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CAPÍTULO II – FRAUDE CONTRA CREDORES NO DIREITO CIVIL E

2.2 FRAUDE À EXECUÇÃO

A fraude à execução constitui uma especialização da fraude contra credores, marcada especialmente pelo momento em que a fraude é perpetrada e na forma pela qual ela será reconhecida judicialmente.122 Ela consiste na realização de um ato de disposição ou oneração de coisa ou direito depois de instaurado um processo cujo resultado poderá ser impossível sem lançar mão desse bem.123

Nas palavras de Cahali, “ontológica e historicamente, a fraude à execução representa um aspecto da fraude contra credores”, mais especificamente uma “especialização da fraude contra credores”.124 E continua: “Assim, e na lição de Lafayette, a fraude de execução ‘não é senão a própria ação pauliana exercida diretamente, por via de penhora, independentemente do processo ordinário’; lembrando Clóvis este ‘outro aspecto

120 Ibid., p. 403.

121 CAHALI, Fraude contra credores, p. 404.

122 Dinamarco, falando sobre as fraudes do devedor, ensina que “essa expressão, não empregada pela lei,

serve para designar uma categoria ampla de condutas desse teor, na qual se incluem a fraude de execução, a fraude contra credores e a disposição de bem já constrito judicialmente (penhorado, apreendido, depositado)” (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v. IV, p. 371). Sobre a fraude à execução, ver, também: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Fraude contra credores e fraude de execução. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, v. 2, n. 11, mai./jun. 2001; THEODORO JÚNIOR, Humberto. A fraude de execução e o regime de sua declaração em juízo. Revista Jurídica, n. 279, ano 48, p. 5-21, jan. 2001.

123 DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v. IV, p. 440. 124 CAHALI, Fraude contra credores, p. 61.

da fraude na alienação aparece no processo’, e se afirmando, na jurisprudência, que a ‘fraude à execução, para os efeitos visados na lei adjetiva, nada mais representa do que uma indireta aplicação da ação pauliana’, pois, conforme escreve Liebman ‘a fraude de execução é um dos casos de fraude contra credores, com aspectos mais graves’ [...]”.125

Em relação às suas origens, já no direito romano se verificava, no processo executivo, uma interdictum fraudatorum, visando à pronta recuperação da coisa alienada pelo devedor executado, e como modalidade de interditum restitutorii, ao lado da actio pauliana, que tendia à rescisão do ato, a fim de possibilitar o retorno do patrimônio ao devedor.126

No direito comparado, de modo geral, os estatutos processuais não inserem regras especiais para a composição da figura da fraude à execução como instituto autônomo e definido, como o fez o artigo 593 do Código de Processo Civil nacional.127 “No direito estrangeiro, aquilo que entre nós configura fraude à execução, com disciplina no Código de Processo Civil, representa modalidade especiosa de fraude contra credores”.128

Com efeito, no Brasil, houve disposição expressa sobre a fraude à execução pelo diploma processual. O artigo 593 relaciona as hipóteses nas quais se caracteriza fraudulenta a alienação ou oneração de bens: (i) quando sobre eles pender ação fundada em direito real; (ii) quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; e (iii) nos demais casos expressos em lei.129

125 Ibid., p. 62. Também Lima aponta que “a fraude contra credores na execução é simples modalidade da

fraude pauliana, presumindo-se, de modo irrefragável, a fraude do devedor decorrente de seu próprio ato; a intenção fraudulenta está in re ipsa”. Sustenta ainda que, na fraude à execução, em substância, o credor exerce um direito cuja finalidade é afastar os efeitos da alienação fraudulenta, tal com se verifica na ação pauliana (LIMA, A fraude no direito civil, p. 272).

126 CAHALI, Fraude contra credores, p. 62-63 e DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v.

IV, p. 441.

127 “Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I – quando sobre eles

pender ação fundada em direito real; II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III – nos demais casos expressos em lei”.

128 CAHALI, Fraude contra credores, p. 65. Salamacha aponta que cada país supre a ausência utilizando-se

de outros meios para solucionar a fraude: SALAMACHA, José Eli. Fraude à execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 130-136.

129 Oliveira Neto ensina que as outras hipóteses de fraude à execução, mencionadas no inciso III do artigo

593 (demais casos previstos em lei) são aquelas dos artigos 615-A e 659, §4º, ambos do Código de Processo Civil, não podendo existir ampliação além delas. (OLIVEIRA NETO, Olavo de. O terceiro adquirente de bem penhorado ou alienado em fraude de execução – meios processuais adequados para efetivação de seus direitos. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie et al. O terceiro no processo civil brasileiro e assuntos correlatos: estudos em homenagem ao Professor Athos Gusmão Carneiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.

Os mesmos requisitos da fraude contra credores também são exigidos (ciência da fraude pelo adquirente – consilium fraudis – e prejuízo – eventus damni), todavia, não há na fraude à execução a discussão sobre a existência da má-fé por parte do devedor, presumindo-se fraudulenta a alienação, sempre que presentes os elementos objetivos.130 Dispensa-se, pois, a demonstração do elemento subjetivo da fraude.131

A fraude contra credores e a fraude à execução diferenciam-se e aproximam-se sob diversos aspectos.132 Há semelhanças entre os institutos: (i) ambas são medidas conservatórias do patrimônio do devedor, que deverá responder pelas dívidas e obrigações; o fundamento de ambas é a lesão causada ao credor do alienante; (ii) os requisitos são os mesmos: (a) fraude na alienação por parte do devedor; (b) eventualidade do consilium fraudis pela ciência da fraude por parte do adquirente; e (c) o prejuízo do credor, por ter o devedor se reduzido à insolvência133; e (iii) “tanto na fraude contra credores como na fraude à execução reclama-se a existência de prejuízo para o credor, decorrente da subtração do bem alienado à garantia da dívida, sendo a insolvência pressuposto comum às duas formas de fraude”.134

Por outro lado, há também distinções.135 Em relação à natureza, a fraude à execução é instituto do direito processual e a fraude contra credores é instituto do direito civil (material). A primeira, tendo em vista o interesse público lesado, poderá ser conhecida até mesmo de ofício, pois, nas palavras de Dinamarco, a ratio da ineficácia na fraude à execução “não é somente o prejuízo causado ao credor, mediante a diminuição patrimonial: é isso e mais o atentado que esse comportamento representa para a própria 400). Para interpretação completa desse dispositivo ver: NERY JÚNIOR; NERY, Código de processo civil comentado, p. 848-854 e SALAMACHA, Fraude à execução, passim.

130 “[...] a diferença reside apenas na forma processual, porquanto, tratando-se da fraude de credores,

necessário se torna o debate para verificação da existência do crédito, ao passo que na fraude de execução o direito do credor já está devidamente apurado e a alienação, nos causos de fraude à execução previstos por lei, presume-se fraudulenta” (LIMA, A fraude no direito civil, p. 273).

131 Oliveira Neto aponta que “por se tratar de situação mais grave do que a alienação do bem em fraude

contra credores, enquanto na fraude de execução se atingem os credores e a dignidade da atividade jurisdicional, houve por bem a lei dispensar a necessidade de aferir o elemento subjetivo, bastando a ocorrência dos elementos objetivos para a caracterização da ocorrência da fraude de execução” (OLIVEIRA NETO, O terceiro adquirente de bem penhorado ou alienado em fraude de execução – meios processuais adequados para efetivação de seus direitos, p. 400).

132 Esse estudo das diferenças e semelhanças é feito com muita propriedade por Cahali: CAHALI, Fraude

contra credores, p. 61-80.

133 No mesmo sentido a posição de Lima: LIMA, A fraude no direito civil, p. 278-279.

134 SALAMACHA, Fraude à execução, p. 138; CAHALI, Fraude contra credores, p. 69.

dignidade da Justiça (art. 600, inc. I), perpetrado pela parte que, por essa forma, intenta subtrair o bem à responsabilidade executiva”.136

No tocante ao momento da prática do ato fraudulento, na fraude à execução procura-se coibir com maior rigor a atuação fraudulenta, pois praticado quando pendente o processo “capaz de reduzir o devedor à insolvência”.

Todavia, é importante notar que a determinação do artigo 593, inciso II, de que é fraudulento o negócio praticado “quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”, não faz referência ao processo de execução ou cumprimento de sentença. A demanda ali mencionada pode ser um processo ainda em fase de conhecimento, durante o qual seja feita uma alienação por parte do devedor (réu) com o intuito de impedir ou dificultar o exercício eficiente da jurisdição.137

Discute-se, no entanto, se seria necessária a citação válida nessa “demanda capaz de reduzir o devedor a insolvência” ou se bastaria a propositura para que se caracterize a fraude à execução. Prevalece, na linha do entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, que “a fraude de execução prevista no art. 593, II, do Código de Processo Civil exige que, ao tempo da alienação ou oneração, esteja em curso ação com citação válida”.138

Em relação ao elemento subjetivo do ato impugnado (consilium fraudis), a malícia e a má-fé estarão presentes assim como na fraude contra credores; a diferença é que na fraude à execução, considerando o elemento subjetivo do consilium como estando in re ipsa, simplesmente dispensa-se-lhe a prova, na medida em que presumido, por presunção juris et de iure. Basta a demonstração de que, de algum modo, o terceiro adquirente

136 DINAMARCO, Fraude contra credores alegada nos embargos de terceiro, p. 575.

137 Defendendo esse entendimento: DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v. IV, p. 442;

ASSIS, Manual da execução, p. 242; NERY JÚNIOR; NERY, Código de processo civil comentado, p. 850.

138 STJ, AgRg nos EDcl no REsp 928447, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 26.11.2010. Na mesma linha,

dentre outros: Resp 860044, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 14.06.2011. Na doutrina há igualmente divergência; exigindo a citação válida: ASSIS, Manual da execução, p. 274-275; SALAMACHA, Fraude à execução, p. 145; NERY JÚNIOR; NERY, Código de processo civil comentado, p. 850; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil: comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 609. Em sentido contrário: CAHALI, Fraude contra credores, p. 430-431. Adota posição intermediária Dinamarco, no sentido de que se exige a citação, salvo se de algum modo o demandado já tivesse conhecimento do processo (fato a ser apreciado caso a caso) (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v. IV, p. 443).

poderia ter conhecimento do processo ou que não tenha tomado as cautelas devidas e esperadas do homem médio.139

Como bem coloca Dinamarco, “falar do conhecimento da litispendência pelo adquirente ou por aquele que recebe o bem em garantia real, como requisito para a configuração da fraude à execução, não significa incluir o consilium fraudis como pressuposto desta. Tem-se esse conluio malicioso para a fraude contra credores, quando o beneficiário do ato quer também, ou se presume que queira, em conjunto com o devedor- alienante, produzir especificamente o estado patrimonial de insolvência deste (ou agravá- lo). Também para a fraude de execução a insolvência se exige, mas não se exige que o adquirente tenha a vontade ou mesmo a consciência de estar concorrendo para gerá-la ou para agravá-la [...]; exige-se somente que tenha ou deva ter conhecimento do processo”.140

Quanto à forma de impugnação do ato praticado em fraude à execução, prevalece na doutrina141 e na jurisprudência142 o entendimento de que ela poderá ser conhecida de ofício pelo magistrado ou mediante requerimento do credor, no curso do processo de execução, sem prejuízo de ser reconhecida em embargos de terceiro eventualmente ajuizado pelo terceiro.

Há corrente doutrinária, correta a nosso ver, defensora da necessidade de que, antes da declaração judicial de ineficácia do ato fraudulento, seja dada oportunidade de manifestação ao devedor e terceiro adquirente nos autos do processo de execução, em

139 Nesse sentido: “[...] É que, consoante a doutrina do tema, a fraude de execução, diversamente da fraude

contra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis. (FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 95-96. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 278-282. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 210-211 / AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 472-473. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 604)” (STJ, Resp 1141990, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.11.2010).

140 DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v. IV, p. 445.

141 “Caracterizada a fraude de execução, deve o juiz, ex officio ou a requerimento da parte, reconhecê-la e,

dando-lhe o regime da ineficácia (CPC 592 V), determinar que se faça a penhora sobre o bem de posse ou propriedade do terceiro. A parte pode requerer essa providência mediante petição simples. Caso o terceiro ajuíze ação de embargos de terceiro (CPC 1046), na contestação dos embargos pode ser alegada a fraude de execução que, reconhecida, acarretará a improcedência dos embargos, com a manutenção da penhora sobre o bem de terceiro, já que a aquisição é válida, porém ineficaz relativamente à execução” (NERY JÚNIOR; NERY, Código de processo civil comentado, p. 850). Em sentido contrário, Assis entende não caber ao juiz pronunciar a fraude à execução de ofício, pois “não cabe ao órgão judiciário interferir na esfera jurídica do terceiro, sem pedido expresso do exequente [...]” (ASSIS, Manual da execução, p. 288).

142 Nessa linha, dentre inúmeros outros: TJSP, 0286265-75.2010.8.26.0000, Rel. Des. Luis Fernando Nishi, j.

respeito ao princípio constitucional do devido processo legal, apesar da omissão do texto legal nesse sentido.143

A decisão que reconhece a fraude à execução produzirá a ineficácia do negócio jurídico fraudulento, ou seja, esse negócio continuará existindo e válido entre os contratantes (devedor e terceiro), mas será ineficaz em relação ao credor, que poderá ignorá-lo para o fim de satisfação de seu crédito.144 “Admitida a fraude, o ato jurídico, lato sensu, efetuado pelo executado se ostentará inoperante para a execução, tal como um véu, e os meios executórios atuarão sobre o bem ilicitamente subtraído à garantia patrimonial”.145

Por fim, é importante mencionar a recente Súmula do Superior Tribunal de Justiça, (n. 375, de 30.03.2.009), segundo a qual “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.146

Exige-se, por meio dessa Súmula, a presença do consilium fraudis, ao menos por parte do terceiro adquirente, e contempla-se ainda um rigor extremo, ao estabelecer, contrario sensu, que o “registro da penhora do bem alienado” configuraria uma “prova da má-fé” do terceiro adquirente. Caso não exista esse registro, então caberá ao credor provar a má-fé do terceiro adquirente. Ou seja, de acordo com a posição manifestada nessa

143 Nesse sentido: ASSIS, Manual da execução, p. 288-289; SALAMANCHA, Fraude à execução, p. 197-

199; SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude à execução e o direito de defesa do adquirente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 201-240; SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude de execução e devido processo legal. 1999. Disponível em: <http://www.magisteronline.com.br>. Acesso em: 10 dez. 2011; THEODORO JÚNIOR, A fraude de execução e o regime de sua declaração em juízo, p. 19. Em sentido contrário: DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 288. Entendendo pela ausência de violação ao princípio do devido processo legal e possibilidade de reconhecimento da fraude à execução de ofício: OLIVEIRA NETO, O terceiro adquirente de bem penhorado ou alienado em fraude de execução – meios processuais adequados para efetivação de seus direitos, p. 402.

144 DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v. IV, 1570, p. 440. Como ensina Assis, “o ato

fraudulento existe e vale entre os figurantes do negócio jurídico, mas é ‘como se’ não existisse perante o credor, que poderá ignorá-lo, penhorando, desde logo, o bem fictamente ‘presente’ no patrimônio do obrigado. Por isso, o juiz declarará a fraude, incidentalmente, nos próprios autos da execução” (ASSIS, Manual da execução, p. 273).

145 ASSIS, Manual da Execução, p. 290.

146 Sobre o assunto, ver: FERRARI NETO, Luiz Antonio. Fraude contra credores vs. fraude à execução e a

polêmica trazida pela Súmula 375 do STJ. Revista de Processo, v. 195, ano 36, p. 209-246, mai. 2011; MAIDAME, Márcio Manoel. Fraude à execução, adquirente de boa-fé, art. 615-A do CPC e súmula 375 do STJ. Revista Dialética de Direito Processual, 94, p. 75-88, jan. 2011; FERRIANI, Adriano. A fraude de execução e a prova da má-fé. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Civilizalhas>. Acesso em: 23 nov. 2011.

Súmula, ainda que se cuide de fraude à execução, presume-se a boa-fé do terceiro adquirente.147

Com a devida vênia, parece-nos que ela contém diversas impropriedades.

Inicialmente, ela é contrária ao artigo 593 do Código de Processo Civil, no qual não há absolutamente nenhuma exigência relacionada ao registro da penhora realizada no processo executivo. Até porque, como mencionado, sequer exige a lei que se cuide de processo de execução ou cumprimento de sentença para a aplicação do instituto.

A Súmula alargou o conceito de fraude à execução estabelecido pelo código processual: há, no último, apenas a previsão de que se consideram em fraude de execução a alienação ou oneração de bens “quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”. Nada se fala sobre a prova da má-fé do terceiro adquirente, tanto assim que sempre prevaleceu o entendimento no sentido de que se dispensaria o consilium fraudis nesses casos, bastando a presença de elementos que demonstrem a possibilidade de conhecimento do processo por parte do terceiro adquirente.

Há, segundo pensamos, uma incongruência e excessiva proteção ao terceiro de boa- fé.148 A posição adotada pela C. Corte, assim, foi no sentido de estabelecer-se um rigor na fraude à execução que é dispensado até mesmo na fraude contra credores, olvidando-se que na fraude à execução existe uma conduta muito mais grave por parte do devedor, que justifica uma disciplina mais severa.

Por fim, no que se refere à exigência do registro da penhora, para além da impropriedade de parecer limitar o instituto da fraude à execução para as ações executivas (execução de título extrajudicial ou cumprimento de sentença), parece-nos que se ignorou a realidade brasileira – seja sob a ótica da forma como os negócios são realizados no Brasil,

147 Aplicando a Súmula no STJ: Ag.Rg. no Resp 963297, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j.

03.11.2010; AgRg. No Ag 922898, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 25.08.2010; Resp 726323, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17.08.2009.

148 Talvez seja porque, como apontado por Ferrari Neto, “ao se analisar os precedentes [da Súmula] na

íntegra é possível constatar que eles versavam, em sua grande maioria, sobre alienações sucessivas, o que não ficou claro na edição da súmula [...]” (FERRARI NETO, Fraude contra credores vs. fraude à execução e a polêmica trazida pela Súmula 375 do STJ, p. 237).

seja sob a ótica do Poder Judiciário nacional e sua excessiva morosidade e falta de mínima estrutura.

Com efeito, é sabido que no Brasil, historicamente, o campo da fraude é muito vasto, existindo, em todos os estados e sob todos os ângulos, altos níveis de inadimplência, acompanhados de medidas para evitar as consequências dessa inadimplência – seja nas classes mais abastadas, seja nas classes de baixa renda, que, nos últimos anos, tiveram amplo acesso ao crédito bancário.

Somado a isso, a realidade do Poder Judiciário, no dia a dia forense, impede que se possa condicionar a demonstração da má-fé ao registro da penhora na respectiva matrícula. É que até que se atinja esse momento processual – da expedição da certidão de inteiro teor da penhora (artigo 659 do Código de Processo Civil149), muito tempo terá transcorrido desde o ajuizamento da demanda.

De acordo com o iter processual da execução por quantia certa contra devedor solvente (artigos 646 e seguintes, CPC), para se chegar nesse ponto, muitas medidas já foram tomadas pelo credor: providências para a citação, providências visando à localização de bens, tais como expedição e distribuição de ofícios. Uma vez localizado o bem, deverá o exequente diligenciar para a expedição do mandado de penhora, por termos nos autos, e, posteriormente, expedição de certidão de inteiro teor do ato, normalmente mediante novo requerimento ao juízo.150

Em razão da morosidade que grande parte dos foros apresenta – especialmente no Estado de São Paulo –, todo esse trâmite processual pode levar vários anos. Não se pode

149 “Art. 659. [...] § 4o A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo

ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4o), providenciar, para presunção

absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial”.

150 Usualmente, não há a imediata expedição da certidão de inteiro teor da penhora conjuntamente com a

expedição do termo de penhora nos autos. Caberá ao exequente peticionar neste sentido e, se houver urgência, solicitar à serventia, pessoalmente, por meio de seu advogado, para que tal certidão seja expedida com mínima celeridade. Tudo isso sem mencionar o custo envolvido no registro da penhora, que deve ser suportado pelo exequente (artigo 239 da Lei de Registros Públicos). Sobre o assunto, ver também os artigos de Luciano Lopes Passarelli, nos quais é feita uma análise sobre a jurisprudência envolvendo penhora e a

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