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Ações e enfoques da Educação Alimentar e Nutricional na mudança de práticas alimentares

No documento TA79 (páginas 58-63)

1.5 ALIMENTAÇÃO, CULTURA E PRÁTICAS ALIMENTARES

1.5.2 Ações e enfoques da Educação Alimentar e Nutricional na mudança de práticas alimentares

Descontruir e reconstruir práticas alimentares inadequadas formadas ao longo da vida de sujeitos e grupos, ao mesmo tempo em que estes estão submetidos diretamente

a condições ambientais como o marketing e a grande oferta de alimentos com perfil nutricional desfavorável se constitui um dos principais desafios e justificativas da EAN.

Educar é estimular o pensar, é estabelecer o desafio na resolução de um problema, e isso só é possível pela ação dos sujeitos envolvidos na relação. E o nutricionista, no exercício do seu papel de educador em ações de EAN deve utilizar aquilo que aprendeu, o seu saber, com o objetivo de transformação da realidade. Para tanto, esse profissional deve estar atento em respeitar o tempo e as habilidades do outro, as regras da boa convivência com as diferenças, deve parar para escutar e para olhar, parar para sentir e perceber detalhes, não agir com automatismo e ter paciência, permitindo o tempo e o espaço para a diferença do outro. É fundamental o saber ouvir7, gerando a

possibilidade de reflexão sobre as dimensões do outro (REZENDE et al., 2011). Paiva (2007) cita que estes ideais, quando relacionados aos objetivos e às finalidades do ato educativo nos faz repensar sobre o processo de construção do conhecimento não como atos formais e mecânicos que devem ser levados a termo por uma exigência institucional. Evidenciar a dimensão natural do ser humano no processo de aprendizagem e ensino é o desafio e, ao mesmo tempo, o estímulo que se coloca aos processos educativos dos dias atuais.

A EAN, portanto, sendo disciplina essencialmente pedagógica e transformadora, não deve se pautar na mera transferência de informações sobre nutrição e alimentação. Deve, no entanto, gerar o desejo de mudança no hábito alimentar, considerando o sujeito em sua complexidade, ou seja, percebendo a pessoa humana como um ser biopsicossocial e espiritual (TOLONI et al., 2016).

Intervenções que promovam alterações efetivas e objetivas são necessárias para melhorar a saúde e o bem-estar da sociedade. Tais intervenções podem ocorrer em diversos níveis, incluindo o intrapessoal (por exemplo, melhorar as atitudes individuais em relação ao consumo de alimentos vegetais), interpessoal (por exemplo, promover suporte social para atender grupos com necessidades específicas) e social/ambiental (por exemplo, impor leis que proíbam a venda de refrigerantes e outras bebidas açucaradas em escolas) (CONTENTO, 2012).

De forma geral, as estratégias de EAN, em seu contexto interdisciplinar, devem ser capazes de desencadear uma visão do todo – de interdependência e de transdisciplinaridade – além de possibilitar a construção de redes de mudanças

sociais, com a consequente expansão da consciência individual e coletiva. Porém, para atingir estes objetivos, faz-se necessário a busca por métodos inovadores, que admitam prática pedagógica ética, crítica, reflexiva e transformadora, ultrapassando os limites do treinamento puramente técnico, para efetivamente alcançar a formação do homem como ser histórico, inscrito na dialética da ação- reflexão-ação (MITRE et al., 2008).

Estas considerações são sustentadas pelo Marco Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas, um conjunto de diretrizes, leis e programas para a agenda de EAN, que afirma que:

“A EAN deve ser concebida a partir de um referencial metodológico que preveja um processo de planejamento participativo, monitoramento e avaliação. Tanto os aspectos metodológicos como instrumentais necessitam ser referenciados em um processo permanente de pesquisa e gestão do conhecimento, bem como aprofundados em processos de formação e educação permanente dos profissionais envolvidos. Muito embora seja preciso incorporar às ações de EAN processos de construção metodológica e de planejamento baseados em referências, tal construção é local, ou seja, baseada em cada realidade específica” (BRASIL, 2012).

Destaca-se, portanto, a complexidade do desafio de desenvolver ações de EAN, situando o problema historicamente em suas múltiplas relações e explicitando a necessidade de diálogo com outras áreas de conhecimento. Essa prática não significa a chegada a um plano de ação ideal, mas o desenvolvimento da predisposição do profissional para o pensamento crítico e situado, que deve incorporar o hábito de questionar cotidianamente seus conhecimentos, seus pressupostos e preconceitos, suas ações, suas escolhas mesmo aquilo que pode se apresentar como uma ação simples, como o caso da opção por determinado recurso pedagógico para EAN, e que precisa ser situado em função da dinâmica passada e presente do campo da alimentação e nutrição de suas interfaces (BEZERRA, 2018).

Estas reflexões corroboram as concepções de Paulo Freire, na obra Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 2015), que dispõe sobre o processo educativo e o papel do educador na construção do conhecimento no educando, em que se ressalta que:

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”;

“Formar não é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado”;

“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”; e

“[...] quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender, tanto mais se constrói e desenvolve a curiosidade epistemológica”.

Ainda segundo Freire, é necessária a articulação de atividades onde os envolvidos (educadores e educandos) compartilham parcelas de responsabilidade e comprometimento. Para isso, no entanto, faz-se necessário superar a concepção do “ensino bancário”, em que o conhecimento é apenas transferido aos educandos, sistema este que, segundo o autor “deforma a necessária criatividade do educando e do educador”. Desta forma, fica evidente a necessidade de assumir papel ativo, descondicionando-se do “sistema bancário” e buscando efetivamente conhecimentos relevantes aos problemas e aos objetivos da aprendizagem. O que é possível a partir da problematização das experiências vivenciadas no cotidiano.

Confrontando esses aspectos com a realidade da maioria das intervenções de EAN em prática atualmente, constata-se que as ações realizadas de forma isolada, descontínua e descontextualizada não são capazes de alterar o cenário onde elas são executadas nem enfrentar os desafios colocados. Por outro lado, avalia-se que as opções teóricas e metodológicas contra hegemônicas críticas podem facilitar a problematização dos elementos presentes no contexto social, referentes à saúde e à alimentação. Por exemplo, o planejamento participativo e as circunstâncias da vida das pessoas, além do monitoramento e avaliações sistemáticas das ações e dos cenários, são etapas imprescindíveis de um processo educativo contra hegemônico (PADRÃO et al., 2017).

Articulando com os princípios apresentados pelo Marco de Referência, é importante, portanto, que as ações de EAN (MDS, 2018)8:

8 Para relatos práticos destas articulações e outros materiais que podem qualificar o planejamento e execução de

ações em EAN acesse: Rede Ideias na Mesa (www.ideiasnamesa.unb.br) e Movimento “Comer pra quê? (www. comerpraque.com.br)

n Permitam entender que a disponibilidade e o abastecimento de alimentos

saudáveis impactam nas escolhas das pessoas, da comunidade e das instituições. Pensar que o desperdício de alimentos e o destino de resíduos de produção também são parte do sistema alimentar e devem ser levados em consideração no momento das escolhas;

n Reafirmem a ideia de que a alimentação não diz respeito apenas ao alimento

que se come, mas que envolve também valores afetivos, sensoriais e culturais que constroem a própria cultura;

n Expressem uma educação voltada para o autocuidado, que despertem o olhar

para si, proporcionando que o sujeito possa escolher as melhores formas de cuidar de si, constituindo-se assim agente ativo no processo de aprendizagem a respeito das escolhas alimentares;

n Desenvolvam novas percepções e a internalização de uma nova cultura na

organização dos serviços e sistemas, bem como a compreensão do necessário envolvimento de diversos setores da sociedade e da necessidade de revisão do processo de formação dos diferentes profissionais que podem colocar seus saberes em diálogo;

n Consigam abordagem intersetorial e caráter multidimensional, possibilitando a

articulação dos princípios às práticas.

É importante que o profissional atuante como educador em alimentação e nutrição reflita suas experiências e avalie se a centralidade das práticas educativas está na mera transmissão de mensagens, que por mais que sejam consistentes, coerentes e claras, e utilizem ao máximo os recursos tecnológicos de comunicação, podem não ser caminhos para formação de sujeitos autônomos.

Sendo assim, cabe questionar se as habilidades e competências que estão sendo requeridas são mais de comunicadores do que de educadores. Muitas vezes, esses profissionais são vistos como veiculadores de informações, mais do que como sujeitos das ações educativas na promoção das práticas alimentares saudáveis. A centralidade da produção da mensagem sobrepõe a relação dela com o sujeito e com o profissional mediador dessa relação, que é, sobretudo, uma relação dialógica. A relação dialógica, por outro lado, não se pode conceber quando os sujeitos não se apresentam no cenário da ação educativa, restando apenas a supremacia da mensagem (SANTOS, 2005).

No documento TA79 (páginas 58-63)