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Movimento-livre : procedimentos para permanência um estudo sobre a presença

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Academic year: 2021

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Instituto de Artes

FLORA GUSSONATO

MOVIMENTO-LIVRE: PROCEDIMENTOS PARA PERMANÊNCIA UM ESTUDO SOBRE A PRESENÇA

MOTION-FREE: PROCEDURES FOR PERMANENCE A STUDY ON THE PRESENCE

CAMPINAS 2016

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MOVIMENTO-LIVRE: PROCEDIMENTOS PARA PERMANÊNCIA Um estudo sobre a Presença

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da

Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Artes da Cena: Área de concentração: Teatro, Dança e Performance

Orientador: MARCELO RAMOS LAZZARATTO

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA FLORA GUSSONATO E ORIENTADA PELO

PROF. DR. MARCELO RAMOS

LAZZARATTO

CAMPINAS 2016

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FLORA GUSSONATO

ORIENTADOR: PROF. DR. MARCELO RAMOS LAZZARATTO

MEMBROS:

1. PROF. DR. MARCELO RAMOS LAZZARATTO

2. PROFA. DRA. ISA ETEL KOPELMAN

3. PROFA. DRA. MARCIA MARIA STRAZZACAPPA HERNANDEZ

Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena, na área de

concentração Teatro, Dança e Performance, do Instituto de Artes da

Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da

banca

examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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Às duas mulheres que me proporcionaram as maiores sensações de Presença: Maria Ester Costa, minha mãe, pela educação afetiva, libertadora e revolucionária,

por transmitir o amor pelo conhecimento e pela Arte, por me permitir questionar tudo;

e a minha tão amada filha Alice Gussonato Fialho, pela sua existência, por ter me permitido renascer, não havendo Presença maior do que você nos

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Ao meu pai, Vanderlei Gussonato, pelo amparo e pelo apoio. Sem sua ajuda, tudo seria mais difícil.

Ao meu irmão, Leon Gussonato, pelas referências em História e Geografia, desde quando eu tinha 13 anos e ele 11. A admiração é recíproca.

A Jô, minha sogra, pelo amparo com a minha casa e minha filha nos momentos de caos.

A toda a família Costa, pelo acolhimento da minha filha nos meus momentos de exaustão, em especial ao Sílvio e à Ângela, dindos da Alice, que fizeram de sua casa um lar, para que minha pequena fosse cuidada e amada em meus momentos

de estudo.

À família Gussonato, por serem quem são, desde sempre. À vó Iná, que, certamente, estaria orgulhosa de quem me tornei. À grande amiga Ligia Cortellazi, que me ensinou os primeiros conceitos de Psicanálise, em especial, as psiconeuroses freudianas, literalmente, em um

guardanapo de papel no boteco.

À grande amiga Tati Burg, com quem dividi uma casa em Barão Geraldo durante a Graduação, e que me apesentou à referência da Eutonia.

À Helê, com quem também dividi a casa em Barão Geraldo durante a Graduação, pelo apoio e pela amizade. .

Às amigas de sempre, desde os tempos da escola pelos necessários momentos de descontração criativa: Aline Bars Nakamura, Beatriz Bars Nakamura, Daniela

Gomes Klepacz, Fernanda Bellinati, Natália Spinola, Tatiana Minioli e, em especial, à Viviane Fontes, por tudo o que tem ensinado a minha filha e pela

participação nos vídeos e fotos que estão no trabalho.

Aos colegas e professores do curso de Fundamentos do Sedes, em especial à professora Patrícia Leirner, por tornar leves temas tão complexos e pela

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Aos colegas do Estação Teatro, em especial a Luiza Lio, Mariana Rosinski e Paula Zanetti, pela confiança e por se entregarem tão abertamente às minhas pirações. A todos os meus alunos, dos petiticos aos grandões, por tudo o que o encontro

com vocês tem me ensinado.

A todas as mães, pesquisadoras e não pesquisadoras, que cruzaram meu caminho e me deram força para não desistir!

Às duas mulheres maravilhosas que estiveram em minha banca de qualificação, Isa Kopelman e Márcia Strazzacappa. A contribuição de vocês não foi apenas

para a pesquisa, foi uma atitude de encorajamento.

Ao orientador Marcelo Lazzaratto, para sempre Mestre, muito obrigada pelo carinho e pela abordagem tão respeitosa, por me ajudar a encontrar segurança e

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Movimento-Livre: Procedimentos para Permanência é uma investigação teórico-prática acerca do conceito de Presença. A partir do referencial teórico de Hans Ulrich Gumbrecht, esta pesquisa trouxe como resultado a proposição do conceito de Permanência como condição corpórea para atrizes e atores produzirem efeitos de Presença na relação com o espectador. Sugere, finalmente, uma lista com procedimentos práticos para o desenvolvimento da Permanência, lista a qual recebeu o título de Movimento-Livre.

Palavras-Chave: Presença; Permanência; Movimento-Livre; Eutonia; Psicanálise

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Motion-Free: Procedures for Permanence is a theoretical and practical research about the concept of Presence. Using Gumbrecht´s theory on the concept of Presence, the research suggests the concept of Permanence as a body condition for actresses and actors to produce Presence effects in the audience. Finally, it suggests a list of practical procedures for the actor to develop the Permanence. The list of procedures received the title: Motion-Free.

Key Words: Presence; Permanence; Motion-Free; Eutony; Psychoanalysis

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E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. (Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema IX" Heterônimo de Fernando Pessoa)

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MOVIMENTO – LIVRE: PROCEDIMENTOS PARA PERMANÊNCIA...13

PRÓLOGO Linha do tempo ou A queda do buraco da Alice...14

INTRODUÇÃO...25

CAPÍTULO 1 - Presença, essa angústia não é só minha...29

1. 1 Quando a Presença é vista como uma qualidade inalcançável...29

1. 2 O florescer das jovens pesquisas sobre o ator e a Presença na Universidade ...34

1. 3 O que é Presença pra você? Como a Presença é vista fora do contexto da Universidade...38

1. 4 O percurso da Presença - o que existe no entorno do conceito...45

1.4.1 A Presença pelo código e a Presença pela Expressão: Diferenças geográficas...46

1. 4.2 O sujeito da Presença - Relação histórica e Cultural...51

1. 4.3 A Presença nas Artes Cênicas...54

CAPÍTULO 2 Permanência: Para o ator produzir Presença...59

2. 1 Um outro olhar sobre a Presença: Gumbrecht e as coisas do mundo...60

2. 2 A Presença de Gumbrecht e a Presença dos atores...65

2. 2. 1 O papel do ator para a Produção de Presença no Teatro...66

2. 3.Permanência...68

2.3.1 O contexto da Permanência...68

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2.3.5 Por que Permanência?...76

2.3.6 As instâncias da Permanência: O Estado, o Movimento e a Ação...78

2. 4 O papel do corpo na Permanência...81

2. 5 O Estado de Permanência...83

2. 6 O movimento de Permanência...85

2.7 A ação da Permanência: Um papel para a mente na Permanência...87

CAPÍTULO 3 Movimento – Livre: aproximando-se das coisas do mundo...90

3. 1 Movimento-Livre, o que é? Pra que serve?...90

3. 2 A importância da condução...93

3. 3 LAB 1: Aproximando as sensações...97

3. 4 LAB 2: Aproximando o espaço - Movimento de Permanência...105

3. 5 LAB 3: Aproximando o Inconsciente. Ação de Permanência...109

CONSIDERAÇÕES FINAIS...116

Sobre aquilo que permanece...117

É Preciso Também não Ter Filosofia Nenhuma...118

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MOVIMENTO – LIVRE: PROCEDIMENTOS PARA PERMANÊNCIA

Um estudo sobre a Presença

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PRÓLOGO

A morte da Presença na atriz

Tudo aquilo que eu sou, Todos os pedaços de mim

Juntos! Juntos agora! Ninguém domina Não tem hierarquia

Corpo, Mente, Alma, Espírito, Inconsciente O visível e o oculto

Tudo o que sou eu: Juntos aqui e agora! Juntos em movimento

Juntos em ação Juntos em relação Pensar, Sentir, Agir É tudo uma conexão Presentificação de mim

Presença de Tudo Tudo em Presença

É esse o meu fim.

Quando eu era menina, tive meus primeiros contatos com o Teatro e experimentei, nas vivências de palco, as sensações que seriam as definidoras da minha escolha pela profissão de atriz. O que eu não sabia, naquele tempo, era

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que, um dia, essas sensações desapareceriam e que, para a minha realização profissional, eu precisaria procurar por elas.

SENSAÇÕES

Nos poucos momentos em que eu experimentei o sabor do palco na infância, percebi que o simples fato de ser observada, percebo isso hoje, fazia com que me sentisse convocada por algo, ou, mesmo, por alguém. Era como um chamado que, agora compreendo, me tornava Presente. De repente, meu corpo, minha mente, minha alma, meu espírito, tudo aquilo o que eu era, em questão de instantes, manifestava-se simultaneamente. Cada milímetro de mim agia, movia-se e relacionava-movia-se de modo integrado e em tempo premovia-sente. Enfim, uma profunda sensação de verdade. Não era uma escolha, não era uma atitude: era um impacto automático.

Aquele estado era, sem dúvida, à época, detectado como uma experiência de prazer. Porém, embora a sensação física de satisfação fizesse parte da Presença (eu nem imaginava esse termo à época), ela não se resumia a isso. Mais ainda do que experiências de prazer, eu defino aqueles estados como experiências do indizível. Não se tratava de algo sobrenatural: as sensações eram concretas, físicas, mas sua definição exata ainda me parece inalcançável pela lógica da razão.

MORTE

Os anos passaram, a escolha profissional foi definida, mas, em algum estágio da minha formação como artista, essa sensação parece ter morrido. À medida que me profissionalizava e os estudos em Artes Cênicas intensificavam-se, o impacto automático daquilo que hoje determino como Presença foi se diluindo até o momento em que deixou de existir. Tal situação deveu-se, acredito, ao processo de aprofundamento nos estudos e, também, ao meu amadurecimento.

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Hoje, ao observar minha filha de quatro anos e meus alunos, crianças e adolescentes, noto que essa qualidade de integração característica da Presença é muito típica na infância. Já os adolescentes têm a tendência a apresentar algumas interferências embutidas socialmente, seja, pela família, seja pela escola, pela religião etc; ou seja, há o início de umas "travas" que reduzem a Presença, embora seja uma fase em que eles pareçam ter uma força para se desafiar e resistir. Eu, quando menina, não queria controlar o que eu era, eu apenas era e o que acontecia comigo simplesmente acontecia. Quando adolescente, experimentei uma fase de questionamentos e de não aceitação das limitações de espontaneidade que, aos poucos, eu adquiria. Nesse sentido, parece inimaginável pensar em controlar a Presença nesses períodos da vida.

Ao mesmo tempo em que estudava, eu também amadurecia e me inseria socialmente. Com isso, a tentativa de controlar o meu próprio corpo e as coisas que aconteciam ao meu redor intensificava-se. Assim, esse estado espontâneo de ser reduzia-se e a minha maneira de encarar as experiências também mudava.

Suspeito que essa experiência não tenha ocorrido só comigo, tenho escutado relatos semelhantes dos meus colegas de profissão e dos meus alunos que autenticam a minha teoria. Mas, calculando os riscos dessa afirmação, eu me contentarei com possíveis identificações de alguns leitores.

BUSCA

Com os estudos e a prática teatral, posso afirmar que a Presença começou a tomar uma grande importância, algo que, hoje vejo, ia além das minhas próprias percepções. Sentir-me presente deixou de ser uma consequência prazerosa de estar em cena e passou a ser a representação de um estado que deveria ser cultivado, estudado e exercitado.

No teatro amador e na Universidade, descubro que a Presença é uma qualidade, e uma qualidade admirável do ator. Descubro, também, que o valor da Presença não está somente na minha percepção, mas que, para ser significativa,

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ela precisa ser percebida também pelos outros. Passo, então, a buscar formas de conquistar essa qualidade.

Hoje, com um olhar distanciado, noto que, quanto mais eu tentava conquistar a Presença, menos eu vivia aquela sensação. Um dia, eu desisti dessa luta incansável e infrutífera. Era tarde demais! A Presença parecia ter morrido.

Acontece que, com a morte da Presença, fazer teatro começou a perder o sentido. E se, desde que me entendo por gente, sinto-me atriz, quando o Teatro perde sentido, perde também a minha própria existência.

Hoje, não existe crise, pois criei, a partir de meus estudos, de minhas pesquisas e de minha prática teatral, a consciência clara de que minha condição de artista está totalmente integrada à minha condição de ser e que, para me potencializar em ambos os setores, preciso iniciar um processo de ressignificação da Presença, ampliando suas possibilidades e amadurecendo meu olhar sobre esse estado que, para a artista que eu sou, parece ser primordial.

Esta dissertação de Mestrado é uma trajetória de renascimento. Se for possível e aceitável considerar como pesquisa toda a procura que venho fazendo em busca de alguma resposta para esse desaparecimento e por uma forma de reviver a Presença em mim, então seria justo calcular a sua duração em aproximadamente onze anos. Nesse período, os questionamentos que abrangem esse tema acompanharam-me, permeando minha existência como aluna, minha ação como estudante e minhas realizações como profissional das Artes Cênicas.

Meu objeto de pesquisa acompanha-me desde sempre. É importante contar um pouco como ele surgiu.

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Linha do tempo ou A queda do buraco da Alice Tragicomédia em cinco atos

A menina de 5 anos – A Margarida Friorenta

A primeira vez que me recordo de pisar em uma sala de Teatro foi aos cinco anos. Diz minha mãe que, um ano antes disso, ela teria realizado uma tentativa frustrada de apoio à cultura na infância levando-me para assistir a uma versão de A Chapeuzinho Vermelho. Foi um tanto traumático para ela, já que se tratava de uma versão comunista da história; desde então, as suas contribuições para a ampliação de meu repertório artístico concentraram-se na música e no cinema.

Como diria Gabriel Garcia Márquez, em seu livro autobiográfico Viver para Contar, “A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la.” Então, deixemos um pouco de lado a chapeuzinho comunista e nos concentremos na memória dos meus cinco anos.

Teatro Cacilda Becker em São Paulo. Não é um espetáculo profissional; trata-se da apresentação de uma peça de teatro realizada pela turma

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dos excelentíssimos formandos do pré-primário da Escola EMEI Noemia Hypólito1.

Eu era aluna da turma um ano mais nova e como espectadora ouvia pela primeira vez o "nhéc, nhéc" das cadeiras. Lembro-me de ficar quieta em meio a dezenas de crianças alvoroçadas, de brincar com o barulho das cadeiras e de gostar do cheiro daquele lugar. Até hoje, o despertar da minha memória dá-se pelo olfato, e o cheiro do teatro tem, para mim, uma representação muito particular. Não importa se é antigo, reformado ou novo. Para mim, todo teatro tem o mesmo cheiro.

A grande noite contava com a encenação de A Margarida Friorenta, com direito a distribuição de livros para toda a plateia. Não por acaso, essa foi também, a minha primeira leitura.

A garota que interpreta a Margarida conquista sem esforço a minha atenção. Ela é viva, desenvolta e espontânea. Naquele período, eu não tinha traço

1

Escola Municipal de Educação infantil localizada na região da Vila Romana em São Paulo. Está localizada ao lado do Teatro Municipal Cacilda Becker.

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algum de timidez, mas ser livre assim frente a tanta gente parecia algo realmente impressionante.

A identificação é imediata. Quero estar ali. Sinto o ímpeto de levantar. Se fosse um ano antes, na época da Chapeuzinho, talvez eu tivesse entrado.

Percebo naquela menina a Presença pela primeira vez. Ela está totalmente conectada consigo mesma e comigo. Seu estado ativo de Presença ativa algo em mim também.

Nasce nesse exato momento aquilo que, anos depois, venho a reconhecer como o meu desejo pela Presença, o meu desejo pela cena.

7 anos – Uma menina que gosta de mentir

Aos sete, já estudava em outra escola, cursava o primeiro ano, e cultivava a mentira como hábito. Minhas fantasias giravam em torno de aulas de dança, basquete, judô; de um modo geral, todos os aprendizados do corpo tinham protagonismo em minhas histórias. Não havia limitações para a minha criatividade. Se eu era baixinha para jogar basquete, em minha escola fictícia havia tênis com molas supersônicas que auxiliavam em meu desenvolvimento; essas mesmas molas foram usadas também para justificar a minha excelência nas aulas de salto em altura. Desde sempre o corpo foi o meu espaço de fantasia, libertação e desejo.

Certa vez, durante a aula de Educação Artística, sem muita razão evidente, apenas pelo prazer de fantasiar, minto para a professora que eu tomava frequentemente aulas de balé clássico. Da professora não lembro o nome, nem sequer de seu rosto, lembro apenas da maneira como as carteiras estavam dispostas na sala e de ela abaixando-se para me ouvir, demonstrando interesse. Depois de ouvir atentamente todo o meu devaneio, a professora convida-me para realizar uma apresentação de ballet clássico no palco do pátio para toda a escola. Aceito prontamente.

Logo se inicia uma nova sequência de mentiras. Eu era mesmo uma especialista. Digo a minha mãe que preciso de uma roupa de ballet para uma

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atividade na escola; ligo para a minha prima –essa sim fazia aulas de ballet clássico– e faço o empréstimo da roupa. Separo um sapato que, para a minha visão de menina de sete anos, se parece muito com uma sapatilha –hoje tenho certeza que não. Seleciono cuidadosamente um disco de minha mãe: As Quatro Estações, de Vivaldi, gravo em uma fita cassete, e passo a rodopiar sozinha pela sala. Não lembro ao certo o tempo cronológico, mas parece que isso tudo não durou mais que um fim de semana.

As imagens deslocam-me imediatamente para a primeira vez em que subi em um palco: aos sete anos, sozinha, ao som da Primavera, de Vivaldi. com figurino improvisado. Lembro até hoje a sensação exata de o corpo sendo tocado pela e movendo-se em consonância com a música. Tudo junto, na mesma direção. Era a Presença em mim pela primeira vez.

As mentiras, eu as dizia indiscriminadamente. Essa verdade tão absoluta, guardei em segredo até os 23 anos.

11 anos – Encenação de independência

Caminho com a minha memória para os 11 anos de idade, aula de História, um professor jovem e descolado, recém-formado na USP, uma verdadeira novidade em uma escola com características tão conservadoras. Desse, eu me lembro do nome: era o Professor Fernando, o primeiro pelo qual tive a admiração de Mestre. Ele teve também influência nas escolhas profissionais de meu irmão, hoje geógrafo também formado pela USP e também Mestre de outras tantas crianças. O professor Fernando dá aulas na escola até hoje, continua influenciando muita gente e provavelmente um dia será o professor de minha filha. Em uma aula de História do Brasil, Fernando sugeriu como avaliação que fizéssemos uma encenação do grito da Independência. Assumo a tarefa como das mais sérias. Nunca estudei para uma prova com tanto afinco. Imediatamente, torno-me a diretora do grupo e proponho que a intervenção seja realizada nas fileiras vazias por entre as carteiras, com momentos em cima das mesas, outros no chão, com soldados executados caindo aos pés dos alunos-espectadores. Mal

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sabia que já estava, aos onze anos, quebrando a quarta parede e propondo exploração de diferentes ambientes.

Lembro com absoluta clareza da sensação do meu corpo passando por entre as carteiras, pelos outros corpos dos outros alunos e da força de nossas vozes. Mais uma vez, o que conheço hoje como Presença surpreendia-me; mais uma vez, uniam-se o meu pensar, o meu sentir e o meu agir. Todos juntos em movimento. Todos juntos em ação.

14 anos – Momentos de transgressão

Quando cheguei à adolescência, lá por volta dos 14 anos, aproximei-me de um grupo de meninas na escola, as quais faziam, todas juntas, aulas de dança em uma academia do bairro. Lembro-me de vê-las dançando no intervalo das aulas e de decidir, antes mesmo que elas me notassem, que aquele seria o meu grupo de amigas. Somos unidas até hoje.

Em pouco tempo, estou enturmada e, um dia, na saída da escola, enquanto conversávamos sentadas na guia da calçada, escuto a notícia: a professora de dança as havia convidado para participar de um grupo gratuito de montagem de teatro musical organizado pela Cultura Inglesa2 e ministrado por ela.

Naquela época, as inseguranças da adolescência começavam a brotar, mas ainda restava atitude suficiente para me infiltrar nesse convite. Sem conhecer mais ninguém e sem qualquer experiência com aula de canto ou dança, vou ao primeiro ensaio do grupo; o resultado dessa minha disponibilidade iria ocupar todos os meus finais de semana durante os cinco anos seguintes.

Era minha primeira experiência com o teatro propriamente dito, e em um ambiente altamente competitivo, de cerca de 40 adolescentes.

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Teen Broadway West End foi um grupo de teatro musical voltado para adolescentes que realizava remontagens dos famosos espetáculos da Broadway e do West End londrino. Financiado pela Cultura Inglesa, famosa escola de idiomas em São Paulo, o grupo era gratuito e reunia crianças e adolescentes de várias faixas etárias e classes sociais.

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Lembro que essas primeiras experiências em cena não foram necessariamente prazerosas: tornou-se um objetivo diário desafiar a timidez, as angústias juvenis, as “travas” que, de repente, apareceram e conquistar o meu espaço. A cena já não caía mais no meu colo, era preciso conquistar o direito de estar nela. Lembro do momento em que consegui realizar esse pequeno ato de transgressão interna. Durante um período de férias, estava obcecada com o desejo intenso de vencer minhas inseguranças e de conseguir estar em cena com aquela verdade da Presença que eu sentia na infância; pensava noite e dia nisso e já sabia qual seria a montagem a ser realizada: um musical. No dia do primeiro ensaio ao retornar das férias, foram solicitados voluntários para realizar a cena. Prontifiquei-me de imediato. Essa é mais uma memória do impacto de verdade física que a cena causou em mim. Nunca mais fui a mesma.

Na adolescência, a Presença nasceu desse pequeno ato de transgressão interna, para o qual não me conectar não era considerado uma opção. Desde então, cada vez que entrava em cena, vencia as minhas próprias resistências juvenis, o que era absolutamente prazeroso.

Foram cinco anos de vitórias prazerosas que definiram, sem conflitos, a minha escolha profissional, o caminho dos meus estudos universitários. Estudar para mim nunca foi um problema, sempre gostei. Parecia, agora, que seria a maior das realizações. Havia finalmente encontrado o caminho. Eu me sentia completa, realizada.

19 anos – O começo do fim

Em 2005, ingresso no curso de Graduação em Artes Cênicas da Unicamp. A expectativa era alta e a dedicação, intensa. Nos dois primeiros anos, havia um desejo que se renovava diariamente. Era a contradição entre um processo dolorido de descobertas e uma vontade inesgotável de aprender.

Embora o desejo pulsasse, o desenvolvimento de uma autocrítica começava a surgir. As inseguranças já existiam quando entrei na Universidade, mas, anteriormente, no grupo amador, eu havia adquirido aquela habilidade em

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desafiar a mim mesma que me auxiliava a recuperar aquela sensação de Presença mais espontânea da infância. Porém, enquanto eu estudava, enquanto eu desenvolvia meu senso crítico em relação às minhas realizações e em relação ao teatro, essa habilidade começou a falhar.

Eu cresci, e a Presença, sem esforços, ficou na memória da infância, os recursos de adolescente perderam força e agora eu tinha um pensar, um sentir e um agir completamente desconectados. Cabia a mim procurar recursos técnicos para recuperar o que um dia foi espontâneo, sem esforços.

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INTRODUÇÃO

Da Presença à Permanência

Oh ! Quanta Presença tem esse ator! AH! Que Presença de palco possui aquela atriz! UAU! Você é um excelente ator, tem muita Presença!

Presencia Présence Presence

O que é isso que tanto admiram? Que aura mágica parece ter!

É coisa de outro mundo? É coisa de outro ser?

Na-na-ni-na-não...

A Presença não é essa de se benzer Ela é coisa para se fazer!

É coisa de agir Coisa de Permanecer

A Presença que você vê é uma coisa localizada bem ali Entre mim e você!

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A dissertação Movimento-Livre: Procedimentos para a Permanência narra meu processo de investigação teórico-prático sobre o conceito de Presença que resultou na sugestão do conceito de Permanência como recurso técnico para a produção da Presença para as pessoas que exercem as artes da cena. Por fim, apresento a prática de Movimento-Livre, uma lista com dez exercícios para desenvolvimento da Permanência, formulados a partir de inspirações na Eutonia e na técnica de Associação-Livre.

A pesquisa surgiu do meu questionamento sobre uma perspectiva comum que define a Presença como uma qualidade intrínseca à identidade dos atores. Para combater essa ideia, investiguei algumas concepções de Presença entre pessoas amadoras, profissionais e pesquisadoras; além disso, tracei uma breve contextualização histórica e geográfica sobre o termo, tanto nas Artes Cênicas como em outras áreas das humanidades; por fim, defendo como princípio fundamental deste trabalho a ideia de exercícios para a Produção de Presença.

Após essa análise, admiti para a pesquisa a concepção de Gumbrecht que define a Presença como o impacto sensorial, imaterial e sem significação que os objetos podem produzir sobre os corpos humanos. Entendem-se por “objetos” quaisquer coisas palpáveis por mãos humanas, conceitualmente definidas por Gumbrecht como "Coisas do Mundo". O caráter de efeito presente nessa visão aproxima-se das minhas descrições e também das dos artistas com os quais travei contato.

Ao admitir a concepção de Presença como um efeito que ocorre entre a matéria e os seres humanos, passo a reconhecer, na materialidade do corpo da atriz e do ator, uma representação de "Coisa do Mundo" em disposição para produção de Presença no acontecimento teatral.

Em função da complexidade humana da atriz e do ator, constato que, embora sua matéria possua efeitos de Presença como qualquer outra, seu corpo tende a reagir contra a intensificação de seus efeitos. Tal situação ocorre pois o corpo está inserido em um contexto social e histórico que delimitou a sua relação

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com as coisas do mundo a partir de um distanciamento das sensações para que pudesse traçar interpretações mais precisas sobre a matéria.

A partir da oposição produção de sentido x produção de Presença apresentada por Gumbrecht e da correlação entre distanciamento/sentido e aproximação/Presença, introduzo o conceito de Permanência como a ideia de se Permanecer próximo às coisas do mundo e em movimento, para se Permanecer produzindo Presença.

Em laboratórios de investigação pessoal, um procedimento particular de investigação prática, defino três instâncias para a Permanência: o Estado de Permanência, o Movimento de Permanência e a Ação da Permanência. Os dois primeiros foram investigados por inspiração na prática de Eutonia, pesquisando formas de aproximação sensorial do corpo e do espaço e em movimentos internos e externos. A Ação da Permanência é investigada a partir de uma transposição do método da associação-livre para o movimento, na tentativa de atribuir um papel para a mente na Permanência. Por fim, estabeleço, como chave para a questão da mente na Permanência, a imaginação.

No último capítulo, apresento uma lista sequencial de exercícios para Permanência, denominados como Prática de Movimento-Livre. Em decorrência da complexidade do território em que está inserida essa discussão, não almejo, em momento algum, atingir um resultado definitivo e assertivo para tal intento. Mas o que busquei, desde o início, foi navegar nos terrenos da prática reflexiva e, dentro das possibilidades, sugerir pontos de discussão e possibilidades que se apresentassem como pertinentes para tornar esta uma experimentação que pudesse contribuir concomitantemente para os terrenos da prática e da teoria.

A estética da escrita é permeada por algumas intervenções poéticas e interrupções de fluxos de memórias. Essa foi uma tentativa de aproximar as palavras do aspecto experimental da pesquisa. Trata-se também de uma escrita experimental. Porém, nem sempre consegui que as dimensões de Presença afetassem o meu discurso da mesma forma que afetaram minhas experiências corporais.

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Trata-se de uma pesquisa em nível acadêmico associada à linha de pesquisa "Técnicas e Procedimentos para a formação do Artista da Cena", pertencente ao PPGAC – Programa de Pós Graduação em Artes da Cena do IA – Instituto de Artes da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas. A proposta dessa linha de pesquisa estrutura-se em torno do "eixo sujeito", o qual transpassa as três áreas de concentração, quais sejam, Teatro, Dança e Performance, que compõem esse programa. A finalidade dessa linha de pesquisa está justamente em contribuir para o aprofundamento de estudos em procedimentos formativos, técnicos e experimentais do ator, bailarino e performer.

O processo de pesquisa experimental que resultou na dissertação Movimento Livre: Procedimentos para a Permanência está em consonância com essas proposições, pois centraliza, tal como sugere o programa, suas reflexões e problematizações na questão do sujeito, priorizando a produção de procedimentos, em caráter experimental, que tenham finalidade formativa e que venham, possivelmente, contribuir para a formação de Artistas da Cena.

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CAPÍTULO 1

Presença: essa angústia não é só minha.

1.1 Quando a Presença é vista como uma qualidade inalcançável

A motivação por esta pesquisa surgiu sobre o meu questionamento em relação a uma visão comum no Teatro que define a Presença como uma qualidade pertencente ao corpo e à identidade de alguns atores. Reconheço que aquilo que identificam no fazer desses profissionais trata-se de fato sobre a Presença. O equívoco está em tratá-la como algo de que se detém posse, como uma atribuição particular.

Busco uma visão em que a Presença seja uma realização no campo da experiência, com aspectos relacionais, e, por ser realizável, no teatro, independe de qualquer atribuição divina sobre o sujeito. A Presença que se identifica é, portanto, um acontecimento pautado pela experiência da relação, e não uma qualidade de ordem sobrenatural.

FLUXO DE MEMÓRIA

Em minhas experiências com o teatro amador, antes de ingressar na Universidade, era comum escutar a atribuição da palavra Presença como uma característica positiva de determinados atores e atrizes, e não como o que estou ora discutindo.

Nessa época, eu tinha por hábito frequentar o teatro com um grupo de amigos acompanhados por nossos professores. Pelo menos duas vezes ao mês, íamos assistir a um espetáculo que estivesse em cartaz em São Paulo. Entre uma peça e outra, reverberavam os comentários sobre a Presença dos atores. O termo apresentava-se em diversas variações, como “Presença”, “Presença de Palco”, “Presença Cênica” e em frases como “Aquele é um ótimo ator, tem muita Presença”.

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Para nós, jovens amadores, e também para nossos professores, a Presença tinha um critério de qualificação sobre os atores e servia como base comparativa para que apreciássemos ou não o trabalho de um profissional.

Como eu já havia vivido por tantas vezes a sensação de Presença em cena, acreditava que a minha percepção interna propagava-se aos olhares externos e que, igualmente aos bons atores a que nós assistíamos no teatro, eu também seria uma atriz de Presença. Para mim, o que me diferenciava deles eram os seus anos de estudo e o conhecimento das técnicas de interpretação.

Embora eu já tivesse vivido as sensações de Presença com aspectos de experiência, o olhar que nós tínhamos naquela época não condizia com essa ideia. Nós não entendíamos a Presença como uma experiência vivida por aqueles atores, compartilhada e testemunhada por nós. Era nítida a concepção de Presença como uma qualidade pessoal, uma característica, um traço de identidade inato. Não era nada incomum escutar percepções semelhantes a essas em outros ambientes amadores.

Não era apenas entre aqueles que faziam teatro de forma amadora que existia essa percepção. Também o público leigo reproduzia o mesmo discurso. Em nossos espetáculos, escutávamos os comentários do público amigo que comparava as interpretações dos diversos atores atribuindo a Presença como uma qualidade.

A palavra “Presença” transmitia uma ideia aproximada a outras terminologias, como “talento”, “carisma”, “vocação”, e gerava a impressão de dom inato ou uma característica de ordem sobre-humana que não poderia ser conscientemente adquirida. Não haveria, portanto, um percurso para alterar aquilo que não se possuía.

Então, ou o artista possuía a qualidade da Presença, ou deveria se conformar com a mediocridade do impacto que poderia produzir sobre sua audiência. Ou ele, por natureza, era um ser Presente, ou deveria contentar-se à fragilidade dos seus efeitos no acontecimento teatral.

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Por essa óptica, o ator “Sem Presença” poderia até tornar-se um bom ator depois de muito estudo, mas jamais provocaria impacto na plateia. A sensação de impacto da Presença era para nós algo relacionado às características de sua identidade e, por isso, não poderia ser desenvolvido.

No espaço universitário, essa visão qualitativa sobre a Presença sofreu poucas alterações. Nos meus primeiros anos de estudos de Graduação, no curso de Artes Cênicas da Unicamp, boa parte dessa impressão prevalecia. Embora começássemos a ter contato com leituras e práticas mais consistentes acerca do conceito de Presença, o discurso comum entre os alunos, de que a Presença era uma qualidade associada à identidade dos atores, permanecia. Acredito que isso acontecia em razão da multiplicidade de visões sobre o mesmo aspecto, da segmentação dos componentes da Presença e da dificuldade real de compreensão que o conceito tem em si.

A partir do meu olhar em relação aos meus colegas na época da faculdade e em relação aos meus próprios alunos hoje, noto que, embora eles carreguem consigo essa referência de que a Presença é uma qualidade, percebo que, com os estudos e com o amadurecimento, eles começam, aos poucos, a problematizar a Presença e a entendê-la como algo que pode ser exercitado

Aos poucos, nós entendíamos a necessidade de investigação do ator sobre a sua expressividade e sobre a possibilidade de se desenvolver essa característica por meio de exercícios. Estudávamos algumas técnicas, debatíamos os aspectos da subjetividade do ator e discutíamos a questão do encontro, própria do evento teatral. Porém, a estrutura segmentada da formação acabava por separar as aulas em setores: técnicas interpretativas, atividades corporais, atividades vocais. Com isso, a questão da Presença acabava também sendo vista de forma segmentada: a “Presença na voz”, a “Presença no corpo”, a “Presença da interpretação”; o aspecto de integração e conexão que a percepção da Presença imprime era muito pouco abordado.

Àquela altura, nós já compreendíamos que a Presença existente em determinados atores, que não conseguíamos traduzir com clareza, era algo que

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poderia ser conquistado, mas os procedimentos para se alcançar aquele estado ainda ficavam confusos para nós. Ter Presença era, sem dúvida, um desejo a atingir.

Nas aulas específicas voltadas para o trabalho sobre o corpo, as referências técnicas e teóricas apontavam que era necessário exercitar as qualidades de tônus e energia, mas de algum modo reverberava a impressão de que esse era um trabalho apenas de ordem física. Para mim, começava a florescer a impressão de uma preocupação sobre os aspectos materiais do corpo na Presença, mas os aspectos subjetivos da Presença ainda continuavam vagos. Por mais que eu exercitasse fisicamente o meu corpo, para que ele se tornasse vivo e Presente, algo internamente não se conectava com o que eu percebia daquele estado.

Era nas aulas de interpretação que mais debatíamos os aspectos subjetivos do ofício do ator. Nessas aulas, as técnicas e os debates costumavam ser mais intensos. Certa vez, um professor, que naquela época tinha o nosso reconhecimento por sua extrema capacidade de influenciar e direcionar atores comprometidos a tornarem-se atores bem formados, disse, de forma satírica, em uma aula de improvisação: "Quer ter Presença? Basta estar presente. Então vá lá e esteja lá".

Essa afirmação, dita em situação trivial, pode ter sido muito útil para conquistar uma visão menos estigmatizada sobre a Presença em nossas concepções de jovens estudantes do oficio do ator, retirando toda a carga de origem inata aplicada à palavra Presença. O nosso comprometimento com os estudos já evidenciava a admissão de que era possível tornar-se um ator com Presença. Mas por mais que nos dedicássemos a simplesmente estar em cena, restava a sensação de que algo nos tornava ausentes, de que conseguir simplesmente estar não era assim algo tão simples. Ainda precisávamos de caminhos mais claros.

Esse olhar que nos foi apresentado serviu também para demonstrar que a Presença, além de não ser uma qualidade da identidade, também não era

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algo a se conquistar como posse ou como mudança física estrutural. Isto é, não era algo que, com tempo de exercício e domínio, estaria impresso no corpo do ator.

A Presença passava a ter, para mim, pela primeira vez, um aspecto de qualidade menos adjetiva e mais verbal. A partir de então, passava a estar associada à ideia de ação. A Presença que eu havia um dia identificado naqueles atores não era uma qualidade que foi desenvolvida como um traço daquele corpo: ela estava sendo feita no exato momento em que a percebíamos.

A Presença, então, não era algo que se tinha, mas algo que se fazia. Ainda restava uma dúvida: como eu poderia desenvolver a minha capacidade de estar e fazer Presença? Como estariam relacionados os aspectos físicos e subjetivos da Presença que eu iria fazer?

DAS VISÕES SOBRE A PRESENÇA

As narrativas demonstram que a concepção que prevalece sobre a Presença está associada, na verdade, à impressão, ao efeito que determinados artistas provocam em sua audiência. A Presença situa-se no campo da percepção e não da significação. Então, quando não conseguimos dominá-la pelo sentido, acabamos atribuindo a ela um caráter imaterial e um tom divinal.

Esse tipo de qualificação, de caráter imaterial e de tom divinal sobre a realização estética de um profissional das Artes da Cena, denota que pode haver uma característica cultural que define a percepção do público sobre a função dos atores, bailarinos e performers. Tal característica desqualifica o traço artesanal e de construção criativa inerente ao oficio dos profissionais da cena ao subentender que o exercício desses artistas independe de qualquer tipo de ensinamento e de transmissão de conhecimento.

Já existem, atualmente, pesquisas acadêmicas consistentes nas Ciências Humanas e nas Artes que se dedicam à discussão, à definição e ao aprofundamento de qualquer conceituação. Porém, o universo das Artes Cênicas parece estar ainda distante de uma definição satisfatória. Tal situação ocorre por

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causa dos equívocos interpretativos sobre terminologia que permanecem no discurso, inclusive nos espaços de formação profissional.

Uma cultura crítica e reflexiva acerca do ofício do ator só começou a ser instaurada no Brasil a partir da profissionalização do teatro na década de 1940. Dada a história breve de profissionalização do ofício, os cursos profissionalizantes são ainda muito jovens, em termos históricos. Com isso, esses equívocos acabam por predominar, não apenas nos discursos da população leiga e amadora, como também em ambientes profissionais, onde acabam por contribuir para a disseminação dessas interpretações infrutíferas para as discussões sobre o conceito de Presença.

A terminologia “Presença”, vista por essa óptica, tem a sua origem nas percepções de artistas amadores e do público leigo, pois, até o começo do século XX, a profissionalização do artista da cena ainda não estava instituída. É muito difícil estimar o momento exato em que esse conceito passou a ser utilizado para definir a qualidade de um artista cênico e torna-se ainda mais complexo buscar compreender as possíveis distinções em função das especificidades de outros idiomas (Presencia, Présence, Presence) e culturas.

Nos próximos capítulos, irei descrever com detalhes a concepção de Presença que admiti como referencial para este estudo, pautada pelas concepções de Hans Ulrich Gumbrech. Por ora, cabe apenas me concentrar neste aspecto particular que o conceito imprime: a ideia da Presença como uma qualidade intrínseca à identidade dos atores em oposição à ideia de exercício para a Produção de Presença que admito como princípio fundamental para esta pesquisa.

1.2 O florescer das jovens pesquisas sobre o ator e a Presença na Universidade

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Nos últimos anos, vem sendo possível perceber que o aspecto criador da função do ator tem tomado, entre os pensadores do Teatro, um destaque significativo. Com isso, as questões relacionadas à subjetividade do artista da cena começam a emergir. Acredito que essa situação se dê em decorrência do processo de descentralização do texto na criação da cena e da forte influência dos pesquisadores e encenadores teatrais europeus no século XX, que direcionaram boa parte de suas investigações na figura do intérprete.

Mestres como Stanislavski, Vsevolod Meyerhold, Jerzy Grotowski e Peter Brook dedicaram-se por anos pesquisando a arte do ator e seus aspectos subjetivos, Eles deixaram contribuições significativas para os atores e pesquisadores da atualidade. Mais adiante, falarei um pouco sobre algumas contribuições que esses artistas pensadores ofereceram, direta ou indiretamente, para a discussão sobre a questão da Presença.

O conceito de Presença representa, nos dias de hoje, um olhar sobre o ator influenciado por essa intensa abordagem que o ofício teve no século XX. Porém, não é exclusividade da linguagem teatral. Outras áreas do conhecimento produzem, há anos, material de relevância que contribuem significativamente com essa discussão. Há, atualmente, em Artes da Cena, uma grande produção de pesquisas interdisciplinares em andamento, que flertam com as áreas de Filosofia, de Psicologia e de Psicanálise, na busca por uma abordagem mais consistente sobre esse termo que, há muito tempo, pertence ao universo das Artes Cênicas, mas cujo uso permaneceu, de modo informal, nos espaços de formação para artistas da cena e na concepção popular sobre as Artes da Cena de um modo geral.

No VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, realizado em novembro de 2014, na escola de Belas Artes da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais, sobre o tema “Arte, corpo e pesquisa na cena: experiência expandida”, o conceito perpassou muitos dos artigos aprovados. Embora a temática do Congresso inspirasse essas reflexões, a multiplicidade de trabalhos que se debruçaram sobre o conceito

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sugeriu uma tendência à pesquisa sobre aspectos expressivos nas pesquisas em Artes da Cena no Brasil.

Em 2011, o Instituto de artes da UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul lança a primeira edição da Revista Brasileira de Estudos da Presença. Segundo o escopo da revista,

(...) a ideia de Presença funciona para a linha editorial como um catalisador por intermédio do qual confluem perspectivas de pesquisa e análise que tenham como ênfase os processos criativos. Em, especial do teatro e na dança (...).

Embora a Presença tenha, para a revista, um aspecto amplo, o seu título demonstra a relevância e a ressonância que esse conceito tem exercido no universo das Artes Cênicas.

Em fevereiro de 2016, ocorre o V Simpósio Internacional Reflexões Cênicas Contemporâneas, realizado pelo Lume Teatro e pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena (PPGADC) do Instituto de Artes da Unicamp. O tema do simpósio é Atuação e Presença. Essa é mais uma referência do quanto a questão da Presença está fortemente inserida no contexto de pesquisa em Artes da Cena.

Entre os atuais pesquisadores, pensadores e profissionais da área, a discussão sobre o tema da Presença vem se expandindo e se intensificando no teatro ocidental, com o desenvolvimento de pesquisas sobre Grotowski, sobre as inquietações de Artaud e sobre a ideia de pré-expressividade trazida por Eugenio Barba, chegando a um diálogo frequente com correntes filosóficas, entre elas, as contribuições de Deleuze, Guattari, José Gil, entre outros.

Embora Presença possa inicialmente sugerir um conceito traduzindo uma qualidade estática, pertencente ao indivíduo, hoje já é pensado por um aspecto mais amplo e com as características relacionais com as quais este estudo identifica-se.

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Para mim, parece imprescindível a busca por caminhos interdisciplinares que possam auxiliar e contribuir também para a evolução da discussão no âmbito teórico e proporcionar também, às outras áreas, a ampliação das possibilidades de investigação prática sobre esse conceito, dada a natureza prática do evento teatral.

Para a pesquisa prática sobre a produção de Presença, optei como referencial alguns aspectos relacionados à prática de Educação Somática da Eutonia e da técnica de Associação-Livre da Psicanálise Freudiana.

FLUXO DE MEMÓRIAS

Em 2013, quando ingresso no curso de Pós-Graduação em Artes da Cena, começo a perceber, ao cursar as disciplinas, que grande parte das pesquisas dos meus colegas de Pós-Graduação também aborda aspectos relacionados ao ofício do ator. Assim como a mim, intrigava, a muitos deles, questões que não eram diretamente relacionadas a aspectos técnicos do artista da cena, mas aos traços de sua expressividade, dos aspectos subjetivos dessa expressividade, independente da linguagem pré-estabelecida ou das necessidades técnicas de cada linguagem.

A Potência do artista, à parte de seus referenciais técnicos, inquietava não apenas aos pesquisadores de Teatro, mas também àqueles que realizavam pesquisas em Dança e Performance. Esse terreno da percepção, tão difícil de abarcar pela lógica da razão, parece provocar angústias nos artistas.

Lembro de uma colega que já cursava o Doutorado e que tinha como objeto de estudo um termo, o “Duende”, aplicado aos bailarinos da Dança Flamenca.. Meu contato com essa dança em específico restringiu-se a observar o vai e vem das saias pelos corredores da escola de dança onde eu estudava balé clássico, na adolescência. Não conheço absolutamente nada sobre as suas regras, suas características, os princípios culturais, jamais tinha ouvido a definição do que seria o “Duende” para a Dança Flamenca, mas, pela descrição da pesquisadora, em pouco tempo, durante uma apresentação da pesquisa em aula,

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constatei que a ideia do “Duende”, para o bailarino de Flamenco, aproximava-se muito da ideia de Presença para o ator. A palavra “Duende” tinha um bonito traço sobre essa qualidade tão difícil de descrever que tem a Presença, esse aparente mistério. Também para os praticantes de Flamenco, alguns bailarinos “possuem o Duende” e outros não. Ela, assim como eu, buscava maneiras de “ativar o Duende”.

Outra colega de Mestrado, pesquisadora de Dança Contemporânea, investigava o que acontecia internamente com o bailarino para que a execução da coreografia tivesse uma vida que fosse além da desenvoltura técnica. Como o bailarino faria para que o seu dançar fosse vivo e causasse impacto na platéia era uma inquietação que se aproximava muito do mistério do “Duende” no Flamenco e da Presença para o ator.

Não eram apenas os colegas alunos-pesquisadores que demonstravam interesse por aspectos semelhantes aos da Presença para mim. Também os professores-pesquisadores pareciam estar conectados a essa questão. Fizeram parte do repertório conceitual abordado nas aulas termos como “Presença”, “Cultivo de Si”, “Técnicas de Si”, “Experiência”, “Afeto”, “Potência” e “Estado Criativo”. Os conceitos dialogavam com outras áreas do conhecimento aproximadas ao ofício do ator e pertenciam, assim como a Presença, ao campo da Percepção.

Realizando uma pesquisa breve pela Biblioteca Digital da Unicamp, descubro, ainda, que entre os anos de 2013 e 2015, cerca da metade das pesquisas de Mestrado e Doutorado em Artes da Cena, direcionadas para a linguagem do Teatro, possuem como centro de suas investigações algum tipo de procedimento ou abordagem relacionado ao desenvolvimento expressivo do ator.

1.3 O que é Presença pra você? – Como a Presença é vista fora do contexto da Universidade.

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À medida que a pesquisa avançava, comecei a me questionar qual seria a relevância do conceito de Presença para as Artes da Cena. Também não sabia ao certo como os artistas que não estavam inseridos no ambiente acadêmico lidavam com essa questão, nem se algum deles poderia me sugerir um olhar sobre a Presença que elucidasse as minhas inquietações.

Nos dois anos e meio em que estive me dedicando oficialmente a esta pesquisa, relacionei-me com muitas pessoas que possuem alguma relação com o teatro em diferentes níveis: minhas colegas atrizes profissionais do grupo Estação Teatro, ex-alunas do curso de graduação em Artes Cênicas da Unicamp; os meus colegas pesquisadores discentes da Pós-Graduação em Artes da Cena da Unicamp; meus alunos da 4 ACT Performing Arts, escola de formação de atores; meus alunos adolescentes do Projeto social “Teatrando para Incluir e Conscientizar”; as profissionais de Eutonia que me auxiliaram em parte da pesquisa; e meu marido, também ator, com quem discuto Teatro há 11 anos.

Há oito anos, acompanho e tento contribuir com o meu olhar para o desenvolvimento do fazer artístico de atrizes e atores profissionais e futuros profissionais. Venho me dedicando especificamente às questões da expressividade corporal, e o tema da Presença sempre emerge nas discussões em sala de aula. Para meus alunos, parece urgente compreender as questões da Presença sobre uma óptica que não seja a da identidade e de produzir um discurso comum sobre o conceito.

Resolvi perguntar a alguns dos meus parceiros na rotina teatral: "O que é Presença pra você?". Minha intenção era vislumbrar novas possibilidades que pudessem esclarecer o mistério que envolve a questão da Presença e compreender, em seus discursos, se havia procedimentos que os auxiliassem em suas práticas.

As perguntas foram realizadas de modo informal, sem qualquer explicação ou contextualização sobre o tema e a pesquisa.

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"Pra mim, ‘Presença’ significa você estar ali e fazer, marcando seu lugar, fazendo o que tem para fazer ali, na hora e no lugar. É você estar Presente!" – Gabriella Victoria Alves de Almeida, 15 anos, aluna-atriz do Projeto Social Teatrando Para Incluir e Conscientizar.

"Quando alguém fala a palavra ‘Presença’ eu penso em algo marcante, algo que impacta, alguma coisa que marca." – Jeisa Winchester, 16 anos, aluna-atriz do Projeto Social Teatrando Para Incluir e Conscientizar.

"Presença, pra mim, é estar, não só de corpo, mas de corpo e alma. Estar ali, presente. Para o que eu fui convocado, para fazer alguma coisa." – Roger Rodrigues de Moura Silva, 19 anos, aluno-ator do Projeto Social Teatrando Para Incluir e Conscientizar.

"A primeira coisa que me vem é existência. Presença, pra mim, está diretamente ligado a existência, a existir. Pensando no teatro, quando a gente fala de presença cênica, um ator tem essa tal presença cênica quando você consegue enxergar que ali existe um personagem, que tá vivo, que tá presente. " – Paula Zanetti, 32 anos, atriz profissional do Grupo Estação Teatro.

"A primeira coisa que vem é a palavra ‘estar’, mas não necessariamente estar somente de corpo. Eu acho que em uma situação da vida, ou mesmo em cena, a gente pode estar presente fisicamente, mas passar despercebido, não ser notado. Acho que o estar da presença é um estar completo. É um estar físico, mas é um estar energético, é um estar de alma, é um estar por completo. Acho inclusive que tem um paralelo da vida e da cena que a gente pode fazer que não é nem muito necessário que a gente separe. Existem pessoas, por exemplo, no teatro, que tem técnicas muito boas, mas não tem muita presença, e tem gente que de repente nem tem muito estudo, mas aquela pessoa salta em cena. Então, eu acho que a presença tem muito a ver com energia, com a conexão que você

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faz com o outro e o grau de troca que você consegue estabelecer. Então, eu acho que a Presença está muito ligada a conexão, à troca, à energia, muito mais do que a simplesmente algo físico ou estar ali presente." – Luiza Lio, 29 anos, atriz do Grupo Estação Teatro.

"Sabe quando uma pessoa entra em uma sala e todos os olhares se voltam pra ela? É isso que eu penso quando penso em Presença. Tanto em cena, quanto na vida. Pra mim, pelo menos, Presença está extremamente interessante de se ver, uma coisa que chame a sua atenção o dia inteiro. E é por isso que pra mim está ligado a foco, a energia, a tônus." – Mariana Rosinski, 32 anos, atriz do Grupo Estação Teatro.

"Vem o aqui e o agora, estar em contato com o seu próprio corpo, estar atento às sensações que chegam através do corpo e também às que vêm de dentro do corpo, as sensações internas, e nessa interação entre o seu corpo e o ambiente. Estar em contato com o ambiente e consigo mesmo. Me vem aqui e agora, me vem inteireza, me vem plenitude, me vem integração, são essas palavras que me vêm. Dentro-Fora. Estar percebendo mesmo tudo o que se dá no mundo, no ambiente, nessas informações que chegam através do corpo, das sensações, dos órgãos de sentido, de onde sentimos e estar interagindo com o mundo a partir da percepção dessas sensações." – Luciana Gomes Pinto, 45 anos, professora de Eutonia.

"Uma das primeiras coisas que me vem a mente quando penso na palavra ‘presença’ é o estar no corpo todo, não só no corpo todo como no espaço. Quando você está no seu corpo, você naturalmente já está no espaço também, já está no espaço e já está fazendo contato com o externo. Então, quando eu penso em Presença, penso em um grau de atenção dentro-fora, sabe? Sinto que a Presença tem esse lugar, de dentro e de fora.

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Pra mim ela tá ligada também a um lugar de não projeções, sabe? É um estar, ser. É quando eu consigo ficar tranquila, sem projeção de futuro, sem preocupações de passado. Acho que tem bastante a ver com esse lugar de estar tranquilo em si e no mundo.

Acho que estar presente em si permite um grau de conexão, permite que a gente expanda a nossa energia de dentro pra fora. Permite o estabelecimento de contato tanto com o espaço e com as pessoas." – Tatiana Burg, 30 anos, artista plástica e professora de Eutonia.

"A primeira coisa que vem à minha cabeça com Presença é energia. No meu Mestrado, eu cheguei à conclusão que a energia é a junção de três fatores corporais que formam a Presença. Que é o tônus muscular, a capacidade do ator transformar o corpo em metáfora e também o equilíbrio. Então esses três fatores juntos formam a Presença, ou a energia." – Igor Amanajás, 28 anos, ator e pesquisador.

"Presença pra mim tem a ver muito com o ato de fazer, com a implicação com o aqui e o agora. Esse trabalho que estou fazendo com um grupo franco-brasileiro, o diretor tem um trabalho muito legal sobre presença. E uma coisa que ele fala é um estado, um estado "outro", que não é cotidiano, é uma atenção aberta, desperta para o aqui e agora, para o acontecimento teatral, para o evento cênico. Ele dá um exemplo muito legal que isso tem a ver com se desligar um pouco da sua vida prática e se conectar com a sua vida em cena. Um exemplo que ele dá é que uma vez que ele recebeu uma ligação antes de entrar em cena que uma parede da casa dele tava caindo, e isso teve que ser suspenso, como se sua vida pessoal estivesse suspensa para que toda sua energia estivesse focada, concentrada com aquele momento ali em cena, com uma energia outra, com uma energia potente, deixar a latência, uma escuta aberta para que tudo que é latente possa se manifestar a qualquer momento com precisão e com a energia justa necessária" – Daniel Leuback, 32 anos, ator e pesquisador.

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A primeira impressão que tenho é a de que, independente do nível de conhecimento em relação ao teatro em que se encontram os entrevistados, as descrições sobre Presença permanecem imprecisas e etéreas. Surgem poucas sugestões de encaminhamentos práticos para conquistá-la; os discursos estão quase sempre relacionados a uma percepção sensorial sobre o ator.

Percebo que se destacam nos discursos duas ópticas: a óptica sobre si e a óptica advinda do outro; em praticamente todas as falas, os dois olhares são abordados. Os termos que se referem à óptica de si são termos como: “estar”, “fazer”, “estar de alma”, “existir”, “estar vivo”, “estar completo”, “estar energético”, “atento às sensações”, “inteireza”, “plenitude”. Já os termos definidos a partir da óptica do outro são: “marcante”, “impactante”, “ser percebido”, “ser notado”.

Somente no discurso das profissionais de Eutonia, únicas entrevistadas que não possuem uma relação direta com as Artes da Cena, a óptica do outro não aparece, surgindo apenas uma óptica estabelecida por uma percepção do "entre" si e o outro, resultando em termos como: “interação corpo-ambiente” e “integração dentro-fora”. Exclusivamente no discurso da atriz profissional Luiza Lio apareceu termos semelhantes, como os de “conexão” e “troca”.

Ao que me parece, existe uma visão comum entre a maioria dos praticantes das Artes da Cena: a de que a Presença seja uma qualidade desenvolvida e apreendida por um sujeito para que seja recebida, em termos de percepção, pelo público. Ou seja, percebe-se a Presença de forma segmentada, individualizada e não-relacional. Como se a Presença fosse um exercício individual, um trabalho exercido apenas na relação do ator com sua própria materialidade para que, em segunda instância, seja recebida pelo espectador.

A esta altura, recordo da constatação que fiz ao final de meu período de Graduação: a de que a Presença não seria algo a se conquistar, mas algo que se fazia, e que aqueles atores que descrevíamos como dotados de Presença, estavam, na verdade, fazendo ali, perante os nossos olhos, a Presença. Isto é, a

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Presença não parecia ser uma característica adquirida, mas uma prática constante em relação ao tempo.

Acredito que a descrição dos artistas da cena abarca muito mais as impressões e os efeitos que a Presença gera no observador do que, de fato, a ação da Presença. Isto é, a forma como o ator relaciona-se com os elementos e as pessoas presentes no acontecimento para que seja gerada a sensação impactante de Presença na plateia.

Entre as profissionais da Educação Somática, parece haver uma preocupação com a Presença, construída a partir da interação entre o indivíduo e o meio. A Eutonia considera a Presença a partir da relação entre a pessoa e o meio e não como um trabalho feito apenas na pessoa fora do contexto relacional. No entanto, o foco da Eutonia é a saúde, diferentemente do teatro, em que o foco é a cena.

Se realizarmos uma transposição dos discursos das profissionais de Eutonia para o Teatro, onde o meio é definido pelos elementos que compreendem a cena e o público, é possível aproximar-se da concepção de Presença que pretende abarcar esta pesquisa, englobando também a ideia de uma Presença produzida a partir da interação entre o sujeito e o meio.

Um pouco mais adiante, vamos discutir sobre a concepção de Presença que admite esta pesquisa e sugerir alguns caminhos para encaminhar um tipo de interação entre o sujeito e o meio que viabilize o acontecimento da Presença e a consequente sensação da Presença por parte dos espectadores.

A Presença parece ainda estar distante de uma explicação clara tanto para artistas quanto para espectadores, mas para ambos ela remete a uma sensação de conexão.

Temporariamente, definimos a Presença do ator a partir de duas ópticas:

a)a óptica do ator: como a conexão entre a subjetividade, o pensamento e a ação a partir da ação em interação com o meio;

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b)a óptica do espectador: a percepção de uma carga energética intensa em um corpo.

1.4 O percurso da Presença - o que existe no entorno do conceito

Embora a Presença possua em si uma realidade concreta, sua constatação se dá pela percepção do corpo, dos sentidos. Tanto no ator em situação de Presença, quanto no espectador que detecta a Presença, a identificação se dá muito mais por aspectos sensoriais do que por aspectos intelectuais.

Quando artistas descrevem a Presença, suas descrições perpassam qualidades corpóreas e sensoriais como a energia, o tônus, as sensações de inteireza e as relações do corpo com a alma, a mente e o espírito.

Existem muitas práticas corporais aplicadas, hoje, no território da cena que visam a uma relação com a expressividade integrando a realidade corporal, a espiritual, os processos mentais e as atividades psíquicas. A questão da Presença, do ponto de vista dessa totalidade, é muito praticada nos ambientes de formação e de criação, mas ainda acredito que o discurso propagado continua frágil.

Parece ser cada vez mais necessário, no território dos trabalhos corporais realizados nas Artes da Cena, um aprofundamento do discurso que é transmitido aos alunos e aos atores em processo de criação. Não é necessário realizar somente uma compreensão mais consistente e profunda sobre a Presença, mas também se produzir e propagar um discurso mais sólido que facilite a condução dos próprios processos por parte dos atores. Um bom discurso e um bom material conceitual auxiliam na compreensão prática, assim como a experiência prática auxilia na formação conceitual.

Esta tem sido uma questão importante para mim no último ano da pesquisa: o diálogo entre o conceito e a prática na Presença e a necessidade de se debater muito sobre as experiências de investigação sobre o corpo, a fim de se

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encontrar um discurso comum nos coletivos de alunos ou de atores em processo de criação.

Por vezes, apliquei aulas que, em minha compreensão, poderiam ter muita potência, mas que se tornaram improdutivas pela falta de compreensão dos meus alunos. Quando lidamos com um coletivo, lidamos com diferentes histórias, diferentes relações com o corpo, diferentes momentos na existência de cada um. Com isso, a prática isolada e descontextualizada, mesmo sendo uma boa prática, acaba sendo pouco aproveitada ou aproveitada em aspectos igualmente isolados.

Da mesma forma que é difícil conceituar a Presença e as práticas para a produção de Presença, é também difícil descrever as evoluções nos processos de cada ator em sua relação com a Presença e em relação a sua própria produção de Presença. No entanto, é notável, para aqueles que os acompanham, uma evolução não apenas em seu entendimento, como também em suas práticas. Acredito que exista uma relação direta entre compreensão e realização. Não necessariamente nessa ordem, é possível debater e, a partir do debate, realizar a prática, assim como é possível praticar e, a partir dela, realizar o debate. Mas cada vez torna-se mais claro para mim e para meus alunos e as atrizes com quem trabalho a necessidade de se fortalecerem o discurso, a argumentação e os conceitos.

Com isso, gostaria de realizar, nos próximos itens, um debate sobre o conceito, contextualizando alguns aspectos históricos e geográficos, tanto na área das Artes Cênicas propriamente dita, como na questão cultural que fomentou o debate sobre a Presença em diversas áreas.

1.4.1 A Presença pelo Código e a Presença pela Expressão: Diferenças geográficas

Como já dito anteriormente, a pesquisa sobre a Presença, nesses dois anos e meio de Mestrado, passou por diversas fases e provocou em mim uma série de questionamentos e constatações. Em determinado momento, comecei a

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