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TÍTULO I Capítulo

5 0 CÓDIGO FLORESTAL

8. A RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil pressupõe prejuízo a terceiro, ensejando pedido de reparação do dano, consistente numa importância em dinheiro ou na recomposição do statu quo ante - e independe da criminal e da administrativa. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente consagra como um de seus objetivos a "imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados" (art. 4Q, VII, da Lei 6.938/81).

JÚNIOR (31) ,. o combate à poluição iniciou por uma tutela meramente civilística, quer quando o bem danificado fosse objeto de um direito patrimonial alheio - é o caso das águas como quando constituísse res nullius, como é por excelência o ar. Assim, a poluição da água por parte do proprietário do lote morro acima era qualificada como ofensiva de um direito do proprietário do fundo do vale.

As normas que primeiro emprestaram tutela às águas, como se viu no Capítulo anterior (Código

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Civil e Código de Aguas), constituíam garantia de interesses privados ou públicos particulares, no contexto de uma aotio finium regundorum entre vizinhos hostis e zelosos de seus direitos, prontos a reagirem contra qualquer turbação de seus limites. 0 ilícito fundamentava-se, pois, no dano produzido pelo indivíduo ao indivíduo.

A açâo de reparação de danos causados ao meio ambiente, no sistema do Código Civil, necessitava de iniciativa do próprio ofendido, que demandava apoiado no artigo 159, em caso de ato ilícito comum, ou no artigo 554, em caso de conflitos de vizinhança (32), sendo concedida ao proprietário ou inquilino ação cominatória para impedir o

31. Direito Penal Ecológico, p. 16-7.

32. Artigo 159: "Aquele que, por açâo ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código (...)" - Artigo 554: "0 proprietário, ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam."

mau uso da propriedade vizinha.

Na responsabilidade civil, a regra geral vigorante é a de que o dever ressarcitório pela prática de atos ilícitos decorre da culpa, isto é, da reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente. 0 comportamento do agente será reprovado ou censurado quando, ante as circunstâncias concretas do caso, se entenda que ele poderia ou deveria ter agido de modo diferente. 0 ato ilícito, portanto, qualifica-se pela culpa. Nâo havendo culpa, nâo haverá, em regra, qualquer responsabilidade. (33)

Como consigna ÉDIS MILARÉ, num tal sistema a irresponsabilidade é a norma, a responsabilidade a exceção, porque o particular ofendido normalmente nâo se apresenta em condições de assumir e desenvolver açâo eficaz contra o agressor, normalmente poderosos grupos econômicos, quando nâo o próprio Estado. Ademais, o dano causado a cada

indivíduo comuraente será pequeno, dificilmente apreciável ou determinável. 0 particular, assim, fatalmente sentir-se-á desestimulado a recorrer ao Judiciário, nâo só em face da dificuldade de sustentar uma demanda nem sempre rápida e barata, onde a prova pericial é quase sempre imprescindível, como pelos riscos de uma possível sucumbência.

A esses percalços some-se a necessidade de se provar a culpa do agente, nem sempre fácil, principalmente pelo fato de o poluidor pretender sua

33. Conforme DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil. p. 36.

irresponsabilidade pelos danos por estar exercendo atividade licenciada pelo Poder Público, ou pelas dificuldades técnicas e financeiras para evitar a emissão poluente.(34)

Essa realidade alterou-se profundamente com a edição da Lei nQ 6.938/81 que, para minorar as dificuldades do indivíduo isolado, conferiu ao Ministério Público da Uniâo e dos Estados legitimidade para propor açâo de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente (parágrafo 1Q do artigo 14). Mais: estabeleceu a responsabilidade objetiva do poluidor, isto é, a responsabilidade passou a ser independente da existência de culpa, baseando-se na idéia de que a pessoa que cria o risco deve reparar os danos advindos de seu empreendimento.

A Lei n Q 6.453, de 17 de outubro de

1977, já havia estabelecido a responsabilidade objetiva para a hipótese de danos nucleares, o que foi reafirmado pela Constituição vigente (art. 21, XXIII, "c"). PONTES DE MIRANDA, aliás, já sustentava que "a pretensão à indenização que nasce de ofensa a direito de vizinhança é independente de culpa" (35).

Já agora o autor, para pleitear a reparação do dano, necessita apenas demonstrar o nexo causal entre a conduta do réu (inclusive a Administração Pública) e a lesâo ao meio ambiente. Sâo três, portanto, os

34. Tutela Jurídica do Meio Ambiente, p. 22.

pressupostos para que a responsabilidade emerja: a) açâo ou omissão do réu; b) evento danoso; c) relação de causalidade.

A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade existente desde o Direito Romano: aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. Assume o agente, assim, todos os riscos de sua atividade, pondo-se fim, em tese, à prática da socialização do prejuízo e privatização do lucro. (36)

Além da preseindibilidade da culpa, outra conseqüência da adoção da responsabilidade objetiva é a irrelevância da licitude da atividade - com o que não concorda HELY LOPES MEIRELLES, para quem se o fato foi praticado com licença da autoridade competente, o autor terá que provar a ilegalidade de sua expedição, já que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade.(37)

No entanto, mesmo que a atividade esteja devidamente autorizada, mesmo que as emissões estejam dentro dos padrões estabelecidos pelas normas de segurança, mesmo que todas as cautelas sejam tomadas para evitar o dano, se ele ocorreu em virtude da atividade do poluidor há o nexo causal que faz nascer o dever de indenizar.

A terceira conseqüência da adoção do sistema de responsabilidade objetiva é a irrelevância do 36. Veja-se excelente artigo de CARLOS ALBERTO BITTAR, Responsabilidade Civil nas Atividades Perigosas, in RT, (590):25-35.

caso fortuito ou da força maior como causas excludentes da responsabilidade. A força maior prende-se a fato da Natureza, superior às forças humanas (rompimento de barragem em razâo de chuvas acentuadas), enquanto o caso fortuito diz respeito a obra do acaso (quebra de peça de uma turbina ou explosão de um reator). É que pela teoria do risco integral a indenização é devida independentemente da análise da subjetividade do agente e, sobretudo, pelo só fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo.

Como acentua NÉLSON NERY JÚNIOR, o poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, como se isto fosse um começo da socialização do risco e do prejuízo. Nâo só a população deve pagar o alto preço pela chegada do progresso. 0 poluidor também tem a sua parcela de sacrifício, que é justamente a submissão à teoria do risco integral, subsistindo o dever de indenizar ainda quando o dano seja oriundo de caso fortuito ou força maior. Ê o poluidor assumindo todo o risco que sua atividade acarreta: o simples fato de existir a atividade, somado à existência do nexo causal entre essa atividade e o dano, acarreta o dever de indenizar. (38)

Importante registrar-se que a Administração Pública poderá sempre figurar no pólo passivo de qualquer demanda dirigida à reparação do meio ambiente: 38. Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública, p. 173-4.

se nâo for responsável por ter ocasionado diretamente o dano, por intermédio de um de seus agentes (o Poder Público exerce algumas atividades iguais às dos particulares - siderurgia, petroquímica...), o será ao menos solidariamente, por omissão de um dever que é só seu, de fiscalizar e impedir que tais danos aconteçam. (39)

Para a preservação e proteção do meio ambiente, na esfera judicial, armou o legislador o Ministério Público da titularidade da ação penal pública e da ação civil pública, tidas como funções intitucionais suas (art. 3Q, II e III, da Lei Complementar nQ 40/81), já agora constitucionalmente consagradas (art. 129, I e III, da Constituição da República). 0 único reparo que se pode fazer à Lei nQ 6.938/81, em termos de defesa judicial do meio ambiente, segundo todos os autores consultados, é o de concentrar a titularidade da ação exclusivamente nas mãos do Ministério Público - quando matéria de tamanha magnitude requer um alargamento de atribuições.

A chamada lei da Ação Civil Pública, entretanto, veio atender aos apelos e estendeu a titularidade ativa dos interesses nâo individuais a outras entidades públicas e particulares, entre as quais as associações que tenham um mínimo de representatividade, como

39. Conforme CAMARGO FERRAZ, Antônio Augusto Mello de et alli. A Ação Civil Pública e a Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos, p. 76 ; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 197-8 e SABELLA, Walter Paulo. A omissão administrativa como causa de conflituosidade social, p. 25.

adiante se verá.