• Nenhum resultado encontrado

Os representantes do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) parecem se inserir nesse tipo de “lideranças da rua” que temos estudado até então, por assumirem uma forma de participar não no campo das relações pessoais, mas no das ações coletivas, manifestando-se através de reivindicações e objetivando a conquista de direitos.

Essas lideranças têm se posicionado de maneira impessoal e crítica frente aos representantes do poder do Estado, contestando e reivindicando as demandas das comunidades e dos seus segmentos. Nesse sentido, suas ações, ao assumirem tal perspectiva, passam a representar um caminho inverso do percorrido por algumas lideranças no município, defendendo em luta os interesses mais coletivos das classes populares.

O MLB surgiu na cidade de Recife, Estado de Pernambuco, como um movimento social urbano com uma forte reivindicação voltada aos direitos de moradia.

Conforme a fala dos membros, o movimento foi organizado em 1999, em contestação a situação desalentadora que passavam vários movimentos comunitários e associações de moradores, muito envolvidos em práticas de cooptação e não representação dos seus segmentos. Se contrapondo a essas condições, várias lideranças resolveram fundar o Movimento na intenção de mudar as práticas que vinham sendo manifestadas até então, defendendo

efetivamente os interesses coletivos da população e um projeto de sociedade mais participativo.

Segundo suas lideranças, a ideologia do Movimento é a luta por uma conquista de uma sociedade socialista e igualitária, onde as pessoas tenham seus direitos garantidos, e principalmente possam participar das decisões que em muito influenciam suas vidas.

A ação coletiva tem atuado em parceria com a Central dos Movimentos Populares – CPM46, que surgiu em 1993 como uma estratégia de articulação e fortalecimento dos movimentos populares.

O Movimento começa a atuar no município de Natal em 2003, através da iniciativa de integrantes advindos do Estado de Pernambuco e da Paraíba, com a perspectiva de fazer uma ocupação urbana. No período, os integrantes do Movimento deram início à mobilização de famílias que não tinham acesso à moradia.

Segundo Wellington Bernardo, coordenador estadual do MLB, o debate sobre a moradia não é a única questão proposta pelos sujeitos que têm atuado na ação. Para a liderança, essa proposta de atuação tende a representar uma estratégia de mobilização das classes populares, uma vez que historicamente a população não tem se reunido em torno de questões relativas à saúde, à educação e outros; demonstrando maior interesse quanto às questões relativas ao acesso à habitação.

A mobilização e a formação política promovida pelo MLB durante o ano de 2003 resultaram em uma ação coletiva com a participação das famílias, que ocuparam em abril de 2004 uma área da periferia da cidade denominada pelos componentes do movimento de “Leningrado”. O espaço ocupado fica localizado no bairro Guarapes, Região Administrativa Oeste, periferia do município.

46A CMP é fruto de um processo histórico de resistência dos movimentos sociais populares,

em especial das lutas sociais dos anos 1980. Foi fundada no I Congresso Nacional de Movimentos Populares, realizado de 28 a 31 de outubro de 1993, em Belo Horizonte-MG. Na fundação, estiveram presentes 950 pessoas vindas de 22 Estados do País representando um grande número de Movimentos Populares, tais como: Movimentos de Negros/as, Mulheres, Crianças e Adolescentes, LGBT, Pessoas em Situação de Rua, Pessoas com Deficiência, Movimento Indígena, Movimento por Transporte, Moradia, Saúde, Saneamento, Direitos Humanos, entre outros, demonstrando a amplitude e a diversidade ali reunidas. O eixo central de atuação da CMP é a defesa das Políticas Públicas com Participação Popular.

Segundo a liderança, a ocupação teve a participação de mais de mil famílias de diferentes comunidades do município. Essas famílias viviam nas periferias da cidade, em favelas ou até mesmo na rua. Algumas delas participaram da ocupação por terem perdido seus empregos e não terem mais condições de pagar o aluguel das casas em que viviam. Para Wellington Bernardo uma das principais propostas das ocupações, além de conquistar a moradia e os direitos, é tentar fazer com que as pessoas passem a entender que somente juntas poderão lutar contra suas dificuldades. Segundo o coordenador

para o individuo sozinho é mais difícil, mas de forma coletiva fica mais fácil, porque as pessoas sempre passaram fome de certa forma individual, elas sempre viveram em barracos, em favelas debaixo das pontes de maneira individual. Quando elas passaram a viver de forma coletiva [...] quer dizer coletivizando a miséria. Lógico coletivizando a miséria incentivou o povo. Lutou para vencer. Então, elas começaram a ter uma perspectiva: bom se eu ficar aqui, eu sei que futuramente eu vou sair desse barraco de lona, desse barraco do chão batido para uma casa de alvenaria, vou ter outra qualidade de vida (WELLINGTON BERNARDO, 2011).

Na ocupação, foram construídos barracos de papelão, lona e outros. Todos sem piso, banheiro, fornecimento de energia elétrica ou até mesmo de água potável. Nesses barracos, as famílias se instalaram e deram início, com o apoio das lideranças do movimento, a um segundo momento no processo de luta por seus direitos: o de organizar manifestações e reivindicações junto aos órgãos públicos para que suas casas fossem construídas.

Para o coordenador estadual do MLB, muitas foram as manifestações que ocuparam a rua da prefeitura e o próprio centro administrativo do Estado, conseguindo assim, depois de muitas reuniões, enfrentamento de ameaças por parte dos supostos donos dos terrenos, a conquista de suas moradias. Esse processo de ocupação e conquista da moradia parece ser devidamente retratado em uma matéria vinculada por um jornal do município:

Era madrugada de 9 de abril de 2004. O ônibus que levava Severina Justino da Silva, então com 48 anos de idade, parte da Urbana, mas quebra a caminho do Planalto. Ela desce, olha para um lado e outro, só vê o “caminhão gaiola”, utilizado para carregar gado ou cavalos. Apenas com uma foice na mão,

pensa: “Nesse eu não vou.” Esperança vã. Sem tempo sequer para transformar o pensamento em palavras, levada pela multidão, a mulher se vê dentro do veículo indesejado. E assim, em pé em uma carroceria feita para carregar animais, ela chega debaixo de chuva ao lugar onde lhe prometeram que havia um terreno o qual, pela primeira vez, iria poder chamar de seu. A história de “Dona Severina” é apenas uma das centenas contadas por quem viveu os primeiros momentos do assentamento Leningrado, área ocupada há quatro anos e que, desde então, se transformou em abrigo para moradores sem- teto da capital e interior. O local há muito deixou de ser o amontoado de barracos de lona surgido nas primeiras semanas, mas na comemoração de seu quarto aniversário, no último domingo, os 1.200 moradores restantes (muitos não suportaram e foram embora e outros conseguiram suas casas) ainda mantinham a mesma esperança de 2004: ter enfim direito a uma casa para morar (TRIBUNA DO NORTE, abr. 2008).

A conquista dos espaços e a construção das casas de alvenaria, não representam a conclusão das ações do movimento tampouco o abandono da população por parte das lideranças. Em outras palavras, o momento da conquista da moradia representa o fortalecimento do grupo e a sua reorganização frente a novos desafios. Como destacou uma liderança do movimento: “as pessoas precisam mais do que de casas para serem consideradas cidadãs, é preciso escola, postos de saúde, saneamento, segurança, etc.”

É nesse cenário de conquistas que os integrantes do movimento buscam esclarecer a população dos novos desafios que são postos na ex-ocupação e recente comunidade do Leningrado. Segundo as lideranças, a partir desse

Figura 8: Residência de alvenaria no atual Conjunto Leningrado (Novembro de 2011) - Zona Oeste de Natal/RN. Fonte: Arquivo pessoal

momento é dado início a um novo bloco de reuniões na comunidade com o propósito de debaterem quais seriam as próximas demandas identificadas pelos moradores das ocupações a fim de organizarem novas ações de reivindicações junto ao poder público e outros. Como podemos observar através das demandas entregue pela coordenadora da ocupação Luiz Gonzaga, Joana D’arc Teixeira à superintendência da Caixa Econômica Federal em julho de 2007:

DEMANDAS DAS OCUPAÇÕES ORGANIZADAS PELO MLB

 Que a Caixa Econômica Federal execute o PSH das 6.104 famílias que esperam há um ano por sua execução;

 Um Programa Nacional de Autogestão e Mutirão, com acesso direto aos recursos do Orçamento Geral da União (OGU);

 Uma Superintendência de Habitação Popular na Caixa Econômica Federal;  Repasse imediato das terras da União – SPU, INSS, RFFSA – para moradia

popular;

 Agilização do programa crédito solidário, garantindo a continuidade do programa;

 Que os recursos do PAC sejam alocados sob critérios e transparência, respeitando as deliberações do concidades quanto à Política Nacional de Habitação e de Desenvolvimento Urbano;

 Concentração de todos os recursos não onerosos da União, inclusive do FGTS, no FNHIS;

 Uma política de desenvolvimento urbano rumo à construção do Sistema Nacional de Cidades;

 Garantia de uma política de tarifas sociais de água e energia elétrica;

 Destinação de R$ 3 bilhões por ano para o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social para construção de moradias populares;

 Regularização fundiária das favelas e assentamentos informais e utilização das terras da União e dos Estados para projetos de habitação popular;

 Repasse dos imóveis públicos vazios para habitação popular e a sua regularização;

 Pela defesa e garantia da aplicação dos recursos públicos nas políticas sociais com mudança na política de superávit fiscal e redução das taxas de juros.

Analisando as demandas do Movimento, observamos que estas podem ser consideradas como sendo de caráter coletivo, objetivando a garantia dos direitos das comunidades que até então estavam sofrendo com os problemas de moradia e infraestrutura.