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TÍTULO I Capítulo

5 0 CÓDIGO FLORESTAL

9. A AÇAO CIVIL PÚBLICA

A Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, veio disciplinar "a ação civil pública de responsabilidade por danos causadoá ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico". É o instrumento, por excelência, destinado a efetivar a tutela de cunho material já conferida pela Lei 6.938/81 ao meio ambiente - como também a outros bens, direitos e interesses sociais relevantes.

Antes de mais nada, é necessário ter-se em conta que o meio ambiente, de acordo com a Constituição da República, é mais do que uma matéria de interesse público. É um direito de todos os cidadãos e bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e indispensável à própria sobrevivência da espécie humana ! É, pois, um direito social fundamental, que haverá de subordinar quaisquer outros direitos, inclusive os respeitantes à propriedade privada ou estatal (40).

ÉDIS MILARÉ conceitua a Ação Civil Pública como o "direito expresso em lei de fazer atuar, na 40. é o que se depreende das acertadas palavras de BESSA ANTUNES, op. eit., p. 56-8.

esfera civil, em nome do interesse público, a função jurisdicional."

0 objeto da ação civil pública é sempre a tutela do interesse público, entendido aqui como aquele pertinente aos valores transcendentais de toda a sociedade, e a cuja categoria pertencem os chamados interesses gerais ou comuns (aqueles mais abrangentes, que se referem a todos, como os que se ligam, por exemplo, à proteção do patrimônio público e social), os interesses difusos (os comuns a um grupo indeterminado ou indeterminável de pessoas, como ocorre com os moradores de certa região, os consumidores de certo produto, etc), os interesses coletivos (os que atingem uma categoria determinada ou determinável de pessoas, como se verifica com os condôminos de um edifício de apartamentos, os empregados de uma fábrica, etc) (41) e os interesses individuais indisponíveis (os relacionados a direitos de natureza indispensável, como é o caso do direito da pessoa à vida, ou do direito do menor à sua propriedade).

A Lei nQ 7.347/85, de caráter processual, modernizou e provocou verdadeira revolução na ordem jurídica brasileira, pois rompeu com a barreira imposta pelo art. 6Q do Código de Processo Civil, que vedava a defesa de direito alheio em nome próprio, e legitimou - além do Ministério Público - também as pessoas jurídicas 41. Sobre a ação civil pública e o ambiente do trabalho, veja-se o artigo de JOSÉ LUIZ DIAS DE CAMPOS, Responsabilidade Civil e Criminal decorrente de Acidente do Trabalho na Constituição de 1988 in RT, (635):122-38.

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estatais, autárquicas e paraestatais, e as associações com um mínimo de representatividade (artigo 5Q) à propositura da açâo civil pública. 0 processo judicial deixou de ser visto como mero instrumento de defesa de interesses individuais, para servir de verdadeiro mecanismo de participação da sociedade civil na tutela de situações fático-jurídicas de diferente perfil, vale dizer, daqueles conflitos que envolvem os interesses difusos. (42)

Além dessa mudança de postura, por si só espetacular, a chamada lei da açâo civil pública (açâo civil pública já existia, mas a Lei n° 7.347/85 ficou assim consagrada) trouxe ainda várias outras inovações.

Uma das mais salutares é o inquérito civil de natureza administrativa, previsto no parágrafo 1Q do artigo 8Q, que na opinião autorizada de VOLTAIRE DE LIMA MORAES "propicia que o tradicional defensor da sociedade - o Ministério Público - sem intermediários, na condição de titular da açâo civil pública, colete as informações e documentos imprescindíveis para seu convencimento pré- processual. Impede-se, assim, que se burocratize, neste novo campo do direito, a investigação pré-processual, permitindo-se que o titular primeiro da açâo de tutela dos

interesses difusos, acima aludidos, examine diretamente o fato e apure seu autor. Ganha com isso a sociedade, que passa a ter segurança e certeza de que fatos perigosos e 42. Conforme MILARÉ, Édis. 0 Ministério Público e a Ação Ambiental in: Curadoria do Meio Ambiente - Cadernos Informativos, p. 33-6.

lesivos aos seus interesses, ao menos nessa área, em que pesem poderosas pressões contrárias, serâo apurados em toda extensão e efetivamente responsabilizados seus autores, na medida em que serâo investigados pelos membros do Ministério Público, que gozam de independência no exercício de suas funções" (43).

Em função disso e do manifesto interesse público de que se reveste, inconcebível qualquer transação - como a plea bargaining norte-americana - sobre o direito material objeto de discussão na açâo ambiental, já que

indisponível.

A açâo civil pública deverá ser proposta no foro do local onde ocorrer o dano (art. 2Q) e terá sempre natureza condenatória, pois objetiva uma condenação em dinheiro ou o cumprimento de uma obrigação de fazer ou de não fazer, a primeira cumulável com as demais (art. 3Q). Nestas duas últimas hipóteses, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva. Nâo havendo atendimento pelo faltoso, o juiz ordenará se proceda à execução específica ou poderá, discricionariamente, substituí-la pela imposição de multas diárias, ainda que nâo pedidas pelo autor (art. 11). É um sistema misto de penas pecuniárias e de astreintes - inédito no direito brasileiro, mas constante dos diplomas mais atualizados do direito comparado.

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As importâncias assim arrecadadas, provenientes das multas e condenações pecuniárias, reverterão a um Fundo gerido por um Conselho do qual necessariamente participarão o Ministério Público e rèpresentantes comunitários - e a utilização do dinheiro é afetada a uma finalidade social específica: a reconstituição dos bens lesados (art. 13).

Nem poderia ser diferente, já que a lesão ao meio ambiente - que é patrimônio público - a todos prejudica, e seria impossível repartir eventual indenização por todos os lesados. Inconcebível, também, se destinasse os valores ao Estado, que é sempre indiretamente responsável pelo dano, quando não seu direto causador. 0 Fundo para Reconstituição de Bens Lesados foi regulamentado pelo Decreto nQ 92.302, de 16 de janeiro de 1986 - e não se confunde com o Fundo Nacional de Meio Ambiente criado pela Lei n Q 7.797, de 10 de julho de 1989, mas BESSA ANTUNES informa que o fundo de reconstrução foi extinto pelo chamado Plano Brasil Novo... (44)

É de cogitar-se, notadamente no caso de ação cautelar que tenha por escopo evitar o dano ao meio ambiente (art. 4° da Lei nQ 7.347/85), que a condenação em dinheiro reverta em favor da Associação proponente - o que servirá para o custeio das despesas e como estímulo para a propositura de novas ações de proteção ambiental.

A lei ainda estabelece que a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público constitui crime punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa (art. 10), e determina que Juizes e Tribunais remetam peças ao Ministério Público, quando sabedores de fatos capazes de alicerçar a ação civil pública (art. 7°). Os cidadãos podem e os servidores públicos devem provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fSTtos que constituam objeto da ação civil (aft. 6Q).

• A ãèntença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova (art. 16). MILARÉ aduz que a ação civil pública é imprescritível, visto cuidar de direito fundamental e indisponível do ser humano ^ (45).

Cabe aqui uma homenagem ao MINISTÉRIO PÚBLICO, mentor intelectual das leis de proteção ambiental da história recente do país. Com a vigência da lei da ação civil pública inaugurou-se uma nova era para a Instituição, a quem até então era atribuído oficiar em matéria penal, falimentar, de família, registros públicos, de menores,

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promover representações de inconstitucionalidade, opinar em mandados de segurança, entre suas funções mais relevantes no crime, no cível e no direito público. Em todas, embora presente o interesse público, evidenciava-se a marca de um direito voltado para o indivíduo: repressão ao criminoso, defesa de interesses pessoais, em si mesmos ou coincidentes com o interesse público tutelado.

Já agora o Ministério Público - a despeito de suas limitações materiais, notadamente nas pequenas comarcas - assume a defesa concreta de comunidades inteiras, ameaçadas ou lesadas, direta ou indiretamente, pelos danos ao meio ambiente, pelos danos à saúde causados pela poluição ou pela degradação dos bens de consumo, e defende ainda outros bens de valor cultural ou estético pertencentes à coletividade.

A importância social, jurídica e política da Instituição experimentou enorme crescimento, pois como advogado da sociedade o Ministério Público passou a defender os direitos civis fundamentais do povo, como paladino e intérprete de vanguarda dos mais legítimos

reclamos contra as agressões do egoísmo e do individualismo. No seguimento, indispensável o exame mais demorado da responsabilidade penal dos poluidores.

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