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5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.7 O PAPEL DA UFT

5.7.2 Ações de intervenção no assédio na UFT

As ações de intervenção são entendidas como as atitudes tomadas diante os reais casos de assédio, ou seja, enquanto a prevenção evita que casos surjam a intervenção organizacional atua depois de conhecida alguma situação. Geralmente se aborda estratégia conciliatória ou punitiva. O primeiro tipo foca em ações de modo a evitar punir o agressor. Tendo isso em vista, buscamos conhecer quais eram as intervenções feitas nos casos que chegaram ao conhecimento da gestão.

Antes de entrar na intervenção propriamente dita, é necessário pontuar alguns fatos. Para que haja uma abordagem da gestão nos casos é necessário primeiro que ela tome conhecimento da existência deles. Contudo, o que mostra a pesquisa é que a maior parte dos pesquisados que se auto declaram vítimas (63%) não fizeram nenhuma queixa ou denúncia.

Aos que não fizeram nenhuma queixa ou denúncia solicitamos que explicassem o porquê de não terem feito. Como essa pergunta era de caráter optativo, no questionário, não tivemos muitas respostas. Contudo, as respostas que tivemos fornecem uma compreensão de que uma parte desses pesquisados preferem não denunciar por que acreditam que não iria adiantar.

De nada iria adiantar (TA-83) Não adianta (TA- 213)

Pela chefia fazer parte da alta gestão e por outras reclamações terem sido ignoradas pela alta gestão (TA-288)

Não. Por medo de não dar em nada, de acabar eu sofrendo mais, de ficar presa. Eu pensava assim “eu estou aqui, mas eu vou sair então calma”. Então por medo de não dar em nada, porque a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco, né. (V-1)

Uma pessoa que trabalhava na minha sala dizia que eu tinha que reclamar, outras pessoas que sabiam também diziam que eu tinha que reclamar. Eles não faziam nada porque técnico não tem muita força contra professor. Se eu falasse isso no RH em quem eles iriam acreditar? Em mim ou em quem é chefe? (V-6)

Esses relatos mostram que existe, entre as vítimas de assédio, a percepção de que independente do que elas façam a impunidade vencerá. Sobre isso Björkqvist, Österman e Hjelt-Bäck (1994) afirmam que a tolerância organizacional é comunicada através das sanções empregadas àqueles que violam suas normas e valores. Desta forma, a percepção das vítimas de que o assédio que vivem não será impedido pode estar refletindo uma cultura de impunidade.

Também houve aqueles que não fizeram nenhuma queixa por medo de possíveis represálias. Isso vai ao encontro da literatura quando afirmam que as pessoas hostilizadas têm medo de denunciar o agressor, seja por que frequentemente isso resultará em um processo administrativo (NUNES; TOLFO, 2015), gerando um desgaste para elas, ou por temor de uma vingança ou sanção, além do constrangimento gerado pela repercussão do ocorrido (HELOANI, 2004).

Medo de represália (TA-314)

Medo de represálias, medo de não acreditarem em mim pois sempre fico sozinha em minha sala, por isso não houve testemunhas durante os constrangimentos sofridos (TA-289)

Às vítimas de assédio que afirmaram ter feito alguma queixa ou denúncia foi perguntado qual o foi o encaminhamento dessas queixas. Destaca-se que existem alguns casos em que a gestão toma ciência, contudo, não por parte da vítima, mas por terceiros ou por questões circunstanciais. Dentre os casos em que membros da gestão souberam do fato poucos tiveram alguma resolução.

Até o presente momento não houve melhoria (TA-95) Não houveram providência sobre minha reclamação (TA-110)

Teve reunião mostrando as queixas dos servidores do setor e a chefia ficou de mudar a maneira de agir, porém continuou do mesmo jeito. E foram muitas reclamações da equipe para a direção. Eles até tentaram minimizar o problema, mas chegou um dia

que nem mandamos mais reclamações por que o setor já estava desgastado perante a direção com tanto problema interpessoal (TA-133)

Tudo é parcialidade. Nada se resolve (TA-250)

Conversaram com o assediador, que diminuiu um pouco o assédio e disseram que irão me mudar de setor. Ainda estou esperando (TA-309)

Foi a todas as instâncias, mas o corporativismo impediu o encaminhamento adequado. (TA-332)

Quando eu fui fazer a denúncia, eu fiquei mais de 40 dias pensando se eu iria fazer ou não, se compensava. Porque eu cheguei a conversar com outras pessoas, pegando conselho com outras pessoas. Até falei com uma outra servidora que eu sei que também sofreu assédio e também fez uma denúncia. Ela disse “olha, eu já passei por isso, foi difícil, foi delicado, e infelizmente preciso te falar uma coisa, eu denunciei e nada aconteceu, absolutamente nada. E a denúncia me fez ficar mais frustrada ainda.” [...] No final das contas meu processo não deu em nada, aliás, já se sabe que aqui na UFT esses processos são todos arquivados.

Ficou evidente que a maior parte dos casos em que a gestão soube da situação de assédio, não houve providências resolutivas. E, se analisarmos a questão da resolução pelo foco da sanção, isso se torna ainda mais evidente, já que nenhum dos casos pesquisados, seja nas entrevistas, na pesquisa documental ou nos questionários, houve punição. Os casos em que as denúncias geraram processos administrativos disciplinares ou sindicâncias investigativas, no total 5 processos envolvendo 3 casos, os processos foram arquivados ou por prescrição do fato ou por ausência de materialidade, que são os casos em que a vítima não consegue provar as agressões.

O conjunto de informações obtidas junto às vítimas acerca do posicionamento da gestão diante seus casos corroboram os achados em algumas pesquisas (p. ex., SALIN, 2008a, 2008b) que afirmam que existe uma postura predominante passiva por parte dos gerentes de pessoal diante dos casos de assédio. Quando alguma postura é tomada ela geralmente vem por meio de discussão com as partes envolvidas.

Nos casos em que sofri assédio moral procurei auxilio do psicólogo e mudei minhas atitudes o que foi fundamental para superar as dificuldades que estava tendo (TA- 134)

Em um primeiro momento, ouvi separadamente as partes, para tentar entender do que se tratava. Orientei as vítimas a relatarem, registrando o ocorrido, e orientei a procurar auxílio psicológico. Nenhuma das vítimas quis registrar por receio de retaliação de alguma forma e ainda, por acreditar que não haveria punição, e seria um desgaste desnecessário. A partes agressoras foram orientadas a refletir sobre a questão e a possibilidade de sofrer sanções. Contudo, essas não acreditam estar cometendo assédio moral. No entendimento delas, as vítimas têm outros motivos para procurar este setor (G-1)

Existem ainda os casos graves em que a os profissionais da área de gestão de pessoas culpam a vítima pelo ocorrido. No caso de V-6 que sofria de assédio por meio de importunação sexual, a vítima afirma que quando relatou o fato a uma psicóloga da instituição ela a culpou por não ter deixado claro que processaria o agressor caso ele não parasse de importuna-la. Também há o caso de V-9, já relatado anteriormente, que depois de uma licença por motivo de saúde para tratar de doenças originadas pelo assédio, sua assediadora afirmou no setor de gestão de pessoas que ela havia abandonado o trabalho. Quando V-9 foi até o setor explicar a situação o que recebeu foi mais assédio, mas por meio de uma profissional do setor de gestão de pessoas

Quando eu falei com psicóloga (sobre o assédio de cunho sexual) ela disse que eu que tinha que falar que não, e que iria processar ele. Ele poderia ser meu futuro chefe, como eu ia dizer isso pra ele? [...] A psicóloga da UFT dizia que a culpa era minha, de o professor ficar me alisando, porque eu não falava pra ele que iria processar ele, aí que eu sofria mais ainda. Eu acho que ela não entendeu o meu lado, acho que ela pende para o lado da instituição. Quando eu fui tratar com outros psicólogos eles falaram totalmente diferente pra mim (V-6)

Quando ela falou no RH que eu tinha abandonado o serviço eu fui lá tentar explicar a situação, e a pessoa com que eu falei disse apenas que não tinha tempo se levantou e virou as costas. Disse que do jeito que eu sou ninguém mais ia me querer dentro da Universidade (V-9)

Essas situações que passaram V-6 e V-9 vão ao encontro com o exposto na literatura. Segundo apontam alguns autores tanto os alvos de assédio quanto as testemunhas acusam o pessoal dos Recursos Humanos de marginalizar socialmente os funcionários que sofreram abusos, ainda apoiando aqueles que os agridem (D’CRUZ E NORONHA, 2010; TRACY; LUTGEN-SANDVIK; ALBERTS, 2006). Apesar de trazer esses relatos para a análise, esses relatos de culpabilização da vítima não foram frequentes de forma a poder afirmar que essa é a postura institucional. Contudo, tem gravidade relevante para que os profissionais possam fazer uma reflexão da postura adotada.

A pesquisa também buscou conhecer as medidas mais frequentes de resolução dos conflitos. E percebemos que a conduta mais adotada é uma das mais descritas na literatura: a separação da vítima e agressor. Em alguns relatos podemos perceber que as vítimas se livraram da situação quando houve uma mudança de setor.

Pensei em prezar o bom convívio, e me mantive na esperança de conseguir a mudança de setor, hoje estou em um outro setor (TA-256)

Quando eu saí de lá foi, tipo, 200% melhor. Eu me dou muito bem onde eu estou. Foi a melhor coisa (V-6)

Dos pesquisados entrevistados e dos que participaram da pesquisa documental todos que se livraram da situação foi por meio de transferência de departamento. Aqui também é necessário fazer um adendo. Das transferências de setor que ocorreram todas, exceto uma, foi a vítima que foi transferida, exatamente como postula Rayner (1997). Segundo esse autor, embora pareça mais adequado transferir a pessoa de comportamento ruim, as evidências indicam que geralmente é o alvo das agressões que é transferido, principalmente nos casos em que o agressor está em um nível hierárquico superior.

Diante de todas essas informações podemos inferir que a UFT tem adotado algumas estratégias no sentido de prevenir o assédio moral, principalmente, através de cursos e treinamentos e palestras. Contudo parece que estas ações parecem estar aquém do que deveria. Isso pode ser demonstrado pela quantidade significativa de técnicos que não conhecem políticas de prevenção e combate ou nunca ouviram nenhuma divulgação sobre assédio moral. A literatura aponta que ações reconciliatórias surtem efeitos apenas no estágio inicial da intimidação (ZAPF; GROSS, 2001), contudo, se os trabalhadores não souberem o que é o assédio eles só se descobrirão como uma vítima quando o estágio estiver muito avançado. Por esse motivo é tão importante o trabalho de conscientização. Mais importante ainda é a punição quando necessária. Ainda que não seja algo que se deseje, punir alguém que hostiliza o outro mostra o quanto a organização é comprometida com bem-estar dos seus funcionários. E também passa a mensagem de que nenhum tipo de violência será tolerado.