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6.1 A “alegação do medo” e as ações dos operadores

6.1.2 Ações da “Testemunha”

Conforme o Gráfico 08 (Alegação do medo) em 7(41%) dos 17 Processos Penais identificamos o tipo “testemunha”, no qual uma ou mais testemunhas, alegando medo, não se fizeram presentes nas audiências marcadas pelo Juiz, e por isto, tiveram que ser novamente reinquiridas para uma nova audiência. Entendemos que a não localização de testemunhas e, portanto a sua não intimação pelo Oficial de Justiça, bem como o não comparecimento de testemunhas nas audiências faz parte da dinâmica do processamento penal. Entendemos com

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isto, que o Juiz vai a busca de “um corpo mínimo” de testemunhas que dêem testemunhos sustentáveis e que possibilitem o estabelecimento do “debate contraditório” entre as partes.

Neste tipo identificado, entendemos que o medo alegado pelas testemunhas não despertou nos demais operadores, por exemplo, na Promotoria, alguma ação no sentido de pleitear uma nova ação processual, por ter se sensibilizado com a alegação do medo das testemunhas.

Nos Processos Penais 16 e 17, comuns até a cisão, foram processados e julgados os 5 réus de uma chacina no qual 3 homens foram mortos. Consta do mesmo Inquérito Policial pertencente aos dois processos, de que os moradores do “Morro” limitam-se a informar que “nada viram e nada sabem” sobre o crime, situação que demonstra o medo que os moradores têm da violência, na opinião do Delegado de Polícia. Percebemos que as ações e a “valorização das ações” do Delegado de Polícia são feitas por ele próprio ao referenciar o seu trabalho com as impressões que a Imprensa deu sobre o caso. O Delegado de Polícia, dentro da sua experiência, também demonstra conhecimento da sua área de atuação e do contexto geográfico e social, onde atua e terá que elucidar o caso e isto demonstra que ele “já sabe o que vai encontrar pela frente”.

O Promotor de Justiça visando a garantia da ordem pública, bem como a aplicação da lei penal, faz a denúncia e solicita a prisão preventiva dos acusados do crime, alegando que “o crime gerou grande comoção social e insegurança na comunidade, circunstância percebida nas declarações das testemunhas e na repercussão do caso na imprensa”.

O irmão de uma das vítimas da chacina foi “muito ameaçado” depois de depor na Polícia, e teve que se mudar para São Paulo, e alegando medo não participou da audiência na Justiça à qual foi intimado. Duas audiências consecutivas não aconteceram pela ausência das testemunhas, as quais tinham sido devidamente intimadas.

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O tempo entre o agendamento de uma audiência, a intimação de uma testemunha pelo Oficial de Justiça e sua oitiva pelo Juiz é algo como 30 dias, e neste caso, foram duas transferências, que representaram no mínimo 60 dias de protelamento. O Processo Penal 16 durou 596 dias e levou o réu à condenação, e o Processo Penal 17 levou 666 dias, e condenou 2 réus e absolveu os outros 2 réus, e vale lembrar que estes tinham sido presos em flagrante.

Neste caso, podemos sugerir que se não fosse o medo alegado pelas testemunhas o que refletiu no seu não comparecimento nas audiências, algo que o Delegado de Polícia já tinha alertado no Inquérito Policial, os Processos Penais poderiam ter sido mais rápidos, no mínimo 60 dias.

Os Processos Penais 04 e 08 têm o mesmo réu Abud, mas para dois homicídios diferentes. No Processo Penal 08, Abud, para mostrar que “é macho”, matou com 2 disparos, Mauro. Abud retornou da prática do delito e saiu gritando “acabei de matar um lá no Morro”. Conforme o processo, ninguém viu este crime, mas as testemunhas o atribuíram a Abud, porque ele próprio alardeou sobre ter matado alguém naquele dia. Lino, o tio de Abud, depôs contra Abud, dizendo que “ele é pessoa perigosa, que anda armado, e que é mau exemplo para o irmão menor, e que sai gritando ameaças e dizendo que vai matar as pessoas” e ainda afirmou:

... o medo é visível34 entre os moradores do local, pois teme que Abud seja solto e volte a aterrorizar as pessoas com seu comportamento desmedido, sem limites, fazendo da violência o seu “hobby”; que dentro do presídio onde se encontra atualmente, vem mandando recados, que assim que sair dali, muitas “cabeças vão

rolar”, pois vai matar o depoente e seu cunhado, além de outras pessoas que lhe

cortarem o caminho.

Outras testemunhas relataram que temem Abud, pois ele as ameaçava diretamente e já tentou matá-las. Abud que estava preso preventivamente por este crime, foi posto em liberdade, porque não havia provas contra ele além do “ouvi dizer”.

No segundo crime de homicídio que Abud cometeu, o qual está no Processo Penal 04, a vítima foi seu próprio tio, Lino, o qual depôs contra Abud no Processo Penal 08, e em cujas

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oitivas já tinha relatado que estava sendo ameaçado de morte por seu sobrinho, mas mesmo assim continuou testemunhando contra ele. Podemos considerar a morte de uma testemunha algo paradigmático, no tocante que testemunhas são necessárias para o processamento penal de um réu, e seu testemunho “voluntário” está comprometido, já que além das ameaças sofridas, as testemunhas estão efetivamente sendo mortas em Florianópolis.

Este crime aconteceu dois meses após o primeiro homicídio. Após proferir os dizeres “vamos acabar com esse negócio” Abud matou seu tio. O julgamento do Processo Penal 08 foi seguido pelo julgamento do Processo Penal 04, uma semana depois, e o réu foi condenado nos dois processos.

Dos 17 Processos Penais estudados, o Processo Penal 04 foi julgado em 303 dias, o mais rápido de todos que analisamos, e o Processo Penal 08, em 379 dias, o terceiro mais rápido. Estes 2 Processos Penais transcorreram com as testemunhas alegando medo do réu e “dos seus amigos”, sentimento de medo que se agravou com a morte de uma testemunha, pelo próprio réu. Mas não há evidências que o réu tivesse comparsas para seus crimes. Pelo que entendemos, o réu agiu sozinho, e inclusive, as ameaças eram feitas diretamente às testemunhas por ele próprio.

O que nos chamou a atenção foi de que nestes dois Processos Penais em que Abud foi réu, não havia testemunhas que abonassem a conduta dele. Nestes dois casos entendemos que a “geração do medo” provinha de uma só pessoa, ou seja, do próprio réu, que estando preso, não mais ameaçou as testemunhas. Pudemos entender que a falta de provas existentes contra Abud no seu primeiro crime, puderam ser “supridas”, pelo fato de Abud ter matado a principal testemunha acusatória deste primeiro crime, o qual era seu tio. Documentos produzidos para este segundo crime foram incorporados ao Processo Penal do primeiro crime, sob protesto da defesa. Tivemos a impressão, com isto, de que Abud foi julgado e condenado nos dois Processos Penais como se um fosse a “continuidade do outro”, visto que os

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julgamentos também foram realizados com diferença de 7 dias. Ele foi inicialmente julgado e condenado pelo segundo crime, que foi o de matar a testemunha principal do primeiro crime; e depois foi julgado e condenado pelo primeiro crime, e isto nos leva a entender que a “condenação pelo segundo crime”, a qual dava um mais um antecedente ao réu, foi determinante para sua condenação no primeiro crime. No contexto destes dois processos, mesmo que as testemunhas tenham alegado medo, não houve ações que protelassem o tempo dos processos, tanto que o segundo crime de Abud foi o Processo Penal mais rápido que analisamos, com 303 dias, e o primeiro crime de Abud foi o terceiro Processo Penal mais rápido com 379 dias, conforme a Tabela 02 (Tempo em dias dos Processos Penais da data do Boletim de Ocorrência até a data do Julgamento em 1º grau). Podemos sugerir que as alegações de medo das testemunhas possam ter sido um fator de celeridade dos Processos Penais 4 e 8.

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