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CAPÍTULO II – FRAUDE CONTRA CREDORES NO DIREITO CIVIL E

2.1 FRAUDE CONTRA CREDORES

2.1.3 Ação pauliana

Como já adiantado acima, a ação pauliana, também conhecida por ação revocatória81, originária do direito romano, é o meio processual adequado para impugnação judicial do ato praticado pelo devedor em fraude contra credores.

Cuida-se de ação fundada em direito pessoal, ou seja, em direito de crédito, que tem como finalidade recompor o patrimônio do devedor, a fim de que o credor possa ser satisfeito. Ela deve ser ajuizada contra o devedor insolvente, contra quem com ele contratou de modo fraudulento e contra terceiros adquirentes de má-fé.

Segundo a lição de Lima, a ação pauliana ou revocatória tem um caráter conservativo: “Outra coisa não visa senão amparar o princípio da responsabilidade patrimonial do devedor, restaurando a garantia do credor, com a condenação da fraude e consequente satisfação dos interesses do credor lesado”.82

Ela não tem a força de pagar ao credor, ou seja, ela não satisfaz plenamente o credor, mas possibilita que essa satisfação ocorra por meio de ação de execução, precedida ou não de ação de conhecimento. Seja considerando-a uma ação de anulabilidade do ato, seja considerando-a uma ação de ineficácia, ela permite a recomposição do patrimônio do devedor, para que o credor que fora prejudicado possa tomar as medidas judiciais para a satisfação de seu crédito.

É indispensável que ela seja ajuizada contra todos os envolvidos na relação jurídica fraudulenta (não somente devedor), por se cuidar de litisconsórcio passivo necessário. Afastada a hipótese de anulabilidade do negócio fraudulento, em que seria mais evidente a formação do litisconsórcio necessário, acolhendo-se a tese da ineficácia, ainda que o bem

80 Precedentes aplicando esse benefício para rejeitar ação pauliana: TRF 1ª R., Apelação 2000.01.00.135168-

5, Rel. Juiz Fed. Conv. Marcelo Velasco Nascimento Albernaz, DJU 09/11/2007; TRT 1ª R., Apelação 02695-00, Rel. Juiz Azulino Joaquim de Andrade Filho, DORJ 25/02/2001.

81 No presente trabalho, para se evitar confusões terminológicas com a ação revocatória falimentar, adotar-se-

-á a expressão “ação pauliana”, para tratar da ação ajuizada fora do âmbito falimentar.

não seja retirado imediatamente do patrimônio do terceiro pela sentença de procedência da ação pauliana, ela abre portas para que exista a invasão na esfera do terceiro no processo em que o bem for penhorado, de modo que esse terceiro adquirente sofrerá os efeitos da decisão na sua esfera patrimonial.83

A ação pauliana é também própria dos credores quirografários, existentes à época da celebração do negócio jurídico fraudatório84, porquanto esses credores não têm seus créditos garantidos por meio de direito preferencial de execução, já que não há garantia real.85

Todavia, os credores com garantia real poderão ter interesse na ação, nas hipóteses do artigo 158, parágrafo primeiro86, ou seja, quando a sua garantia se tornar insuficiente para a satisfação integral do crédito, ou mesmo, v.g., quando parte desse crédito não for acobertado por garantia real, constituindo, desde a sua origem, um crédito quirografário.87

83 Salvo a remota hipótese de o débito ser quitado de outra forma. Nessa linha: THEODORO JÚNIOR,

Fraude contra credores, p. 152. Em sentido contrário ensina Dinamarco que “aceita a tese da ineficácia e não anulabilidade do negócio fraudulento, não ação pauliana trata-se apenas de subtrair a este um dos seus efeitos, ou seja, o de deixar o bem fora da responsabilidade das obrigações ao alienante; e, com a manutenção desse efeito ou sua eliminação é res que se passa apenas entre o adquirente e o credor, sem afetar a situação do alienante [...], conclui-se com Nelson Hanada que inexiste fundamento legal ou sistemático para o suposto litisconsórcio necessário passivo na ação pauliana” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fraude contra credores alegada nos embargos de terceiro. In: ______. Fundamento do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 574-575). Ver, entre outros: AZEVEDO, Código Civil comentado, p. 262.

84 Trata-se de disposição expressa do §2º do artigo 158: “§ 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles

atos podem pleitear a anulação deles”.

85 Como aponta Pereira, a ação pauliana deve atendar aos seguintes requisitos: “a) deve ser proposta pelo

credor prejudicado, que já o fosse contemporaneamente ao negócio incriminado, pois o posterior não tem de que se queixar, por encontrar desfalcado o patrimônio ao assumir a qualidade creditória; b) pode ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que tiver com ele celebrado a estipulação incriminada, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé (Código Civil, art. 161); c) tem o autor de provar o eventus damni, isto é, o prejuízo que o negócio considerado fraudulento lhe tenha causado, pois que a anulação do negócio não tem por objeto punir o que a aliena, porém reparar o prejuízo dos que são diretamente atingidos pela disposição, e, assim, para ter a legitimidade ad causum é mister que o credor, autor na ação revocatória, prove ter sofrido um efetivo prejuízo e não que o negócio poderia, em tese, ser-lhe danoso; d) tem de provar o estado de insolvência e, se for oneroso o ato, o conhecimento real ou presumido dessa situação pela outra parte, o que requer, como condição de admissibilidade da ação revocatória, a verificação daquele estado, pois se o autor encontrar outros bens, no patrimônio do devedor, suscetíveis de penhora, poderá pagar-se pela excussão deles, sem necessidade de revogar o ato; e) o consilium fraudis, quando oneroso o negócio jurídico, ou seja, o concerto realizado entre aqueles que dele participaram na ciência do ato de insolvência, circunstância que, repitamos, é dispensada se o negócio fraudulento é gratuito, porque então traz em si a presunção de má-fé” (PEREIRA, Instituições de direito civil, p. 462).

86 “§ 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente”.

87 Nesse sentido: “Mas, se normalmente não necessita o credor privilegiado de revogar o negócio praticado

em fraudem creditorum, não está impedido de fazê-lo se militam em seu favor os requisitos da ação pauliana, entre os quais a existência de prejuízo, pois bem pode acontecer que as suas garantias sejam insuficientes e o crédito, no que exceder delas, achar-se desguarnecido” (PEREIRA, Instituições de direito civil, p. 463). Na mesma linha: THEODORO JÚNIOR, Fraude contra credores, p. 136.

No que se refere ao prazo para ajuizamento da ação, prevê o artigo 178 do Código Civil de 2.002 ser de “quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: [...] II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico”.

Por meio dessa previsão, estabeleceu-se que, em se tratando de fraude contra credores, cuida-se de hipótese de anulação do negócio jurídico, com prazo decadencial de quatro anos, contados do dia em que se realizou o negócio jurídico.88

Bem se vê que estabeleceu o legislador um critério bastante rigoroso para a contagem do prazo, que se dará da data em que realizado o negócio jurídico, independentemente da data em que tomou conhecimento desse negócio o credor ou interessado. Justamente por isso deve ser aplicado o princípio da actio nata, para que a contagem do prazo apenas se inicie a partir do momento em que ao credor prejudicado era possível juridicamente o ajuizamento da pauliana.89

Seguindo essa orientação, jurisprudência90 e doutrina91 também vêm aceitando o posicionamento no sentido de que, em se tratando de alienação de imóvel, o termo a quo

88 Há recente decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a natureza pessoal da ação pauliana e a forma de

contagem do prazo decadencial: “[...] 3- A ação pauliana tem natureza pessoal, e não real, razão pela qual não é necessária a citação dos cônjuges do devedor-doador e dos donatários. 4- Necessidade, contudo, de citação do cônjuge do devedor que participou do contrato de doação por força do inciso II do art. 10 do Código de Processo Civil. 5- A citação extemporânea de litisconsorte necessário unitário, após decorrido o prazo de quatro anos para a propositura da ação que visa à desconstituição de negócio jurídico realizado com fraude a credores, não enseja a decadência do direito do credor. 6- O direito potestativo, por sua própria natureza, considera-se exercido no momento do ajuizamento da ação, quando então cessa o curso do prazo de decadência em relação a todos os partícipes do ato fraudulento [...]” (Resp 750135, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 28.04.2011).

89 Theodoro Júnior defende essa posição: “Se, por exemplo, o ato lesivo foi cancelado por decisão judicial,

independentemente de ação revogatória e, mais tarde, em grau de recurso, tal decisão veio a ser cassada, o prazo de propositura da pauliana não deve ser contado da data do primitivo registro, mas da época da restauração” (THEDORO JÚNIOR, Fraude contra credores, p. 148).

90 Precedentes neste sentido: STJ, Resp 124147, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 15.06.1998; STJ,

Resp. 710810, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 10.03.2008; TJMG, Apelação 2175498- 11.2007.8.13.0223, Rel. Des. Pereira da Silva, DJEMG 08.06.2010; TJMG, Apelação 1.0180.05.028184- 9/0011, Rel. Des. José Flávio de Almeida, DJEMG 01.06.2009; TJMS, Apelação 2006.004355-8, Rel. Des. Rubens Bergonzi Bossay, DOEMS 29.05.2006. Em sentido contrário: TJDF, Apelação 2004.01.1.019818-2, Rel. Des. Otávio Augusto, DJDFTE 21.01.2010.

91 “Mas a jurisprudência também tem admitido que tal prazo deve ser contado a partir da data da transcrição

do título no registro imobiliário, e não do dia da escritura. Esse entendimento, que nos parece correto, sugere que se tratem distintamente – conforme, aliás, o determina o sistema binário adotado pelo direito brasileiro – os atos de disposição que tenham por objeto coisa móvel ou tenham por objeto coisa imóvel” (CAHALI, Fraude contra credores, p. 345). No mesmo sentido: THEODORO JÚNIOR, Fraude contra credores, p. 147. Em parecer sobre o prazo decadencial da pauliana cujo objeto era uma cessão de direitos hereditários, o autor firmou posição no sentido de diferenciar os atos sujeitos a registro dos demais, de modo que “o termo

do prazo decadencial é a data da averbação da escritura de compra e venda do imóvel na respectiva matrícula, oportunidade a partir da qual o negócio jurídico passou a ser de conhecimento de todos, e, portanto, passível de ser impugnado.

Azevedo, considerando que a fraude contra credores não leva à anulação do negócio jurídico, mas sim a ineficácia do ato frente aos credores, entende que deveria ser aplicado o prazo prescricional relacionado às ações pessoais (artigo 177 do Código Civil de 1.916).92

É questão controversa, de fato, a anulabilidade ou a ineficácia dos atos praticados em fraude contra credores, assim como existe dissenso no tocante à natureza da sentença de procedência na ação pauliana.93

Com efeito, conquanto na fraude à execução exista entendimento majoritário de que a decisão declaratória que reconhece a fraude à execução acarreta a ineficácia do ato (artigo 592, V do Código de Processo Civil)94, na fraude contra credores há dissenso quanto à natureza da sentença, se declaratória, referente à mera ineficácia do ato, ou constitutiva negativa, decorrente da anulabilidade do ato, pela interpretação dos artigos 165

inicial da falência não é a data do registro, mas aquele em que concretizado o ato fraudulento. Para os atos sujeitos a registro, a data da realização do negócio é a em que efetuado aquele” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Fraude contra credores – cessão de direitos hereditários – ação pauliana – termo inicial da decadência. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, ano I, n. 3, p., 85-96, jan./fev. 2000, p. 92).

92 AZEVEDO, Fraude contra credores, p. 64.

93 Sobre a questão dos planos de validade do negoócio jurídico, ver, dentre outros: AZEVEDO, Antônio

Junqueira de. Negócio jurídico, existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002 e BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Invalidade e ineficácia de negócios jurídicos. Revista de Direito Privado, ano 4, p. 217-229, jul./set. 2003. Ver, também, quando tratamos dos planos da existência, validade e ineficácia no processo falimentar (infra, itens 3.2.1 e 3.3.2).

94 Ver, dentre outros: ASSIS, Manual da execução, p. 235-236, SALAMACHA, José Eli. Fraude à

execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 150-153; DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v. IV, p. 425; LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 173-174. “[...] Diferença marcante entre a fraude contra credores e fraude de execução situa-se na categoria do interesse violado com a prática do ato fraudulento. Com efeito, a primeira tem por violado interesse de natureza privada, qual seja o interesse privado do credor. De sua vez, na fraude de execução o interesse infringido é o da própria atividade jurisdicional, ou seja, macula-se o prestígio da própria jurisdição ou do Estado-Juiz. [...] Inegável, portanto, que no caso em questão o ato fraudulento do executado maltratou não apenas o interesse privado do credor, mas sim a eficácia e o próprio prestígio da atividade jurisdicional, razão por que o ato de alienação de bens praticado pelo executado, ainda que anteriormente à citação, ontologicamente analisado no acórdão recorrido, está mesmo a caracterizar fraude de execução, impondo, como consequência a declaração de sua ineficácia perante o credor-exequente” (STJ, Resp. 799440, Rel. João Otávio de Noronha, DJe 02.02.2010).

e 171, II do Código Civil de 2002. Mesmo na corrente partidária da ineficácia, há dissenso sobre a natureza da sentença – se declaratória ou constitutiva.95

A diferença é relevante, pois os efeitos – da ineficácia e da anulação – são distintos e significativos, especialmente no que se refere à condição do terceiro adquirente e dos eventuais demais credores interessados no patrimônio do devedor.

É que, se considerada a anulação do ato fraudulento, tolhe-se o efeito de transferir a propriedade, devolvendo-se o bem ao patrimônio do alienante fraudulento. Como consequência: (i) eventual saldo da execução pertenceria ao executado (devedor); (ii) se extinta a execução, v.g., por acolhimento de embargos do devedor, o bem permaneceria com o devedor e não com o terceiro adquirente; e (iii) ao adquirente não seria possível depositar o valor do crédito cobrado pelo exequente, a fim de extinguir a penhora, já que o bem continuaria sob a propriedade do executado.96

Segundo pensamos, diante dessas constatações, realmente não há como se entender pela anulabilidade do negócio jurídico fraudulento, apesar da letra da lei assim induzir. A tese da anulabilidade é contrária a tudo aquilo que o instituto da fraude contra credores pretende proteger. Entendimento diverso ofereceria proteção – desnecessária e injusta – ao devedor, em detrimento do terceiro adquirente.

Já no plano da ineficácia – que ganhou força no Brasil a partir da doutrina de Emilio Betti e Bulhões Carvalho97 –, o negócio jurídico é válido e produz entre as partes contratantes os efeitos programados, mas não atinge a esfera jurídica de terceiros (no caso da pauliana, o credor que tenha ajuizado a demanda). Há uma relevante diferença entre os efeitos interpartes e ultrapartes.

95 Na doutrina italiana a discussão sobre a natureza constitutiva ou declaratória da ação pauliana (revocatoria

ordinaria) é muito intensa. Ver, por todos: QUATRARO, Bartolomeo; GIORGETTI, Mariacarla; FUMAGALLI, Alberto. Revocatoria ordinaria e fallimentare: azione surrogatoria. Seconda edizione. Milano: Giuffrè, 2009. tomo I, p. 378-383.

96 DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v. IV, p. 430.

97 BULHÕES CARVALHO, Francisco Pereira de. Sistema de nulidades dos atos jurídicos. 2. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1981 e BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Coimbra: Coimbra Editora, 1970. t. 3. Tratou do assunto: AZEVEDO, Negócio jurídico, existência, validade e eficácia, passim.

Considerando-se a pauliana inserida no plano da ineficácia dos negócios jurídicos, a sentença proferida é aproveitada apenas pelo credor que ajuizou a demanda.98 Prevalecem as regras ordinárias do processo civil – já que não há previsão de legitimidade extraordinária dos demais credores – e os efeitos da sentença atingem apenas o credor demandante, não se beneficiando os demais credores, ainda que já ostentassem essa condição antes da realização do ato pelo devedor.99

Não obstante as críticas levadas a efeito por parte da doutrina quando ainda vigente o Código Civil de 1.916100, a redação dos dispositivos desse Codex, mantendo-se a anulabilidade do negócio fraudulento, foi estabelecida intencionalmente, pelo Código Civil de 2002, conforme constou expressamente do relatório, na tramitação, de Moreira Alves e da comissão julgadora. Entendeu-se na oportunidade que não se cuidava de questão problemática e que a mudança acarretaria poucas alterações em termos práticos.101

Assim, de acordo com o artigo 165102 – que manteve quase integralmente o artigo 113 do CC/16103 – a ação pauliana foi concebida como uma ação de anulação, que tem como objeto a revogação do ato lesivo dos interesses dos credores, e terá como efeito restituir ao patrimônio do devedor insolvente o bem subtraído, para que sobre o acervo integralizado recaia a ação dos credores, que poderão satisfazer seus créditos.

98 Sobre os planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico, ver, infra, itens 3.2.1 e 3.3.2.

99 DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, p. 438-439. E complementa o processualista que

“[...] isso não significa que os credores posteriores ou aqueles que não propuseram a ação pauliana fiquem ao total desamparo do sistema jurídico. Se nada lhes sobrar para a penhora resta-lhes promover a falência do devedor ou a sua insolvência civil (CPC, arts. 748 ss.), com o que atrairão todo o patrimônio deste a uma dessas execuções universais e coletivas” (Ibid., p. 439).

100 Ver, por todos: LIMA, A fraude no direito civil, p. 114-116. Em sentido contrário: PONTES DE

MIRANDA, Tratado de direito privado, t. IV, p. 464-467.

101 “O projeto segue o sistema adotado no CC, segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulação.

Não se adotou, assim, a tese de que se trataria de hipótese de ineficácia relativa. Se adotada esta, teria de ser mudada toda a sistemática a respeito, sem qualquer vantagem prática, já que o sistema do Código nunca deu motivos a problemas, neste particular. Ademais, o termo revogação, no sistema do CC e o do Projeto, é usado para a hipótese de dissolução de contrato pela vontade de uma só das partes contratantes (assim, no caso de revogação da doação, por ingratidão). E nesse caso a revogação opera apenas ex nunc, e não ex tunc. Nos sistemas jurídicos que admitem a revogação dos negócios jurídicos por fraude contra credores, admite-se que o credor retire a voz do devedor (revogação) ao passo que, em nosso sistema jurídico, se permite que o credor, alegando a fraude, peça a decretação de anulação do negócio entre o devedor e o terceiro, São dois sistemas que se baseiam em concepções diversas, mas que atingem o mesmo resultado prático. Para que mudar?” (MOREIRA ALVES, José Carlos. A parte geral do projeto do código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 146).

102 “Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo

sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada”.

103 O Código Civil de 2.002 repetiu quase integralmente o artigo 113, apenas procedendo a uma correção

A fraude contra credores, de acordo com a literalidade desse dispositivo, geraria a anulabilidade do negócio jurídico, a qual, como se sabe, diferencia-se da nulidade, sob diversos aspectos: (i) efeitos: o negócio nulo não produz nenhum efeito, ao passo que o negócio anulável produz seus efeitos até a declaração da invalidade e a sentença que decreta anulado o negócio jurídico é constitutiva; (ii) legitimação: em se tratando de nulidade, qualquer interessado possui legitimidade para postular em juízo, inclusive o Ministério Público, podendo o juiz conhecer da nulidade de ofício; em se tratando da anulação, apenas os interessados poderão requerer a anulação e a decretação aproveita apenas àqueles que ingressaram com a ação anulatória; (iii) apenas o negócio anulável pode ser ratificado; e (iv) prescrição: a nulidade é causa imprescritível da invalidação do negócio jurídico, mas a anulabilidade está sujeita à prescrição.104

Apesar da expressa disposição da lei, parte da doutrina, corretamente segundo pensamos, sustenta que se cuida de uma hipótese de ineficácia do ato fraudulento, ou seja, a sentença proferida na ação pauliana teria natureza declaratória, por meio da qual se declara a ineficácia do negócio jurídico impugnado em relação ao credor (autor da demanda), com efeitos ex tunc.

Trata-se, assim, de caso de ineficácia relativa ou parcial do negócio jurídico, que não produzirá efeitos em relação àquele credor, que se sagrou vencedor na ação pauliana. Para essa corrente, “os atos fraudulentos são apenas ineficazes perante o credor, mas não são nulos”.105

Nessa linha é a posição de Cahali, para quem, “envolvendo tanto a fraude de execução como a fraude contra credores um juízo de ineficácia do ato fraudulento (sua

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