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Em Setembro de 2017 movimentaram-se algumas pessoas, grupos e associações pelo território português com o intuito de congregar e juntar forças para a reivindicação do direito à habitação. Em quatro fim de semanas foram visitados cerca de 20 localidades nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, em Beja, Coimbra e Ponta Delgada31. A iniciativa foi organizada pelos seguintes associações e indivíduos:

• Assembleia dos Moradores dos Bairros (Bairro 6 de Maio, Bairro da Torre, Bairro da Jamaika, Quinta da Fonte); • Habita – Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade32; • GESTUAL – Grupo de Estudos Sócio-Territoriais e de Acção Local da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa33; • CHÃO – Oficina de Etnografia Urbana; • SOS Racismo34 ; • Associação Torre Amiga; • Associação do Desenvolvimento Social do Vale dos Chicharos (ADSVC);

• Roberto Falanga, Simone Tulumello, Andy Inch (Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa);

• MDT-CEAU-FAUP – Grupo Morfologias e Dinâmicas do Território, Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto;

• Pastoral Social da Paróquia de Santiago Maior de Camarate – Loures

31https://caravanapelahabitacao.wordpress.com (último acesso à 27/01/2019) 32http://www.habita.info (último acesso à 27/01/2019)

60 Figura 2: Mapa do itinerário da Caravana Os sítios visitados são locais onde, pelo menos, uma associação ou um grupo da organização estava em contacto com indivíduos, grupos ou associações locais que já tinham, de alguma forma, expressado revindicações para o direito à habitação ou, simplesmente, sujeitos que se juntaram através da divulgação da Caravana ainda no decorrer das preparações. A própria ideia do projeto da Caravana surge na Associação

Habita que, junto com outras associações e grupos, incentivo e apoiou a Assembleia dos Moradores dos Bairros.

O colectivo Habita foi criado em 2005 na emergência de empoderar moradores de bairros autoconstruídos em situação de demolição e constituiu-se como associação em Setembro de 2014 quando os seus membros viam-se confrontados com várias frentes de luta pelo direito à habitação: no arrendamento, no crédito à habitação e nos processos da gentrificação em Lisboa. O colectivo surge de um trabalho desenvolvido nos bairros ainda dentro da Associação Solidariedade Imigrante, onde se cruzam as temáticas da imigração e da habitação. Assim, surgiu o Habita como colectivo que se foca nas questões do direito à habitação dos migrantes e que hoje em dia é uma associação tendo grupos ativos em Lisboa, Porto e, recentemente, em Beja. Ultimamente tem participado nas atividades da plataforma Stop Despejos35, um grupo

que luta contra os despejos em Lisboa e sua periferia, criada em Janeiro de 2018. Como Cachado descreve no contexto do bairro da Quinta da Vitória, em 2006 existiram alguns bairros autoconstruídos que estavam à espera da conclusão dos processos de realojamento no âmbito do PER, algo que interessava este grupo:

„No início do ano de 2006 forma-se a Plataforma Artigo 65 – Direito a Habitar, que era uma plataforma de associações pelo direito à habitação nas suas diversas modalidades. Uma das associações componentes era a Solidariedade Imigrante (Solim), que há menos de um ano formara um grupo de trabalho chamado Direito à Habitação, seguindo a linha política e de ação do Droit au Logement francês, cuja estratégia passava pelas ações com visibilidade mediática. Este grupo de trabalho procurava motivar os moradores a lutarem pelo direito ao realojamento em vários bairros em condições semelhantes às da Quinta da Vitória, sobretudo no verão desse ano, que foi quando houve mais demolições de casas de famílias com situação irregular no que dizia respeito ao processo de realojamento. […] Na mesma altura, a nível local, na Quinta da Vitória, a Câmara Municipal via-se sem alternativas para os moradores que continuavam a aguardar pelo desfecho do PER e aceitou a proposta do proprietário que passava por indemnizar as famílias. Deste modo, a indemnização das famílias coincidiu com o clímax de luta da Plataforma Artigo 65 e do grupo Direito à Habitação. […] A Solidariedade Imigrante no bairro começou por fazer reuniões de

62 motivação para a luta pelo direito à habitação. As pessoas reagiram inicialmente de forma hesitante e desconfiada.“ (Cachado, 2013a, pp. 493–494)

Dez anos depois pela então Associação Habita foi feito uma candidatura à fundação alemã “Guerrilla Foundation”, em 2016, afim de poder obter meios financeiros para a realização do projeto da Caravana. A proposta de conectar vários sítios e pessoas em condições habitacionais graves para criar uma rede mais forte que conseguisse reivindicar o direito à habitação, foi apresentado à Assembleia dos Bairros em Maio de 2017 já com o financiamento garantido. Os participantes da Assembleia acharam o objectivo da Caravana importante para poder fortalecer a sua luta e tornar mais visíveis os problemas e as reivindicações. A partir deste momento, a Caravana foi preparada entre e durante as reuniões da Assembleia, que passaram a ter uma frequência de dois encontros por mês nos domingos, circulando pelos bairros da mesma. Estas reuniões foram intercaladas com outros encontros praticamente semanais no espaço da associação Habita no centro de Lisboa, onde membros dos grupos externos aos bairros estiveram presentes para preparar, discutir e organizar assuntos ligadas à Caravana.

Figura 3: Audiência da Caravana no IHRU 06/12/2017

Entre Outubro e Dezembro de 2017 foi criado um documento que resulta dos levantamentos feitos em cada sítio visitado pela Caravana. Este é organizado em quatro partes (1. Bairros e núcleos autoconstruídos; 2. Habitação social; 3. Gentrificação e pressão imobiliária e 4. Questões transversais) e reúne tanto as condições habitacionais encontradas como propostas e reivindicações que visam ao

melhoramento para os moradores. No dia 6 de Dezembro o documento foi entregue à Secretária de Estado da Habitação e ao IHRU numa audiência conjunta na sede do último que durou acerca de três horas. Estiveram presentes indivíduos de todos os sítios menos do Casal da Boba e da Cova da Moura (Amadora), do 2° Torrão (Almada), do centro de Lisboa36 e do Lumiar e Chelas, de Coimbra e de Ponta Delgada. Os

presentes tiveram a oportunidade de falar por alguns minutos num formato em que as representantes das duas autoridades estavam no palco e os participantes da Caravana na plateia. A introdução das falas foi feito por um membro do SOS Racismo e, no final, Rita Silva, da Associação Habita37, resumiu e tratou das tais questões transversais.

Desde o mês de setembro, bem como também depois da entrega do documento, houve alguns momentos e encontros que nesta etnografia chamo de “desdobramentos”, mas não foi claro entre os membros quando terminou a própria iniciativa da Caravana.