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É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento

II. Sociabilidades de emplacement como base de uma revindicação colectiva

5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento

Verde, ou tu não foste recenseada. Todos, eu acho que todos temos direito. Todos nos temos direito à uma habitação condigna.“ (Entrevista Cristina, 22/02/2018) Para Roberta, a luta tem sido um caminho de muitos passos onde as ligações com os grupos exteriores, a Assembleia dos Moradores dos Bairro e a Caravana pelo Direito à Habitação, têm grande importância. Uma casa condigna, uma casa que não lhe tira o acesso à vida é o horizonte desta caminhada: “[…] eu acho que sem Caravana, sem ... sem Assembleia, sem, sem essas junções, que não conseguíamos essas coisas. Se não criássemos isto, eu acho que não conseguíamos, não dávamos passos.”

[…]

“[…] nos tínhamos uns passos dados, como associação temos uns passos dados que eram uns passos que tínhamos desde a demolição, da suposta demolição que não aconteceu. E a ligação do GESTUAL no bairro, de Habita, essas entidades, paróquia. Nos tínhamos um passo dado que era construir casas de pessoas do Bairro da Torre no Bairro da Torre. E o GESTUAL já tinha feito varias reuniões com a Câmara, com tudo. E tudo aquilo aparecia que parecia que estávamos num bom caminho. Que os passos iam, íamos acertar tudo.” (Entrevista Roberta, 19/03/2018)

E sobre as formas de realojamento diz:

“E depois iam nos tirar além de nos tirar a casa que nós gostamos, iam nos tirar a nossa vida, nosso trabalho, nosso tempo, nosso pão. Que iam nos meter lá naquela gaiolinha que é o prédio, né. Íamos ficar sem acesso a nada.“ (Entrevista Roberta, 19/03/2018)

Assim, indiretamente, Roberta fala-nos da diferença entre casa e habitat, diferença que o PER muitas vezes tem ignorado, colocando grandes populações em conjuntos habitacionais em áreas muito mal servidas de infraestruturas sociais e de espaço urbano, apenas disponibilizando quatro paredes. A forma arquitectónica também importa: Roberta não quer viver num prédio, sem área exterior e sem possibilidades de manter o seu trabalho – o restaurante. Portanto, lidamos aqui com noções que remetem ao direito à habitação num sentido alargado do habitat, ou se queremos, de direito à cidade.

106 “E sair e depois ir ficar num sitio onde eu não tenho acesso à nada, então estão tirar- me a minha vida. To a perder a minha vida. To a perder tudo. E só para ter uma casa. Para ter uns quartos, quatro paredes. Gente tem direito à tudo, então.“ (Entrevista Roberta, 19/03/2018)

O percurso de reivindicação até tem um significado espiritual e religioso para Roberta: “E então isso é, eu acho, a nossa missão de andarmos aqui dizer: Para, basta, chega de maldade.” Igualmente para Cristina a luta simboliza algum caminho que consiste de passos e algo que é histórico: “Estamos a fazer história, sim. Porque é um passo é uma coisa nunca feita antes em Portugal, ou seja vem os bairro ligados e juntados nesta luta. Estamos a fazer história. Tentamos mudar a lei, tentamos mudar as coisas. O que parecia impossível está a ser feito neste momento. Estamos a reivindicar pelos nossos direitos. Eu acho que é algo histórico! “ (Entrevista Cristina, 22/02/2018) Na sua descrição do direito à cidade, Lefebvre também vê esta representação da luta marcada por um percurso e um destino do precariado, que hoje em dia corresponde à chamada classe operária:

“Para a classe operária, rejeitada dos centros para as periferias, despojada da cidade, expropriada assim dos melhores resultados de sua atividade, esse direito tem um alcance e uma significação particulares. Representa para ela ao mesmo tempo um meio e um objetivo, um caminho e um horizonte […]” (Lefebvre, 2008, p. 139)

Não nos surpreende que a noção do direito à habitação venha de fora dos bairros. Mas para alguns moradores faz sentido nomear as suas lutas desta forma, interpretando este direito no sentido de se ter direito a uma habitação, como ser humano, e, portanto, com direito à vida:

”Antes da Caravana eu já tinha esta consciência de direito à habitação, porque nos já tínhamos aquela luta formada desde daquele tempo quando vieram nos colar o edital que era para sairmos do bairro. E então a Rita que puxava-nos muito: “As pessoas têm direito, vocês têm direito à uma habitação. As pessoas têm direito. Quando falam estas coisas, vocês dizem que têm direito à uma habitação e uma habitação condigna!” E portanto... [risada], já vem a Caravana de Direito à Habitação, vem mesmo já, aprofundar aquilo que já sabia um bocadinho, né. Aprofundou mais na minha mente aquilo que já sabia. Que nós temos direito á uma habitação. Daquelas de que qualquer

ser humano tem direito. […] Mas a Caravana – não é só Caravana pelo Direito à Habitação – foi também um bocadinho pelo direito à vida, né.“ (Entrevista Roberta, 19/03/2018) Contudo, qual é o direito que os indivíduos estão a reclamar na Caravana e na Assembleia? De fato, reclamar o direito à cidade também pode significar reclamar uma melhor posição, sendo scale-maker no processo da urbanização e do desenvolvimento económico. Alguns sujeitos que reclamam o direito à habitação fazem-no numa escala ainda bastante individual por urgência e por conseguir o emplacement para si e para a sua família. Sebastião usa, em vários momentos de reivindicação, exatamente a noção que as autoras Glick Schiller e Çağlar questionam: “… temos que estar inseridos na sociedade portuguesa!”. Por outro lado, uma moradora, também membro da associação do Bairro da Jamaika, Vanessa, enfatiza numa declaração dada durante a audição no IHRU, onde foi entregue o documento final da Caravana: “Nós não estamos a pedir. Portanto, estamos realmente a exigir algo que é nosso por direito.” Esta exigência, baseada no direito à habitação, distancia-se de uma posição inferiorizada, emancipando-se da mesma. Em outros casos até é criticado que os moradores sejam tratados como se fossem animais:

“Porque agora estamos a ser despejados como se fossemos animais? – sobre o pretexto de que não temos direitos. Toda gente têm direito à habitação, todos… todos! … Ah, porque tu moras aqui a menos tempo. Ah, porque tu chegaste depois. Não todos nós temos direito à habitação, todos. … Porque é que nos somos excluídos pela sociedade? Nós também temos direito à cidade.” (Cristina, 1° Dia da Caravana, Bairro 6 de Maio, 08/09/2018)

“Nós não estamos ser reconhecidos. Nós somos tratados como se fosse animais, igualzinho aos animais. Quem vive aqui sente mesmo na pele que vive como se fosse animais. … A água, como se diz, não é potável, é de torneira, mas não é potável. Porque nós precisamos de sair daqui… porque nos somos seres humanos“ (Sebastião, 2° Dia da Caravana, Bairro da Jamaika, 09/09/2017)

Aparentemente estamos diante de uma luta que aspira algo que os outros têm, um direito que deveria, de facto, valer para todos os seres humanos, e não uma luta que questiona de forma radical a sociedade capitalista, e tenha como horizonte a

108 globo, verifica que as contestações eram para reivindicar direitos e não sobre revolução (Harvey, 2012, p. 120). No trabalho de Bauder sobre possibilidades e o direito à cidade de migrantes, esta observação de Harvey tem tido eco:

“Rather than evoking the real possible of radical change, the protesters pursued the contingent possibility that illegalized migrants obtain rights associated with existing understandings of citizenship and territorial polity. Most significantly, the protesters demanded citizenship rights and formal belonging to the nation-state.“ (Bauder, 2016, p. 259)

Para entendermos isto, Boaventura de Sousa Santos (2011) consegue dar, pelo menos, uma explicação. Segundo o autor, a nova cultura política, que traz consigo uma diversidade enorme de formas e agendas de lutas, faz com que existam em combinação ações dentro e fora do Estado, ações direitas e institucionais, que até se recusam a ver no Estado, de um lado, um amigo incondicional, e, do outro, um inimigo incondicional. Em outras palavras, juntam-se os princípios da igualdade e do reconhecimento da diferença onde se aplica a seguinte ideia: “temos direito a ser iguais quando a diferença no inferioriza e temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (Santos, 2011, p. 141). O que uma das integrantes da associação local diz, durante o evento da Caravana, é exemplo disto. A reunião para agir coletivamente nesta luta surge de uma necessidade de obter finalmente algo que não se tem, ou seja, melhores condições de vida:

“Nós aqui do Jamaika, queremos sair daqui. Queremos melhores condições para nós e os nossos filhos. … então houve necessidade de reunirmos” (Daniela, 2° Dia da Caravana, Bairro da Jamaika, 09/09/2017)