais pessimista que seus colegas franceses, vai se preocupar com os efeitos destruidores da cultura sobre a natureza: ele difunde ativamente as idéias a favor da proteção e da conservação das paisagens. (BERDOULAY, 2011, p. 108)

De acordo com essa visão, os parques naturais e os monumentos históricos do século XIX já correspondiam a essas lógicas que também estariam presentes mais tarde na gênese das políticas desenvolvidas por intermédio da cooperação internacional. De maneira incisiva, a convenção, que leva a uma classificação ao Patrimônio Mundial da Humanidade aprovada pela Unesco em 1972, designa porções do espaço como objeto de proteção. Observa-se, todavia, sobretudo por meio da adoção, em 1992, da categoria de ―paisagem cultural‖, a decisão dessa organização internacional de considerar de maneira mais global as relações entre cultura e espaço.

É nesse campo teórico que irá prosperar a arqueologia da paisagem, militando na intersecção de vários ramos do conhecimento, sobretudo a Geografia e a Arqueologia e seus desdobramentos disciplinares, além de outras disciplinas como a História, Antropologia, Sociologia, Arquitetura, Urbanismo e Ecologia (MORAIS, J. L., 2011, p. 31). Com efeito, a perspectiva da arqueologia da paisagem é instrumentalizada pelo ProjPar ao considerar o fator geo acerca do planejamento e gestão do território patrimonial.

2.4.2 – Aspectos históricos da formação de Itapeva

A localização geográfica e os aspectos morfológicos, climáticos e fitogeográficos deram origem aos traços essenciais da ocupação humana que fez da região desde os tempos pré-cabralinos uma zona de passagem de indígena tupi-guarani que seguiam pelo Peabiru47 em contínuos movimentos migratórios, mas que, já no período colonial, foi utilizado consecutivamente pelos bandeirantes e pelos tropeiros, servindo para facilitar a circulação de mercadorias, o comércio e as missões religiosas, constituindo- se no principal acesso por terra à região sul do Brasil.

O itinerário indígena mais importante foi denominado Peabiru pelos indígenas e, posteriormente, caminho de São Tomé pelos jesuítas. Ligava as "tribos da nação Guarany da bacia do Paraguay coma a tribu dos Patos do litoral de

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Santa Catarina, com os Carijós de Iguape e Cananéia, e com as tribos de Piratininga e do litoral próximo". De acordo com Washington Luís, era um caminho "muito batido, com uma largura de 8 palmos, estendendo-se por mais de 200 léguas desde a capitania de S. Vicente, da Costa do Brasil, até as margens do rio Paraná, passando pelos rios Tibagi, Ivaí e Pequeri". Nas primeiras décadas do século XVII, esse itinerário foi percorrido pelos paulistas à caça do gentio guarani que habitava o sertão dos Patos, no atual estado de Santa Catarina, e o sertão dos Carijós, nas terras que margeavam o rio Paranapanema. (KOK, 2009)

Peabiru eram todos os caminhos utilizados pelos indígenas ligando o litoral ao interior do continente. O principal destes caminhos, denominado Caminho do Peabiru, constituía-se em uma via que ligava os Andes ao litoral brasileiro na altura da Capitania de São Vicente (atual estado de São Paulo), estendendo-se por cerca de 3.000 quilômetros, atravessando os territórios dos atuais Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil. Segundo os relatos históricos, ao adentrar o território paulista ele se dividia em diversas ramificações. Uma delas se bifurcava na altura de Itapeva, que em na língua tupi significa ―pedra chata‖ 48, em direção a São Paulo e dali descia a Serra do Mar para alcançar São Vicente, outra se dirigia a Cananeia, no litoral, cruzando a Serra do Mar pela região de Apiaí.

Entre os historiadores, há muitas controvérsias sobre os antigos habitantes da região sul paulista. Uns se referem aos guaianases (guaianás ou guainhanãs) como pertencentes à etnia Tupi, outros ao tronco Jê.

As informações, mais ou menos fragmentárias dependendo da fonte, apontam ainda assim uma homogeneidade cultural considerável para grupos vivendo na área entre o centro do Rio Grande do Sul e o centro do Estado de São Paulo, espelhando as evidências encontradas no registro arqueológico. (ARAÚJO, A., 1995)

Citando Gabriel Soares, Teodoro Sampaio propõe que ―os Guaianás eram muito provavelmente uma etnia Jê, e talvez pudessem até ser chamados de Kaingang, mas o grupo dominante na região do Paranapanema era de origem Tupi, como atestam a

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Segundo Aluísio de Almeida (1902), o nome de Itapeva designado para identificar o relevo local é uma corrupção de Yta-pé-bae-chaci-na, morro chato e enrugado. ―De yta, pedra, penha, pé, ser chato, plano, bae, (breve), partícula de particípio, significando o que, chachi, enrugar, franzir, com sufixo na (breve), para formar supino. Allusivo a serem campos com depressões ou concavidades continuadas e irregulares muitas dellas, semelhando rugas.‖ (ALMEIDA, 1902b: p.123).

toponímia e os nomes próprios, além dos vestígios arqueológicos‖ (SAMPAIO, apud ARAÚJO, A., 1995).

Com a chegada dos europeus, as populações indígenas sofreram contínuos impactos. Na porção sul do Brasil, eles tiveram três causas distintas: a ação de missionários jesuítas, os ataques por parte das bandeiras oriundas de São Paulo e o alastramento de doenças contagiosas. Calcula-se que de 1580 a 1640, cerca de 60.000 a 300.000 índios Guarani tenham sido escravizados ou rechaçados para as regiões sulinas onde hoje se situam os territórios argentinos e paraguaios. Outro tanto foi dizimado por doenças de caráter epidêmico como cólera, varíola, rubéola e até mesmo gripe, muitas vezes até mesmo antes do contato físico com europeus.

Com o advento das expedições bandeirantes estimuladas pela colonização portuguesa, as missões jesuíticas do Paranapanema foram aniquiladas, em meados dos anos seiscentos, provocando a dizimação das populações indígenas e o surgimento de um verdadeiro deserto humano que se prolongou até meados do século XIX, com a ressalva da presença de aglomerados kaingangs e ofaiés e, posteriormente, com correntes migratórias de guaranis provenientes do território sul-matogrossense na procura da terra- sem-males, que acabaram sendo rechaçados com a expansão das atividades agrícolas de caráter extensivo. (MORAIS)

A busca de ouro de aluvião descoberto na segunda metade do século XVII teria devassado os grupos indígenas da região situada entre Capão Bonito, Apiaí, Iporanga, Xiririca e Ribeira de Iguape. A situação se agravou ainda mais com o uso da estrada tropeira ligando São Paulo a Curitiba, aberta por volta de 1693 pelos cascos dos muares por cima do Caminho do Peabiru. Em 1715, o capitão-mor Joseph de Góes Morais recebe uma carta de terras (sesmaria), que lhe dava poderes sobre uma porção territorial na qual foi criada a Paragem de Itapeva. Com o estabelecimento das Paragens, entre 1720 e 1730, têm início o surgimento dos primeiros núcleos populacionais, e a velha estrada indígena dá lugar ao que mais tarde seria a Estrada das Tropas.

Através da utilização do Peabiru como caminho pelos bandeirantes na preia ao índio, depois pelos tropeiros com o comércio muares e gado. Ao longo do antigo Peabiru, agora transformado em rota de comércio, transporte e comunicação surgem às paragens onde os viajantes podiam descansar e pernoitar. Itapeva surge no entroncamento de duas vias, Sorocaba/Sul do País e o caminho para Santo Antônio das Bateias, atualmente município de

Apiaí, que por sua vez era acesso para o caminho que levam as cidades de Iguape e Cananéia. (MUZEL apud ARAÚJO, S., 2006, p. 8)

A expansão da presença portuguesa em terras brasileiras no início do século XVIII deflagrou problemas na definição de fronteiras com a área de influência espanhola no continente sul americano, uma vez que os limites ditados pelo velho Tratado de Tordesilhas (linha meridiana situada a 370 léguas a oeste de Cabo Verde) já não se adequavam às novas realidades de ocupação do território. Esta situação, potencialmente perigosa e geradora de conflitos entre as potências ibéricas, conduziu à necessidade de negociações com Espanha no intuito de alterar esse limite. O resultado dessas negociações viria a dar origem ao denominado Tratado de Madrid, também conhecido por Tratado dos Limites, assinado por d. João V, Rei de Portugal, e d. Fernando VI, rei de Espanha, em 13 de janeiro de 1750.

Mapa 13: O meridiano de Tordesilhas e as rotas de ocupação na América do Sul. Fonte: Instituto Nacional

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