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3 DA CRISE AMBIENTAL A SUSTENTABILIDADE ORGANIZACIONAL:

5.2.2 Ação Pedagógica (AP)

Para Bourdieu e Passeron (2014), toda AP é objetivamente uma violência simbólica. Isto é, a cultura dominante é imposta e inculcada de forma espontânea e natural por meio de uma ação não violenta que permite a imposição de maneira dissimulada de um arbitrário cultural como uma cultura universalizada.

Diante do exposto, a Samarco Minerações S.A., por meio de suas narrativas, reproduz a cultura universalizada da ideologia neoliberal, na qual lhe permite legitimar suas ações de forma naturalizada, conforme narrativa:

[...] deve investir na capacidade de enxergar adiante, de ir além e de buscar formas inovadoras de operar, aplicando tecnologia de forma intensiva para otimizar o uso dos recursos naturais, com respeito ao meio ambiente, gerando desenvolvimento econômico e social, garantindo custos competitivos e com resultados cada vez melhores, pessoas ainda mais bem preparadas e incorporando aprendizados diários (SAMARCO, 2011, p. 5).

A narrativa exposta acima evidencia a reprodução do arbitrário cultural, no qual, o expansionismo tecnológico proposto pelas transnacionais e a sua participação para o desenvolvimento econômico e social das localidades onde atuam,

alinhado a mitigação da degradação ambiental, permite a equalização das injustiças sociais e ambientais.

Bourdieu e Passeron (2014) caracterizaram a (AP) Ação Pedagógica – como violência simbólica em 2 sentidos, (1) imposição e inculcação de um arbitrário cultural dominante; e o (2) imposição e inculcação de certas significações, convencionadas, pela seleção e a exclusão. Portanto, será considerado como (AP), no que se refere à sustentabilidade, aquilo que for imposto, inculcado e que possa gerar certas significações convencionadas pela seleção e exclusão sobre esse tema. Nesse contexto a imposição surge de forma intrínseca, associando novamente a ideologia de verdade que, por sua vez, ganha significações que se sustentam por meio da criação de uma “verdade” além dos fatos. Em consulta às narrativas da, e referentes à, Samarco Minerações S.A., identificou-se os padrões reprodutivos no tocante à sustentabilidade e foram divididos em “arbitrário imposto e inculcado” e “inculcação de significações” acerca desse arbitrário.

Buscamos contribuir para melhorar as condições de vida e o bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento social, econômico e ambiental, por meio da utilização responsável dos recursos naturais e da construção de relacionamentos duradouros baseados na geração de valor (SAMARCO, 2010, p. 14).

A inculcação do arbitrário é imposta com ações constantes, no decorrer dos anos, adotando uma “roupagem” de desenvolvimento econômico da sociedade e de seus habitantes.

Entre os temas que priorizamos, estão o desenvolvimento socioeconômico das comunidades vizinhas, com a geração de tributos, emprego e renda, a conformidade ambiental plena das operações e o respeito à vida, com práticas que garantam a segurança de nossos empregados e dos contratados (SAMARCO, 2012, p. 41).

Investimentos e programas direcionados por nossa estratégia de transformação social têm contribuído para melhorar a qualidade de vida na área de influência, incluindo os eixos de educação e geração de renda, voluntariado e desenvolvimento territorial (SAMARCO, 2014, p. 42).

O processo de inculcação não se cessa após o ecocídio, conforme apresentado por Samarco (2017, p. 40):

[...] nunca estivemos tão mobilizados para entregar as soluções necessárias na atual conjuntura e apresentar uma nova Samarco aos brasileiros, que assume suas responsabilidades com a reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão e quer voltar a contribuir para o desenvolvimento das regiões onde estamos inseridos.

Diante do exposto, a empresa vai impondo e inculcando um habitus duradouro e quase intransponível, com o intuito de legitimar de forma natural suas ações empresariais nas quais, segundo a cultura legitima, trazem benefícios

econômicos e sociais para as localidades nas quais as instalações industriais encontram-se. Ainda nessa narrativa, a empresa se propõe, por meio da implantação de tecnologias avançadas, como capaz de mitigar os efeitos nocivos que suas atividades trazem ao meio ambiente. Logo, por meio de uma ação não violenta, impõe o arbitrário cultural dominante.

Não obstante, se faz necessária a inculcação de significações que irão naturalizar condições sociais que favoreçam a reprodução e perpetuação do arbitrário cultural dominante, isto é, criar condicionantes que, ao serem internalizados pelos dominantes, tornam-se verdades absolutas. Essa naturalização é evidenciada por Estadão (2015), onde “há uma conversa que se quer espalhar como lavagem cerebral, segundo a qual mineração é mesmo uma atividade suja e que esse tipo de coisa é ‘do jogo’”, narrativa que faz menção ao ecocídio ocorrido em Mariana (MG).

Bourdieu e Passeron (1992) atribuem a essa forma pedagógica de alienação como aquela que se dá através da construção constante de novas significações, conforme pode ser observado abaixo:

Principal Valor para a Samarco, a Valorização da Vida é premissa em nossas operações. Por isso, em nosso dia a dia, desenvolvemos ações e procedimentos que visam garantir a segurança, a saúde e a qualidade de vida de nossos empregados e contratados (SAMARCO, 2011, p. 34).

Na narrativa acima, pode-se observar a ideia de limitação do conhecimento a fundo pelos atores sociais, uma vez que na predisposição da fala da empresa como favorável à vida traz a máxima do cuidado humano. A anunciação de cuidado com a vida é associada ao “progresso e desenvolvimento”: “Entendendo que a mineração do futuro deve estar cada vez mais integrada à sociedade, que nos concede o direito de explorar o minério de ferro e operar em seu território” (SAMARCO, 2011, p. 24).

Mesmo após o ecocídio, essas anunciações de inculcação e significações tomam seu curso constante, buscando subsidiar-se na ideia de indispensável, e de melhor valia para a sociedade. “Nosso objetivo é trabalhar em prol de uma mineração mais segura e de menor risco” (SAMARCO, 2016, p. 07). Essa é apenas uma das falas que enunciam a busca de minimização das consequências do ecocídio e o apoio da sociedade em compactuar com suas ações, justificadas pelas “ações responsáveis” de uma empresa que tem como máxima “ser uma base para a sociedade”:

As barragens foram construídas em linha com a Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei 12.334/2010), com inspeções de segurança próprias e equipes de operação em turno de 24 horas, para manutenção e monitoramento (SAMARCO, 2016, p. 64).

Identificou-se que a maioria da população entendia que a Samarco deveria continuar operando, ao mesmo tempo em que se responsabilizasse pelos impactos causados. Além disso, a Empresa possui expressiva influência sobre a economia do País, tendo sido, até o rompimento da barragem, uma das maiores exportadoras nacionais (SAMARCO, 2016, p. 29).

Mesmo com o passar do tempo, utilizando-se do inculcamento, as falas ainda são de “empresa responsável e indispensável” para sociedade: “Não nos esqueceremos jamais do ocorrido em novembro de 2015 e estamos absolutamente comprometidos com uma mineração diferente” (SAMARCO, 2020, p. 6).

As significações retratam a atuação degradadora da Samarco Minerações S.A., e a presença destes aspectos no discurso proferido pela população de Mariana, ressalta essa discussão: “pessoas que moram em Mariana acham que os atingidos se aproveitam da situação. Porque a Samarco é quem move a economia da cidade, é quem gera emprego” (CARTA CAPITAL, 2017a).

Logo, o ecocídio causado pela empresa, em 2015, torna-se naturalizado pelas comunidades locais atingidas, haja vista que a história reificada se incorporou, tornando-se uma história incorporada e naturalizada, criando um habitus duradouro, capaz de ser reproduzido pelos agentes.

Além das comunidades locais, o governo também interioriza o arbitrário cultural dominante, reproduzindo-o como único possível. Em nome de um desenvolvimento nacional e de ganhos regionais, presentes na ideologia desenvolvimentista, oriundos das operações da Samarco Minerações S.A., busca inculcar significações de uma mineração positiva no que se refere a impactos locais, naturalizando as perdas provocadas pela mineradora (CARTA CAPITAL, 2019a).

Assim, a AP se refere à sustentabilidade em relação ao “arbitrário imposto e inculcado” ao usar a narrativa de que o desenvolvimento local só é possível com a instalação de transnacionais como a Samarco Minerações S.A., que, imbuídas de uma narrativa desenvolvimentista e expansionista, preconiza a sustentabilidade econômica e que a degradação pode ser compensada com o desenvolvimento.

No tocante a “inculcação e significações”, as narrativas apresentam um discurso naturalizado e construído socialmente de que a mineração é algo positivo para as comunidades que recebem as instalações da Samarco Minerações S.A. e que os ecocídios fazem parte do jogo.