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A nova ótica sobre o papel do Poder Judiciário na Teoria da Separação dos Poderes

3. O CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.1 A nova ótica sobre o papel do Poder Judiciário na Teoria da Separação dos Poderes

Montesquieu foi o primeiro sistematizador sobre as questões das funções estatais, por isso, é de justiça reconhecer-lhe o mérito de ter precisado a classificação das funções do Estado, correspondente à existência de três órgãos, hoje adotada por quase todas as organizações políticas48.

Nessa clássica concepção, o Estado, uma vez constituído, realiza os seus fins por meio de três funções49 em que reparte sua atividade: legislação, administração e jurisdição. A função legislativa liga-se aos fenômenos de formação do Direito, enquanto as outras duas, administrativa e jurisdicional, prendem-se à fase de sua realização. O exercício dessas funções é distribuído pelos órgãos denominados Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. É de notar, porém, que cada um desses órgãos não exerce, de modo exclusivo, a função que normalmente lhe corresponde, e sim tem nela a sua competência predominante.

Dessa maneira, a grande inovação oriunda da festejada teoria não seria a constatação de que o poder político se apresenta sob três formas ou funções básicas, o que já

48 Oportuno aqui registrar que o Estado brasileiro sempre adotou a teoria da separação dos poderes em todas as suas Constituições, Na primeira delas (Constituição Imperial de 1824), havia um quarto poder, o moderador, concebido por inspiração de Benjamin Constant, como meio de manutenção do equilíbrio entres os clássicos poderes.

49 Alguns estudiosos, a exemplo de Esmein e Maurice Hauriou, veem no organismo estatal uma quarta função, denominada função de governo ou função governamental. Também há quem cogite da existência, na vida do Estado, de uma função regulamentar.

47 se aferia desde a Grécia Antiga50, mas, sim, o fato de atribuir cada função a um órgão estatal distinto, evitando-se os abusos e preservando-se as liberdades públicas.

Noutro momento, os Estados Unidos da América, absorvendo também essa teoria, em que poder limita poder, associaram-na à idéia de Estado Democrático, ensejando a construção do “sistema de freios e contrapesos” ("Checks and Balances").

Nesse passo, cumpre destacar a grande responsabilidade dos Estados Unidos por situar o Poder Judiciário no mesmo nível político dos outros dois ramos do governo, configurando sua moderna função no mundo, através da célebre decisão de JOHN MARSHALL, Chief-Justice da Suprema Corte norte-americana, no caso MARBURY versus MADISON (1803). Tal caso inaugurou o poder da judicial review (revisão judicial), segundo o qual compete ao Poder Judiciário dizer o que é lei, considerada lei aquele ato legislativo em conformidade com a Constituição, por isso ato legislativo contrário à Constituição não é lei.

Afirmou-se, assim, o poder daquela Corte para a declaração de inconstitucionalidade de um ato legislativo, principiando o sistema de controle da constitucionalidade (difuso). Esta decisão é tão crucial para a caracterização das atribuições do Poder Judiciário e para o reconhecimento de sua vital importância no concerto das funções do Estado que se atribui a ela a responsabilidade pela fundação da doutrina americana da

supremacia judicial.

Nesse diapasão, os sistemas constitucionais deste final de século encarecem o papel do Poder Judiciário como aquele que se dota de melhores condições para assegurar a eficácia jurídica dos direitos fundamentais, especialmente quando se apresentar quadro de ameaça ou violação dos mesmos. Tanto é que nossa Constituição Federal consagra o Estado Brasileiro como Social Democrático, em que também se destaca o Poder Judiciário entre os demais, como agente transformador da realidade social e garantidor dos direitos.

Assim, não se concebe mais um Judiciário inerte, como mero apêndice dos demais poderes, o que implica estar, hodiernamente, por força do art. 5º, XXXV, da CF/88,

50 A ideia de especialização do poder político provém da Grécia Antiga, tendo sido revisitada ao longo da evolução da sociedade. Dessa forma, antes de Montesquieu, já haviam se manifestado sobre esse tema Platão e Aristóteles, na antiguidade; Santo Tomás de Aquino e Marsílio de Pádua, no medievo; Bodin, Spinoza e Locke, na modernidade. Note- se, porém, que a consagração se deu no Estado Liberal, por ter sido uma época em que se buscavam meios para enfraquecer o Estado, numa circunstância histórica em que se exigia a diluição do poder político do monarca.

48 autorizado, quando provocado no caso concreto, a aplicar os princípios constitucionais, sendo, pois, instância assecuratória dos direitos fundamentais a todos os jurisdicionados.

Tal noção é salutar para compreendermos até onde poderá decidir o julgador, sem prejuízo das demais funções estatais, conforme dispõe o art. 2º, da CF/88. Aliás, não é demais falar que o Princípio da Separação dos Poderes ou da Separação das Funções é cláusula pétrea fundamental. Primeiro, por sua origem histórica (encartado primeiramente na Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789). Segundo, por previsão expressa do legislador de 1988, que o disciplinou expressamente no artigo 60, § 4º, III.

Importa notar que, sendo o Estado um dos maiores agressores aos direitos fundamentais, seria uma flagrante contradição deixar que apenas ele definisse quando e como cumprir as normas constitucionais nas quais eles são declarados e segundo as quais têm de ser assegurados. Assim, o controle jurisdicional dos atos da Administração Pública se dá, de forma genérica, por meio do exercício do direito de ação, dentro de um devido processo legal.

Convém registrar, por oportuno, que existem dois sistemas de jurisdição pertinentes à realização do controle judicial da Administração Pública: o controle realizado por uma jurisdição comum e o controle realizado por uma jurisdição especial.

O controle realizado por uma jurisdição especial é característico do sistema de jurisdição dúplice, típico de países como a França, no qual existem Tribunais especificamente dotados de competência para apreciar contenciosos em que a Administração Pública seja parte - é o chamado contencioso administrativo. Aquela, portanto, nesse sistema, não se submete à jurisdição comum.

Essa concepção remonta à Revolução Francesa quando se compelia qualquer forma de intervenção de um poder sobre outro, visando impedir que o Judiciário (jurisdição comum) interferisse nos conflitos envolvendo os órgãos administrativos.

Atualmente, superada essa problemática, o sistema de dupla jurisdição permanece em vigor, desta vez sob o argumento de necessidade de maior especialização técnica por parte das Cortes quando da resolução de conflitos no âmbito da Administração Pública.

Já o controle exercido no sistema de jurisdição una é aquele no qual a Administração Pública submete-se a uma jurisdição comum. Esse sistema é típico de países

49 anglo-americanos e é também o adotado no Brasil, conforme previsão constitucional contida no artigo 5º, inciso XXXV, segundo a qual a lei não poderá excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito. Daí se dizer que a decisão de tribunal administrativo será revista pelo Poder Judiciário com força definitiva.

É, portanto, chegada a era do Poder Judiciário. Considerando, pois, as diretrizes do novo constitucionalismo e da chamada hermenêutica constitucional, a partir da positivação dos princípios na Constituição e o reconhecimento de sua normatividade, resulta clara a necessidade de controle da juridicidade dos atos do Estado, assumindo o Poder Judiciário, nesse contexto, um papel de destaque na garantia efetiva e eficiente dos direitos fundamentais, como guardião da Constituição.

Nesse sentido, vale registrar as palavras da Ministra Carmen Lúcia51, para quem, “ao Poder Judiciário cabe, no constitucionalismo contemporâneo, a tarefa mais elevada de impedir afrontas e desfazer, com eficácia e eficiência imprescindíveis, os desmandos que acometem, ameaçam e agridem os direitos fundamentais”.

Só a título de complementação, cumpre assentar que o Poder Legislativo também exerce certa parcela de controle sobre a Administração Pública, ainda que tal atribuição seja relegado ao mero controle externo, tendo em vista a aplicação, dentre outros, dos princípios da legalidade, da legitimidade e da economicidade, no contexto da fiscalização contábil, financeira e orçamentária, com o auxílio dos Tribunais de Contas, conforme reza o art. 71, III, da CF/88, o qual deve ser aplicado sistematicamente aos demais entes da federação.

3.2 A redefinição do Princípio da Legalidade e sua relação com o controle judicial da