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A ação da Permanência: Um papel para a mente na

CAPÍTULO 2 Permanência: Para o ator produzir Presença

2.7 A ação da Permanência: Um papel para a mente na

A terceira etapa de investigação da Permanência surgiu a partir de um novo conflito. Observando meus alunos, detectei que, embora muitos deles tivessem adquirido uma qualidade expressiva, fluida e orgânica de movimento, uma parte de sua personalidade parecia não fazer parte da execução. Essa parte era justamente a mente.

Ao suavizar sua ação no corpo, fiz com que sua existência se tornasse quase insignificante e dispensável, dando aquele caráter ao movimento que eu

agora identificava como falta de intenção. Parecia que os movimentos eram todos processuais, experimentais, uma busca para se chegar a algo, mas que não atingia um resultado em si.

De qualquer modo, a interferência da mente nunca deixou de existir. Nunca cheguei a um estado em que não houvesse interrupções do pensamento, nem mesmo a um movimento totalmente conduzido pelas sensações. Isso não acontecia, porque a mente também faz parte do sujeito, é uma daquelas partes da minha aclamação inicial: todas as partes de mim juntas agora!

Eu queria acordar as partes adormecidas, as sensações que o hábito de olhar o mundo para significar adormeceu. De fato, eu consegui, mas essa era apenas uma etapa. O meu ideal inicial era integrar todas as partes de mim em movimento, mas uma delas estava agora sem papel.

Comecei a refletir que se o ato de significar anula o corpo e as sensações, haveria outro modo de trabalhar a mente na Permanência para que isso não ocorresse? De que outro modo a mente poderia funcionar que não fosse se distanciando para atribuir sentido?

Nesse ponto, o encontro com a Psicanálise foi imprescindível. Desde o início desta pesquisa, eu tinha a necessidade de incluir a Psicanálise como procedimento de investigação e sempre havia um conflito na sua inserção exatamente por eu estar investigando processos corporais e essa área do conhecimento tratar de processos mentais.

Relembrei da estrutura de funcionamento do aparelho psíquico proposto por Freud, que o divide em Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente. Concluí que o ato de significar, nessa condição que exclui as sensações, é um processo exclusivo da consciência, ou, ao menos, uma tentativa de controle do objeto por significação consciente do sujeito. Significar é, portanto, uma maneira de se relacionar estritamente pela via da consciência com as coisas do mundo.

Há um espaço na mente, o qual Freud descreve como um limbo: trata- se do Inconsciente. Sua lógica de funcionamento é diferente da Consciência; os seus conteúdos não são conteúdos de significação, são impressões e imagens

adquiridas por experiências de sensação, algumas banidas da consciência por serem insuportáveis ao Superego, outras por qualquer outra razão. Esses conteúdos mentais, diretamente ligados a sensações, não acessam a consciência por conta da repressão.

Freud descobriu com a Psicanálise uma forma de acessar esses conteúdos pelo método da Associação-Livre. Tal método consiste, basicamente, na associação livre de idéias, por meio do qual o psicanalista pede ao analisando que fale sem descriminação tudo aquilo que vier à sua mente e o auxilia sempre que houver rupturas no fluxo de associação, pois, nesse caso, trata-se, possivelmente, de alguma repressão.

Segundo Freud, a Associação-Livre nunca é totalmente livre, pois é sempre regida pelo inconsciente. Esse estado mental de fluxo costuma ser simbólico, pois o funcionamento do inconsciente é simbólico.

Concluí que essa forma de acessar a mente, que permite a ela certo descontrole da consciência e que produz imagens ricas de sensações, poderia ser produtiva para a pesquisa de um estado da mente na Permanência.

Como eu gostaria de integrar a mente ao movimento e ao estado, decidi experimentar uma transposição da lógica da Associação- Livre de palavras para uma Associação- Livre de movimentos.

Freud, em seus experimentos, muitas vezes, usava palavras disparadoras para desencadear as associações. Resolvi usar, também, alguns disparadores que desencadeassem o movimento em Associação- Livre.

Os disparadores são as “Coisas do Mundo”, um modo de aproximar a mente ao invés de distanciar. Poderia ser o próprio corpo, por meio do qual o ator exercita uma observação sobre as imagens que são desencadeadas a partir do movimento de Permanência, ou uma música, ou palavras, ou cores e assim por diante.

A todo tempo, os comandos convocam o ator a não se preocupar com a coerência das imagens, com uma lógica para a imaginação. Assim como Freud

pede ao analisando que não se repreenda e diga tudo o que vier à mente, o condutor incentiva o mesmo durante o exercício.

Inicialmente, o ator exercita o desencadeamento de imagens a partir de estímulos para, por fim, entrar em um processo de Movimento-Livre, no qual se misturam os impulsos, não se sabendo mais se o movimento gerou a imagem ou a imagem gerou o movimento.

A mente, a partir do acesso ao inconsciente, adquire, então, uma condição imaginativa. Essa constatação fez da imaginação a chave da Permanência, o ponto crucial que rompe com a cisão entre o corpo e a mente na ação.

Quando as atrizes e os atores alcançam esse ponto de integração entre mente, sensação e movimento ou entre matéria, agente e instrumento, conquistam, finalmente, a Permanência. Ao transpor a Permanência construída para a estrutura do espetáculo no encontro com o espectador irradiam intensificados os efeitos de Presença. Em qualquer estrutura de linguagem, é possível Permanecer em contato sensorial, Permanecer em movimento e Permanecer em fluxo inconsciente de imaginação.

Em função dessa última constatação, o nome escolhido para a sequência prática de procedimentos para a Permanência foi Movimento-Livre.

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