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Concepções, entendimentos e condutas relativas à relação docente/discente e

CAPÍTULO 3 NARRATIVAS DE PROFESSORES E PROFESSORAS DE

4.3. Concepções, entendimentos e condutas relativas à relação docente/discente e

Estamos falando de professores de Matemática. Por mais que nos comprometêssemos com o contexto do descobrimento e não da confirmação, em conseqüência de nossas vivências pessoais e do contato com estudos no campo da Educação Matemática, esperávamos encontrar profissionais cujo foco central de atenção fosse o conhecimento matemático. Estudos como o de Hoff (1996), Rodrigues (2000) e Bicudo (1999) apontam para valores conteudistas e metodologias centradas na figura do professor. A ênfase nestes valores, resultaria, a nosso ver, em certos estilos de docência com centralidade no conteúdo disciplinar.

No entanto, nossos cinco entrevistados apontam para uma complexidade maior da questão. Seus relatos parecem indicar que, para estes docentes, o conteúdo disciplinar não é o centro da docência. É um ponto importante, porém eles trouxeram outros elementos, que também consideram ter relevância, como se dividissem as preocupações com o conteúdo. Em alguns casos, é como se deslocassem o centro de suas preocupações do conteúdo disciplinar para outros pontos.

Melhor dizendo, e os relatos dos cinco entrevistados confirmam este pressuposto teórico, os estilos de docências são configurações de elementos e circunstâncias que podem se constituir até mesmo sem uma centralidade, sem um eixo principal, visto que se constitui como uma rede. Trata-se de uma tessitura de elementos inter-relacionados, inexistindo um ponto ou elemento central. Uma tessitura inscrita e circunscrita ao contexto escolar, em que a docência e seus estilos, como vimos enfatizando, se realizam.

Desse modo, observa-se nas entrevistas que as duas professoras e os três professores referiram-se, de forma enfática e significativa, às suas relações, convivência ou planeja e instrumenta situações de ação que permitem ao estudante adquirir, por experiência própria, competências para a convivência e para o cuidado de si. (YURÉM, ARAÚJO-OLIVEIRA, 2003, p.647, grifos das autoras, tradução nossa).

interações com seus adolescentes e jovens alunos. A metodologia da aula expositiva, na qual o professor tem centralidade quase absoluta, por exemplo, é utilizada mais por Fábio, Pedro e Júlia. Porém, há relatos de aulas menos centradas na figura do professor e mais atentas às questões dos estudantes, às suas dúvidas e a outras questões trazidas por eles. Os interesses, a pessoa e a vida dos estudantes estão colocados de modos e intensidades diferentes, porém com relevância, nos cinco relatos, evidenciando que se trata de um aspecto importante, quando não central, para aqueles docentes.

Pode-se afirmar, a esse respeito, que os cinco entrevistados encaram a convivialidade com seus alunos como um valor essencial ou como uma questão de grande importância em seus estilos de atuação como docentes. Todos mostraram, ainda que com maior ou menor ênfase e clareza, que a docência não se esgota nos conteúdos escolares. Fábio declara que foca sua atenção no estudante, falando inclusive de uma relação de encantamento, de sedução, sentindo-se como um artista, ou como se estivesse em um picadeiro quando está na sala de aula. Célia falou de sua forma de atuar como se os alunos fossem seus filhos. Rogério preocupa-se com “o cuidar, com o assentar ao lado”, nas suas palavras. Pedro procura tratar o aluno como pessoa. Por isso, segundo ele, conhece seus nomes, suas histórias; conversa, aproxima, procura-os. E Júlia tem um olhar de confiança e fé nos estudantes. Essas condutas e preocupações dos entrevistados foram ao encontro da tese de Teixeira (2007), pois para eles, como para a autora, a docência se revela, efetivamente e em suas diferentes formas e estilos, como uma situação relacional. Em sua origem e modos de realização, a docência funda-se em uma relação entre sujeitos sócio-culturais, no contexto da escola. Uma relação implicada nos processos de formação humana, mediada pelos processos de transmissão e construção de conhecimentos. Em nosso caso, nos conteúdos matemáticos.43

Essa importância dos meninos e da relação com eles revelou-se, por exemplo, no momento da entrevista em que solicitamos aos professores e professoras que falassem, em uma única frase, o que marca ou caracteriza seus estilos. Nelas apareceu, direta e claramente, este dado, como nas frases de Fábio, que disse: “a relação é o ponto chave. Eu acho que é isso que manda”. Na frase de Rogério, que falou: “Cuidado, cuidar.

43 Ainda segundo Teixeira (2007), não é o campo disciplinar ou o que se ensina e como se ensina a base da docência, pois ela se funda, o que lhe dá origem e a concretiza em suas várias formas de realização, numa específica e singular relação entre sujeitos sócio-culturais. Uma relação que se desenvolve nos contextos escolares e que tem os conteúdos disciplinares como mediação, sem que neles se centralize ou se esgote.

Preocupar com o aluno que tem dificuldade” e na frase de Pedro, que afirmou que a sua marca é a daquele “estilo que trata o aluno como pessoa”, ao lado do conhecimento “trans”. Quanto a Julia, ela sintetizou em uma frase: “Acho que é a descontração. Acho que é a palavra que resumiria”. Nessa formulação da entrevista, pode-se dizer que a preocupação com a relação com os alunos também aparece, visto que a descontração é algo da ordem da natureza ou da qualidade das condutas dos indivíduos nas interações sociais.

Célia é a entrevistada que foge deste tipo de formulação, em que o aluno e as relações com ele são enfatizados. Ao dizer em sua frase de síntese que “às vezes sou muito rigorosa, tradicionalista, às vezes mudo completamente...”, termos que devem ser tomados em seu uso mais comum, vê-se que ela está se remetendo a metodologias, procedimentos e estratégias didático-pedagógicas. Embora a chamada pedagogia tradicional e a pedagogia moderna tenham diferentes entendimentos e proposições quanto às relações e procedimentos dos docentes com os alunos, Célia parece estar associando esses termos mais aos seus métodos, em sentido mais restrito. Se tomarmos os usos comuns desses termos, ela está associando seu estilo às suas formas de atuar do ponto de vista didático-pedagógico, que normalmente são classificadas como tradicionais, tecnicistas, críticas, entre outras classificações usuais a este respeito, vindas do campo das metodologias de ensino e da didática.

Outra constatação significativa nesse eixo de estruturação dos estilos docentes dos entrevistados, diz respeito às suas imagens, representações e expectativas sobre seus alunos, de que ressaltaram certos traços. Um deles diz respeito às diferenças que o grupo percebe entre os meninos de escolas públicas e das particulares. Isto pode ser ilustrado, por exemplo, nas observações de Fábio, no sentido de que aprendeu a trabalhar comparativamente com eles. Fábio relata: “aquele menino (aluno de origem nas classes média e alta) é mais difícil que o menino da rede pública” (aluno de origem nas classes populares). “O menino da rede pública é mais fácil, o conhecimento dele é menor, ele tem mais dificuldade em Matemática e você acaba arrumando uma forma de lidar com ele. O mais elitizado, da escola particular, você tem que saber administrar o processo na sala de aula.”

Outro aspecto que se destacou nas narrativas, pertinentes às imagens e expectativas que aqueles docentes possuem sobre seus alunos, diferentemente do que se ouve com freqüência em falas de professores sobre os estudantes, é que os entrevistados revelaram, de um modo geral, concepções e valorações positivas sobre os estudantes, mesmo reconhecendo suas dificuldades para o aprendizado, entre outras. Isto é, os entrevistados vêem condições problemáticas ou aspectos negativos e indesejáveis em seus adolescentes e jovens alunos. Em alguns momentos de suas narrativas, eles os classificaram, por exemplo, com adjetivos comumente usados entre professores, falando de alunos “sem base”, “indisciplinados”, “desinteressados”. Contudo, as debilidades ou fragilidades apareceram sem que tenham perdido o respeito pelos meninos ou sem desqualificá-los.

Dessa maneira, é possível afirmar que, de modo geral, o grupo de professores de Matemática que entrevistamos parece ter imagens, condutas, preocupações e práticas profissionais no sentido de entenderem e assumirem os educandos como sujeitos sócio- culturais, como cidadãos, como trabalhadores, como sujeitos sexuados, étnico-raciais e culturalmente e socialmente localizados e identificados.

Ainda quanto às relações que constroem com seus alunos, apareceram também condutas e esforços marcados pela positividade e pela intenção de trabalhar bem com os meninos. Como Fábio nos disse, ele presta atenção e é capaz de mudar completamente o rumo da aula se o menino reclama, por exemplo, que não sabe para que estudar números complexos. Rogério consegue pensar uma escola e uma Matemática a partir da pergunta sobre quem é o estudante que ali está. Procura “jogar” a pessoa para cima, usando termos como: brilhante, rainha. Célia fala da falta de interesse dos alunos, todavia compreende suas dificuldades sociais e familiares. Pedro fala da falta de fundamento, da falta de base dos estudantes. No entanto, por acreditar que eles são capazes de pensar, não abre mão da cobrança, de provas com questões bem elaboradas. Júlia considera os estudantes conscientes e responsáveis e é capaz de compreender, e de não se incomodar, palavra que ela mesma utilizou, com os modos de ser característicos da cultura juvenil presente em seus adolescentes e jovens alunos.

Assim sendo, para o grupo dos cinco entrevistados, os alunos aparecem, de modo geral, não como um peso, como uma carga para os professores, como motivo para um mal-

estar. Embora percebam suas dificuldades e limitações, em geral eles não os vêem como desprovidos de possibilidades, o que é muito significativo, sobretudo se considerarmos que os alunos das escolas públicas são, muitas vezes, desacreditados, quando não são desqualificados.

Por fim, completando a discussão deste eixo constitutivo dos estilos da docência e para além deles, pensando a docência em suas responsabilidades e construções identitárias de sujeitos individuais e coletivos, é preciso considerar a proposição de Arroyo (2004, p. 12), no sentido de que “Conhecer as trajetórias humanas e os tempos dos educandos será uma condição para reconstruir as trajetórias profissionais dos mestres.”

4.4. Dimensões profissionais: concepções relativas à profissão, ao