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IV ENCONTROS E DESENCONTROS NO CAMPO DO “NÃO- “NÃO-GOVERNAMENTAL”

4.3. OS PADRÕES ORGANIZACIONAIS DOS COLETIVOS

4.3.1 AÇÕES ENTRE AS ESCALAS

Os debates nos planos político-sociológicos situam ora o processo da globalização como algo “inexorável e irreversível” ao incorporarem o desmonte do Estado Nação, a reestruturação produtiva e a financeirização da economia mundial. Outras perspectivas compreendem a globalização não como uma nova fase do capitalismo, mas como uma retórica utilizada pelos aparatos oficiais para justificarem a submissão voluntária aos mercados financeiros. Se para algumas interpretações o que se percebe é a unificação do espaço global, em detrimentos da dissolução dos Estados nacionais, para outros, este mesmo processo pode ser explicado da mesma maneira: “a globalização não é uma homogeneização, mas, ao contrário, é uma extensão de um grupo de nações dominantes sobre o conjunto das praças financeiras nacionais” (BOURDIEU, 1998 apud VAINER, 2002, p.15).

Em meio a esta discussão as escalas: “local” e “nacional” são postas no centro do debate. A segunda, de maneira hegemônica, é vista como espaço e ator esvaziado da ação política. Já a primeira é eleita pelas mais variadas correntes de pensamento, tanto pelos “conversadores” – neolocalistas competitivos -, quanto pelos “progressistas radicais”, defensores do neolocalismo

autogestionário e libertário. Como efeito, se fortalece ao mesmo tempo, a proposta da “cidadania global”. Que seria a resistência à fragmentação, aos chauvinismos a: “explosão dos tribalismos, e fundamentalismos através dos quais a globalização ameaça a própria sobrevivência da sociedade, como conceito e experiência comum de vida societal” (ibdi, p.22).

Algumas das ações políticas elaboradas por estratégias específicas internas ao campo de forças estão ilustradas no gráfico abaixo. Buscamos localizar as escalas das ações dos dois coletivos, bem como as do Estado e da empresa. O gráfico a seguir dá visualidade a algumas ações internas ao campo de forças que envolve diferentes projetos territoriais e representações acerca da ocupação espacial dos monocultivos da celulose. A identificação das escalas é produzida em função das estratégias políticas dos diferentes atores envolvidos no conflito, e não como algo dado espacialmente: “[...] a escala não esta ontologicamente dada, nem constitui em território geograficamente definível a priori nem é uma estratégia discursiva politicamente neutra na construção de narrativas”

(SWYNGEDOUW, 1997 apud VAINER, 2002).

As construções das escalas se dão através do processo social produzido a partir da interação da ação social com as estruturas geográficas: “Escolher uma escala é também, quase sempre, escolher um determinado sujeito, tanto quanto um determinado campo de confrontação” (ibdi, p. 25). As lutas políticas contra a desigualdade de poder em relação aos recursos naturais travadas na esfera local e tornadas públicas acionam e articulam outras escalas de poder ao conflito. O que é denominado por “ações locais”, no gráfico abaixo, é um dos momentos de intersecção entre as diferentes escalas da ação: o resultado do espaço de vinculação econômica, política e social, exprimindo um momento político específico (ibdi). O autor faz referência ao geógrafo David Harvey no que se refere à distinção entre as escalas e os níveis de abstração: a abordagem analítica e a estratégia “propositiva transescalar”.

Para melhor visualização das apropriações e definição das escalas de ação, utilizaremos algumas das mobilizações e seus alcances. As ações que ilustram parte do campo de forças, no contexto de disputa em torno das estratégias de legitimação dos plantios de eucalipto, foram escolhidas respeitando nosso critério de relevância na demonstração de uma seqüência das ações transescalares. Por isso, mobilizações igualmente relevantes internas a este campo, podem não aparecer localizadas no gráfico abaixo.

Tabela 1 - As escalas das ações dos agentes envolvidos no campo do conflito ambiental no Espírito Santo

Na tentativa de explicitar as trajetórias das ações demonstradas no gráfico, - acontecimentos localizados no eixo cartesiano – trataremos, através do esquema apresentado, da trajetória da “Terceira Auto-demarcação Indígena Tupiniquim e Guarani”, em 2005. A mobilização está inserida no árduo e conflituoso processo de luta dos índios pela terra, há 40 anos, com a Aracruz Celulose, no município de Aracruz. Parte da motivação desta ação pode ser interpretada como reflexo da publicação do relatório da Funai, em 2005, que confirmava as constatações do relatório realizado em 1994, e indicava que 18.027 ha são pertencentes às aldeias indígenas. As aldeias ocupavam, até então, somente 7.061 ha destes territórios.

O processo de “auto-demarcação” das aldeias indígenas contou com apoio de algumas das entidades da Rede Alerta, que auxiliaram na sustentação da ação.

Segundo relatos de uma das participantes da Rede existiam espaços e momentos limitados aos indígenas, onde “brancos não poderiam entrar”. Essa prerrogativa foi explicada pela entrevistada por duas razões: A primeira, relativa à qualificação jurídica do indígena, que não se estende aos que os apoiam. De acordo com a participante do coletivo e pesquisadora das ações indígenas: “pela necessidade em serem reconhecidos como sujeitos da ação, já que são acusados de serem manobrados por terceiros” (Informação verbal, M., 48 anos, geógrafa, AGB, Rede Alerta).

O processo de auto-demarcação possibilitou a reconstrução das aldeias Olho d’água e Córrego d’ouro, até então ocupadas por densas plantações de eucalipto. Algum tempo depois do início do processo de auto-demarcação das aldeias, percebeu-se a estagnação do processo de reconhecimento de seus territórios por parte do Ministério da Justiça. Por isso, os indígenas ocuparam a fábrica da empresa, situada onde um dia existiu a antiga aldeia Macacos, e o Porto da Barra do Riacho. Algumas das entidades e pessoas componentes da Rede Alerta participaram das manifestações e foram enquadradas em processos de “interdito probitório” movidos pela empresa. Os autuados são acusados de

ameaçarem o patrimônio físico, financeiro e as reservas ambientais da Aracruz Celulose por conta dos apoios à manifestação.

Ocupação do Portocel: 3ª “Auto-demarcação Indígena Tupinikim/Guarani (dezembro/2006). Fonte: Rede Alerta Contra a o Deserto Verde.

Dado o processo de auto-demarcação dos territórios indígenas, as denúncias de conflitos entre este grupo e a Aracruz Celulose chegaram à Conferência do Tribunal dos Povos Unidos, realizada em Viena, que por sua vez, reconheceu a apropriação indevida das terras indígenas pela empresa. Tal manifestação resultou, no ano seguinte, na venda das ações da Aracruz Celulose por parte da família real sueca, motivada por manifestações da população daquele país.

No mesmo ano de 2006, a Polícia Federal invadiu e destruiu as aldeias reconstruídas durante o processo da terceira auto-demarcação, utilizando para isso tratores emprestados da Aracruz Celulose. A reconstrução dos territórios destruídos deu-se, novamente, com o auxílio de parceiros da Rede Alerta. Já no

final do ano de 2007, os indígenas Tupiniquim e Guarani de Aracruz, conseguem o reconhecimento de 18.027 ha pelo Ministério da Justiça, de acordo com as Portarias – nº 1463 e nº 1464.

A vitória das aldeias, que coroa os anos de luta pelo reconhecimento de seus territórios, fez com que a empresa sob a justificativa de que não iria recorrer judicialmente da decisão do Ministério da Justiça, propusesse a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Depois de muitas negociações, reuniões e avaliações entre as aldeias e entidades indígenas – Comissão de Caciques e Lideranças Tupiniquim e Guarani e a Associação Indígena Tupiniquim e Guarani – decidiu-se pela assinatura do TAC com a empresa, mediado pelo Ministério Público Federal, apesar das críticas de algumas das entidades da Rede Alerta. A assinatura de tal termo pelas representações indígenas deixou clara a prioridade dada ao reconhecimento de seu território.

Mas do que indicar em qual âmbito a ação política se constitui, o gráfico acima indica a capacidade com que a ação política, protagonizada pelos indígenas e com o apoio de outras entidades, articulou outras escalas de poder.