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Ações integradas na rede de serviços: tecendo breves

No documento larissashikasho (páginas 40-45)

2 O PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE SOB O EIXO DA

2.2 A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO EM SAÚDE

2.2.3 Ações integradas na rede de serviços: tecendo breves

Os profissionais comprometidos com a qualidade da atenção à saúde sob o eixo da integralidade devem buscar continuamente na relação com o usuário, usarem opções tecnológicas relacionais fundadas na educação em saúde, no acolhimento, no trabalho em equipe e gestão democrática6, que permitam produzir vínculos e responsabilização pelo usuário, bem como o desenvolvimento de autonomia do mesmo. Segundo Stephan-Souza (2012) esses elementos circundam o potencial resolutivo no plano da micropolítica de produção do cuidado, que por sua vez se desdobram em medidas no tocante ao acesso e regionalização dos serviços de saúde.

Assim, o processo de trabalho sob o eixo da integralidade deve voltar-se também para a resolutividade das ações a partir do trabalho integrado a rede de serviços, na medida em que os hospitais devam funcionar integrados a uma rede hierarquizada e regionalizada, tendo inclusive que pactuar seu papel e sua responsabilidade sanitária com os gestores públicos, mediante a definição de mecanismos que facilitem o acesso e a relação com outros serviços (BRASIL, 1990a).

Sobre a proposta de regionalização e hierarquização dos serviços, Cecílio e Merhy (2003) afirmam que:

A forma mais tradicional de se pensar o hospital no “sistema de saúde” é como referência em determinadas situações de maior complexidade ou gravidade. Por tal concepção, o hospital contribuiria para a integralidade do cuidado, fazendo uma adequada contrarreferência após realizar o atendimento. (CECÍLIO; MERHY, 2003, p. 200).

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Para Campos e Amaral (2007), a gestão democrática segue uma nova lógica ao propor tomar como unidade nuclear de poder gerencial a Equipe Interdisciplinar, que seriam Equipes interprofissões e interespecialidades organizadas em função de grandes áreas voltadas para uma mesma finalidade e para um mesmo objeto (encargo). Estas equipes tem sido denominadas de Equipes de Referência. Os mesmos autores ainda afirmam a importância de aumentar o poder do usuário na gestão e no cotidiano do hospital, através da ampliação do horário de visitas nos hospitais, de ouvidores, de espaços de diálogo, entre outras medidas.

Nessa perspectiva, Stephan-Souza (2012) aponta que referenciar um paciente significa transferi-lo a um estabelecimento especializado de saúde, depois de esgotados os recursos na atenção primária. Na referência é necessário constar as informações sobre o motivo do encaminhamento, detalhes do diagnóstico e dos procedimentos recebidos pelo usuário. A contrarreferência refere-se ao retorno do usuário principalmente para a atenção primária, em continuidade ao tratamento recebido. Implica a comunicação no sentido oposto, apresentando um relato consubstanciado dos procedimentos efetuados no nível das especialidades e indicação dos procedimentos a serem efetivados na complementação do cuidado oferecido (STEPHAN-SOUZA, 2012). Esse modelo hierarquizado de atenção à saúde, com a atenção básica definida como porta de entrada a priori, associa-se, a figura clássica de uma pirâmide, que representa o modelo tecno-assistencial que gostaríamos de construir com a implantação plena do SUS (CECÍLIO, 1997).

No entanto, Cecílio (1997) reconhece que na prática os fatos se dão de uma maneira muito diferente da pretendida. Um fato assinalado pelo autor, que demonstra essa afirmação, é a rede básica de serviços de saúde ainda não ter conseguido se tornar a “porta de entrada” mais importante para o sistema de saúde. Outro fato é a dificuldade do acesso aos serviços especializados (CECÍLIO, 1997), entre outros exemplos apontados pelo mesmo.

Nesse sentido, Cecílio (1997) coloca em questionamento a ideia do senso comum de que a alta complexidade está no topo, onde fica o hospital, configurando- se em um modelo de assistência ancorado numa pirâmide. Defende, nesse sentido, a ideia de que o sistema de saúde seria mais adequadamente pensado como um círculo, com múltiplas “portas de entrada” localizadas em vários pontos do sistema e não mais em uma suposta “base”.

De acordo com Cecílio e Merhy (2003), é o usuário que torna a condição mais ou menos complexa, e não o serviço que é chamado de básico e complexo. Assim, dependendo do momento que vive o usuário, a tecnologia de saúde que necessita pode estar em uma unidade básica de saúde, como no caso de pacientes que necessitam de cuidados mais regulares, cabendo ao hospital a referência para outros serviços. Outra situação seria um usuário portador de qualquer doença crônica, onde “o ‘topo’, em determinado momento da vida, não seria o acesso a serviços especializados, de alta complexidade técnica, mas sim acessar a ‘rede

básica’, ser bem acolhido e estar vinculado a uma equipe” (CECÍLO; MERHY, 2003, p. 201).

Sob esse olhar, Cecílio (1997, 2001) irá ressaltar a necessidade de uma reconceitualização do que seja “serviço de referência”, tendo em vista que a referência passa ser às pessoas e suas necessidades e não qualquer tipo de modelo assistencial previamente definido. O autor reitera a importância de se “pensar o sistema de saúde menos como uma pirâmide de serviços organizados hierarquicamente, e sim como uma rede com múltiplas portas de entradas, múltiplos fluxos” (CECÍLIO, 2001, p.118).

Considerando essa perspectiva defendida por Cecílio (2001), infere-se que os instrumentos de referência e contrarreferência devam ser utilizados para qualquer serviço entre si e não somente a partir de um fluxo ordenado de pacientes tanto de baixo para cima como de cima para baixo, conforme modelo piramidal. Assim, frente a essa discussão e às dúvidas quanto ao modelo mais adequado de organização do sistema de saúde, apreende-se que os conceitos de referência e contrarreferência ainda encontram-se embrionários quanto aos seus sentidos teóricos. Ao mesmo tempo, sabe-se que esses mecanismos de referência e contrarreferência raramente tem se concretizado na prática.

Segundo Stephan-Souza (2012) a busca por mecanismos facilitadores do estabelecimento efetivo de referência e contrarreferência com base nas informações detectadas e procedimentos efetuados ou ainda necessários é considerada fundamental para a concretização do princípio da integralidade e para o êxito da resolutividade do sistema de saúde.

Um recente instrumento auxiliar no processo de referência e contrarreferência é o Cartão Nacional da Saúde. Este tem como proposição fundamental a identificação unívoca do usuário do SUS e o acompanhamento do conjunto de atendimentos realizados pelo sistema de saúde, onde quer que eles aconteçam, através do acesso a uma base nacional de dados de saúde do paciente. O sistema Cartão qualificaria o trabalho dos gestores e profissionais da área da saúde, podendo ser um suporte para que os atendimentos se realizem de forma organizada e resolutiva (BRASIL, 2011).

Para Cecílio (2001), uma das formas de trabalhar a integralidade é mediante uma “boa” articulação entre os serviços, cada um cumprindo sua parte, contrarreferenciando de forma responsável para o serviço que encaminhou dentro

dos níveis da rede de serviços de saúde. No entanto, o autor chama a atenção para a necessidade de pensar novas maneiras de realizar o trabalho em saúde, a partir do eixo do cuidado. Nesse sentido, os autores Cecílio e Merhy (2003) complementam que:

o momento de alta de cada paciente deve ser pensado como um momento privilegiado para se produzir a continuidade do tratamento em outros serviços, não apenas de forma burocrática ao cumprir um papel do contrarreferência, mas pela construção ativa do cuidado integral necessária àquele paciente específico. (CECÍLIO; MERHY, 2003, p. 201).

Para essa construção ativa do cuidado integral, Cecílio (2001) assinala a importância de os profissionais de saúde estarem sempre atentos “à possibilidade e potencialidade de agregação de outros saberes disponíveis na equipe e de outras práticas disponíveis em outros serviços, de saúde ou não” (CECÍLIO, 2001, p. 119). Nessa lógica, cabe destacar o pensamento de Stephan-Souza (2012) ao afirmar que ações resolutivas em saúde requerem necessariamente ações complementares com outros serviços e níveis de atenção à saúde, como também parcerias com distintos setores sociais. Para a autora, essas parcerias são importantes para que se possa intervir no núcleo do problema de saúde que nem sempre decorre da falta de assistência em uma área, mas sim por falta de interação com outras áreas. A intersetorialidade, desse modo, compreende o potencial de articulação com as políticas de educação, assistência/previdência, habitação, trabalho, entre outras, frente à adequação às necessidades dos segmentos sociais vulnerabilizados ou em situação de risco social e sanitário (STEPHAN SOUZA, 2012). Nas palavras da autora:

A intersetorialidade, além da intrínseca consonância com o objeto saúde, tem como condição a reestruturação de vários setores e saberes próprios e específicos, no sentido de desenvolver uma visão mais abrangente, adequada e menos falha, para proporcionar uma resposta apropriada aos possíveis problemas de saúde deparados no cotidiano, quase sempre de origens multicausais ou multissetoriais. (STEPNHAN-SOUZA, 2012, p. 14).

Portanto, as ações integradas na rede de serviços a partir do hospital, se fazem necessárias para ampliar a resolutividade da rede de atenção à saúde, e não podem ser negligenciadas. Para tanto, todo o processo que envolve ações

integradas na rede de serviços exige a formação acurada dos profissionais, alicerçada no conhecimento de uma clínica ampliada que incorpore conceitos, metodologias e gestão da rede em saúde.

De uma maneira geral, espera-se que o conteúdo desta seção possa ter fornecido elementos para a compreensão de que o processo de trabalho sobre o eixo da integralidade remete a ações resolutivas de saúde no hospital e a partir do hospital, entendendo a resolutividade das ações como ferramenta efetiva à produção do cuidado nos serviços públicos de saúde.

É importante também esclarecer que, embora o termo resolutividade tenha sido abordado de forma sucinta neste trabalho, este consiste de enorme complexidade por se tratar de um termo embrionário, empregado e entendido sob vários prismas. Assim, por não ser pretensão aprofundar-se a essa temática, espera- se que os esforços de síntese tenham sido, ainda que minimamente explorados, suficientes para compreensão e análise da pesquisa.

No documento larissashikasho (páginas 40-45)