• Nenhum resultado encontrado

6. A POLÍTICA PÚBLICA EM PRÁTICA: ANÁLISE DE CASOS DE VIOLAÇÃO

6.1 PRECONCEITO E OFENSA CONTRA GRUPOS MINORITÁRIOS

6.1.3 Ofcom

Entre os dias 15 e 19 de janeiro de 2007, o Channel Four, canal público inglês, veiculou, na quinta edição do programa Celebrity Big Brother, uma série de conteúdos que, na avaliação do Ofcom, violaram as normas previstas no Código de Radiodifusão. O órgão recebeu mais de 44.500 reclamações depois que alguns participantes do reality show entraram em conflito e a indiana Shilpa Shetty passou a ser vítima de bullying racista. O caso ganhou a imprensa e teve repercussão política nacional e internacional, no país de origem da participante.

Questionado pelo regulador, o canal respondeu que aceitava o fato de muitos telespectadores terem se sentido ofendidos, mas que acreditava que a "liberdade de expressão dizia respeito ao direito de transmitir conteúdos e ao direito do público de os assistirem" (OFCOM, 2007, p.12). Na opinião da emissora, os assuntos levantados eram complexos e seria necessário "considerar as motivações e o contexto de cada incidente antes de tirar conclusões definitivas". O Channel Four afirmou que o Código havia sido respeitado em todos os momentos e que o debate sobre racismo provocado involuntariamente junto à população era de extrema valia.

Em sua decisão, um documento de setenta páginas, o Ofcom explicou que a expectativa dos telespectadores em relação aos reality shows é a de que qualquer problema sério ou comportamento antissocial contra qualquer participante será administrado pela emissora. O órgão acredita que, mesmo respeitando o formato deste tipo de programa, os

102

canais podem interferir num comportamento inapropriado, agindo como árbitro em situações que o público pode considerar ofensivas.

O Ofcom analisou todas as queixas da população, apresentando sua análise para cada episódio. Uma cena, por exemplo, em que Shilpa Shetty foi chamada de "cadela", apesar considerada ofensiva, não foi compreendida como tendo motivação racista; idem para quando foi chamada de "indiana" por uma participante que não conseguia pronunciar seu nome.

Já a cena em que alguns moradores da casa fazem piada dizendo que as pessoas na Índia são magras e doentes porque cozinham mal os alimentos e comem com as mãos foi considerada pelo órgão regulador como motivada por preconceito racial. O mesmo quando a participante Danielle Lloyd, depois de discutir com Shilpa, disse: "vá se f... em casa". Somado ao fato de Danielle já ter afirmado que Shilpa mal podia falar inglês, a postura da participante poderia ser vista pelos telespectadores como racista. Danielle foi chamada pela produção do programa para explicar o que tinha querido dizer com aquilo. Mas, para o Ofcom, faltou à emissora confrontar a participante e explicitar que qualquer comportamento ou linguajar racista não seria tolerado na "casa". Esta seria a expectativa dos telespectadores, acostumados a ver um comportamento antissocial na "casa" receber a intervenção da produção de diferentes formas.

Para estabelecer o tipo de sanção, o Ofcom considerou o fato de o Channel Four ter agido prontamente ao tomar ciência da complexidade da situação que acontecia na "casa" e ter revisado completamente sua política de adequação dos programas ao Código de Radiodifusão, implementando novos procedimentos e diretrizes. Entre elas, o detalhamento das normas de comportamento para os participantes, incluindo regras anti-bullying, e possíveis punições para os mesmos. A violação também não foi considerada deliberada e imprudente, tampouco as ações da emissora, negligentes – e, sim, um erro de julgamento de como lidar com a veiculação de um material potencialmente ofensivo aos telespectadores. O órgão decidiu então que o Channel Four deveria transmitir um comunicado do Ofcom sobre o caso em três momentos diferentes de sua programação. Em depoimento, seu advogado afirmou que

"Na época, não podíamos prever este tipo de reação do público. Tivemos outras críticas depois, mas nada chegou perto disso. Aprendemos com este momento. Hoje, talvez veiculássemos o mesmo conteúdo, mas certamente reagiríamos ao problema de outra forma, mais rápido e tomando outros tipos de precaução."103

103

Em dezembro de 2010, o mesmo Channel Four teve outra decisão contrária à sua programação por parte do Ofcom. O seriado humorístico Tramadol Nights, estrelado pelo controverso comediante de stand-up Frankie Boyle, foi considerado ofensivo e discriminatório contra pessoas com deficiência. Em um dos episódios, Boyle teceu diversos comentários sobre a ex-modelo e celebridade de reality shows Katie Price e seu filho de 8 anos Harvey, que possui deficiência mental e dificuldades de aprendizado. Uma das "piadas" dizia que os pais de Harvey estariam brigando pela custódia do menino, e que um deles perderia, tendo que ficar com a criança. Outra dizia que a mãe, depois do divórcio com o pai de Harvey, tinha se casado com um lutador porque precisava de alguém forte o suficiente para "impedir Harvey de continuar f... com ela".

O Ofcom recebeu reclamações da família, que considerou os comentários discriminatórios, ofensivos e humilhantes, e de outros 500 telespectadores, incluindo de organizações da sociedade civil que trabalham com crianças com deficiência. O Channel Four considerou que o programa refletia o estilo "misantrópico de humor" de Frankie Boyle, "expansivamente escabroso sobre o mundo em geral", e que o comediante não pretendia estigmatizar nenhuma comunidade, pois tudo "faria parte do jogo" aos seus olhos. A emissora lembrou que a audiência havia sido avisada no início do programa sobre seu potencial ofensivo, que o conteúdo havia sido veiculado após as 22h, e que a interpretação do humor é "inevitavelmente um exercício subjetivo, que levará sempre a diferentes opiniões"104

(OFCOM, 2011, p.6). O canal disse que a imagem da criança já havia sido significativamente exposta na mídia por sua mãe; que oito meses antes do programa seu padrasto havia feito piadas com o menino, chamando-o de "Incrível Hulk"; que a crítica seria contra a postura da mãe de sexualizar a imagem de seus filhos; e não considerou que o comediante havia zombado da deficiência de Harvey, mas apenas feito uma "sátira absurda" da exploração "cínica" de seu processo de custódia pela mídia. Desta forma, o esquete estaria justificado pelo contexto.

Para o regulador, o fato de Harvey já ter sido exposto por sua mãe nos meios de comunicação não dava aos radiodifusores autorização ilimitada para fazer humor às suas custas – sobretudo com uma criança de apenas 8 anos e com uma série de deficiências, alvo do humorista. O Ofcom lembrou que a pesquisa de 2010 do órgão sobre linguagem ofensiva, que inclui tratamento discriminatório, considerou como ofensivo o tratamento preconceituoso de pessoas com deficiência. No entanto, em função do cuidado do Channel Four na transmissão do conjunto da série, o regulador concluiu que a emissora estava ciente de suas

104

obrigações e que não repetiria o erro. Desta forma, a infração constatada foi informada no boletim número 179 do Ofcom, mas o Channel Four não recebeu nenhuma sanção.