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Ações, práticas e rituais didático-pedagógicos em sala de aula

CAPÍTULO 3 NARRATIVAS DE PROFESSORES E PROFESSORAS DE

4.2. Ações, práticas e rituais didático-pedagógicos em sala de aula

utilizando palavras, expressões, jargões, construções sintáticas que identificam e caracterizam o feitio de docência, as tendências, os gostos e modos de comportamento característicos dos mestres na sala de aula. Dizem também respeito às suas expressões e à linguagem corporal traduzida em gestualidades. Não se trata aqui de uma realidade fixa, mas a que se constrói, mediante referenciais e imagens vindos da tradição e da cultura da escola, em especial, da sala de aula, continuamente em estruturação/desestruturação/reestruturação. São práticas e ações que vão sendo tecidas na complexa trama de intercâmbios e trocas, de entendimentos, de conflitos e tensões,

em que não faltam problemas relativos aos jogos de poder e à diversidade de interesses próprios aos contextos de sociabilidade das salas de aula.

Nos termos de McLaren (1991), os ritos de instrução constituíram um dos meios primários pelos quais o mundo cultural da escola foi reificado.41 Segundo o autor,

Tanto os estudantes como os professores internalizam, sem questionamentos, definições culturais que operam no meio escolar, em suas formas reificadas. Através das interações ritualizadas da vida de sala de aula, a escola era capaz de mediar tacitamente o desenvolvimento conceitual dos alunos (p.175).

Os rituais da sala de aula se compõem, em parte, do que se denomina as metodologias de ensino, isto é, os procedimentos didático-pedagógicos através dos quais os docentes operam em suas relações com os alunos para que estejam garantidos os processos de aprendizagem. O que constatamos a este respeito nos relatos de nossos entrevistados?

O grupo dos docentes pesquisados se utiliza, regularmente, de vários procedimentos didático-pedagógicos. Há indícios de invenção, de adaptação às diversidades e possibilidades da sala de aula. Surgiram rituais didático-pedagógicos variados que vão desde a aula expositiva à resolução de exercícios com um trabalho diferenciado. Nesse caso, do trabalho diferenciado, trata-se de combinar, em um mesmo horário e com os estudantes de uma mesma sala, a atuação concomitante do docente com estudantes que estão aprendendo a escrever, que copiam as equações, ao lado de educandos no nível intermediário, que resolvem as equações mais fáceis e, ainda, os que estão em um nível mais avançado, capazes de resolver as mais complexas.

Houve também relatos de práticas que se utilizam de leitura e discussão de textos variados e,ou, de tabuadas, além da correção dos cadernos e a pesquisa de palavras desconhecidas no dicionário. Há, também, atividades de confecção e uso de material manipulativo e da calculadora nas aulas.

Alguns dos entrevistados apontaram, ainda, estratégias pouco comuns, a exemplo de leitura de histórias antes de iniciar o conteúdo da Matemática.

41 O autor usa o termo reificação no sentido de apreensão de produtos da atividade humana como se eles fossem algo que não produtos humanos – tais como fatos da natureza resultados de leis cósmicas ou manisfestações da vontade divina. (p.175).

Surgiu, ainda, com muita força em alguns dos cinco casos, o acompanhamento individual do aluno. O professor assenta ao seu lado ou o estudante vai para mesa do professor. O atendimento individual está colocado. A esse respeito houve reclamação pela falta de tempo e de condições para se realizar um acompanhamento mais individualizado, permanente e constante dos estudantes.

Os professores dão seus jeitos e constituem seus modos de exercerem a docência. Nessa direção, seus relatos apontam, ainda, aulas de Matemática com os estudantes trabalhando em dupla ou em pequenos grupos, com liberdade para saírem e tomarem água, comprarem bala, se assentarem onde e do jeito que acharem melhor, até para se deitarem no chão. O importante é a intencionalidade, o compromisso com a aprendizagem.

Houve, também, relatos que indicam uma intensa preocupação dos docentes de aproximarem o conteúdo da matemática da vida, dos interesses e da cultura dos adolescentes e jovens alunos, tornando-a significativa, pode-se dizer. Um exemplo desse tipo de preocupação e conduta vê-se no trabalho de um dos entrevistados com o conceito de divisão, em que o professor discute com os alunos as dificuldades da conta de dividir que estão na vida: “É difícil é porque na vida, dividir é difícil!”

Também não faltaram alguns relatos de alguns trabalhos com projetos e atividades interdisciplinares, em número muito menor do que outros procedimentos e estratégias didático-pedagógicas. Tal fato leva-nos a supor que o trabalho mais coletivo, seja na equipe dos professores de Matemática, seja entre docentes de várias disciplinas é ainda muito incipiente, quando não inexistente, nas práticas pedagógicas de alguns professores desse grupo.

Quanto aos procedimentos relativos à avaliação da aprendizagem dos estudantes, houve também, certa variedade. Há desde relatos de práticas em que esta se dá somente através de provas individuais, como o rito de Júlia, até avaliações que se dão somente pelos aspectos qualitativos, indicados por Célia e Rogério, passando, ainda, pela forma de avaliar que separa a prova da reprovação, como assinala Pedro. Esse professor, que declarou seu gosto pelas provas difíceis e bem elaboradas, afirmou, também, que reprovar é outra coisa.

Vieram à tona, nos relatos de Rogério e Célia, a busca por novos estímulos, novas idéias, novos compromissos. Os professores indicaram comprometerem-se e mobilizarem-se no sentido da busca de saídas. Por exemplo, a biodança, para Rogério, trouxe o conceito de auto-poiésis que ele explica. “O que é auto-poiésis? É o seguinte: o universo se auto-organiza, ele é auto-organizativo. É burrice minha achar que eu vou... Que sou o único fator preponderante para aquele aluno aprender. Existem milhões de fatores! Ele não aprende aquilo nesse momento, mas tem a vida inteira para aprender! Não sou o único responsável por isso.”

Talvez esteja aí um ensinamento da Biodança para todos os professores. Nós, professores, pensarmos ou, contrariamente, nos esquecemos de que não somos o único fator preponderante para o estudante aprender. O estudante que não aprende hoje, pode aprender em outro momento, em outro lugar, com outra pessoa ou sozinho. É, como diz Rogério, “uma mudança de paradigma”, que talvez possa trazer um pouco de leveza para a profissão.

O professor Ubiratan D’Ambrosio (1993), no texto, Educação Matemática: Uma visão do Estado da Arte traz informações que reforçam o argumento de Rogério. A partir de informações do livro de David A. Hamburg (1992), presidente da Carnegie Corporation, de Nova Iorque, o pesquisador dá uma visão abrangente dos principais fatores que determinam a vida de uma criança ou de um jovem, hoje. A conclusão é que, ao atingir 18 anos, o jovem passou na escola cerca de 8% de sua vida. E D’Ambrosio pergunta: qual aprendizagem será dominante? Aquela dos bancos escolares, que corresponde a aproximadamente 12.000 horas, ou as 145.000 restantes?

Ao falar do menino Alexandre, cuja família era muito desestruturada e cuja mãe bebia, e do trabalho desenvolvido com o garoto, que possibilitou sua convivência com os colegas e mestres na escola, a professora Célia não trouxe a teoria, mas sua prática. A argumentação teórica vem do professor D’Ambrosio, indicando que “as teorias mais recentes de cognição revelam que a aprendizagem é um processo que se dá continuamente e repousa na variedade de experiências que se incorporam à história do indivíduo” (D’AMBROSIO, 1993, p.12).

Nossos protagonistas indicaram, também, uma forte presença dos exercícios nas aulas de Matemática. Quanto a esse aspecto, a pesquisadora Beatriz D’Ambrosio (1993), em uma reflexão sobre a formação de professores de Matemática, aponta para uma força que vem conduzindo o ensino de Matemática há vários séculos. Esta visão absolutista da Matemática resulta, por sua vez, numa dinâmica de ensino em que os alunos devem acumular conhecimento. Tal visão, por seu turno, reflete uma percepção existente na sociedade acerca do que vem a ser Matemática, qual seja, uma disciplina com resultados precisos e procedimentos infalíveis e que, para aprendê-la, basta resolver muitos exercícios. A pesquisadora aponta para uma necessidade no sentido de os

[...] novos professores compreenderem a Matemática como uma disciplina de investigação. Uma disciplina em que o avanço se dá como conseqüência do processo de investigação e resolução de problemas. [...] e de alguma forma, ser útil aos alunos, ajudando-os a compreender, explicar ou organizar sua realidade. (D’AMBROSIO, 1993, p.35)

No entanto, isso não é simples. Além disso, as pesquisadoras mexicanas Yurém e Araújo-Olivera (2003), em seus estudos sobre estilos docentes, indicam que posturas profissionais mais voltadas para a instrução e o doutrinamento são reforçadas por fatores como: o livro texto, o ambiente escolar, a cultura do magistério, os hábitos dos estudantes e o currículo oculto, além das representações que têm os próprios professores e os estudantes em relação ao que é a boa e a má docência. O estudo das pesquisadoras mexicanas constatou que o estilo de docência dialogante-facilitador não opera com o inculcar, prescrever ou guiar o educando, mas sim com a criação de condições para que este adquira, mediante ação e interação dentro e fora da sala de aula, as ferramentas de análise, juízo e auto-controle de que necessita. Seja para tomar decisões em torno de suas relações com os outros, seja no exercício da cidadania, seja para construir e conduzir seu próprio projeto de vida. As pesquisadoras afirmam:

no responde a la representación social de la buena docencia. En efecto, el profesor facilitador no opera como expositor o instructor, ni como guía o adoctrinador, sino que funge como alguien que, sin detrimento de algunas de las cualidades anteriores, planea e instrumenta situaciones de acción que permiten al estudiante adquirir, por experiencia propia, competencias para la convivencia y para el cuidado de sí.

(YURÉM; ARAÚJO-OLIVEIRA, 2003, p.647).42

42 não responde a representação social de uma boa docência. Com efeito, o professor facilitador não opera como expositor ou instrutor, nem como guia doutrinador, sina que age como alguém que, sem detrimento de algumas das qualidades anteriores,

4.3. Concepções, entendimentos e condutas relativas à relação