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II NEM EMPRESA, NEM ESTADO: O CAMPO DO “NÃO- “NÃO-GOVERNAMENTAL”

2.3. ONG, UMA CATEGORIA DIFUSA

2.3.3. EM NOME DE QUEM?

No complexo campo nacional e internacional das ONGs – cuja diversidade se expressa nos mais variados discursos e práticas – encontram-se algumas entidades que se apresentam como habilitadas a resolver conflitos. Luis Tadeu Assad70 define o objetivo dos trabalhos da ONG que dirige – Instituto Ambiental Brasil Sustentável (IABS) – como o de produzir “soluções de desenvolvimento em áreas de conflito”: “Transformamos o conflito em oportunidade de desenvolvimento para todos”. A organização não-governamental em questão busca intervir nos desentendimentos para que as partes integrantes possam chegar a um consenso:

O que fizemos foi buscar alternativas com o poder público e o setor privado. Hoje alguns agricultores já estão produzindo mel e renovando seus plantios. Por outro lado a empresa passa a ter uma imagem melhor perante a sociedade. Um melhor relacionamento entre as partes, ainda por cima, protege a área de exploração predatórias.

70 Em entrevista “Transformando conflitos em oportunidades”, concedida a Revista do Terceiro Setor, RITS (em setembro de 2007, capturada no endereço eletrônico: www.rits.org.br).

Saragoussi, coordenadora da Fundação Vitória Amazônica – FVA, destaca a importância em compensar os moradores vizinhos as áreas identificadas como Unidades de Conservação, criadas sem a participação da comunidade local ou mesmo sem que elas sejam informadas da existência do parque:

Pelo abandono ou diminuição da intensidade de certas práticas, é preciso propor outras atividades geradoras de renda. Nessas interações precisamos de interlocutores, isto é, pessoas que possam falar em nome do coletivo, dialogar com as instituições públicas (SARAGOUSSSI; LÉNA, 2001, p. 295).

Muitas vezes a “necessidade de formação de grupos locais71” esbarra na condição de carência desses grupos72. “É todo um processo de organização, de discussão, de representação, de construção de legitimidade, que precisa ser levado em frente” (SARAGOUSSI e LÉNA, 2002, p.295-296). O representante da ONG defende os espaços de educação para a cidadania, a importância em fortalecer os hábitos de reuniões, “em formar liderança que tenham linguagem clara”, incentivar a participação e promover a cidadania: “temos uma realidade sócio-ambiental e se atuarmos em apenas um de seus componentes, estaremos sendo incompletos, não cumpriremos nossa missão como instituição” (ibdi, p.296). Os representantes das ONGs enfatizam a construção do aprendizado por vias dialógicas, como um trabalho “sério e responsável”. Elas são por excelência o “espaço de inovação e agilidade de respostas, de busca e experimentação de novas ideais, até a utopia florescer” (ibid, p.302).

Ronaldo Lobão (2006) que analisa as Reservas Extrativistas Marinhas do litoral brasileiro, no quadro de política pública e conflitos envolvendo ONGs, estas reservas compõem um campo no qual novas percepções sobre o tempo e do espaço são acionadas, condicionando os grupos locais a uma posição de

71 Robert Putnam (1996) relaciona as organizações de caráter locais como um dos importantes espaços de circulação do capital social, terreno favorável à cooperação espontânea, a confiabilidade mutua, as regras de participação democráticas, que aumentam a “eficiência” da sociedade. O capital social, entendido aqui, constitui-se como uma espécie de bem publico, que permite o “desempenho institucional da comunidade”. Fazendo frente à ineficiência do Estado.

72 O entrevistado cita que a maioria das pessoas em determinada região da Amazônia, não tinha nenhum tipo de documento, pois viviam enormemente isolados.

subalternidade. Destacou também a necessidade de mecanismos de interlocução com outras instancias de poder, principalmente a da política institucional. Para o autor, estas novas formas de organização comporiam uma

“cosmologia política do neocolonialismo” sob uma roupagem institucional externa à realidade local. Os locais, através do contato com as ONGs, buscam a obtenção de resultados específicos73, reafirmando a presença do Estado, mesmo em tratando-se do campo “não governamental”.

O autor discute a introdução de termos e formas de organização, tais como

“empoderamento”, “protagonismo”, “gestão participativa”, “autonomia”, que compõem o vocabulário da maioria das associações e/ou entidades não governamentais. Disseminados de forma intensa, estas categorias mostram-se inquestionáveis, o mesmo acontecendo com o termo “desenvolvimento sustentável”: duvidar dele, seria um “pecado mortal” (ibdi)74.

Lobão também refere-se ao termo “projetismo” como uma importante ferramenta da “cosmologia política do neocolonialismo”, base dos programas desenvolvidos por ONGs. O “projetismo” é ele próprio indicador das diferentes temporalidades e interesses entre as comunidades locais e as ONGs. Nele o sucesso projetado de antemão e trazido ao presente é “usado para inculcar sentidos e valores nos grupos locais”. Nesta relação uma das partes participaria com o passado e a outra, com o futuro.

73 Carregando consigo os princípios da democracia, da valorização da participação, do principio educativo, das ações nas pequenas escalas, “small is beautiful”, mas ao mesmo tempo permitindo a conexão de financiadores em redes (inclusive internacionais), que sustentam a ONG e seus interlocutores. De forma que o “poder de agência está nas ONGs e não nos grupos locais” (ibdi, p. 241).

74 Para James Petras as ONGs enfatizam os “projetos”, em detrimento dos movimentos e das condições estruturais que mantém a vida cotidiana. O autor provoca ainda uma análise a respeito da incorporação dos códigos formulados pela esquerda, como: “desenvolvimento sustentável”, “igualdade de gênero” e “poder popular” pelas ONGs semantizadas pelos interesses dominantes e agências governamentais que subordinam as atividades das entidades, ancorado a uma política que preze pelo consenso.

Esses valores estão ligados à “estrutura de mercado, centrado em uma lógica econômica”. Os projetos têm as ações como metas, eventos como indicadores de projetos e resultados indicando o sucesso: “Na cosmologia política do neocolonialismo, há uma precedência da técnica sobre a política, o que elimina do horizonte das interações os anseios legítimos dos grupos locais” (ibdi, p.

233)75. Manifestando compreensão não muito distante, Kothari (1989) sugere que as ONGs constituem agentes da modernização:

[…] Descobre-se que o setor das ONGs são o mais efetivo instrumento para a promoção causada na liberação de constrangimentos aos Estados do Terceiro Mundo ao integrarem-se na nova e global era do homogêneo e efetivo mundo da economia da liberalização e privatização, para que assim, possa ser efetivamente estabelecido (ibdi, p. 74).

Junto com o “empreendedorismo”, a transferência da técnica e know how das empresas privadas do “primeiro mundo” e os fluxos do capital financeiro para os estados recém-democráticos (ibdi), as organizações não governamentais consagrariam o paradigma do trabalho barato, do mercado competitivo e do Estado em sua nova fase. O autor ainda chama atenção para a fragilidade da categoria “ação voluntária” ao discutir a polarização das vertentes políticas da ONGs, entre as “combativas” e as “cooptadas”. Esta reflexão demonstra preocupação em relação à conjuntura da Índia, devido às influências transnacionais nas políticas estatais que passam pelas corporações até os movimentos sociais, bem como o destino das políticas baseadas na justiça e na

“não violência” das organizações inspiradas no líder pacifista Mahatma Gandhi, questionando o papel dessas entidades frente às dinâmicas do capitalismo mundial.

75 Segundo Lobão (2006) o processo de formação de lideranças, resultado dos instrumentos pedagógicos dos projetos das ONG, pode resultar na construção de um discurso “para fora”, próximo ao vocabulário utilizado pelas instituições públicas e outras esferas de relações externas, contudo, distante das “bases” da comunidade local. Pode-se até vislumbrar que a formação de lideranças pode reforçar a exclusão de uma maioria, já que segmenta de certa forma o grupo local.

Analogamente, Fischer (1997) sublinha o modo como a “indústria do desenvolvimento” evidencia o sentido mitificado da dissolução do poder dos Estados Nacionais, apontando para a expressividade dos organismos multilaterais, da cidadania planetária, das redes internacionais de entidades não governamentais. O autor destaca a complexidade das políticas e anti-políticas dessas organizações e a importância de situá-las como um campo de relações em constante processo, o que buscamos fazer nos capítulos que seguem.

III AS ENTIDADES ASSOCIATIVAS NÃO-GOVERNAMENTAIS