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4 MODO PÁRIA DE AGIR

4.1 A ação pária

4.1.4 A ação pária: poder e revolução

O agir pária é um modo de estar no mundo. Assim, essa presença no mundo assume a condição plural desse espaço de convivência comum. Nesta direção, o agir pária não reduz o outro a sua verdade, nem imputa ao outro seu posicionamento. O agir pária visa uma igualdade no falar e no agir no contexto da vida pública. Desse modo, ―A ação não incide sobre quaisquer objetos, pois se dá sempre em um espaço-entre as pessoas, capaz de relacioná-las e mantê-las juntas.‖ (CORREIA, 2014b, p. XXXV).

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Portanto, agir e estar em relação com os outros são para Arendt o cerne da questão política. Neste contexto, toda ação é sempre a figuração de uma teia de relações. O fato de o mundo ser habitado não pelo homem, mas por homens e mulheres, implica essa condição plural do viver em comum.

É, portanto, neste contexto de relações plurais e de convívio comum que podemos tratar do tema do poder. A ação pária é própria para a constituição do poder, uma vez que esse modo de agir implica a exigência da presença do outro. Imputa o agir do outro. O espaço de aparência como condição prévia da ação e como base para o poder encontra na peculiaridade da vida plural sem assentamento seu alicerce. Esse alicerce da aparência se sustenta na emergência do discurso e da ação. Mantém-se apenas na reunião plural de pessoas que deliberam juntas. O poder é ação em concerto no âmbito do espaço de aparência, sempre iluminado pela presença do outro. Assim:

Onde quer que as pessoas se reúnam, esse espaço existe potencialmente, mas só potencialmente, não necessariamente nem para sempre. (...) o poder não pode ser armazenado e mantido em reserva para casos de emergência, como instrumentos da violência, mas só existe em sua efetivação. Se não é efetivado perde-se (...). O poder só é efetivado onde a palavra e o ato não se divorciam, onde as palavras não são vazias e os atos não são brutais, onde as palavras não são empregadas para velar intenções, mas desvelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para estabelecer relações e criar novas realidades. (ARENDT, 2014, p. 247-248).

Nesse sentido, diz Arendt (2014, p. 248) que ―é o próprio poder que mantém a existência do domínio público‖. Desse modo, a vida comum e qualquer forma de relação que pense se pautar pelo poder deve considerar essa estrutura. Para Arendt, não há poder fora do domínio público. Qualquer que seja a concepção que se encaminhe nessa direção, encontrará a tirania, a ditadura ou o totalitarismo, mas nunca o poder, uma vez que este destoa daqueles, que se pautam por violência e personificação da força. O poder nunca está centrado em um só. ―O poder sendo ação em concerto‖ (ARENDT, 1994b, p. 36) nunca está centrado em único indivíduo143. Ninguém é dono do poder. O pária não quer se apropriar do poder, mas exerce

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Guardadas as devidas proporções, encontramos na teoria de Claude Lefort uma consonância com esse aspecto, quando o pensador, ao tratar das democracias, afirma que ―o poder é lugar do vazio‖ (LEFORT, 2007, p. 991). Para o referido autor, entre outros aspectos, essa configuração abre espaço para uma concepção de poder deliberativo nas democracias, na qual o falar e o agir emergem. Explicita isso a compreensão de Schevisbiski (2017, p. 13-14) ―Na democracia, a disjunção tem o efeito de permitir um debate, uma contestação fixada em ideias sobre o que é legítimo, ilegítimo, bom, mau, de tal forma que se abre uma via para que a lei se constitua pelo jogo do debate, da enunciação dos direitos e que o poder seja sempre reenviado a ele. Com a democracia, nasce, então, o ―espaço público‖, a liberação da palavra onde há a abertura do campo do dizível e do

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publicamente a faculdade do poder ao agir e inovar em conjunto. Dessa forma, para nossa autora ―o poder é sempre, como diríamos hoje, um potencial de poder‖ (ARENDT, 2014, p. 248).

Ao estabelecer sua noção de poder na direção de uma ação em concerto e calcar esta na deliberação, logo percebemos em Arendt que sua compreensão de poder irá conduzi-la à perspectiva de um espaço público, mas não de modo arbitrário, nem de qualquer modo, mas onde um elemento – o poder – se liga ao outro elemento – o espaço público – como formas de comunicação e efetivação da política. De tal forma que ―a sua definição de poder produz efeitos importantes sobre o seu entendimento do que deve ser o espaço público e a participação política que o anima‖. (PERISSINOTTO, 2004, p. 115).

Assim, ao falar de poder em Arendt precisamos levar em contar suas motivações. E essas se localizam na análise que a autora faz dos regimes totalitários e da crítica à tradição. Portanto, não teremos em Arendt uma noção de poder como fruto de pura especulação teórica, pois não foi atrás de um birô que ela chegou a sua concepção de poder, mas a partir dos eventos que assolaram a humanidade e que de alguma forma a atingiram como pessoa circunscrita histórica e culturalmente. Desse modo, é um esforço compreender o mundo e os eventos que eclodiram em seu tempo histórico. Assim: ―a reflexão sobre o poder, nessa trilha, só faz sentido no interior da sua tentativa de compreender e de encontrar os fios dos acontecimentos que não permitem mais o trançado da tradição.‖ (AGUIAR, 2011, p. 116). O que está em questão são fraturas das instituições que permitiram a emergência de tais eventos.

Considerando esse pano de fundo no qual o poder, em Arendt, não se encontra deslocado dos acontecimentos que colocam o tema na ordem do dia, depreendemos que a autora caminha na contramão do entendimento da tradição. A tradição definiu poder, no geral, como instância que mantém estreita relação com a violência, ou como expressão desta144. Para Arendt, a violência jamais poderia ser base do poder ou com este ter alguma identificação. Para a pensadora, sendo o poder uma capacidade de agir e, sobretudo, de agir em concerto, o mesmo se molda nas formas da lexis e da práxis, tendo estas faculdades do agir e do falar inscritas em sua constituição. Ou seja, o poder é sempre discursivo, deliberativo. Em

pensável, o qual apenas pôde se constituir porque a sociedade democrática não detém um saber total sobre si mesma.‖

144 No segundo capítulo de sobre a Violência (1969), Arendt realiza uma análise do poder a partir das teorias de

Max Weber, W. Mills, Fanol, d‘Entrèves, Jouvenel e outros. Em todos estes o poder aparece como violência ou expressão desta. Arendt, em sua análise crítica, entra em desacordo com todas por entender que onde se tem violência pode-se ter tudo menos poder.

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contrapartida, a violência é muda e emudece. Assim:

Pois, evidentemente, o poder pode ser destruído pela violência; é o que acontece nas tiranias, em que a violência de um destrói o poder de muitos, e assim, segundo Montesquieu, são destruídas por dentro: elas perecem porque geram impotência em vez de poder. (ARENDT, 2011, p. 200).

A violência é instrumental e tem fim externo a ela. Nas palavras de Arendt (ARENDT, 1994b, p. 40-41). ―A violência por natureza é instrumental; como todos os meios ela sempre depende da orientação e da justificação pelo fim que almeja. E aquilo que necessita de justificação por outra coisa não pode ser a essência de nada‖. Nega justamente aquilo que é do poder a essência. Na direção contrária à violência, esclarece Arendt, o poder tem fim em si mesmo.

Desta forma, o poder não tem vinculação com a violência. Arendt, portanto, distancia- se da tradição e realiza uma crítica desta, ao propor uma nova compreensão de poder. Poder em Arendt se afasta do aparelhamento de Estado como pensou Weber, que tomou ―o poder, como os meios legítimos do uso da violência‖ (ARENDT, 1994b, p. 31). Na contramão disso, depreendemos que ―em Arendt, poder relaciona-se à dimensão de legitimidade, autoridade, significação, potência e constituição política‖. Para ela, o importante era a qualidade da organização da vida comum e não a mera eficácia dos aparelhos estatais. (AGUIAR, 2011, p. 121).

Desse modo, para a autora, ―o único fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens. Estes só retêm o poder quando vivem tão próximos uns aos outros que as potencialidades da ação estão sempre presentes.‖ (ARENDT, 2014, p. 249). Nesta direção, toda compreensão de poder que se vê isolada do mundo, das pessoas e da teia de relações não encontra legitimidade. A legitimidade do poder reside na deliberação em comum, dos pares da comunidade. Assim, o assento da legitimidade se fundamenta no debate e no consenso, a partir de um dissenso. Não se trata, pois, de acordo pleno, mas de uma mitigação do acordo. Em outras palavras, a legitimidade do poder se encontra no espaço de deliberação, que perenemente se encontra aberto para uso. Nesse sentido, nenhuma determinação é eterna ou absoluta, mas fruto de uma deliberação que a legitima. Todavia, logo ela pareça caducar, pode ser alterada, desde que pela forma da ação em concerto e deliberativa.

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O agir pária é a expressão do poder em Arendt. Afirmamos isto por compreendermos que o agir pária só se manifesta na confluência da comunidade com os interesses públicos. Desse modo, a ação é sempre de convivência dos homens, está sempre pautada na pluralidade. Nessa direção, o agir pária responde bem as demandas do poder, como ação em concerto. Arendt assevera que ―o poder tem um espantoso grau de independência de fatores materiais, sejam estes números ou meios‖ (ARENDT, 2014, p. 248). Portanto, o poder não está assentado em armas, nem no quantitativo de exércitos, mas na ação em conjunto. Contudo, há um fator que caracteriza o modo pária de agir, qual seja: ―o único fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens‖ (ARENDT, 2014, p. 249).

Nesta direção, podemos depreender que o agir pária é potencialmente um agir capaz de fundação de corpos políticos. O ato da fundação genuinamente está assentado nessa reunião de pessoas em prol do bem público e da instituição de poder. Nesta trilha, o poder como convívio comum estabelecido enquadra-se perfeitamente no ato fundador.

Outro aspecto importante que queremos destacar sobre o modo pária de agir é seu aspecto agonístico. Arendt concebeu ação na direção contrária à violência. Todavia, nunca negou a disputa de espaço e o conflito. Não cabe aqui o uso da violência, como situação negadora da existência do outro ou do direito de manifestar-se no espaço público. Contudo, Arendt, de certa forma, privilegiou o conflito. Assim, tomou o espaço público como figuração daquilo que foi o campo de batalha do homem antigo. Todavia, as armas não são mais a espada ou a lança, letais para a vida. As armas agora, à disposição, são a lexis e práxis. Assim, neste contexto também agônico, o conflito é inevitável, as disputas por validade de opiniões são legítimas e emergem no interior do espaço público. Destacamos que, nesta lógica, as opiniões mesmo contrárias são legitimas e necessárias e, melhor, fundamentam o modo pária de agir. Ressalvamos apenas aquelas opiniões que negam o próprio espaço público e sua expressão agônica e plural.

Passada a experiência dos regimes totalitários de esquerda e de direita, aprendemos que quanto mais plural o espaço público melhor, uma vez que a opinião divergente, como uma companhia esclarecedora nos alarga a consciência, imputa-nos um colocar-se na posição do outro. Em última instância, o plural implica um exercício de empatia e compreensão do outro. Contudo, não se deve abrir espaço para a posição que, pretensamente plural, não almeja outra coisa a não ser destruir a pluralidade e o espaço público de opiniões. Assim, nossa ressalva para os tempos hodiernos recai justamente nessa perspectiva, em que há o perigo de posicionamentos que estão gestados de autoritarismo e concentração do poder.

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Nesta direção, asseveramos que o modo pária de agir se inscreve na lógica do plural e assentado no espaço público acolhe a diversidade, todavia o diverso que negue a diversidade não deve ser acolhido, sob pena de destruição do espaço público. Para Arendt, ―a política baseia-se na pluralidade dos homens‖ (ARENDT, 2002, p. 21). Portanto, ela mobiliza o convívio dos diferentes, não de iguais.

Entendemos que posturas fascistas, que emergem no seio da democracia, fazendo uso do espaço plural para difundir suas posições [opiniões], já nesta difusão anunciam o fim da pluralidade, defendendo a existência de um só discurso, de um só modo de pensar, de uma só representação étnica ou moral, trazendo em si um ―germe‖ que precisa ser barrado pela própria pluralidade como forma de resistir e de se proteger do mal. Esse mal, uma vez já instaurado na humanidade e que potencialmente se faz presente, querendo voltar às instâncias de poder, por meio da democracia, embora, como antes, já anuncie que uma vez no poder com esta findará, em nosso entendimento não pode ser acolhido como pluralidade, pois se disfarça desta para eliminá-la.

A esse perigo, ou a esse risco, resta a resistência agônica. É preciso denunciar, combater via lexis e práxis para manter o espaço público vivo. Resistir, com palavras, atos e exemplos. Duarte (2010) nos instrui sobre isto, com a exemplaridade subversiva. Esta exemplaridade está pautada na resistência, assim:

A ação, tanto quanto o pensamento e o juízo ético-político não metafísicos, recusa-se a imitar modelos normativos do passado e procura reinventar a coisa política em seu aspecto radicalmente democrático, disseminando-se em movimentos sociais, minoritários e de resistência, os quais buscam repolitizar a cidadania, o espaço público e o próprio exercício do pensamento e do juízo autônomos na contramão da experiência cotidiana da espetacularização da política. (DUARTE, 2010. p. 438).

O modo pária de agir, nesse sentido, assume para si essa exemplaridade subversiva que não se dobra ao mundo normatizado, padronizado e concentracionista. O agir pária fia-se na resistência por ocupação do espaço público, através do exemplo que incomodamente faz frente ao horror que visa o fim da pluralidade. Assim, o modo pária de agir, ao assumir a exemplaridade subversiva como método de resistência, coloca-se no espaço agônico da política para a essa garantir sua permanência. Deste modo:

A exemplaridade subversiva é aqui concebida como modo de ser no mundo contrapondo à indiferença complacente, manifesta na interação de comportamentos e opiniões padronizados e previsíveis. Se, na modernidade

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tardia, ―ao invés da ação, a sociedade espera de cada um de seus membros certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas elas tendentes a ‗normalizar‘ os seus membros, a fazê-los ‗comportarem-se‘, a abolir a ação espontânea ou a reação inusitada‖, então a exemplaridade subversiva se manifesta no mundo contemporâneo por meio de ações, juízos e pensamentos que instauram novas relações entre os homens‖ (DUARTE, 2010, p. 438).

Nesta direção, a resistência emerge como um compromisso da política, bem ao estilo arendtiano do ―prometer e se obrigar‖ (ARENDT, 2011, p. 226), para assim poder se preservar e dar permanência aos corpos políticos estabelecidos. ―Arendt estava consciente de que a exemplaridade subversiva também se manifesta nos silêncios ponderados e na recusa discreta dos cidadãos anônimos em obedecer áquilo que o governo ou a sociedade deles espera e que, entretanto, lhes parece injusto, aviltante ou incorreto‖. (DUARTE, 2010, p. 439). Nesta direção, o modo pária de agir é também sempre um modo de resistência ao mal, que milagrosamente habita o mundo.

Arendt, ao nosso entendimento, chama atenção para a capacidade humana de realizar milagres. Para nós, essa assertiva da autora nos remete, ao contrário do que a primeira impressão possa nos levar, a uma dimensão - humana demasiada humana -, ou seja, Arendt fala da capacidade dos homens e mulheres de realizar o extraordinário, no contexto dos assuntos humanos, pelo magnífico poder de agir. Dito de outro modo, realiza milagres ―pela aptidão de agir‖ (ARENDT, 2002, p. 43). Em último caso, o milagre aqui expressa o extraordinário que uma vez pertencendo ao âmbito humano é efetivado, apesar de toda a sua complexidade. Nada mais complexo do que a vida plural, do que o encontro das doxas no seio dos negócios humanos. Do convívio com o diferente emerge o milagre da felicidade pública, como um modo pária de viver, no qual o meu interesse é suplantado pelo interesse público, quando tratamos das coisas públicas.

O milagre do agir nos conduz à liberdade. Não poderia ser diferente. Ora, aqueles que pensam a política como fim em si mesma, longe de qualquer instrumentalização ou produto externo a ela, só podem, em último caso, encontrar a liberdade como um milagre da própria expressão do agir. Arendt (2014, p. 255) ressalta que ―a ação e o discurso não buscam um fim (telos), mas este reside na própria atividade.‖ Ser livre e agir coincidem como expressões da política; por que não é a liberdade o alvo da política, mas sim ela mesma em movimento. Nesse sentido, o agir pária é sempre o miraculoso poder de iniciar algo, de criar o novo, de possibilitar a emergência do inesperado. ―O milagre da liberdade está contido nesse poder –

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começar que, por seu lado, está contido no fato de que cada homem é em si um novo começo‖. (ARENDT, 2002, p. 43).

Nesta direção, o poder como ação deliberada entre os homens funda e garante os espaços de liberdade. Desse modo, o poder como deliberação dos encontros, dos discursos e das ações emerge miraculosamente na teia de relações humanas. Assim, não há poder sem ação, não há ação sem poder, não há liberdade sem o milagre de agir.

Nesta perspectiva, ousamos metaforicamente indicar a confluência do movimento miraculoso da ―santíssima trindade‖: Ação, poder, liberdade. Na teologia, os estudiosos afirmam que a trindade expressa três pessoas e uma só natureza. Nesta direção, podemos dizer que o milagre da ação expressa três dimensões de uma só realidade, qual seja: a humana. Essa condição humana145 age e delibera e, por expressar-se assim, manifesta-se como liberdade. É porque agimos que podemos esperar e realizar milagres. Nas palavras de Arendt:

Portanto, se esperar milagres for um traço característico da falta de saída em que nosso mundo chegou, então esta expectativa não nos remete, de modo nenhum, para fora do âmbito político original. Se o sentido da política é a liberdade, isso significa que nesse espaço – em nenhum outro – temos de fato o direito de esperar milagres. Não porque fôssemos crentes em milagres, mas sim porque os homens, enquanto puderem agir, estão em condições de fazer o improvável e o incalculável e, saibam eles ou não, estão sempre fazendo. (ARENDT, 2002, p. 44).

É, portanto, a ação pária que revela o milagre da ação em conjunto, estabelece a fundação de mundo e a permanência deste como espaço público de convivência. A política em Arendt não pode ser entendida em outra direção que não seja esta; a do convívio humano comum. Todavia, gozando de uma fragilidade própria das coisas humanas, a vida comum pode desaparecer se a noção de poder que prevaleça se instaure na violência, no horror do expurgo da pluralidade ou na anulação do outro. Nessa perspectiva, o poder, como ação pária, tem um papel ímpar na teia dos negócios humanos, qual seja: possibilitar esta permanência. Para Arendt (2014, p. 252), ―O poder preserva o domínio público e o espaço da aparição e, como tal, é também a força vital do artifício humano.‖.

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O termo condição humana em Arendt apresenta-se como categoria heurística no contexto de sua obra. Expressa tanto um de seus livros como determina o fenômeno da existência política dos homens e mulheres que vivem em comunidades plurais. Nas palavras de Aguiar (2016, p. 39) ―Cuando Arendt menciona la condición humana se está refiriendo a las condiciones de la existencia humana, tales como la vida, la natalidad y mortalidad, la mundanidad, la pluralidad y el planeta Tierra, entendidas como una especie de lugar, un ambiente en el cual los seres humanos realizan sus actividades y se realizan a sí mismos. Según Arendt, La condición humana no explica ni condiciona lo que somos. Es decir, la condición humana es el campo en el cual los humanos deciden sobre sus destinos.”

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O poder funda e preserva os corpos políticos. O modo pária de agir é, nessa direção, uma marca da fundação via revolução, ―em termos arendtianos, em se tratando de revolução, estamos lidando com ação fundadora, da liberdade política‖ (OLIVEIRA, 2014, p. 46). Nessa direção, fundar um corpo político emerge como acontecimento ímpar, como evento destacável do agir que promove a liberdade, que organiza a vida em torno da pluralidade e garante o direito de se sonhar e de construir ―novas moradas‖ no mundo, enquanto novos e genuínos corpos políticos. O ato fundador se encontra instaurado no poder de agir em conjunto, de