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5. A POLÍTICA PÚBLICA DE REGULAÇÃO DE CONTEÚDO

5.2 O CONSELHO SUPERIOR DO AUDIOVISUAL

5.2.2 A ação do CSA em casos de violações de direitos humanos:

O Departamento de Programas pode agir de ofício ou mediante provocação ou queixa dos telespectadores feita via correio, email ou telefone. A página do órgão regulador na internet traz ainda um formulário para o recebimento de reclamações da população.55 Todas as

queixas são analisadas, sendo necessário apenas a identificação da emissora e o dia e horário aproximado da exibição do conteúdo. O CSA dispõe de um software, desenvolvido em conjunto com o Instituto Nacional do Audiovisual (INA), que permite acessar todo o conteúdo veiculado pelas emissoras nacionais nos últimos três meses. Se a queixa trata de um conteúdo difundido por uma emissora local, é feita a solicitação do registro do programa ao canal.

Cada queixa gera um procedimento de instrução da possível infração, a ser conduzido pelo departamento responsável por aquele tipo de conteúdo. Os técnicos do Conselho, de formação em sua maioria jurídica, analisam em primeiro lugar o gênero do programa em questão. A gravidade da infração difere, por exemplo, se o programa é informativo, humorístico, se foi gravado ou veiculado ao vivo. Havendo necessidade de mais informações, a emissora responsável pelo conteúdo pode ser ouvida (presencialmente ou não), para explicar as condições da veiculação de determinada cena. O canal tem de uma semana a um mês para apresentar suas explicações. O caso então, trazendo uma proposição de intervenção com base na cena específica e no histórico da emissora, é apresentado ao grupo de trabalho sobre deontologia, que pode validar ou não a decisão do técnico. Se for constatada uma violação

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grave, passível de sanção, o dossiê é enviado ao Colégio do CSA, que se reúne semanalmente. A partir daí, o Conselho tem até dois meses, prorrogáveis por mais dois, para se pronunciar. Neste caso, necessariamente as emissoras são ouvidas.

A partir do momento que um procedimento de instrução é aberto, o CSA pode se pronunciar de diferentes maneiras, proporcionais à gravidade da infração, conforme o quadro abaixo.

Quadro 1: Respostas do CSA a infrações de conteúdo

Prática administrativa

Modo de intervenção Infração constatada Objetivo

Carta simples Falta leve Natureza informativa

Carta firme Falta média Sua reiteração pode levar a

uma notificação formal do CSA

Carta de advertência (mise en garde)

Falta grave

Prática legal (prevista em lei) Decisão de notificação

(mise en demeure)

Violação às obrigações dos editores

Função de alerta e pedagógica Abertura de um

procedimento de sanção

Reincidência de uma violação de mesma natureza daquela já objeto de uma notificação anterior. Nenhum procedimento de sanção é aberto antes de uma notificação prévia (mesmo que a violação seja grave)

Garantia do direito de defesa. O impacto na imagem da emissora também funciona como uma forma de sanção

Punição e publicação da sanção

Violação de mesma natureza daquela já objeto de uma notificação anterior

Punir uma emissora reincidente

Fonte: CSA (2013) - tradução livre do original em francês.

Geralmente, se a infração não é grave a ponto de requerer uma advertência ou notificação, há um processo gradativo de ação do CSA junto a cada emissora, começando pela carta simples. Com base em mecanismos de soft law, o CSA criou as etapas anteriores à decisão de notificação como forma de construir uma gradação na responsabilização dos canais.

Segundo a Unesco, o regulador deve considerar um amplo conjunto de fatores para decidir qual a melhor resposta da autoridade à violação de uma regra de conteúdo pelas emissoras: A violação foi intencional ou acidental? Qual o real dano causado? A emissora teve

algum ganho financeiro com a violação? Quais medidas a emissora adotou para solucionar o problema? Por quanto tempo a violação ocorreu? Os telespectadores/ouvintes reclamaram? Quantas vezes a emissora cometeu a mesma violação, ou violações semelhantes? Qual será o impacto financeiro de uma sanção sobre a emissora? (MENDEL; SALOMON, 2011).

Em função da garantia da liberdade de expressão, o poder do CSA de responsabilizar um operador de audiovisual é admitido pela lei apenas dentro do limite necessário ao cumprimento de sua missão. A legislação também determina que a sanção deve ser motivada e proporcional à violação cometida, e todas são tornadas públicas no diário oficial francês. A gama de sanções varia de uma multa a ser paga pela emissora até a suspensão unilateral da outorga, passando pela determinação da difusão, ao longo da programação do canal, de um comunicado do CSA, pela suspensão de publicidade ou de uma parte do programa por até um mês e pela redução da duração da outorga. A decisão é comunicada à emissora e aos denunciantes. Delas, cabe recurso ao Conselho de Estado por parte dos canais. As multas podem chegar a 3% da renda de uma operadora, indo a 5% em casos de reincidência. Em 1992, o CSA chegou a multar a TF1, principal emissora privada francesa, em cerca de 4,5 milhões de euros por não respeitar as cotas de conteúdo nacional previstas às emissoras (AUTIN, 2005). O CSA também pode provocar o Procurador da República em casos de infrações que sejam passíveis de processo penal.

Este, no entanto, não é o padrão de comportamento do órgão. Como apontam alguns autores, em função da complexidade dos assuntos e da diversidade de atores envolvidos, pode haver alguma discrepância entre as competências legais e a prática cotidiana do CSA, que pode "ser caracterizada por um estilo regulatório que prioriza a sensibilização dos atores em vez de restrições e sanções ou até proibições" (FRAU-MEIGS; JEHEL, 2013, p.47).

Ele raramente aplica penalidades sobre o conteúdo da mídia, e é relutante em iniciar procedimentos formais de notificação. Ele pode formular "recomendações" ou produzir deliberações que esclarecem suas expectativas acerca do respeito de certos princípios. [...] Mas, na maior parte do tempo, o CSA tende a cessar sua ação exatamente antes da fase de sanção, enviando e- mails de "aviso" para os canais. [...] Esta estratégia "soft hand" não é por si só questionável ou passível de críticas, já que é importante que os operadores compreendam as solicitações que lhes são feitas e como o CSA as interpreta. Mas o resultado final parece ser que a indulgência do CSA, visível pelo pequeno número de procedimentos formais, pode não ser propícia a modificações no

comportamento dos radiodifusores (como verificado no caso dos reality shows).56 (FRAU-MEIGS; JEHEL, 2013, p.49)

Em 2010, 110 casos relacionados à deontologia de conteúdos foram tratados pelo CSA.57 Em dois terços deles, o órgão considerou que não havia violação. Em 30, as emissoras

receberam cartas simples, firmes ou de advertência. Oito geraram notificação formal e três foram punidas. Em 2011, houve 112 casos tratados, dos quais 50% geraram uma intervenção do órgão. Sete casos geraram notificação formal e nenhuma emissora foi punida neste ano. Segundo um dos diretores do Ministério da Cultura e da Comunicação da França,

"É muito raro que haja uma sanção do CSA sobre um canal, porque o simples fato de receber uma advertência ou uma notificação faz com que os meios modifiquem sua conduta. A intervenção a posteriori, em vez de fixar linhas de conduta, também permite às emissoras saber até onde podem ir. É uma abordagem bastante pedagógica".58

Pode-se assim constatar que a política francesa de regulação de conteúdo está baseada em três ideias centrais: evolução incremental, que envolve transformações progressivas inclusive no âmbito legislativo, de acordo com a própria evolução social dos temas tratados; concertação e equilíbrio, em função do diálogo permanente do órgão regulador com os entes regulados; e gradação na ação, refletida por uma prática de persuasão, mais do que de ação autoritária unilateral por parte do CSA (AUTIN, 2005).

A prática do diálogo permanente se dá, no entanto, apenas com os entes regulados, e não com a sociedade em geral. Apesar da realização de consultas e audiências públicas e do tratamento sistemático das denúncias da população francesa, o CSA não possui um espaço formal de participação popular. Se os cidadãos discordam, por exemplo, de uma decisão do órgão, não há um mecanismo de apelação – somente se a pessoa está diretamente envolvida no caso.

Por outro lado, a política de transparência da autoridade reguladora é bastante ampla. Por lei, ela é obrigada a apresentar um relatório anual ao Presidente da República, ao Primeiro Ministro e ao Parlamento, que pode trazer recomendações em termos de modificações legais ou de natureza regulatória. Num esforço de melhorar seus instrumentos de trabalho, o CSA

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Tradução livre do original em inglês.

57 Não há uma contabilização discriminada por tipo de violação da deontologia, o que significa que, do total de

casos tratados, não é possível determinar quantos se referem a violações de direitos humanos.

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mantém um diálogo constante com o Executivo e o Legislativo em torno da proposição e melhoria de leis que orientam a política de regulação. Anualmente, também são publicados balanços de todas as emissoras públicas e privadas. Há no CSA funcionários designados para o acompanhamento individual de cada canal e os balanços trazem a análise dos programas veiculados diante das obrigações previstas.

Pesquisas temáticas e relatórios por departamentos também estão disponíveis, assim como a informação de cada intervenção feita nas emissoras de rádio e TV. Mesmo que o órgão não faça alarde sobre elas, "para não atingir muito os operadores" (FRAU-MEIGS; JEHEL, 2013, p.16), elas estão registradas no boletim mensal do órgão. Uma seção com materiais didáticos explica para a população seus direitos enquanto telespectadores e os deveres das emissoras e a página do órgão na internet é atualizada cotidianamente com notícias do setor e da ação do CSA. O órgão também realiza campanhas de esclarecimento sobre sua ação junto ao grande público. Assim, o CSA, após as dificuldades enfrentadas para a implantação de uma autoridade de tal natureza no setor audiovisual, "conseguiu pouco a pouco se impor não como um órgão sem falhas e irrepreensível, mas como uma instituição respeitável cuja influência é crescente"59 (AUTIN, 2005, p.92). Na avaliação de um diretor do Ministério da Cultura e da

Comunicação da França, em depoimento à autora,

"Ao longo dos anos, o CSA soube se fazer respeitar e hoje o resultado é positivo. No campo da projeção do público jovem e da dignidade humana, acredito que obtivemos um consenso político significativamente forte em torno da sua atuação. É uma política pública que funciona".60