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Ação, agentes, intenção e causalidade

SUMÁRIO

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

1.1 O FENÔMENO LINGUÍSTICO: O HOMEM E O MUNDO

1.1.1.3 Ação, agentes, intenção e causalidade

A codificação linguística de Estado ou Evento está intimamente ligada à classe dos verbos. Serão estes os primeiramente responsáveis pela distinção na denotação lexical (cf. GIVÓN, 2012; CHAFE, 1970; LANGAKER, 1975 e TALMY, 1976). “A natureza do verbo determina o que o resto da sentença será” (CHAFE, 1970, p. 97), ou seja, há uma supremacia da categoria verbal na constituição das sentenças. Os verbos de estado não podem indicar mudança no tempo, mesmo que ele indique uma curta ou longa porção de tempo, essa possibilidade está completamente descartada. Por sua vez, os verbos que indicam evento se diferem dos primeiros, justamente por viabilizar qualquer que seja uma mudança no tempo, por menor que seja a proporção desta mudança (cf. GIVÓN, 2001, p. 106). Desta forma, (7a) indica um estado, enquanto (7b) indica um evento:

(7) a) Estado: A bola está sobre a mesa. b) Evento: A bola caiu da mesa.

O verbo que descreve o evento em (7b) mostra explicitamente que ‘cair’ expressa uma posição inicial em relação ao eixo temporal de iniciar o evento ‘cair’, da mesma forma, percebem-se um estado inicial e outro terminal em relação à posição da entidade ‘bola’. Neste caso, ainda em (7b), temos

(7) b) A bola caiu da mesa

Estado inicial: sobre a mesa Estado final: fora da mesa

De forma diferente, há verbos que não deixam explicitamente clara a ideia presente na sentença do que seria um estado inicial e outro final. Quando se diz, por exemplo:

(8) A bola rolou pela sala.

Já neste caso (8), percebe-se que há uma ideia de mudança no eixo temporal, mas não se pode definir. Pode-se considerar o estado final um local subsequentemente afastado do estado inicial, mas isto só pode ser definido com precisão se estes estados forem prefixados no espaço (cf. GIVÓN, 1973b).

Aos eventos, cabe ainda somar a possibilidade de estes serem ‘causados’ ou ‘não causados’. Aqueles que são ‘não causados’, denominam-se ‘não volicionais/involuntários’. Os dois últimos números exemplares ilustram bem essa possibilidade, aqui os reescrevemos:

(7) a) Estado: A bola está sobre a mesa. b) Evento: A bola caiu da mesa.

São entendidos como ‘não volicionais/involuntários’, pois não apresentam “causa explicitamente mencionada”8

. É bem verdade que pode ter havido uma entidade diferente de ‘bola’ responsável pelo evento, mas isto não é de interesse para a explicação especificamente do verbo ‘rolou’, já que ainda não se tocou no quesito ‘responsabilidade’ para a concretização de um evento. Sobre isto, trataremos em páginas mais adiante.

De outro lado, encontram-se os eventos que são ‘causados’, os quais se denominam ‘volicionais/pretendidos’. Esses eventos são chamados ‘ações’, por sua vez, os verbos que nomeiam essas ações são denominados de ‘verbos ativos’. Uma característica desses verbos é de “descreverem uma mudança de estado no universo de um estadoi anterior a um eixo temporal para um estadoj algum tempo

depois do eixo temporal” (GIVÓN, 2012, p. 424). Vale salientar que essa mudança pode ocorrer no sujeito causador da ação (9a, b) ou ainda no(s) objeto(s) (9c, d). Observe-se:

(9) a) Mariana andou toda a rua da escola. b) Adriano percorria o caminho calmamente. c) João quebrou o vidro do ônibus em sua raiva. d) Eloiza colocou as toalhas na cômoda.

Chafe (1970, p. 98-99) afirma que a pergunta “O que aconteceu?” pode ser dirigida a esses verbos ativos, diferentemente dos verbos de estado. Portanto, teríamos:

– O que aconteceu?

– Mariana andou toda rua da escola. – João quebrou o vidro do ônibus. Mas não se poderia dizer:

(7a) A bola está sobre a mesa.

Segundo Chafe (1970) ainda, o aspecto verbal de continuidade pode ser atribuído a verbos ativos, mas nunca a verbos de estado. Em (9d),

8

GIVÓN, 2012, p. 424. Para esse autor, isto apresenta íntima relação ao mapa cognitivo refletido na língua.

(9) d) Eloiza colocou as toalhas na cômoda. Poderia ser construída a seguinte forma: Eloiza está colocando as toalhas na cômoda.

Mas não o mesmo em (7a):

(7a) A bola está estando sobre a mesa.

Os verbos ativos, ou seja, as ações, podem também atribuir

responsabilidade pelos eventos, sendo, neste caso, o sujeito um agente-causador.

É importante ressaltar que, sobretudo e primariamente, os agentes humanos desempenhariam um comportamento intencional na concretização do evento. Observemos os exemplos ilustrativos a seguir:

(10) a) Francisco rasgou a tolha ao meio quando foi tirá-la do varal. b) Francisco rasgou a toalha propositalmente.

Nos dois exemplos, vemos a responsabilidade do agente sobre o ocorrido, mas em (10a) o agente causou o evento sem intenção/responsabilidade. Neste caso, o verbo não pode ser considerado como uma ação, já que ‘a toalha foi rasgada quando Francisco foi tirá-la do varal’, diferentemente de (10b), quando, de fato, o agente pretendeu causar o resultado descrito no verbo ativo. Poderia ser apresentado, no entanto, um problema em (9c):

João quebrou o vidro do ônibus em sua raiva.

Poderíamos afirmar claramente que, ‘em sua raiva’, o sujeito-agente está realizando uma ação por sua vontade, mas ele, talvez, poderia querer fazer outra coisa, como ‘lançar uma pedra para o outro lado da rua, mas a pedra acertou o ônibus acidentalmente’, neste caso o desejo de ação do agente não era de quebrar o vidro do ônibus. A solução encontrada na maioria das línguas, talvez seja a ideia de controle, em que o agente causador do evento mostra ter além, de volição-intenção, o controle sobre suas ações (GIVÓN, 1975d), uma vez que “cada causação controlada envolve também uma intenção, mas algumas intenções podem não

envolver causação controlada” (GIVÓN, 2012, p. 425). A ilustração abaixo exemplifica a máxima apresenta:

(11) Mariana desejava muito sair da sala, mas estava presa com cordas à cadeira.

Como vemos, o possível sujeito-agente da ação de sair não pôde realizar sua intenção. No exemplo, é descrito um comportamento intencional, diferente de uma simples intenção.

Os eventos causados, portanto, podem ser assumidos, quase por exclusividade, por humanos, como se viu em rasgar, sentar, andar, percorrer, quebrar, colocar, sair, ou seja, os sujeitos desses eventos só podem ser do tipo agente. Entretanto, em alguns casos, raras entidades teriam concessão para assumir esse papel, como: “carro, computador, ventos e fogos, ocasionalmente água, e – como uma categoria oscilante – vertebrados superiores” (GIVÓN, 2012, p. 425). Os exemplos a seguir ilustram claramente que ações causais, isto é, eventos pretendidos, são restritos a humanos, que sejam, inclusive, conscientes da realização de um comportamento intencional, tendo, obviamente, controle sobre seu comportamento:

(12) a) Guilherme correu no quintal.

b) Guilherme encenou Romeu no teatro de sua escola. c) Guilherme convidou todos os amigos para uma festa. d) Guilherme escreveu no caderno todo o assunto da aula.

“A influência semântica dos verbos é determinante, sobrepondo-se aos nomes que os acompanham” (CHAFE, 1970, p. 97). Por isso, um humano não dotado de intenção e consciência não poderia assumir a responsabilidade dos eventos listados anteriormente em (12). Absolutamente, uma criança de poucos meses ou um adulto como aquele do exemplo (11) não poderiam ser os agentes das ações causadas supracitadas. Podemos ir mais longe ainda: para que esses eventos se realizem, é

necessário que haja uma entidade da classe humano adulto. Talvez um cavalo pudesse realizar a ação (12a)9.

Da mesma forma, somente humanos conscientes poderiam assumir a responsabilidade, mesmo estando na sentença em posição de objeto:

(13) a) Fernando pediu a João que fizesse a tarefa. b) Suas felicitações me alegram profundamente.

c) Gustavo perguntou a Rodolfo se a lista estava pronta. d) O reitor ordenou-lhe que deixasse a sala.

e) A senhora o admitiu em sua empresa. f) Elvis ofereceu-lhe chocolates saborosos.

Segundo Givón (2012), a essa mesma classe de humanos adultos, é atribuída a permissão para os seguintes verbos:

i) referentes à cognição: suspeitar, supor, entender, acreditar, pensar, saber etc.; ii) referentes à emoção: zangar-se, entristecer-se, temer, apaixonar-se etc.; iii) referentes à intenção: recusar, planejar, pretender, querer, desejar etc.

Para este autor, a consciência é um denominador comum de todos os verbos listados não só no parágrafo anterior, mas em todos os outros exemplos referentes a ações causadas, pois para ele toda ação intencional implica consciência, mas não obrigatoriamente o contrário, portanto:

i) ação intencional é subcategoria de consciência;

ii) todo agente, sendo ator sob poder próprio10, é essencialmente um participante consciente; e

iii) todo agente voluntário é essencialmente um participante consciente.

Para Chafe (1970) o verbo tem uma função determinante na constituição da sentença, determinando quais nomes poderão ou não fazer parte dela. O mesmo não se pode dizer do contrário, pois os nomes não possuem essa característica

9

Ver Givón (2012, p. 426).

determinante. Aprofundando ainda mais as propriedades verbais, na seção que se segue, versaremos sobre algumas das particularidades funcionais do verbo na sentença no que tange a ontologia de causação e agentividade.