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A fundamentação racional da moral é explicitada por HABERMAS a partir da questão acerca da razão prática, entendida como a faculdade especializada em fundamentar imperativos hipotéticos e categóricos, partindo do pressuposto da linguagem como objeto primeiro de reflexão. O conceito de racionalidade prática desenvolvido pelo

127 NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: uma reconstrução do Estado

Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. Extrato de tradução inédita, p. 43.

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HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa, tomo II. Trad. Manuel Jimenez Redondo, 4 ed., Madrid: Taurus, 2003, pp. 271-273.

129 HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa, tomo II. Trad. Manuel Jimenez Redondo, 4 ed., Madrid: Taurus, 2003, p. 273.

130 NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: uma reconstrução do Estado

autor faz referência a três dimensões, as quais podem ser diferenciadas a partir da seguinte pergunta: Que devo fazer?

Segundo HABERMAS131, essa decisiva questão admite diferentes tratamentos dependendo do âmbito em que o indivíduo venha a agir. Assim, no âmbito pragmático, serão buscados preceitos de ação adequados de caráter técnico ou estratégico. No campo ético, serão perseguidos conselhos e recomendações para o alcance de uma vida boa e feliz. No âmbito moral, por sua vez, serão focalizados juízos e decisões justas segundo as quais os conflitos interpessoais sejam resolvidos de modo eqüitativo e imparcial.

Registre-se, por oportuno, que, na peculiar teminologia habermasiana, ética e moral se diferenciam da seguinte forma: enquanto a ética se ocupa das questões relativas à vida boa e está especializada nas formas de autocompreensão existencial132, a moral diz respeito à busca do justo133, entendido como o bom para todos, em sentido coletivo.

VELASCO ARROYO salienta, ademais, que cada uma das três formas de discurso possui uma lógica própria134: o discurso pragmático rege-se pelas relações meio- fim; o discurso ético versa sobre a identidade individual e coletiva; e o discurso moral obedece à lógica da universalização.

Nesse sentido, assume relevância a noção de discurso prático, tendo em vista que o conceito de racionalidade prática desenvolvido pelo nosso autor faz referência às suas três dimensões: a moral, a ética e a pragmática.

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HABERMAS, Jürgen. Aclaraciones a la ética del discurso. Madrid: Editorial Trotta, 2000, pp. 109-126. 132 HABERMAS, Jürgen. El futuro de la naturaleza humana: hacia una eugenesia liberal? Trad. R. S. Carbó, Barcelona: Paidós, 2002, p. 13.

133 Ibidem, p. 14. 134

A dimensão moral ocupa-se da resolução eqüitativa e imparcial dos conflitos pessoais de modo que seja possível o reconhecimento universal de suas prescrições, razão pela qual o uso moral da razão se dá de forma dialógica, num contexto de intersubjetividade. A sua dimensão ética, de outro modo, dedica-se à interpretação dos valores culturais e identidades, em um sentido coletivo. Já a dimensão pragmática objetiva a satisfação instrumental de fins por intermédio de negociações e compromissos, sendo marcada pela eficácia.

Outra diferença importante entre ética e moral no pensamento filosófico- prático de HABERMAS135 reside no âmbito das suas pretensões de validade, distinguindo- se por seu caráter contextual ou universal.

Também resulta divergente o alcance de suas respectivas pretensões de validade: enquanto que a força prescritiva da ética depende do contexto social (do ethos de uma determinada comunidade), a moral aspiraria a um reconhecimento universal de suas prescrições. Assim, e este é um ponto fundamental, tendo em conta a tipologia que se acaba de esboçar, a chamada ética discursiva irá se concentrar exclusivamente nas denominadas questões morais. (grifos originais).

Esclarecidos os conceitos de ética e moral na teoria habermasiana, cumpre agora explicitar, de modo sucinto, os traços distintivos da ética discursiva. Desenvolvida inicialmente por APEL e, em seguida, por HABERMAS, a ética discursiva representa um modelo teórico dirigido a fundamentar a validade dos enunciados e juízos morais. Trata-se de uma extensão argumentativa da teoria da ação comunicativa ao âmbito moral, pelo que introduz a noção de um procedimento intersubjetivo de criação e fundamentação de normas morais.

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Desse modo, o caráter distintivo da ética discursiva (Diskursethik) consiste em que as questões éticas, entendidas no sentido habermasiano, são levadas ao plano de uma teoria da argumentação, pois, conforme sustenta HABERMAS, somente em tal âmbito pode-se adotar o ponto de vista moral, posto que “baseado nos pressupostos comunicativos gerais da argumentação”136.

A tese central da ética discursiva consiste no denominado princípio discursivo (D) explicitado por HABERMAS nos seguintes termos: “São válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar seu assentimento como participantes de discursos racionais”137.

Este princípio pressupõe e exige relações simétricas de reconhecimento entre os participantes como forma de fundamentar e validar imparcialmente as normas intersubjetivas de ação. Observe-se que o princípio discursivo demanda que se proceda segundo a norma mínima de que todos os casos que são como “A” devem ser tratados como “A”138. A ética discursiva, contudo, anda afirma sobre o conteúdo dessa norma, o que comprova seu caráter procedimental.

A ética discursiva caracteriza-se, ainda, pelo princípio da universalização (U), segundo o qual “Toda norma válida tem que cumprir a condição de que as conseqüências e efeitos secundários que resultem previsivelmente de seu seguimento universal para a satisfação dos interesses de cada indivíduo particular possam ser aceitas sem coação alguma por todos os afetados”139.

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HABERMAS, Jürgen. Aclaraciones a la ética del discurso. Madrid: Editorial Trotta, 2000, p.127.

137 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia. Entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler, vol. I, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 142.

138 VELASCO ARROYO, Juan Carlos. Para leer a Habermas. Madrid: Alianza, 2003, p.55 139

RAUBER140, discorrendo sobre o problema da universalização na ética discursiva habermasiana esclarece que:

(.) o princípio ‘U’ exclui, como não suscetíveis de consenso, todas as normas que encarnam interesses particulares, isto é, interesses não suscetíveis de universalização. Não basta, segundo Habermas, que alguns indivíduos examinem e decidam sobre a entrada em vigor de uma norma relativamente às conseqüências e efeitos colaterais do seguimento geral da mesma, mas é necessário um acordo consensual sobre a norma controversa. A pretensão normativa que não alcançar o assentimento de todos não pode ser aceita como válida, pois não preenche os requisitos exigidos por ‘D’ e ‘U’ (grifos nossos).

Registre-se, por sua relevância, que o consenso almejado por HABERMAS não significa unanimidade, mas sim um processo de ajuste entre interesses discrepantes e contrapostos. Nesse sentido, o autor defende que o discurso se apresenta como o caminho para um acordo isento de coação e para uma convivência sem violência: “Quanto mais discurso, tanto maior a contradição e a diferença. Quanto mais abstrato o acordo, tanto mais variados os dissensos, através dos quais se torna possível viver sem violência”141.

A ética discursiva surte reflexos na questão do discurso jurídico em face do Direito moderno, tendo em vista a necessidade de justificação de suas normas a despeito de seu caráter formal, de acordo com o pensamento habermasiano142.

O discurso jurídico é entendido por HABERMAS como uma espécie de discurso moral, tendo em vista sua adesão à tese do Direito entendido como um ‘caso especial’ (Sonderfalthese) da argumentação moral defendida por ALEXY. Aliás,

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RAUBER, Jaime José. O problema da universalização em ética. Porto Alegre: EdiPUC-RS, 1999, p. 77. 141 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: Estudos Filosóficos. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. 2 ed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002, p. 177.

142 HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa, tomo I. Trad. Manuel Jimenez Redondo, 4 ed., Madrid: Taurus, 2003, p. 338.

HABERMAS é expresso ao afirmar que ALEXY143. foi o responsável por tê-lo convencido, àquela época, de que as argumentações jurídicas desenvolvem-se como uma forma especial dos discursos morais. A complementaridade entre discurso jurídico e pressuposições morais conduzidas pelo discurso prático informa a concepção de Direito de HABERMAS, assumindo posição de destaque nas suas teorias da ação comunicativa e discursiva.

143 HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa, tomo I. Trad. Manuel Jimenez Redondo, 4 ed., Madrid: Taurus, 2003, p. 60.

2 – O DIREITO A PARTIR DA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA