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AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N° 19

No documento A constitucionalidade da lei Maria da Penha (páginas 37-43)

1 INTRODUÇÃO

4.4 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N° 19

A Ação Declaratória de Constitucionalidade é uma das espécies de controle de constitucionalidade. Para Moraes “Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou ato normativo com a constituição”. 98

Trazida pela ECn°3/93 e modificada posteriormente pela Emenda n° 45/04. A ADC é proposta, com o intuito de declarar a constitucionalidade de uma norma infraconstitucional. E dessa maneira dar maior segurança jurídica sobre a validade das leis quanto à aplicação nas relações jurídicas. 99

Conforme Alexandre de Moraes (2004, p.600) ensina: “Neste ponto, situa-se a finalidade precípua da Ação Declaratória de Constitucionalidade: transformar a presunção relativa de constitucionalidade em presunção absoluta, em virtude de seus efeitos vinculantes”.100

O artigo 102, inciso I, a, da Constituição Federal preceitua que compete ao Supremo Tribunal Federal, órgão guardião da Constituição, a competência originária para apreciar e julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade. Segundo estabelece o artigo 103 da Constituição Federal, são legítimos para a propositura da referida ação, as pessoas relacionadas nos seus respectivos incisos, entre elas, o Presidente da República.

Silva relata que no processamento desta ação não será necessária a intervenção do Advogado-geral da União, como ocorre com a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, pois o Supremo Tribunal Federal já decidiu nesse sentido. 101

98 MORAES, 2004, p. 600. 99

SILVA, Roberto B. Dias da. Manual de Direito Constitucional, 1a Edição, São Paulo: Editora Manole, 2007. p.53.

100Ibid, p. 658.

101SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.59

A peça que deu início a ADC n° 19, foi oferecida em dezembro de 2007, pelo Presidente da República, representado pelo Advogado-geral da União. Este atua na presente causa nos termos do art. 131 da Constituição Federal, ou seja, não como defensor da lei em si, mas como assessor jurídico do Poder Executivo.

Em seu texto, foi analisada a validade de alguns artigos da Lei Maria da Penha com o objetivo de declarar harmônicos com a Constituição. Inicialmente o art. 1° e o principio da isonomia (art.5°, CF), o segundo foi o art. 33 e a competência atribuída os Estados para fixar a organização judiciária (art. 125, parágrafo 1° e art.96, II, “d”, CF) e por fim o art. 41 e a competência conferida aos juizados especiais para processar e julgar os crimes de menor potencial ofensivo.

A petição da Ação Declaratória nº. 19 argumenta a necessidade de uma Lei especial para regulamentar a violência doméstica e familiar contra as mulheres, uma vez que elas são notoriamente mais atingidas do que os homens. Afirmou ainda que a Lei Maria da Penha é um instrumento de concretização da igualdade material entre homens e mulheres, confere, portanto, efetividade à Constituição Federal, pois esta inspira-se em princípios éticos e compensatórios. 102

Como acima citado, algumas inconstitucionalidades apontadas contra a Lei Maria da Penha, não têm a intenção de afastá-la do mundo jurídico, mas sim, discutirem questões eminentemente processuais.

Alega-se que seria inconstitucional a lei federal definir a organização judiciária, ao determinar a criação de juizados específicos para a proteção da mulher, tendo em vista que isso seria de competência exclusivamente estadual.

Contudo, compete à União legislar sobre Direito Processual (art. 22, inc. I da CF/88), razão pela qual a Lei Maria da Penha, elaborada pela União, pode dispor sobre normas de Direito Processual. Ademais, em atenção ao próprio princípio federativo, cumpre à União fixar as diretrizes gerais e aos Estados, os locais, onde a determinação da criação de Juizados específicos para a violência doméstica implica em diretriz geral passível de complementação pelos Estados segundo as peculiaridades regionais, consoante com o entendimento segue transcritas palavras proferidas na ADC nº. 19:

A alegação é improcedente, visto que compete privativamente à União legislar sobre Direito Processual (CF, art. 22, I), de forma a conferir

102BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 19 (petição inicial). Requerente: Presidente da República. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 21 de dezembro de 2007. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2584650>. Acesso em: 1. Jun. 2010

tratamento uniforme a tais questões, em especial as que extrapolam os interesses regionais dos Estados, como é o combate internacional à violência doméstica ou familiar contra a mulher.

Dessa forma, em virtude dos compromissos internacionais firmados pelo Brasil, não se pode deixar o regramento da matéria ao alvedrio das ordens locais, visto que a violação aos direitos das mulheres pode implicar responsabilidade, no âmbito internacional, do país.

No entanto, caberá ao Estado o detalhamento das peculiaridades locais, a exemplo do número de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, desde que observe as diretrizes gerais fixadas pela União.

Com efeito, a Lei 11.240/2006 não trata do detalhamento típico da organização judiciária do Estado mas apenas regula matéria processual pertinente à necessária especialização do Juízo, bem assim determina a acumulação das competências cível e criminal em Vara Criminal até a criação dos Juizados, de forma a conferir celeridade à solução das questões sabidamente interdependentes e urgentes, como é o combate à violência doméstica, que, geralmente, envolve aspectos penais e cíveis.103

No mesmo sentido expõe Maria Berenice Dias (2005, p.45):

Porém, não há inconstitucionalidade no fato de lei federal definir competência. Ao assim proceder, não transborda seus limites. Nem é a primeira vez que o legislador assim age. Situação semelhante já ocorreu quando foi afastada a incidência da Lei dos Juizados Especiais no âmbito dos crimes militares. Também a Lei 9;278/1996, ao regulamentar a união estável, definiu a competência do juízo da Vara de Família.

A par de ter determinado a criação dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFMs, enquanto não forem eles instalados, foi atribuída às Varas Criminais competência para julgar as causas cíveis e criminais. Com isso, subtraiu-se a competência dos Juizados Especiais, ao ser expressamente afastada a aplicação da Lei 9.099/95 (art. 41). Como foi excluída a incidência do juízo especial, a definição da competência deixa de ser da esfera de organização privativa do Poder Judiciário (CF, 125, §1o). Desse modo, não há como questionar a constitucionalidade da alteração levada a efeito, atentando ao vínculo afetivo dos envolvidos.104

Por outro lado, também não há inconstitucionalidade no afastamento dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995 no que tange à violência doméstica. É incoerente dizer que a União, cujo tem a competência para legislar sobre Direito Penal e Processual (art. 22, I, CF/88) não poderia criar penas diversas para situações diversas, visto que investida de competência constitucional para tanto, não havendo, ademais, qualquer proibição para que fixe diversos definidores de menor potencial ofensivo, segundo os conceitos de regra e exceção.

Segundo a ADC nº. 19:

103

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 19

(petição inicial). Requerente: Presidente da República. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 21 de dezembro de 2007. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2584650>. Acesso em: 1. Jun. 2010

104 DIAS, Maria Berenice. MANUAL DO DIREITO DAS FAMÍLIAS, 1a Edição, Porto Alegre:

No ponto, inexiste inconstitucionalidade, uma vez que o Poder Constituinte não pré-selecionou o critério a ser valorado para definição de crimes de menor potencial ofensivo, de competência dos Juizados Especiais, ao contrário, cometeu ao legislador infraconstitucional a tarefa de concretizar o comando normativo (mediação legislativa).Assim, cabe ao legislador infraconstitucional, observado o princípio da razoabilidade, selecionar um ou mais critérios para definição do que se considera ‘menor potencial ofensivo’.105

Consoante Maria Berenice Dias traz ainda:

(...) A exclusão destas benesses levada a efeito pela Lei Maria da Penha quanto aos delitos domésticos não afeta sua higidez. Como explica Marcelo Lessa Bastos, existe uma regra e a exceção: são infrações penais de menor potencial ofensivo e, portanto, da competência dos Juizados Especiais Criminais, sujeitas aos institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, todas as infrações penais cuja pena máxima cominada não exceda a dois anos, exceto aquelas que, independente da pena cominada, decorram de violência doméstica ou familiar contra a mulher, nos termos do artigo 41, combinado com os arts. 5.o e 7.o da Lei 11.340/2006.106

O afastamento dos mecanismos despenalizadores da Lei 9.099/1995 do âmbito da violência doméstica justifica-se pelo fato de que os mesmos se provaram ineficazes para combater a violência doméstica. Nesse sentido, aponta Marcelo Lessa Bastos (2007, p.56):

Veio, então, a lei em comento – a Lei ‘Maria da Penha’ – cuja origem, não se tem dúvidas em afirmar isto, está no fracasso dos Juizados Especiais Criminais, no fiasco que se tornou a operação dos institutos da Lei 9.099/1995, não por culpa do Legislador, ressalva-se, mas, sem dúvida, por culpa do operador do Juizado, leiam-se, Juízes e Promotores de Justiça, que, sem a menor cerimônia, colocaram em prática uma série de enunciados firmados sem o menor compromisso doutrinário e ao arrepio de qualquer norma jurídica vigente, transmitindo a impressão de que tudo se fez e se faz com um pragmatismo encomendado simplesmente e tão- somente para diminuir o volume de trabalho dos Juizados Especiais Criminais.107

Em resumo, a Lei Maria da Penha se afigura constitucional também sobre os aspectos abordados neste capítulo. Contudo, ainda que se considere equivocado o entendimento, haveria tais inconstitucionalidades, mesmo inexistentes, contudo as mesmas não têm o condão de expurgar a Lei Maria da Penha do mundo jurídico, seu reconhecimento levaria, tão-somente, ao julgamento das ações de violência doméstica contra a mulher nas varas criminais comuns.

105BRASIL, loc. cit. 106

DIAS, 2005, p.46. 107

BASTOS, Marcelo Lessa (Violência doméstica e familiar contra a mulher, p. 2), apud DIAS, Maria Berenice. A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica contra a mulher, 1a Edição, 2007, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.

Ação Declaratória nº 19 também foi intentada com pedido de liminar. Ocorre que, segundo relatório proferido pelo Ministro Marco Aurélio, ora relator, no dia 21 de dezembro de 2007, foi negado a sua concessão.

Conforme expõem Moraes (2004, p.662), baseando-se em posicionamento do STF:

Uma vez concedida a liminar em ação declaratória de constitucionalidade, não haverá mais possibilidade do afastamento, por inconstitucionalidade, da incidência da lei ou ato normativo federal por parte dos demais órgãos do Poder Judiciária e Executivo, que deverão submeter-se ao integral cumprimento da norma analisada liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal, em face dos seus efeitos vinculantes.108

Desse modo, enquanto não for decidida definitivamente a Ação Declaratória n°19 pelo Pretório Excelso, a Lei Maria da Penha poderá ter sua aplicação afastada pelos juízes ou Tribunais que a julgarem inconstitucional. É por esse motivo que se observa a necessidade da referida Ação ser julgada com mais celeridade. Enquanto isso vigora, no plano jurídico atual, quanto à aplicação da nova Lei, certa insegurança jurídica.109

É incontestável a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, tendo em vista que o aspecto material da isonomia justifica o tratamento diferenciado às mulheres em razão da histórica violência que têm elas sofrido no âmbito doméstico, violência esta que não tem existido, ao menos em igual proporção, em face dos homens em geral, além de constituir um importante fim estatal a especial proteção à mulher no que tange à violência doméstica do que a proteção conferida ao homem nesse ponto, mediante a censura estatal ao menosprezo à mulher pelo simples fato de ser do sexo feminino, ante a função educativa do Direito em geral, donde também do Direito Penal, sendo que mesmo à luz da teoria do Direito Penal Mínimo justifica-se a Lei Maria da Penha na medida em que se trata de tema da mais alta relevância, que precisa ser punido criminalmente pelo Estado ante a enormidade de casos de violência doméstica contra a mulher por puro machismo de seus companheiros.110

Ainda que se considere afrontada a isonomia, o que é um equívoco, é de se notar que se trata de inconstitucionalidade por omissão parcial, donde jamais poderá a Lei Maria da Penha ser expurgada do mundo jurídico em virtude de as mulheres fazerem jus à proteção por ela estabelecida, sendo inconteste que em casos tais de

108 MORAES, 2004, p. 662. 109ANDRADE; NETO, loc. cit.

110SILVA, Roberto B. Dias da. Manual de Direito Constitucional, 1a Edição, São Paulo: Editora

inconstitucionalidade por omissão o grupo beneficiado pela lei não pode perder tal benefício em virtude de ser merecedor do mesmo como o são as mulheres.

Como já mencionado compete à União legislar sobre Direito Processual (art. 22, inc. I da CF/88), razão pela qual a Lei Maria da Penha, elaborada pela União, pode dispor sobre normas de Direito Processual, sendo que, em atenção ao próprio princípio federativo, cumpre à União fixar as diretrizes gerais e aos Estados, as locais, donde a determinação da criação de Juizados específicos para a violência doméstica implica em diretriz geral passível de complementação pelos Estados segundo as peculiaridades regionais, donde inexiste inconstitucionalidade nas normas gerais sobre Direito Processual existentes na Lei Maria da Penha.

No documento A constitucionalidade da lei Maria da Penha (páginas 37-43)

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