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O município de Natal/RN32, cujo processo de formação territorial, cultural e populacional remonta o período da colonização brasileira33, se insere nas discussões que temos apresentado até agora sobre a participação política como uma ação de resistência aos processos de exclusão e desigualdades sociais, inerentes ao próprio sistema capitalista.

Com uma população, segundo o IBGE (2010), de aproximadamente 803.739 habitantes, residentes em 36 bairros localizados nas quatro regiões administrativas (Norte, Sul, Leste e Oeste), a cidade possui, segundo estudos da SEMURB (2006), 66 favelas oficialmente reconhecidas, correspondentes a pequenos assentamentos precários, com reduzido número de domicílios, que não oferecem condições dignas de sobrevivência. Essas favelas estão assim distribuídas nas regiões Norte (18); Sul (10); Leste (14); Oeste (24). No total, são 18.632 domicílios, onde vivem 74.528 pessoas.

Gráfico 1: Favelas por região em Natal/RN. Fonte: Arquivo pessoal

32 A cidade compõe a Região Metropolitana de Natal (RGM) juntamente com os município de

Ceará-Mirim, Extremoz, Macaíba, Monte Alegre, Nísia Floresta, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante e São José de Mipibú (ANUÁRIO 2009).

33 Segundo seu processo histórico, principalmente até o fim do século XIX, a cidade vivenciou a

história do país, talvez pela presença marcante de um sistema de colonização de exploração, quase silenciada, assumindo um papel frente as outras capitanias ou estados brasileiros não menos significativo que de uma parcela da população que não participara efetivamente da sua história. Bomfim (1994). No Século XX, o silêncio fora quebrado por mobilizações político-

sociais desencadeadas por setores populares, militares e outros. Entre algumas, destacamos o papel da Insurreição Comunista de 1935, a Campanha de pé no chão na administração do prefeito Djalma Maranhão, os movimentos estudantis na década de 60 e 70, etc.

Esse número de favelas, segundo Kowarick (2000), pode expressar as acirradas formas de segregação socioeconômica que se dá nos espaços urbanos. Formas estas que contrastam, de maneira radical, as restritas áreas privilegiadas, destinadas aos estratos de médio e alto poder aquisitivo, com as imensas zonas onde se avolumam os trabalhadores que não podem pagar o preço de um progresso apoiado na exclusão social e econômica daqueles que levam adiante as engrenagens econômicas.

Concordando com o autor e considerando a habitação como uma das principais questões sociais que evidenciam a segregação e os processos de exclusão social e econômica do município34, identificamos por meio do mapeamento do Déficit Habitacional feito em 200635, outra problemática relativa ao tema, que não diz respeito apenas à questão das favelas, mas ao problema do não acesso a moradia e, por sua vez, aos direitos sociais, por parte da população de baixa renda do município.

34 Nessa concepção, Martins (1997) apud Wanderley (2004. p. 136) afirma: não existe

exclusão: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicatória e sua reivindicação corrosiva. Essas reações, porque não se trata estritamente de exclusão, não se dão fora dos sistemas econômicos e dos sistemas de poder. Elas constituem o imponderável de tais sistemas, fazem parte deles ainda que os negando (...). De repente, essa categoria tão extremamente vaga (no sentido de imprecisa e vazia) que é a exclusão, substitui a idéia sociológica de processos de exclusão.

35 O déficit habitacional pode ser definido como a quantidade de moradias que deve ser

construída para solucionar problemas sociais relacionados com a coabitação familiar, a moradia em domicílios improvisados ou em construções precárias e o ônus excessivo com aluguel.

Figura 1: Ocupação Djalma Maranhão (Movimento de Luta nos Bairros vilas e favelas). Zona Norte de Natal/RN. Fonte: Arquivo pessoal

No ano da pesquisa, a cidade apresentava um déficit básico estimado em 24.848 domicílios, o que a colocava no ranking do déficit habitacional básico relativo entre as capitais do país e o Distrito Federal, na 14ª posição, e entre as capitais da região Nordeste, a 3ª posição, com as menores carências habitacionais, perdendo somente para Salvador e Aracaju, que obtiveram déficit habitacional de 12,5% e 13%, respectivamente (NATAL, 2006).

É importante notar a enorme quantidade de domicílios vagos - unidades que estavam desocupadas na data de referência do Censo Demográfico - que algumas vezes supera o número de moradias necessárias para suprir as carências habitacionais relacionadas com o déficit habitacional básico. Em Natal, eram 22.379 domicílios vagos que correspondia, em 2000, a 90% do total do déficit habitacional básico. Ou seja, desprezando as condições em que se encontravam os domicílios vagos, sua localização e a que segmento da sociedade se destinaria, caso fosse possível repassar os 22.379 domicílios vagos de Natal para as famílias com carências habitacionais ocuparem, seria necessário apenas construir mais 2.469 unidades para zerar o déficit habitacional no município.

É nesse campo de contradições relativas ao acesso a direitos que a questão urbana aparece como problema político a ser enfrentado. Esse enfrentamento nas cidades é materializado pelas associações de bairro, juntas de vizinhos, clubes de mães, grupos de base - os mais díspares - que lutam por água, iluminação, pavimentação, saneamento, creches, postos de saúde ou policiamento, contra a alta dos aluguéis, pela legalização ou ocupação da terra (KOWARICK, 2000).

Essas realidades revelam que, apesar da existência de uma política de participação no governo Lula e outras políticas voltadas para democratização da renda, a questão social permanece nas periferias do município como uma impressão marcada pela desigualdade e pobreza na história do país.

São em torno dessas questões sociais que surgem na história do país e do município, através da iniciativa da própria população ou do governo, os espaços de participação, discussão e reivindicação de direitos, marcados pelo conflito de diferentes classes sociais.

Esses conflitos ou lutas sociais surgem na história do município de Natal/RN como uma síntese do processo de formação político e social do

Brasil; das marcas deixadas pelos diferentes processos de exploração e repressão promovidos pelos atores políticos; pelas questões sociais, que em muito contribuíram no processo de despolitização de uma parcela da sociedade.

É no campo dessas relações de conflito que se dão no próprio Estado, entre um grupo social que parece representar a chamada sociedade civil no município e outro que representa a sociedade política, que buscamos identificar quais seriam os espaços de participação no município e quem seriam esses atores que estariam compondo esses espaços.

Tomando como referência os estudos de Coutinho (1989) e, por sua vez, a teoria de Gramsci, entendemos que o Estado de que tratamos tem um sentido amplo, comportando suas esferas principais: a sociedade política e a sociedade civil:

a sociedade política (que Gramsci também chama de "Estado em sentido estrito" ou de "Estado-coerção"), que é formada pelo conjunto dos mecanismos através dos quais a classe dominante) detém o monopólio legal da repressão e da violência, e que se identifica com os aparelhos de coerção sob controle das burocracias executiva e policial-militar; e a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (revistas, jornais, editorias, meios de comunicação de massa), etc. (COUTINHO, 1989, p. 77)

É esse Estado que consideramos ser o local onde são travadas as lutas de resistência das classes populares frente as questões sociais, e onde são criados os espaços de participação que em muito representam espaços de conflitos.

Em outras palavras, é neste campo que localizamos os atores sociais identificados em nossa pesquisa, os espaços onde atuam, e algumas reflexões sobre a dinâmica da participação observada no campo empírico.