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4 AÇÃO COLETIVA

4.2 AÇÃO, JURISDIÇÃO E PROCESSO PERSPECTIVA INDIVIDUAL E COLETIVA.

4.2 AÇÃO, JURISDIÇÃO E PROCESSO. PERSPECTIVA INDIVIDUAL E COLETIVA.

Sempre que alguém sofrer lesão ou ameaça a direito é facultado o ingresso em juízo para a proteção desse direito. A ação propriamente dita já constitui o direito subjetivo de se ingressar em juízo. Segundo Ovídio Batista da Silva, “O conceito de “ação” processual assenta-se na premissa de existir, como um prius lógico, um direito público subjetivo que lhe precede, por meio do qual o Estado reconhece e outorga a seus jurisdicionados o poder de invocar proteção jurisdicional”. 107 O exercício regular do direito de ação tem o condão de provocar o Poder Judiciário e exigir-lhe decisão de mérito, favorável ou desfavorável à pretensão do autor, proferida em tempo razoável. O direito de ação, assim, consiste não só no direito de ingressar em juízo, mas também o de obter resposta em tempo razoável.108

Essa resposta dada ao indivíduo consiste no exercício da jurisdição. O Estado, detendo o monopólio tanto da produção das leis como da sua aplicação, veda, em regra, a autotutela e mesmo a solução privada dos litígios109, assumindo a responsabilidade de substituir às partes de modo imparcial para responder ao pleito com característica, em regra, de definitividade.

As breves considerações ora apontadas não visam aprofundar o estudo da ação, da jurisdição e do processo. Elas são necessárias para se traçar a diferenciação entre demandas coletivas e demandas individuais.

107

Conferir SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. Vol. I, 2ª ed. rev. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992, p. 61

108

Constituição de 1988, artigo 5º, inc. LXXVIII. 109

Não se deve olvidar que o monopólio estatal do exercício da jurisdição enfrenta atualmente crise de legitimidade. A longa demora dos processos judiciais fez surgir institutos que permitem solução de litígios fora do âmbito estatal, a exemplo da arbitragem instituída pela Lei 9307/96.

Sob a perspectiva individual o direito de ação deve ser exercido pelo titular do direito material, e somente em hipóteses excepcionais se admite que terceiros litiguem em seu nome.110 Comentando tal dispositivo, Pontes de Miranda afirma que: “A titularidade do direito é que leva à pretensão e à ação, de direito material, e à “ação”, remédio jurídico processual”. 111 O vínculo do indivíduo ao direito material e o de direito de ação a ser exercido por ele demonstra a opção legislativa do Código de Processo Civil brasileiro pelo individualismo.

Esse modelo não mais satisfaz aos anseios da coletividade. Se antes as demandas judiciais podiam ser resolvidas com razoável êxito utilizando-se um Código de Processo Civil individualista, as relações modernas, caracterizadas pela amplitude social e pela necessidade de solução rápida dos litígios, exigem, nesse ponto, revisão legislativa fundada em outras bases.

Atentos à transformação da sociedade, os aplicadores da lei devem usar imaginação criadora para adaptar os institutos jurídicos já existentes à nova realidade. Essa imaginação criadora deve ir além da adaptação dos institutos do processo individual para o coletivo. Se o legislador continuar inerte em disciplinar o processo coletivo, é papel do aplicador do direito revolucionar os fundamentos do processo civil para otimizar a adaptação às necessidades atuais.

Não é razoável que as relações jurídicas atuais, não imaginadas pelo legislador de 1973, sejam resolvidas por meio de institutos processuais ultrapassados. Como salientado por Antônio Augusto Melo de Camargo Ferraz, Nelson Nery Júnior e Édis Milaré: “O surgimento de conglomerados urbanos, (...) o desmesurado desenvolvimento das relações econômicas, com a produção e consumo de massa, (...) o aparecimento de meios de comunicação e, com eles, do fenômeno de propaganda maciça (...)” 112 não

110

Código de Processo Civil, art. 6º: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.”

111

MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo I, arts. 1º a 45. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 200.

112

FERRAZ, Antônio Augusto Melo de Camargo. MILARÉ, Édis. NÉRY JÚNIOR, Nelson. A Ação

faziam parte da vivência do legislador, sendo imprescindível a visualização do processo dentro dessa nova ótica.113

Não se pretende, obviamente, abandonar por completo o aspecto individual do processo. É claro que as demandas individuais não irão desaparecer, mas não se deve fechar os olhos para as demandas coletivas, que têm crescido vertiginosamente, ocupando cada vez com mais vigor o cenário jurídico nacional, reclamando tratamento jurídico próprio.

De outro lado, não podemos descurar do importante papel democratizante propiciado pelo processo coletivo. As demandas metaindividuais possibilitaram o acesso à justiça de determinados grupos historicamente excluídos e submeteram à apreciação do Judiciário demandas que poderiam ser relegadas ao esquecimento por não terem expressão econômica suficiente para mobilizar um particular no empreendimento de batalha judicial.114

Apesar da existência de algumas leis esparsas sobre o assunto, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública, a comunidade acadêmica brasileira, com razão, vem se movimentando no sentido de que o país tenha um Código de Processo Civil Coletivo, que é a solução mais adequada para solução deste tipo de demanda.115 No que pese o esforço dos eminentes processualistas, o Congresso Nacional ainda não deliberou sobre tal tema.

113

Fredie Didier Júnior e Hermes Zanetti Júnior atentaram para a necessidade de reformular as bases do processo civil brasileiro para se adequar a nova realidade, ao perceberem que: “É necessário, portanto, “superar o rígido dualismo entre Estado e indivíduo” atuando-se para obter a relativização da “oposição entre o interesse individual privado e o público”. Isso ocorre principalmente porque a “tradicional dicotomia público-privado” não subsiste às realidades de uma “sociedade de massa”, que, por suas relações, provoca situações de “litígios ou litigiosidade de massa” forçando o “alargamento e invocação de novos instrumentos, novos conceitos e novas estruturas” para atender às novas conformações exigidas e oferecer uma tutela adequada às novas situações e direitos”. DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo, Vol. 4, 4ª ed., Salvador: Juspodivm, 2009, p. 32.

114

Os exemplos de lesão a consumidores são os que melhor indicam a importância da tutela coletiva para causas economicamente desprezíveis em ações individuais. As reparações, por exemplo, a lesões decorrentes de produtos com peso inferior ao indicado na embalagem, diferença de centavos no preço de produtos somente são viáveis se buscadas numa perspectiva macroscópica, com importante efeito educativo e repressor ao infrator, pouco ou nada representando em termos financeiros aos particulares lesados.

115

Como exemplos, temos: Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero - América, Comissão composta por Ada Pellegrini Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, Anibal Quiroga Léon, Antonio Gidi, Enrique M. Falcon, José Luiz Vásquez Sotelo, Kazuo Watanabe, Ramiro Bejarano Guzmán, Roberto Berizcone e Sérgio Artavia; Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos proposto pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual; Código de Processo Civil Coletivo, proposto por