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Ações e omissões no trabalho de parto e a configuração da violência

obstétrica como violação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres

O primeiro lugar que toda gestante deve recorrer é o hospital, o pronto atendimento, com especialistas para ter o melhor tratamento e orientação para que possa ter os cuidados necessários no período de gestação, durante o parto e até mesmo depois dele.

Mas como recorrer a estes recursos se ela vai ser tratada de forma brutal e com tanta violência? Diante disso, o que cada mulher tem que lutar é por suas garantias e direitos, denunciar, expor os acontecimentos e jamais deixar que isso vire rotineiro, tanto para si, como para outras gestantes.

As formas de violências são diversas: vão da orientação até a maneira que as mulheres são tratadas durante o parto, bem como a omissão dos profissionais no momento da informação dos direitos às gestantes, nos procedimentos e na importância de orientá-las da importância em ter um acompanhante no parto, lhes passando confiança e ajudando a amparar a mulher no que for necessário.

O direito do acompanhante não é apenas para quem faz o pagamento no momento do nascimento de seu filho e sim, para todas, nas fases do parto, tanto nos serviços públicos, como nos privados. Isto está previsto na Lei nº 11.108/05. Por se tratar de um procedimento tão íntimo e único em sua vida, nada melhor que ter um acompanhante para lhe ajudar na questão emocional durante o nascimento da criança, pois o emocional influencia muito no andamento e na forma do parto fluir, na segurança dela e também para saber que ela está sendo amparada, cuidada e tendo toda a atenção necessária.

No Brasil, foi interessante constatar que muitas das práticas adotadas pelos profissionais que preconizavam o modelo de atenção humanizada eram referendadas pelas evidências científicas e estavam classificadas no Grupo A. Por exemplo, hoje em dia, reconhece-se que a presença de um acompanhante da escolha da mulher é a melhor “tecnologia” disponível para um parto bem- sucedido: mulheres que tiveram suporte emocional contínuo durante o trabalho de parto e, no parto, tiveram menor probabilidade de receber analgesia, de ter parto operatório, e relataram maior satisfação com a experiência do parto. Esse suporte emocional estava associado com benefícios maiores quando quem o provia não era membro da equipe hospitalar e quando era disponibilizado desde o início do trabalho de parto. (CIELLO, 2012, p. 16).

Correto seria se toda mulher tivesse essa instrução na primeira consulta de sua gestação, para haver o planejamento e a escolha desde o princípio, e saber da necessidade e importância. Porém, mesmo assim nem todos os hospitais cumprem com esse direito. O acompanhante é tão importante que diminui vários problemas no

momento do parto, diminui a porcentagem de cesárias, de medicamentos, e de procedimentos desnecessários, pois faz com que a paciente tenha mais confiança e bem-estar, fazendo com que o parto flua de forma natural, emocionante e com certeza de que está sendo amparada de forma adequada.

A lei que garante, desde 2005, que a gestante tenha acompanhante de sua escolha é, segundo especialistas, de suma importância para o bom desenvolvimento do trabalho de parto. “A presença de uma pessoa da confiança da mulher, como o seu companheiro, traz benefícios para a gestante e ao bebê, como a diminuição das cirurgias cesarianas, necessidade de medicações para alívio da dor, redução do tempo de trabalho de parto e dos casos de depressão pós-parto”, explicou o ginecologista e obstetra Alberto Jorge Guimarães. (CIELLO, 2012, p. 22).

Outros problemas muito comuns são os procedimentos feitos de forma desnecessária, expondo a gestante a uma situação dolorosa e que provoca danos à sua saúde e qualidade de vida, tanto para si, quanto para a criança. Um desses procedimentos é a episiotomia, que, por muitas vezes, não é notada, pois por muitos momentos é enquadrada como um procedimento normal, que faz parte do trabalho de parto quando se trata de parto normal.

Trata-se de um corte (trauma) na região do canal vaginal, feito na hora do parto e tem como finalidade a ampliação do canal por onde irá passar a criança. É feito com o bisturi, cortando músculos, nervos, vasos da vulva e do canal vaginal, provocando por muitas vezes infecções graves, laceração do canal vaginal e o canal anal; também se corre o risco do canal do clitóris ser cortado, fazendo com que a mulher sinta muita dor nas relações sexuais, hematomas e também grandes chances de complicações mais severas nos próximos partos. Vários estudos já revelaram que esse procedimento é desnecessário e acontece quando os profissionais não respeitam o tempo do corpo da mulher e querem simplificar e comprimir o tempo de trabalho de parto, não pensando nas complicações futuras e na qualidade de vida das pacientes.

Desde o início da década de 1980 há fortes indícios de que a episiotomia de rotina é prejudicial para a mãe e não oferece benefícios para o bebê (CARROLI; BELIZÁN, 1999), e foi contraindicada como procedimento rotineiro em 1985 pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 1985). Diante dessas

informações, constata-se que as mulheres estão sendo submetidas à episiotomia de forma rotineira, em uma relação de confiança com o profissional de saúde, em um momento de vulnerabilidade, muitas vezes sem aviso e sem informações científicas, em uma situação na qual não é possível se defender – constitui violência obstétrica de caráter físico, sexual e psicológico. (CIELLO, 2012, p. 82-83 ).

A episiotomia é, assim, uma forma de mutilação, uma das ações mais absurdas sobre a violência obstétrica, diante de todas as orientações, das diversas formas de procedimentos, é inadmissível que ainda, hoje em dia, essa técnica é tão usada e acaba com a qualidade de vida de uma grande porcentagem das pacientes, que por muitas vezes, nem imaginam o que está acontecendo e que técnica está sendo usada, consequentemente, porque não são respeitadas e nem vistas como a mais influenciadora sobre qual procedimento usar e qual é de sua vontade. Estudos mostram que essa técnica ainda é ensinada nas Universidades de Medicina do Brasil, o que se torna completamente inadequado nos dias de hoje, principalmente envolvendo direito de liberdade de escolha da gestante.

Outro método feito e que muitas vezes sem o consentimento da paciente é o uso da Ocitocina, que serve como uma forma de acelerar as contrações e assim, aumentar as dores da gestante, pode ser muito prejudicial à saúde da criança, como da mãe. Aumenta o sofrimento, tira o prazer do parto, pois, acelera todo o tempo que o corpo tem para o nascimento da criança, já que é algo sintético que invade o organismo da mulher, prejudicando o tempo que cada corpo leva para desenvolver o parto. O uso desse medicamento é indicado em situações específicas e não por rotina quando o profissional quer somente acelerar o trabalho de parto. Cerca de 40% das mulheres recebem esse medicamento sem ao menos ter o seu consentimento, configurando um dos procedimentos mais usados no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo extremamente antiético, ferindo gravemente o direito de escolha da gestante, que por muitas vezes está impossibilitada e não consegue perceber a violência que está sofrendo. Segundo Zanardo, Calderón, Nadal e Habigzang (2017, p. 07), os dados da pesquisa “Nascer no Brasil” mostraram que o uso da ocitocina na aceleração do trabalho de parto era mais frequente em usuárias do SUS e nas gestantes de menor escolaridade. Nesses mesmos grupos foi verificado que a frequência do uso de analgesia foi menor.

Já a manobra de Kristeller, ocasiona lesões graves aos bebês e às gestantes. É realizada a compressão abdominal, com a intenção de empurrar o bebê para baixo. É feita através dos profissionais que, por sua vez, apoiam-se na gestante, as vezes até sobem em cima dela e, com isso, fazem força com os braços em direção ao fundo uterino, forçando assim, a saída da criança. Esta manobra ainda é muito utilizada, provocando fortes dores e desconforto, prejudicando assim a oxigenação do bebê e podendo deslocar seus membros, ou até mesmo lesionar mais gravemente a criança.

Essa manobra ainda é frequentemente realizada na assistência ao parto em conjunto com outras intervenções inadequadas realizadas em cadeia, como condução para mesa de parto antes da dilatação completa, imposição de posição ginecológica (que prejudica a dinâmica do parto e prejudica a oxigenação do bebê), comandos de puxo, mudança de ambiente, entre outros. Salienta-se que os próprios profissionais de saúde reconhecem que a manobra de kristeller é proscrita, porém, continuam a realizá-la, apesar de jamais a registrarem em prontuário (LEAL et al., 2012). (CIELLO, p. 103- 104).

Esse método foi considerado inadequado pelo Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde, pelos vastos problemas que eram ocasionados e claro, pelo transtorno e sofrimento da criança e da gestante, não tendo qualquer evidência de benefícios ao ser usada. Podendo até ocasionar para a gestante uma laceração do canal vaginal, através da tamanha pressão que esta manobra apresenta, ou até a rotura uterina (rompimento do útero), descolamento de placenta, deslocamento dos órgãos internos, hemorragia e até mesmo fratura das costelas. Para a criança, há um grande risco de traumatismo craniano, fratura de ossos, ferimento na coluna vertebral e lesões nos órgãos internos.

Frequentemente as pacientes descrevem que foram submetidas a esse procedimento, doloroso e desumano, tanto que, essa manobra é totalmente desnecessária se o profissional fazer a sua obrigação e deixar a mulher reagir da sua maneira, respeitando o corpo de cada uma, dando atenção e a acompanhando em cada passo, permitindo a presença do acompanhante, mantendo a paciente calma, orientando-a para ter um parto mais fluente, pois, cada corpo reage de uma maneira, com seu tempo natural.

Outro processo que acontece de forma desapropriada é o procedimento chamado enema, que consiste numa lavagem intestinal, que não deve ser feita, pois pode prejudicar o corpo dessa paciente e também a deixar constrangida. Configura- se, portanto, como um procedimento desnecessário que não acrescenta na evolução do parto, e sim, pode ter consequências indesejadas.

A omissão dos esclarecimentos e diagnósticos, bem como a violência verbal são muito recorrentes. Diante de todo episódio de ansiedade, insegurança e dúvidas, a gestante é sujeitada a passar por episódios desagradáveis e que prejudicam o andamento da sua gestação, bem como, do parto. A falta de informação e de amparo faz com que a paciente fique prejudicada, influenciando no andamento do nascimento da criança.

É obrigação do profissional esclarecerem todas as dúvidas, sanando os receios dessa paciente, principalmente entender qual é a vontade dela na hora do nascimento de seu filho, deixando-a mais confortável e confiante. Insinuações acontecem o tempo todo, reprimindo as reações das mulheres no momento do parto: referem-se a elas sem o menor respeito, debochando quando reclamam de dor, ironias de que não reclamaram para fazer o filho e que não teriam motivo para reclamar naquela hora. Insinuam que elas que não possuem autocontrole, ou que estão dramatizando algo tão simples. As chantagens são de forte trauma, fazendo com que elas se sintam oprimidas diante dos profissionais com tais condutas, não podendo demonstrar ou pedir o que estão necessitando no momento. Isto acontece em grande proporção com as pacientes mais carentes, que não possuem instrução e conhecimento dos seus direitos como mãe, paciente e mulher.

Ao estudarmos sua tese, observamos que a consequência de uma série extensa de condutas e tratamentos inadequados na assistência às mulheres em trabalho de parto é o aumento significativo de seu sofrimento, o qual, naturalmente, é evitado ou exteriorizado, reativamente.As agressões sofridas, de natureza física ou verbal, determinam em maior ou menor grau o comportamento e a percepção da mulher acerca da experiência do seu parto. Estigmatizações como “escandalosa”, “descontrolada” e “irresponsável” (referindo-se aos casos de mulheres de baixa escolaridade que já possuem outros filhos quando da ocasião do atendimento ao parto), entre outras, são levantadas por Aguiar, e se

cristalizam na conformação da experiência, seja através da reatividade ou da culpabilização da paciente. (CIELLO, 2012, pg. 58).

Conforme as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), é direito da gestante escolher em qual posição quer ficar e em qual posição se sente mais confortável; de que maneira quer se movimentar, utilização de qual técnica e também se aceita o cronograma e a indução do parto que o profissional está pensando em fazer. Nada como um diálogo para fazer com que as duas partes se resolvam, assim, estimulando que se torne o mais tranquilo e emocionante possível. Mas não é isso que acontece, e sim o descaso e a falta de consideração, não levando consigo a importância dessa relação para a saúde da mãe e do bebê, sendo elas induzidas a posições nada agradáveis e que não são de seu consentimento. Tanto, que esses profissionais pensam na simplificação, ou seja, a cesariana, mesmo que a gestante seja contra. Alguns até mentem sobre as condições dessas mulheres, fazendo com que acreditem que a cesariana é indispensável no caso delas, coisas que nem sempre são verdadeiras, mas a gestante não se encontra num estado que possa perceber qual seria a sua melhor escolha e confiam no que os atendentes às dizem, o que é totalmente ilícito, muitas vezes isso é comparado ao fato de os profissionais mostrarem autoridade diante dessas pessoas, atitude que, não agrega em nada.

Durante o parto, a mulher necessita de atenção, esclarecimentos sobre o que será feito, respeito e empatia, e acima de tudo, a possibilidade de participar ativamente dessa fase de sua vida. Entretanto, quando essas atitudes não estão presentes, o desfecho do parto e nascimento pode ser desfavorável, chegando, por vezes, a representar uma experiência negativa na vida daquela que a vivencia. (CARVALHO, BRITO, 2017, p.6)

O racismo contra a mulher negra atrasa e dificulta o acompanhamento da gravidez e isso porque ela se sente oprimida e insegura ao procurar ajuda dos profissionais. Com isso, a mortalidade materna é muito grande, porque, com a falta de acompanhamento, os problemas na gravidez, como, eclampsia, pré-eclâmpsia não são identificados, resultando nesse grande índice doloroso que se agrava a cada dia.

Um fato que é levado com descaso é quando as indígenas são atendidas com discriminação, como se não fizessem parte da sociedade, bem como, se não tivessem o mesmo direito de uma mulher branca, de classe considerável e instruída e isso acontece tanto na forma de alimentação e de costumes, como o de levar a placenta para casa, mas o tratamento é ainda mais ofensivo, coisas que não deveriam acontecer em hipótese alguma.

O tratamento tem que ser igual com todas, além de costumes, crenças e raças elas são mulheres, tem direitos, garantias e devem exigir o melhor tratamento, para que esses índices possam diminuir a cada dia, a cada parto, e fazer o medo virar recomeço na vida destas gestantes.

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