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A constitucionalidade da lei Maria da Penha

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MARCELO TOMELIN BOGO

A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA - REFLEXÕES A RESPEITO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À IGUALDADE

PALHOÇA (SC) 2010

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A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA - REFLEXÕES A RESPEITO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À IGUALDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof.ª Patrícia Russi.

PALHOÇA (SC) 2010

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A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA - REFLEXÕES A RESPEITO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À IGUALDADE

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça (SC), 14 de Junho de 2010

______________________________________ Orientadora: Prof.ª Patrícia Russi.

Universidade do Sul de Santa Catarina

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________ Prof.ª Siomara Aparecida Marques

_________________________________________ Prof.ª Priscila de Azambuja Tagliari

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A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA - REFLEXÕES A RESPEITO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À IGUALDADE

Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerta desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça (SC), 14 de Junho de 2010

___________________________________________ Marcelo Tomelin Bogo

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Dedico este trabalho primeiramente a minha família pelo carinho e pela ajuda que nunca faltou, agradeço também meus amigos que sempre estiveram presentes e a Deus por me proporcionar este momento.

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Agradeço primeiramente a Deus, que deu a mim esta oportunidade.

Aos meus pais, Valdir e Teresinha, sempre tão presentes em minha vida, mesmo diante de tantos afazeres, mas sempre me apoiando e incentivando com muito amor e carinho.

Aos meus irmãos, André e Rose, por termos vividos junto grande parte de nossas vidas, e por eles terem presenciado a maior parte das minhas conquistas, ambos sempre me ajudando e apoiando no que fosse preciso, sem deixar de lado minha sobrinha Eduarda que é uma fonte de inspiração e energia para toda a família.

A minha professora orientadora, por ter disponibilizado gentilmente seu precioso tempo para me ajudar no que foi preciso para a elaboração deste trabalho.

Por fim, agradeço meus colegas de faculdade, pelos momentos inesquecíveis proporcionados nestes anos juntos, bem como a todos que de certo modo me incentivaram para a conclusão deste.

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O presente trabalho trata da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). A qual foi editada em decorrência de uma longa luta pelo combate à violência doméstica contra a mulher, alvo principal deste tipo de agressão. No transcurso da pesquisa será abordado a Lei Maria da Penha, bem como seus aspectos legais, e fundamentação a cerca da sua constitucionalidade. No decorrer desta também será analisada a Lei, desde a origem da sua denominação, os tipos de violência no âmbito doméstico, a importância dos tratados internacionais, a sua efetividade e abrangência no plano jurídico, sua harmonia com a Constituição Federal em face do Princípio da Isonomia, por fim a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 19 do STF. A Verificação de críticas referentes a inconstitucionalidade da lei, seu fundamento e se ela é comprovadamente necessária, justa e eficaz no combate à violência praticada no âmbito doméstico contra a mulher.

Palavras-chave: Princípio da Isonomia. Violência contra as mulheres. Constitucionalidade da Lei.

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1 INTRODUÇÃO...9

2 ASPECTOS HISTÓRICOS A RESPEITO DA LEI 11.340/2006...10

2.1 O NOME DE UMA MULHER...10

2.2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO...11

2.2.1 A luta contra a violência doméstica...13

2.3 A INFLUÊNCIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS...15

2.4 O PROJETO DE LEI N° 4.559/2004...17 3 ASPECTOS DA LEI N° 11.340/2006...19 3.1 FINALIDADE...19 3.2 ABRANGÊNCIA...20 3.2.1 Unidade doméstica...22 3.2.2 Âmbito familiar...22

3.2.3 Relação íntima de afeto...24

3.3 ESPÉCIES DE VIOLÊNCIA...25 3.3.1 Violência física...26 3.3.2 Violência psicológica...27 3.3.3 Violência sexual...28 3.3.4 Violência patrimonial...30 3.3.5 Violência moral...31 4 SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE...32 4.1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE...32

4.2 HIPÓTESES VÁLIDAS DE TRATAMENTO DIFERENCIADO...34

4.3 DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI...36

4.4 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N° 19...37

5 CONCLUSÃO...43

REFERÊNCIAS...45

ANEXOS...48

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1 INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objetivo principal analisar a Lei Maria da Penha. Iniciando por seus aspectos mais importantes, contexto histórico, alguns conceitos relevantes e, por fim, a polêmica gerada em torno da sua constitucionalidade, em vista do suposto confronto com o princípio da igualdade.

A preferência por este tema se deu em razão da Lei Maria da Penha ser um tema socialmente relevante, devido à necessidade de amparo às mulheres vítimas de violência, no caso, a doméstica.

Este trabalho, além de descrever e analisar o processo histórico que deu origem à Lei Maria da Penha, conceitua algumas pontos específicos constantes na referida Lei, os quais merecem maior esclarecimento considerando a necessidade de tratamento desigual no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher.

O procedimento de pesquisa adotado no presente trabalho será o bibliográfico, sendo que, para o seu desenvolvimento, serão trazidas informações de livros que tratam da violência doméstica, bem como jurisprudências, legislação e artigos publicados na rede mundial de computadores (internet).

O trabalho está dividido em cinco capítulos. O primeiro traz a presente introdução e em seguida no segundo capítulo expõe o contexto histórico da Lei Maria da Penha, tratando dos principais acontecimentos até seu surgimento, desde a sua origem, até o projeto de lei que a antecedeu.

Logo o terceiro capítulo analisa conceitos especiais acerca de dispositivos previstos na mencionada Lei, a fim de que haja compreensão e entendimento sobre os fins a que ela se destina, bem como sobre as situações em que cabe a sua aplicação.

No quarto capítulo, há considerações a respeito da constitucionalidade no contexto da Lei n° 11.340/2006, à possibilidade de tratamento diferenciado perante a constituição, e também analisaremos a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 19 do STF, em face dos artigos 33 e 41 da Lei Maria da Penha. E por fim, no quinto e último capítulo a conclusão deste trabalho.

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2 ASPECTOS HISTÓRICOS À RESPEITO DA LEI 11.340/2006

Até surgir a Lei Maria da Penha houve inúmeros casos de sofrimento de mulheres, não reconhecidas pelo Estado durante séculos, lutaram pelo fim da violência, luta esta, que é de muita importância para a sociedade.

Este capítulo aborda todo o caminho percorrido pelas mulheres, especificamente por Maria da Penha, até a sanção da Lei n° 11.340 de 2006.

2.1 O nome de uma mulher

Maria da Penha Maia, farmacêutica bioquímica, mãe de três filhas, uma dentre inúmeras mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil1. Casada com Marco

Antônio, sofria agressões e ameaças, contudo se calava, pois temia algo pior acontecer.

Não obstante, no ano de 1983, durante seu repouso, Maria da Penha foi surpreendida por parte de seu marido, que lhe desferiu um tiro, deixando-a paraplégica.2

Sobre o acontecimento, acrescentam Cunha e Pinto:

O ato foi marcado pela premeditação. Tanto que seu autor, dias antes, tentou convencer a esposa a celebrar um seguro de vida, do qual ele seria o beneficiário. Ademais, cinco dias antes da agressão, ela assinara, em branco, um recibo de venda de veículo de sua propriedade, a pedido do marido.3

Insatisfeito e descontente pela tentativa de homicídio frustrada, o agressor novamente atentou contra a vida de sua esposa, desta vez tentou eletrocutar a esposa enquanto ela tomava banho, apenas algumas semanas após ter retornado do hospital quando ainda se recuperava da violência anterior.4

Diante de tanta amargura, Maria da Penha saiu de casa e denunciou o marido pelos crimes cometidos e iniciou uma longa batalha em busca da condenação de seu

1 HERMANN, Leda Maria; Maria da Penha Lei com Nome de Mulher: violência domestica e familiar, considerações à Lei nº. 11.340/2006, comentada por artigo, 1ª. Ed, Editora Servanda, 2008, p. 17. 2 Ibid, p. 18.

3CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: lei maria da penha (lei nº.11340/2006), comentada artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 21.

4 BISOGNIN, Carolina Vicente; STAHLHÖFER, Iásin Schäffer; PEREIRA, Matheus Castelan. Lei 11.340/2006: seu contexto, conteúdo e aplicação. Revista eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa aria, v. 2, n. 3, nov. 2007. Disponível em:

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agressor. A fase investigativa começou em junho do mesmo ano, mas a denúncia somente foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro de 1984.5

Passados 14 anos, já em 1998, Maria da Penha, insatisfeita com a atuação do Judiciário Brasileiro delatou o fato à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Três anos depois o Estado Brasileiro foi responsabilizado por sua negligência e omissão quanto à violência doméstica e, recebeu recomendações da CIDH para tomar as devidas providências no que diz respeito ao episódio de Maria da Penha, bem como ficou de rever as políticas públicas no que tange à violência contra a mulher no País.6

Tal sanção foi motivo suficiente para a edição da Lei n° 11.340/06, que foi denominada como Lei Maria da Penha, devido ao sofrimento de uma mulher que lutou por anos em busca de justiça.

Marco Antônio somente foi encarcerado em 2002, ou seja, quase vinte anos após os fatos, porém ficou preso por apenas dois anos, tendo em vista que obteve a progressão para o regime aberto, permitido na época para o delito de homicídio qualificado.7

2.2 Violência de gênero

Influenciado pelas diferenças culturalmente existentes entre homens e mulheres, criou-se em nossa sociedade a idéia de que as mulheres pertencem aos homens e eles podem “dispor” delas da maneira como desejarem.

Assim explica Silva:

Ainda hoje a construção social engendrada para manter o status quo de domínio não é percebida pelo senso comum social, razão pela qual a submissão feminina ainda assume contornos de realidade imanente, histórica, biológica e natural. E é neste contexto de normalidade das relações de poder entre os sexos, de naturalidade da vida sob a égide da "lei do pai" que tem lugar a violência doméstica.8

5 SILVA, Ricardo José de Medeiros e; A Lei Maria da Penha e a União Homoafetiva. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=413>. Acesso em 19 de Abr. 2010.

6CORTÊS, Iares Ramalho; MATOS, Myllena Calasans de. Lei Maria da Penha: do papel para a vida. Brasília: centro feminino de estudos e assessoria, 2007. Disponível em:

<http://www.assufba.org.br/legis/leimariadapenha.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2010. 7CUNHA; PINTO, 2008, p. 22 e 23.

8 SILVA, Danielle Martins. Violência doméstica na Lei Maria da Penha. Reflexos da visibilidade jurídica do conflito familiar de gênero. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1874, 18 ago. 2008. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11614>. Acesso em: 26 abr. 2010.

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Diante desse comportamento social, advindo de fatores culturais, fica clara a necessidade de uma lei que tenha uma abrangência específica, para combater neste caso a violência de gênero.

“A violência de gênero é um padrão específico de violência fundada na hierarquia e desigualdade de lugares sociais sexuados que subalternizam o gênero feminino, e amplia-se e reatualiza-se na proporção direta em que o poder masculino é ameaçado.” 9

Portanto, o homem que busca ser respeitado em sua virilidade, comportamento advindo de uma cultura imposta pela sociedade, muitas vezes opta por usar a violência, geralmente em casa.

Resultados de pesquisas da Organização Mundial de Saúde (OMS) realizadas junto a mulheres vítimas de várias formas de agressões, demonstram que “30% das mulheres foram forçadas nas primeiras experiências sexuais; 52% são alvo de assédio sexual; 69% já foram agredidas ou violadas.”10

Não obstante, para piorar a situação, Dias (2008) aponta que os números mencionados acima “não retratam a realidade, pois a violência é subnotificada, somente 10 % das agressões sofridas por mulheres são levadas ao conhecimento da polícia.”11

A maioria das vítimas se calam perante a violência, e esse comportamento decorre de diversos fatores, tais como o receio de novamente serem agredidas, como também o medo em relatar a situação, pelo fato de não terem para onde ir a princípio, ou por serem economicamente dependentes dos maridos, ou até mesmo por esperança que a agressão não se repetirá.12

A violência doméstica contra as mulheres, jamais cessará enquanto estas não pedirem ajuda, e deixarem de ficar caladas. Maria da Penha também temia o pior acontecer e por muito tempo permaneceu calada, causando-lhe um sofrimento indescritível.

9 SAFFIOTE; ALMEIDA apud RECHTMAN, Moisés; PHEBO, Luciana. Pequena história da subordinação da mulher: as raízes da violência de gênero. Disponível em:

http://comunidadesegura.org.br/pt-br/node/20099 Acesso em: 29 abr.2010.

10 WELTER apud DIAS, Maria Berenice. A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.15

11 Ibid, p. 16-17.

12ANDRADE, Maísa Sá de; NETO, Manoel Valente Figueiredo. Considerações sobre a

constitucionalidade da Lei Maria da Penha (Lei N° 11.340/2006). Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5219>. Acesso em: 30 abr. 2010.

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Apesar disso, depois da triste experiência de dor e sofrimento, Maria da Penha confessou: “me senti recompensada por todos os momentos nos quais, mesmo morrendo de vergonha, expunha minha indignação e pedia justiça para meu caso não ser esquecido.” 13

2.2.1 A luta contra a violência doméstica

O início dessa luta pode ser definido com o slogan “Quem ama não mata”, feito devido aos inúmeros casos de assassinato de mulheres, por seus companheiros, em legítima defesa da honra.14

Diante desta situação muitas mulheres sofreram com a violência perpetrada por seus companheiros, os quais chegam ao ponto de matar as esposas e depois se defendem alegando a legítima defesa da honra, tese facilmente admitida pelo Tribunal do Júri.

Atualmente, tais argumentações ainda são levantadas pelos agressores, porém, felizmente, não têm a mesma aceitação que possuíam há décadas, conforme se constata no julgado da Apelação Criminal, nº. 2005.026932-4 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).

JÚRI - TENTATIVA DE HOMICÍDIO SIMPLES - AGENTE QUE DESFERE TRÊS FACADAS NA REGIÃO ABDOMINAL DA VÍTIMA, A QUAL NÃO VEM A FALECER POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À VONTADE DO RÉU - LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA NÃO ACOLHIDA PELO CONSELHODE SENTENÇA - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - CONFISSÃO DO ACOIMADO ALIADA ÀS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA SOBREVIVENTE E DEMAIS PROVAS QUE AMPARA A VERSÃO ACOLHIDA PELOS JURADOS - MANUTENÇÃO DO

DECISUM.15

Tal quebra da tese da legítima defesa da honra, a respeito das agressões contra mulheres, teve início no final da década de 1970, quando as mulheres iniciaram a batalha contra a violência doméstica e sexual.16

13 CUNHA; PINTO, 2008, p. 26.

14 RECHTMAN, Moisés; PHEBO, Luciana. Pequena história da subordinação da mulher: as raízes da violência de gênero. Disponível em:

<http://www.isis.cl/Feminicidio/doc/doc/violencia_mulhe%8A%E9s_Rechtman.pdf.>. Acesso em: 29 abr.2010.

15BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação criminal n° 2005.026932-4. Recorrente: Hélio Ortiz dos Santos Júnior. Recorrido: Ministério Público de Santa Catarina. Relator:

Desembargador Karstens Köhler. Disponível

em:<http://www.tj.sc.gov.br/institucional/diario/a2006/20061186600.PDF>. Acesso em 1° mar. 2010. 16 THOMAS apud BARSTED, Leila Linhares. A violência contra as mulheres no Brasil e a convenção de belém do pará dez anos depois. Disponível em:

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Continuando, Thomas explica que

[...] tal tese, até o final daquela década, encontrava aceitação tranqüila e pacífica nos diversos tribunais do júri do país. Certamente, foi pela atuação insistente do movimento de mulheres, que enfim, em 1991, o Superior Tribunal de Justiça rejeitou essa idéia de forma explícita.17

As brasileiras influenciadas pelo movimento de mulheres e feministas, que se empenharam, em trabalhar para demonstrar a violência contra a mulher como um problema social de relevância, que não será resolvido apenas com políticas de tratamento das vítimas e sanções aos agressores, mas sim recolocando a mulher na sociedade, definindo sua função dentro ou fora de casa.18

Em conseqüência a “resposta às iniciativas desencadeadas pelas mulheres, tanto reivindicatórias quanto de estudos e produção teórica, aos poucos o país foi avançando no desenvolvimento de políticas sociais voltadas ao problema.” 19

Outro avanço em virtude desta luta foi a criação das Delegacias da mulher, na década de 1980, com o objetivo de prestar atendimento especial às mulheres, com relação às delegacias relata Dias:

A primeira foi implantada em São Paulo, no ano de 1985. Desempenharam importante papel, pois o atendimento especializado, feito quase sempre por mulheres, estimulava as vítimas a denunciar os maus tratos sofridos, muitas vezes, ao longo de anos. De outro lado, o fato de os agressores serem chamados perante a autoridade policial cumpria importante função intimidatória.20

Depois da criação das Delegacias da Mulher, foram instituídos, “órgãos especiais, como os Conselhos Estaduais e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), que ocorreu também nos anos 1980, impulsionou a luta pela cidadania feminina e, em especial, a luta contra a violência”.21

Enfim, após duas décadas de lutas, as mulheres conseguiram ampliar seus direitos, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que garantiu a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres (artigo 5°, inciso I), a proteção do mercado de trabalho da mulher (artigo 5°, inciso XX), a igualdade no exercício dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, o fim do pátrio poder

17 THOMAS apud BARSTED, loc. cit.

18 BOSELLI, Giane. Dimensões da violência contra a mulher: construindo bases de dados. Disponível em: <http://www.cfemea.org.br/pdf/dimensoesdaviolenciacontraamulher_gianeboselli.pdf>. Acesso em: 1° mar 2010.

19 BOSELLI, loc. cit. 20 DIAS, 2008, p. 22-23. 21 BARSTED, loc. cit.

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(artigo 226, § 5°) e a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito familiar (artigo 226, § 8°).22

Tais mudanças constitucionais fizeram com que o Estado proporcionasse maior assistência às mulheres vítimas de violência doméstica, pois, já havia um consenso da importância do tema.

Com o intuito de estabelecer maior assistência, houve a “criação de novos serviços, como os abrigos e os serviços de atendimento jurídico, previstos em Constituições Estaduais (1989) e Leis Orgânicas Municipais (1990).” 23

Um importante papel estabelecido nesta jornada de combate à violência contra a mulher foram os tratados internacionais a que o Brasil aderiu, os quais serão estudados no próximo tópico.

Finalizando Barsted (2008) conclui que “todo esse esforço permitiu, nos primeiros anos do século 21, um avanço significativo na luta pela cidadania das mulheres e possibilitou uma expertise no diálogo com o Estado em diferentes áreas e dimensões.”24

Assim, como resultado da luta das mulheres desenvolvida por mais de três décadas, é notório que hoje exista consciência de que a violência de gênero é algo inaceitável em uma sociedade civilizada, devendo ser sempre combatida.

2.3 A influência dos Tratados Internacionais

Antes que o assunto da violência contra a mulher fosse debatido no Brasil, realizou-se no México, no ano de 1975, a primeira Conferência Mundial sobre a Mulher, que resultou na elaboração da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres em 1979 (CEDAW), a qual entrou em vigor em 1981.

Em 1993 aprovou-se a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, conforme Barsted:

[...] em resposta às denúncias dos movimentos feministas do mundo inteiro, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou, pela Resolução 48/104, a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres – um marco na doutrina jurídica internacional. Essa declaração subsidiou, em 1994, a elaboração, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), da

22 BRASIL. Constituição Federal. Constituição de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 1° mar: 2010. 23 BARSTED, loc. cit.

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Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres – Convenção de Belém do Pará.25

Perante a importância do assunto, bem como as pressões exercidas pelos movimentos feministas, o Brasil assinou dois Tratados Internacionais: o primeiro, de abrangência mundial (CEDAW), da Organização das Nações Unidas, em 1984, e o segundo, na esfera regional (Convenção de Belém do Pará), da OEA ratificada em 1995.26

No mesmo ano da ratificação da OEA o país também assinou a Declaração e a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, na China. Esta declaração prevê algumas ações, no que diz respeito à violência doméstica, conforme esclarecem Cortês e Matos:

Com relação à violência doméstica, a Plataforma prevê, além das medidas punitivas ao agressor, ações voltadas para prevenção e assistência social, psicológica e jurídica à vítima e a sua família. Prevê, também, ações que possibilitem a reabilitação dos agressores.27

A participação em ambos os Tratados e na Conferência foi decisiva para o Brasil criar a Lei n° 11.340/2006, pois, se não cumprisse os compromissos assumidos perante a comunidade internacional, o País seria responsabilizado. E foi precisamente o que ocorreu.

Em virtude de uma denúncia, a CIDH, órgão da OEA, publicou o relatório 54/2001, no qual foram apontados os erros cometidos pelo Estado brasileiro, que não cumpriu com o acordo internacional, por não se adequar ante a violência doméstica.28

Dentre as recomendações feitas ao Brasil, a CIDH se pronunciou:

A Comissão recomenda ao Estado que proceda a uma investigação séria, imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade penal do autor do delito de tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Fernandes e para determinar se há outros fatos ou ações de agentes estatais que tenham impedido o processamento rápido e efetivo do responsável; também recomenda a reparação efetiva e pronta da vítima e a adoção de medidas, no âmbito nacional, para eliminar essa tolerância do Estado ante a violência doméstica contra as mulheres.29

No ano de 2003 o Brasil “apresenta o seu primeiro relatório ao Comitê CEDAW, referente ao período de 1985-2002. Após análise, o Comitê recomendou a

25BARSTED, loc. cit. 26 BOSELLI, loc. cit.

27CORTÊS; MATOS, loc. cit. 28CUNHA; PINTO, 2008, p. 24. 29Ibid, p. 25.

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adoção, sem demora, de uma lei integral de combate à violência doméstica contra as mulheres.” 30

O relato de Maria da Penha foi o primeiro em que houve aplicação da Convenção de Belém do Pará, o que ocasionou o fim do processo penal contra Marco Antônio, encarcerado poucos meses antes da prescrição da pena, bem como houve a elaboração do Projeto de Lei n° 4.559/2004, que deu origem Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006). 31

2.4 O projeto de Lei n° 4.559/2004

Em virtude de anos de luta contra o combate à violência doméstica, enfim é criado o Projeto de Lei n° 4.559/2004 (PL 4.559/2004), o qual tramitou da seguinte maneira, consoante descrevem Cortês e Matos:

2004 - Em 25 de novembro do mesmo ano, por ocasião do Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres, o Executivo encaminha o Projeto de Lei ao Congresso Nacional, que recebe, na Câmara dos Deputados, o número PL 4.559/2004.

2005 - Discussão do Projeto na Câmara dos Deputados com realização de audiências públicas em vários estados e aprovação na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Recebe apoio e empenho da Bancada Feminina do Congresso Nacional, de parlamentares sensíveis à causa e das Deputadas relatoras Jandira Feghali (na CSSF); Yeda Crusius (na CFT) e Iriny Lopes (na CCJC).

2006 - Os fóruns de mulheres de todo Brasil, seguindo iniciativa do Estado de Pernambuco, realizam, em março, as Vigílias pelo Fim da Violência contra as Mulheres, para denunciar a violência e os homicídios de mulheres e pedir a aprovação do PL 4.559/2004.

O Projeto é aprovado no Plenário da Câmara e vai para o Senado, onde recebe o número PLC 37/2006. É discutido e aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), tendo como relatora a Senadora Lúcia Vânia. Em seguida é encaminhado para o Plenário do Senado, onde também é aprovado, seguindo para sanção presidencial.

Em todas as instâncias o projeto foi aprovado por unanimidade e sua tramitação no Congresso Nacional durou 20 meses. No dia 7 de agosto, em cerimônia no Palácio do Planalto, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que entrou em vigor no dia 22 de Setembro. Com isso, escreveu um novo capítulo na luta pelo fim da violência contra as mulheres.32

O Projeto Lei 4.559/2004 é resultado de todo um processo de conscientização da população realizado pelos movimentos feministas, assim como pelos órgãos internacionais, o que trouxe expectativa por uma efetiva mudança no tratamento às

30CORTÊS, loc. cit. 31HERMANN, 2008, p. 16. 32CORTÊS, loc. cit.

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mulheres brasileiras que, por muito tempo, não tiveram um amparo legal específico no que concerne à violência no âmbito familiar.

Finalmente, em setembro de 2006, o PL se concretiza e dá origem à Lei n° 11.340/2006, que veio como intuito de prevenir e proteger a mulher vítima de violência doméstica.

Destarte, observa-se a importância da participação de segmentos da sociedade em busca da criação de leis que lhes tragam amparo, para que se solucionem os problemas como os de Maria da Penha, que geralmente acontecem dentro do lar, longe dos olhos da sociedade.

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3 ASPECTOS DA LEI N° 11.340/2006

Neste capítulo, será analisado alguns conceitos para o entendimento da Lei Maria da Penha, com objetivo de fazer a devida aplicação de seus dispositivos, principalmente no que tange à área constitucional.

3.1 Finalidade

Conforme descrito na ementa da Lei n° 11.340/2006, esta veio para instituir

[...] mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8° do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a Violência contra a Mulher [...]33

Deste modo, a Lei Maria da Penha tem por finalidade atender ao compromisso constitucional acima citado, bem como aos tratados internacionais, com o objetivo de que as mulheres vítimas tenham assistência necessária.

Assim expõem Cunha e Pinto, “[...] a ofendida passa a contar com precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial, criando mecanismos aptos a coibir essa modalidade de agressão.” 34

Partindo deste ponto, verifica-se que o alvo da Lei é muito mais do que punir o agressor, é também trazer aspectos conceituais e educativos, de modo que os valores sociais que demonstram a violência doméstica como algo natural sejam modificados.35

Assim, Cortês e Matos ensinam que “[...] a Lei apresenta, de maneira detalhada, os conceitos e as diferentes formas de violência contra a mulher, pretendendo ser um instrumento de mudança política, jurídica e cultural.” 36

O mal que assombrava silenciosamente dentro dos lares agora é de conhecimento público, e esse foi um grande passo para uma mudança de mentalidade, para que as vítimas passem a receber maior apoio da sociedade.

33BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília, DF, 7 ago. 2006. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm.>. Acesso em: 1 abr:2010 34CUNHA; PINTO, 2008, p. 30.

35 CORTÊS; MATOS, loc. cit.<http://www.assufba.org.br/legis/leimariadapenha.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2010.

(20)

3.2 Abrangência

A Lei aqui discutida traz em seu artigo 5°. que a violência doméstica e familiar é aquela que ocorre:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.37

Verifica-se que não é qualquer delito atentado contra a mulher que poderá ser considerado como violência doméstica, pois devem ser preenchidos alguns requisitos, levando em conta que a lei possui uma limitada abrangência.

Como condição para aplicação da lei estudada, a violência deve ser de gênero e contra a mulher. Com isso, a princípio restam excluídas agressões entre pessoas de mesmo sexo e as praticadas contra o homem, ainda que causadas por outro homem. É certo que o parágrafo único do artigo 5º da lei diz que as relações pessoais enunciadas no artigo independem de orientação sexual, mas tal dispositivo serve para dizer que o homem agressor pode ter qualquer orientação sexual, assim como a vítima mulher.38

Outra condição é que a violência contra a mulher deve se referir às relações domésticas e afetivas daquela. Então, não importa o grau de parentesco nem se há coabitação, mas que o agressor se valha das relações domésticas e afetivas. Esse requisito exclui as empregadas domésticas quando sofram agressões de gênero no local de trabalho, pois em regra, embora haja convivência doméstica, não há o vínculo afetivo. Contudo, na hipótese de a empregada integrar o quadro afetivo dos membros da família para quem trabalha, o que ainda é comum no Brasil, e ser vítima de violência de gênero por um daqueles, deve-se-lhe estender, excepcionalmente, a proteção conferida pela Lei Maria da Penha.

Também não se compreende na abrangência da lei, a agressão praticada contra a mulher por parentes que não façam parte da intimidade doméstica dessa. Assim, não basta que seja praticada entre parentes, mas que esses tenham relação

37BRASIL, 2006, loc. cit. 38

SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. 2ª. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 35.

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afetiva e partilhem de relações domésticas, o que somente se dá, em regra, entre cônjuges, companheiros, enteados, pais, filhos, irmãos, padrastos e em alguns namoros. Se algum parente do sexo masculino vai residir com a mulher ou participar de sua intimidade doméstica por visitas frequentes, a violência que pratique contra ela resta abrangida pela lei, que contempla até os delitos praticados por “agregados” (artigo 5º, I, Lei 11.340/2006).

Frise-se quanto a esse tópico que as relações domésticas, por vezes, extrapolam a residência da mulher, pois por vezes diversas residências de pessoas de uma mesma família se encontram fixadas em um mesmo terreno, de forma a propiciar proximidade entre seus membros, característica da vivência doméstica.

Por outro lado, exclui-se da aplicação da lei a violência praticada por aqueles que simplesmente disputam direitos patrimoniais, a exemplo do que se dá nas brigas entre herdeiros, exemplos recorrente nas Varas e Juizados Especializados em Violência Doméstica contra a Mulher. A tais casos não se aplica a proteção prevista na Lei Maria da Penha se não houver, na época da agressão, relações domésticas entre mulher agredida e parente agressor e tais casos devem ser remetidos para as varas criminais comuns.39

Não há que se aplicar a Lei Maria da Penha à violência praticada por homem contra mulher que não mais tenham relações domésticas e afetivas, ainda que tais requisitos tenham existido no passado. Extintas as relações afetivas e a convivência doméstica, a lei não merece aplicação quando ocorra violência de gênero por questões diversas, como por exemplo, discussões sobre pensão alimentícia ou guarda de filhos ou aquelas praticadas por irmão contra irmã ou pai contra a filha que não mais residam sob o mesmo teto e não partilhem mais da vida doméstica.

Por outro lado, a lei abrange namoros mais íntimos, pois, embora não configurem união estável por não pretenderem a formação de uma família, caracterizam, além das relações de afeto, intimidade doméstica.

Assim sendo, para que fique acolhida por esta lei, a agressão deve ser cometida no âmbito doméstico, familiar ou nas relações íntimas de afeto, conforme se estudará em seguida.

39

MELLO, Adriana Ramos de. Comentários à Lei de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p.25.

(22)

3.2.1 Unidade doméstica

Explica Nucci (2007, p. 1.043)) que unidade doméstica é “o local onde há o convívio permanente de pessoas, em típico ambiente familiar, vale dizer, como se família fosse, embora não haja necessidade de existência de vínculo familiar, natural ou civil.” 40

Desse modo a empregada doméstica tanto poderá ser sujeito passivo quanto ativo da violência cometida no âmbito doméstico, em virtude de existir um convívio com os moradores da casa, sem que haja parentesco.

Seguindo o entendimento de Nucci, Cunha e Pinto dizem que “agressão no âmbito da unidade doméstica compreende aquela praticada no espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa aliança [...].” 41

No entanto, faz-se uma advertência no sentido de que a vítima deve estar inserida no âmbito da relação doméstica, não podendo ser terceiro, que adentra em casa sem ter a mesma relação.42

Para esclarecer a situação, Nucci traz o seguinte exemplo: “uma mulher, fazendo uma entrega de encomenda na casa de determinada família, agredida por alguém, nesse espaço [...].”43 Como, no caso, não há relação doméstica entre a vítima e o agressor, aquela não poderá ser acolhida pela Lei Maria da Penha.

3.2.2 Âmbito familiar

O artigo 5°, inciso II da Lei 11.340/2006, assim dispõe: “no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”.44

O parentesco deriva da consanguinidade ou da afinidade, bem como pode ter origem civil, pois assim conceitua o Código Civil de 2002, por meio dos artigos 1.593 e 1.595, que seguem abaixo:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.

40NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 1.043.

41CUNHA; PINTO, 2008, p. 49. 42NUCCI, loc. cit.

43 NUCCI, loc. cit. 44 BRASIL, 2006, loc. cit.

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Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.45

Em seguida, quando a Lei n° 11.340/2006 cita os termos “laços naturais” e “vontade expressa”, está mencionando, respectivamente, à consangüinidade e ao parentesco de origem civil.

Todavia, há controvérsia quanto ao dispositivo que trata dos “indivíduos que [...] se consideram aparentados”. Para Nucci é inaceitável esta hipótese, pois “qualquer um, por qualquer razão, pode se achar ‘aparentado’ com outra(s) pessoa(s), embora o Direito não lhe reconheça tal status. Para ingressar no contexto de família, é preciso algo mais do que se ‘considerar’ como tal.” 46

Entretanto, trazendo à tona, é fácil perceber a aplicação do dispositivo mencionado, haja vista a existência da filiação socioafetiva, na qual pode ser incluída, segundo Dias, “a infeliz expressão ‘filho de criação’.”47

Enquadram-se também no âmbito familiar aquelas relações advindas de união homoafetiva, por força do artigo 5°, parágrafo único, da Lei n° 11.340/2006, o qual dispõe que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”,48 encaixando-se, nesta ocasião, o entendimento de Dias, “lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros.” 49

Assim, Bisognin, Stahlhöfer e Pereira (2007) explicam que

um casal homossexual feminino são cônjuges “autoconsiderados”, porque, perante si mesmos e perante a sociedade, mas à margem da lei, têm um vínculo íntimo sólido, com envolvimento sexual afetivo tal qual um casal heterossexual. Além disso, mesmo que o Direito não as reconheça como tal, elas o fazem, mediante ato voluntário de manifestação de vontade.50

Portanto, as relações homoafetivas são reconhecidas como de vínculo familiar, motivo pelo qual estão amparadas pela Lei Maria da Penha.

45BRASIL. Código Civil, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF, 10 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm.>. Acesso em: 5 mai. 2010. 46 NUCCI, loc. cit.

47DIAS, 2008, p. 44. 48BRASIL, 2006, loc. cit. 49DIAS, 2008, p. 44.

(24)

3.2.3 Relação íntima de afeto

A Lei n° 11.340/2006 trouxe como última forma de violência contra a mulher aquela que incide “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.” 51

Deste modo, consoante com o que ensinam Cunha e Pinto, o inciso III da Lei “etiquetou como violência ‘doméstica’ relacionamento estreito entre duas pessoas, fundado em camaradagem, confiança, amor.”

Contudo, o legislador indicou a desnecessidade de que tenha ocorrido coabitação entre ofendido e agressor, o que abriu uma enorme lacuna de possibilidades de alcance da Lei.

Nucci argumenta pela inaplicabilidade do referido dispositivo, vez que se afasta da pretensão obtida com a Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, conforme segue transcrito:

Exige-se no texto da convenção a existência de coabitação atual ou pretérita. Na Lei 11.340/2006 basta a convivência presente ou passada, independentemente de coabitação. Ora, se agressor e vítima não são da mesma família e nunca viveram juntos, não se pode falar em violência doméstica e familiar. Daí emerge a inaplicabilidade do disposto no inciso III.52

Baseado na sua argumentação, Nucci comparara o texto da Convenção, que trata, em seu art. 2°, § 1°, que, além da hipótese de haver violência contra a mulher no âmbito doméstico ou da família, pode também haver violência “em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou tenha convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual.”53

A despeito da interpretação de Nucci, decisões recentes justificam a existência do artigo 5°, inciso III da Lei n° 11.340/2006. Como exemplo, equipara-se o seguinte julgado, proveniente do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. RELAÇÃO DE NAMORO. DECISÃO DA 3ª SEÇÃO DO STJ. AFETO E CONVIVÊNCIA CARACTERIZAÇÃO DE ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. LEI Nº 11.340/2006. APLICAÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL.

51BRASIL, 2006, loc. cit. 52NUCCI, 2007, p. 1.044. 53NUCCI, 2007, p. 1.044.

(25)

1. Caracteriza violência doméstica, para os efeitos da Lei 11.340/2006, quaisquer agressões físicas, sexuais ou psicológicas causadas por homem em uma mulher com quem tenha convivido em qualquer relação íntima de afeto, independente de coabitação.

2. O namoro é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, caracteriza violência doméstica.

3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao decidir os conflitos nºs. 91980 e 94447, não se posicionou no sentido de que o namoro não foi alcançado pela Lei Maria da Penha, ela decidiu, por maioria, que naqueles casos concretos, a agressão não decorria do namoro.

4. A Lei Maria da Penha é um exemplo de implementação para a tutela do gênero feminino, devendo ser aplicada aos casos em que se encontram as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar.

5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete -MG.54

Participando do mesmo entendimento, Dias afirma que hoje existe uma nova concepção de família, baseada na relação de afeto e, portanto,

[...] não há como restringir o alcance da previsão legal. Vínculos afetivos que refogem ao conceito de família e de entidade familiar nem por isso deixam de ser marcados pela violência. Assim, namorados e noivos, mesmo que não vivam sob o mesmo teto, mas resultando a situação de violência do relacionamento, faz com que a mulher mereça o abrigo da Lei Maria da penha. Para a configuração de violência doméstica é necessário um nexo entre a agressão e a situação que a gerou, ou seja, a relação íntima de afeto deve ser a causa da violência.55

Deste modo, constatando-se, no caso concreto, que a violência emanou da relação íntima de afeto, aplicar-se-á Lei n° 11.340/2006 para proteger a vítima.

3.3 Espécies de violência

O legislador, posteriormente a realização de pesquisas com inúmeras mulheres (vítimas), elucidou cinco formas de violência doméstica, previstas no artigo 7° da Lei 11.340/2006, in verbis:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

54 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de competência n° 2008.0127004-8. Relatora: Ministra Jane Silva. Julgado em 05 dez. 2008. Disponível em:

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2351420/conflito-de-competencia-cc-90767-mg-2007-0245333-3-stj>. Acesso em 11 mai. 2010.

(26)

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.56

O termo “entre outras”, descrito no caput do referido artigo, é satisfatório para evidenciar que o rol acima não é taxativo e, portanto, pode haver demais ações que se enquadrem como violência doméstica e familiar contra a mulher.

Não obstante, Dias alerta que “as ações fora do elenco legal podem gerar a adoção de medidas protetivas no âmbito civil, mas não em sede de Direito Penal, pela falta de tipicidade.”57

Portanto, qualquer forma de violência doméstica que não esteja estabelecida no artigo 7° gerará efeitos apenas no âmbito civil, uma vez que o citado artigo já traz as modalidades de violência acolhidas pelo Código Penal, bem como pela Lei de Contravenções Penais.

3.3.1 Violência física

O inciso I do artigo 7° conceitua que a violência física contra a mulher deve ser “entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.”58

Esclarecendo tal dispositivo, Nucci explica que violência física “é a lesão corporal praticada contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar.”59

Porém, o conceito deve ser mais amplo, já que nem sempre a violência física deixa marcas. Um puxão de cabelo, por exemplo, ofenderá a integridade da vítima, contudo muitas vezes não deixará marcas ao ponto de ficar caracterizado o crime de lesão corporal.

Em contrapeso, a violência física pode decorrer também de um fato muito mais grave do que uma lesão corporal, como é o caso do homicídio.

56BRASIL, 2006, loc. cit. 57DIAS, 2008, p. 46. 58BRASIL, 2006, loc. cit. 59NUCCI, 2007, p. 1.045.

(27)

Cunha e Pinto explicam, de forma detalhada, que

violência física é o uso da força, mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras etc., visando, desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes, naquilo que se denomina, tradicionalmente, vis corporalis. São condutas previstas por exemplo, no Código Penal, configurando os crimes de lesão corporal e homicídio e mesmo na Lei das Contravenções Penais, como a vias de fato.60

Enfim, trazendo menção ao crime de lesão corporal, Dias (2008, p. 47) ensina que “não só a lesão dolosa, também a lesão culposa constitui violência física, pois nenhuma distinção é feita pela lei sobre a intenção do agressor.” 61

3.3.2 Violência psicológica

O legislador conceituou a violência psicológica como

[...] qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.62

Conforme Dias, esta espécie de violência “foi incorporada ao conceito de violência contra mulher na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará.” 63

Desde então, não se protege somente a integridade física da vítima, mas também o seu estado emocional, inibindo aquelas condutas que são capazes de causar medo e, até, transtornos psicológicos.

Cunha e Pinto ensinam a respeito da caracterização da violência psicológica dizendo que “o comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído, configurando a vis compulsiva.”64

No entanto, Dias explica que tal violência “é a mais freqüente e talvez seja a menos denunciada. A vítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais,

60CUNHA; PINTO, 2008, p. 61. 61DIAS, 2008, p. 47.

62BRASIL, 2006, loc. cit. 63DIAS, 2008, p. 47.

(28)

silêncios prolongados, tensões, manipulações [...] são violência e devem ser denunciadas.” 65

Em um caso concreto de violência psicológica, Cunha e Pinto comparam a manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, que descreve o fato:

No caso concreto o denunciado tinha vivido maritalmente com a vítima durante dez meses, e já estavam separados há dois. Ele, então, começou a intimidá-la, dizendo que se não ficasse com ele, não ficaria com mais ninguém. No dia dos fatos, o denunciado pulou o portão da casa da vítima e bateu em sua porta, imitando a voz do filho dela, de 10 anos de idade, para que ela a abrisse. Como a porta não foi aberta, ele passou a bater insistentemente, até que a vítima, muito amedrontada, telefonou para sua mãe, que é sua vizinha, instante em que esta, juntamente com uma irmã da vítima, abriram uma janela e se depararam com o denunciado, que só fugiu, pelo telhado, quando ouviu que a polícia seria acionada.66

A suposição acima se enquadra como violência psicológica devido ao temor causado a vítima, a qual fica emocionalmente abalada, a ponto de não ter, nem sequer, coragem para sair de casa.

Assim, referidas situações devem ser tratadas pela Lei Maria da Penha, a fim de proporcionar maior proteção às mulheres que suportam esse tipo de violência.

3.3.3 Violência sexual

O inciso III do artigo 7° traz o conceito de violência sexual, que pode ser

entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.67

Nessa situação, nota-se, portanto, plausível a existência da violência sexual contra a mulher no âmbito doméstico, tendo em vista que por muito tempo foi difundida a idéia de que o marido deveria ter o seu desejo sexual saciado, mesmo contra a vontade de sua esposa.

Embora atualmente tal situação seja considerada retrógrada, muitos ainda toleram esses conceitos machistas, pois, segundo Dias,

[...] houve uma certa resistência da doutrina e da jurisprudência em admitir a possibilidade da ocorrência de violência sexual nos vínculos familiares. A tendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito.68

65DIAS, 2008, p. 48.

66CUNHA; PINTO, 2008, p. 62. 67BRASIL, 2006, loc. cit. 68DIAS, 2008, p. 49.

(29)

No que diz respeito às modalidades de crimes arrolados pelo CP, que constituem violência sexual, enquadra-se o estupro, o atentado violento ao pudor, a posse sexual mediante fraude, o atentado violento ao pudor mediante fraude, o assédio sexual e a corrupção de menores.69

Desta forma, existindo relação doméstica entre empregada e empregador (a), se este (a) for sujeito ativo do crime de assédio, deverá ser enquadrado pelos ditames da Lei Maria da Penha.

Como o texto do inciso III é bastante abrangente, enfoca, até mesmo, conforme o ensinamento de Dias, “a sexualidade sob o aspecto do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Trata-se de violência que traz diversas conseqüências à saúde da mulher.70

Sob este ponto de vista, a mulher também não poderá ser obrigada a ter filhos, contrair matrimônio, realizar aborto e até mesmo ser forçada à prostituição, se assim não desejar e, caso isso ocorra, restará caracterizada a violência sexual.

3.3.4 Violência patrimonial

Violência patrimonial, conforme inciso IV do artigo 7° é,

[...] qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.71

Esta espécie de violência está caracterizada no Código Penal sob a forma de crimes contra o patrimônio, como, por exemplo, furto, roubo, dano, etc.

A suspeita paira, entretanto, sobre a aplicação da dispensa absolutória prevista no artigo 181 do CP, bem como da imunidade relativa trazida no artigo 182 do mesmo código, para os delitos cometidos no âmbito de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Dispõem os artigos 181 e 182, ambos do Código Penal:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:

I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;

69DIAS, 2008, p. 49 70Ibid, p. 51.

(30)

II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita. 72

Sobre o assunto, Nucci fundamenta que “neste caso, não vemos muita utilidade no contexto penal. Lembremos que há as imunidades (absoluta ou relativa), fixadas pelos arts. 181 e 182 do Código Penal, nos casos de delitos patrimoniais não violentos no âmbito familiar.73

Diante deste aspecto, Nucci se posiciona no sentido de que as imunidades valem para os crimes patrimoniais cometidos no âmbito da Lei 11.340/2006.

Dias, no entanto, entende que

a Lei Maria da Penha reconhece como violência patrimonial o ato de “subtrair” objetos da mulher, o que nada mais é do que furtar. Assim, se subtrair para si coisa alheia móvel configura o delito de furto, quando a vítima é mulher com quem o agente mantém relação de ordem afetiva, não se pode mais reconhecer a possibilidade de isenção de pena. O mesmo se diga com relação à apropriação indébita e ao delito de dano. É violência patrimonial “apropriar” e “destruir”, os mesmos verbos utilizados pela lei penal para configurar tais crimes. Perpetrados contra a mulher, dentro de um contexto de ordem familiar, o crime não desaparece e nem fica sujeito à representação.74

Para amparar seu posicionamento, Dias aludi o Estatuto do Idoso, o qual, “além de dispensar a representação, expressamente prevê a não aplicação desta excludente da criminalidade quando a vítima tiver mais de 60 anos.” 75

O artigo 183 do CP, fazendo menção às imunidades absoluta e relativa, assim dispõe:

Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:

I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;

II - ao estranho que participa do crime

III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003) (grifo nosso)76

Diante desta situação, Cunha e Pinto compartilham do mesmo entendimento de Nucci:

[...] quando o legislador pretendeu excluir o âmbito de incidência das imunidades, ele o fez expressamente, como ocorre na hipótese do crime ser praticado contra o patrimônio de idoso. [...] Ante o silêncio do legislador no que concerne à mulher vítima de crime patrimonial, a conclusão é mesmo no sentido de que as imunidades previstas no Código Penal não suportam qualquer tipo de alteração.77

72BRASIL. Código Penal. Decreto-lei n° 2848, de 7 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro, 7 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 14 mai. 2010

73 NUCCI, 2007, p. 1.046-1.047. 74DIAS, 2008, p. 52-53.

75 Ibid. ,p.52

76BRASIL, 1940, loc. cit. 77CUNHA; PINTO, 2008, p. 65.

(31)

Destarte, em caso de violência patrimonial, será aplicada a Lei Maria da Penha somente nas situações em que o CP não conceder imunidade absoluta, como no exemplo da empregada doméstica, ou quando houver imunidade relativa, se a vítima oferecer representação.

3.3.5 Violência moral

Esta última forma de violência, denominada violência moral que está estabelecida no artigo 7°, inciso V, da Lei n° 11.340/2006, que a conceitua como “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.” 78

Cunha e Pinto (2008, p.65) expõem o crime de calúnia como:

“imputar à vítima a prática de determinado fato criminoso sabidamente falso”, de difamação como “imputar à vítima a prática de determinado fato desonroso” e, por último, conceituam a injúria como “atribuir à vítima qualidades negativas”.79

Os delitos acima citados são de “ação penal privada e os de calúnia e difamação admitem exceção da verdade. Como a norma penal teve aqui mera função de referência, este critério de exclusão da criminalidade só se aplica para fins penais”.80

Conforme Dias (2008, p. 54), “estes delitos, quando são perpetrados contra a mulher no âmbito da relação familiar ou afetiva, devem ser reconhecidos como violência doméstica, impondo-se o agravamento da pena (CP, art. 61, II, f).” 81

A violência moral consiste na desmoralização da mulher vítima, confundindo-se e entrelaçando-se com a violência psicológica. Conforme trazem Cunha e Pinto, a violência moral “normalmente se dá concomitante à violência psicológica.” 82

Portanto o artigo 7º define as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, conceituando as esferas de proteção trazidas pelo artigo 5º caput. As definições não possuem escopo criminalizador, ou seja, não pretendem definir tipos penais. Sua função, no contexto misto da lei, é delinear situações que implicam em violência doméstica e familiar contra a mulher, para todos os fins da Lei Maria da Penha, agilizando ações preventivas e protetivas.

78BRASIL, 2006, loc. cit. 79CUNHA; PINTO, 2008, p. 65. 80HERMANN, 2008, p. 115. 81DIAS, 2008, p. 54.

(32)

4. SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE

Há muito se busca uma sociedade igualitária e justa a todos, mas nem sempre a igualdade pode ser justa. Até que ponto é necessário manter essa igualdade e se ela é sempre benéfica, este capítulo aborda as questões constitucionais da lei Maria da Penha, em seu aspecto isonômico devido ao tratamento diferenciado em favor das mulheres.

4.1 O Princípio da igualdade

Desde os primórdios o homem tem se atormentado com o problema das desigualdades inerentes ao seu ser e à estrutura social em que está inserido. Daí surgiu a noção de igualdade que os doutrinadores comumente denominam de igualdade substancial. Entende-se por esta a equiparação de todos os homens no que diz respeito ao gozo e fruição de direitos, assim como à sujeição a deveres.

Essa igualdade, contudo, a despeito da carga humanitária e idealista que carrega, até hoje não se realizou em qualquer sociedade humana. São muitos os fatores que obstaculizam a sua efetivação, desde a natureza física do homem, ora débil, ora forte, até a diversidade da estrutura psicológica humana, ora voltada para a dominação, ora voltada para a submissão, sem mencionar as próprias estruturas políticas e sociais, que no mais das vezes tendem a consolidar e até mesmo a exacerbar essas distinções, em vez de atenuá-las.83

No campo político-ideológico, a manifestação mais acendrada deste tipo de igualdade foi traduzida no ideal comunista.

Na trajetória das democracias ocidentais, o princípio da igualdade material não é de todo desconhecido. Ele se insere nas Constituições sob a forma de normas programáticas, tendentes a planificar desequiparações muito acentuadas na fruição dos bens, quer materiais, quer imateriais. Assim é que, com freqüência, encontramos hoje regras jurídicas voltadas a desfazer o desnivelamento intenso ocorrido em alguns momentos históricos entre o capital e o trabalho.

No Brasil a Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, vedando qualquer tipo de diferenciação ou discriminação arbitrária, ou seja,

83

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27. Ed. São Paulo: Saraiva 2001. p.177.

(33)

todos são iguais perante a lei, em consonância com os critérios do ordenamento jurídico. Esse princípio é trazido diversas vezes em inúmeros dispositivos constitucionais, realçando a importância de buscar a igualdade entre seres humanos no nosso país.84

Deste tema trata Mello (2001, p. 9):

O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas. 85

Já no capítulo dos direitos individuais, a igualdade é salientada no caput do art. 5º da Constituição Federal, como um dos direitos individuais básicos, e logo após em seu primeiro inciso equipara homens e mulheres em direitos e obrigações.

“A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz: da norma inscrita no art. 5º, caput, da Constituição, brota o princípio da igualdade processual. As partes e os procuradores devem merecer tratamento igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões.86

A igualdade consiste em tratar igualmente os iguais, com os mesmos direitos e obrigações, e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Tratar igualmente os desiguais seria aumentar a desigualdade já existente. Nem todo tratamento desigual é inconstitucional, somente se este tratamento desigual aumentar a desigualdade existente.87

Para Marcelo Novelino(2008, p. 292):

O princípio da igualdade tem por fim impedir distinções, discriminações e privilégios arbitrários, preconceituosos, odiosos ou injustificáveis. A expressão “sem distinção de qualquer natureza” não impede a lei de estabelecer distinções: “o papel da lei não é outro senão o de implantar diferenciações”. Ademais, a análise da violação ao princípio isonômico não deve recair sobre traço de diferenciação escolhido pela lei, o qual pode ser qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações. O que se deve analisar é se o elemento discriminador, cuja adoção exige uma justificativa racional, está em harmonia com um fim constitucionalmente consagrado, devendo o critério utilizado na diferenciação ser objetivo, razoável e proporcional.88

84MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 66. 85 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª.Ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2010, p. 9.

86

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria geral do processo. 20. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.353 p.53 87CÉSAR, Rodrigo; PINHO, Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. Sinopses Jurídicas,10ª Ed. Vol. 17, São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 123 e 124.

(34)

O princípio da isonomia proíbe que o essencialmente igual seja tratado desigualmente e o essencialmente desigual de maneira igual. A grande dificuldade reside exatamente em determinar, em cada caso concreto, quem são os iguais, quem são os desiguais e qual a medida dessa desigualdade89. Quanto aos tratamentos normativos diferenciados, estes são constitucionais quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado.

Nesse sentido ensina Mello:

Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada. 90

Analisaremos no próximo tópico, específicas hipóteses válidas para um tratamento desigual, no entanto, sem contrariar o princípio da isonomia.

4.2 Hipóteses válidas de tratamento diferenciado

Conforme exposto anteriormente, a Constituição Federal trata em seu art.5º, I, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Apenas com leitura deste dispositivo, entende-se como inaceitável a utilização de qualquer discriminação com relação ao sexo com o propósito de desnivelar o relacionamento entre ambos os sexos, porém, é aceitável um tratamento diferenciado quando a finalidade tiver pretensão em atenuar os desníveis. É permitido que a legislação infraconstitucional atue em matéria que tenha a pretensão de atuar desníveis com relação ao sexo.91

Nota-se a existência de duas hipóteses válidas de tratamento diferenciado, por não ofender o princípio constitucional da igualdade. No primeiro caso, a própria Carta Magna estabelece tratamento desigual, como por exemplo, nos casos de aposentadoria com menor idade e menor tempo de contribuição previdenciária para as mulheres. Já na segunda hipótese, para que haja possibilidade de tratamento desigual, deve haver a existência de um pressuposto lógico e racional que justifique a

89ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 10ª. Ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2006, p. 131.

90MELLO, 2010, p. 38. 91 MORAES, 2004, p. 66.

Referências

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