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IMPASSES NA FORMAÇÃO E NO MODELO ASSISTENCIAL EM

No documento larissashikasho (páginas 45-49)

3 UMA POLÍTICA NACIONAL DE FORMAÇÃO PARA O SUS

3.1 IMPASSES NA FORMAÇÃO E NO MODELO ASSISTENCIAL EM

A atenção hospitalar tem sido caracterizada como lócus privilegiado da dimensão especializada, tecnicista, da resistência e impregnação do trabalho morto

sobre o vivo (FEUERWERKER; CECÍLIO, 2007). Tal característica está relacionada

como afirma Merhy e Franco (2003), ao modelo histórico de formação assistencial à saúde, que esteve centrado nas tecnologias duras, baseadas no procedimento e no ato prescritivo, a partir de interesses corporativos de grupos econômicos que atuam na saúde. “No plano da micropolítica do trabalho em saúde”, esse modelo produziu a incorporação maciça de tecnologias e a reprodução de uma lógica hegemônica, cujo fluxo centra-se na consulta médica e onde “o saber médico estrutura o trabalho de outros profissionais” (MERHY; FRANCO, 2003, p. 318). Infere-se assim uma organização de trabalho marcada pela biomedicina, medicalização, fragmentação da atenção e por relações assimétricas de poder entre as especialidades (CECÍLIO; MERHY, 2003; FEUERWERKER; CECÍLIO, 2007) que se opõem às ideias agregadas sob o rótulo do cuidado e da integralidade.

Cabe destacar que esses impasses na estruturação do cuidado integral remetem inicialmente à valorização no país, nos anos 1940, de um modelo de

ensino dos profissionais da saúde (principalmente médicos), recomendado no Relatório Flexner7. Segundo esse Relatório, uma educação científica das profissões de saúde teria base biológica e deveria ser orientada pela especialização, pesquisa experimental e concentração de serviços ambientados predominantemente no hospital. Nas palavras de Carvalho e Ceccim (2008)

Essa educação científica em saúde foi adquirindo um caráter instrumental e de habilitação para fazeres profissionais recortados em ocupações, fragmentados em especialidades e centrados, nas evidências de adoecimento diante do processo saúde-doença, em especial nas intervenções por procedimentos e mediante o uso de equipamentos, em que a saúde ficou compreendida como ausência de doença. (CARVALHO; CECCCIM, 2008, p. 141-142).

Em que pese a marcante influência flexneriana na trajetória do ensino e das práticas em saúde, sobre o desafio da transformação do modelo atual, soma-se a importante análise de alguns autores.

De acordo com Feuerwerker (1998) não se pode supor que a solução para a crise paradigmática na área da saúde se resuma a mudanças na educação médica ou que os problemas enfrentados na implantação do SUS possam encontrar solução na discussão sobre a formação de recursos humanos. Para a autora, nos dois casos, a solução depende de haver uma mudança na maneira como a sociedade constrói suas demandas e seu conhecimento sobre o processo saúde-doença. Mas, complementa a autora, “os processo de mudanças deverão ocorrer nos dois campos: educação e prática. E os processos de mudança deverão ter um grau de simultaneidade. É parte da dialética das transformações” (FEUERWERKER, 1998, p. 55).

Nessa perspectiva, a falta de uma gestão mais comprometida, a resistência dos estudantes em relação ao contato com a comunidade e às mudanças em processo, são uma das explicações exploradas pelos autores González e Almeida

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Em 1910, o pesquisador americano Abrahan Flexner foi convidado a realizar um estudo sobre a situação da educação das escolas médicas em seu país. O seu clássico relatório de avaliação, conhecido como “Relatório Flexner”, foi comemorado naquela época como uma educação científica da saúde e propiciou uma profunda reconstrução das bases do ensino médico. As diretrizes estruturais presentes neste Relatório, reconstituem o processo de trabalho médico, a investigação diagnóstica e a visão sobre o adoecimento, na medida em que deslocam o foco de atenção do coletivo para o individual, tecnificam a assistência e reduzem o universo dos problemas de saúde – daí por diante considerados “problemas médicos” – através do mecanicismo, do biologicismo, do estímulo à especialização (CAMPOS; AGUIAR; BELISÁRIO, 2008; CARVALHO; CECCIM, 2008; SANTANA; CAMPOS; SENA, 1999).

(2010a) sobre o descompasso entre a formação dos profissionais de saúde e os princípios e diretrizes do SUS.

Para os autores Campos, Aguiar e Belisário (2008), uma das fontes de discrepância entre “o que se ensina nos cursos de graduação em saúde e a realidade observada no cotidiano dos serviços de saúde ou no seio das comunidades” (p. 1016), está relacionada à distância dos docentes com a realidade dos serviços públicos de saúde e a comunidade, tendo em vista que, uma significativa parte dos docentes exerce sua profissão em consultórios privados ou são professores especialistas que não têm conhecimento suficiente sobre os sistemas públicos de saúde. Nesse sentido, “o ensino é muitas das vezes, um campo de reprodução das condições de trabalho dos docentes, e não dos profissionais nos serviços públicos de saúde” (p. 1019). Por outro lado, os autores destacam que professores universitários que não atuam no setor privado, mas que se dedicam intensamente à pesquisa também são outra fonte de discrepância, uma vez que podem supervalorizar “aspectos e problemas relacionados aos seus campos de pesquisa, independentemente da real relevância no contexto em que seus estudantes irão trabalhar” (CAMPOS; AGUIAR; BELISÁRIO, 2008, p. 1019).

Já as autoras Pinheiro e Luz (2007) ressaltam que as novas concepções e valores da atualidade como o individualismo, a busca de poder sobre o outro, a disputa, entre outros, acabam por moldar a forma das pessoas serem e agirem, reproduzindo-os nos serviços de saúde e no ensino. A autora Feuerwerker (apud CABALLERO; SILVA, 2010), contribui com esse entendimento, ao afirmar que o perfil dos profissionais de saúde é conformado pelo mercado e pelas corporações, que incentivam a hiperespecialização e a privatização de interesses na saúde. Nessa mesma direção, Stephan-Souza, Oliveira e Castro (2011) afirmam que as medidas neoliberais provocam alguns desdobramentos visíveis no mundo do trabalho e, consequentemente, no campo da saúde, a partir da redução do gasto público, da privatização e da indução à precarização das formas de trabalho.

Ademais, esses múltiplos fatores levam a constatar que todos os investimentos do SUS no financiamento da cobertura da atenção primária, parecem não ser suficientes para a inversão do modelo assistencial. Nesse sentido, Merhy (1998) assinala que há uma crise da falta de eficácia e efetividade dos serviços de saúde, que pouco tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. O autor pontua que há uma insatisfação do usuário com a atenção

recebida, e que de um modo geral, ela não se refere à falta de conhecimentos técnico-científicos, mas sim, na falta de interesse e responsabilização dos diferentes serviços em torno de si e do seu problema. Os usuários, como regra, sentem-se inseguros, desinformados, desamparados, desprotegidos, desrespeitados, desprezados (MERHY, 1998) e tudo isso transparece que há algo de errado na forma como essa atenção vem sendo conduzida, trazendo novamente à tona a importância da formação desses profissionais.

Aliás, atuar no processo de mudança do ensino e do modo como os serviços se organizam é fundamental não só para melhorar a assistência ao usuário, mas também no sentido de estimular e permitir aos profissionais de saúde um trabalho menos hierarquizado, compartimentado e desinteressante e sim, mais colaborativo, criativo, motivante e comprometido com a emancipação do trabalhador e a defesa da vida do usuário (MERHY; PINTO, 2007).

Para tanto, Merhy e Pinto (2007) afirmam que “reconhecer os paradoxos, tensões e as enormes possibilidades do trabalho vivo no espaço dos serviços de saúde” (MERHY; PINTO, 2007, p. 7) ao invés de nos isentar, nos cobra um olhar atento ao conjunto de relações de poder e linhas de força que constituem e atuam sobre o espaço dos serviços de saúde. Os autores ainda assinalam que:

Mergulhar na complexidade que esse espaço apresenta nos força a construir cartografias tão complexas quanto, que de fato nos auxiliem a explorar as tensões desse cotidiano e a interferir nas lógicas e forças que atuam sobre ele. Sempre em busca de estimular e liberar o espaço para uma atuação menos interditada e mais livre, para situações em que os trabalhadores possam dialogar e analisar coletivamente a situação, e comprometidos com a publicização radical dos espaços, construírem estratégias que apontam para sua transformação. (MERHY; PINTO, 2007, p. 8).

Assim, entende-se que as tensões que envolvem a possibilidade de trabalho vivo são complexas, porém abertas à atuação criativa dos profissionais de saúde em direção à transformação dessa realidade.

O percurso para adquirir a abordagem integral do adoecer compreende, portanto, a necessidade de uma formação e prática que privilegiem um novo modo de organização do trabalho em saúde, de forma a possibilitar outras formas de relação entre os sujeitos envolvidos no processo.

3.2 OS MOVIMENTOS DE MUDANÇAS NA FORMAÇÃO EM SAÚDE NO

No documento larissashikasho (páginas 45-49)