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CAPÍTULO 1 – PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA: O

1.2 A abordagem do ciclo de políticas: ferramenta em investigação sobre as políticas

O referencial teórico-analítico do ciclo de políticas formulado por Ball provocou muitos debates e críticas no campo da análise de políticas educacionais. Dentre as principais críticas apresentadas à abordagem do ciclo de políticas, destacam-se: a) a ausência de uma teoria de Estado mais aprofundada. b) a ausência de teorização sobre desigualdades de gênero (crítica de perspectivas feministas) e raça. c) a relevância dada à pesquisa do microcontexto é julgada desnecessária na concepção de alguns teóricos (principalmente algumas vertentes do marxismo); d) a articulação do tema de pesquisa com o sistema social mais amplo é inerente ao processo de pesquisa (especialmente, no materialismo histórico e dialético). e) nos trabalhos de Ball, percebe-se que há uma preocupação com a igualdade e a justiça social. No entanto não há um esclarecimento de como uma sociedade justa e igualitária poderia ser construída, bem como não deixa claro o seu posicionamento a respeito do sistema capitalista e determinações sistêmicas da ordem existente. Apesar de os estudos de Ball explicitarem a reprodução de desigualdades de classe e o impacto das políticas sobre grupos sociais desprivilegiados, eles se parecem mais alinhadas ao discurso reformista (de mudanças graduais, pequenas receitas) do que a um processo de reestruturação radical (ruptura com a lógica do capital) (MAINARDES, 2014).

Muitas das críticas apresentadas são pertinentes e devem ser levadas em conta por todo pesquisador que optar em utilizar a abordagem do ciclo de políticas como uma ferramenta em investigação sobre as políticas educacionais, como é o caso da presente investigação. Ou seja, apesar de tais críticas, a abordagem do ciclo de políticas pode oferecer instrumentos e ferramentas importantes para uma análise crítica da trajetória de políticas e programas educacionais. Corroborando Mainardes (2006), vale assinalar que uma das vantagens dessa abordagem assenta-se, sobretudo, em sua “flexibilidade”, podendo ser adotada como uma proposta de natureza aberta e como um instrumento heurístico. Ou seja, pesquisadores podem tomar tal abordagem como uma ferramenta metodológica, manejada à luz de seu referencial epistemológico.

É nessa perspectiva que se recorreu à abordagem do ciclo de políticas, considerando a abordagem dialética assumida, mas agregando contribuições de autores como Ball, que não necessariamente estejam “classificados” de forma ortodoxa ao materialismo histórico dialético, mas que partem de perspectivas críticas e que também desenvolvem críticas

ferrenhas ao capitalismo contemporâneo. Em suma, a abordagem do ciclo de políticas é utilizada como uma chave de análise para a compreensão da política do PDE/PMCTE, com base nas contribuições de Ball que convertem no sentido de desvelar os mecanismos de autovalorização do capitalismo contemporâneo no contexto da relação público-privada e da reconfiguração do Estado no tempo presente. E essa apropriação da abordagem do ciclo de políticas não tem a intenção de opor-se aos princípios do referencial do materialismo histórico dialético, mas vem no sentido de agregar outras contribuições contemporâneas.

Nessa óptica, a abordagem do ciclo de políticas traz importantes contribuições, observando que muitos estudos têm analisado as políticas isolando-as e desconsiderando suas relações com outras políticas e outros contextos. Dessa forma, acredita-se que essa metodologia, utilizada em pesquisas em políticas educacionais, considera esta questão e busca estabelecer relações entre o objeto de estudo e o contexto em que está inserido.

A abordagem do ciclo de políticas propõe um ciclo contínuo, constituído por três contextos principais: o contexto de influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Tais contextos encontram-se inter-relacionados, e não devem ser apreendidos numa perspectiva temporal, sequencial e linear. Além disso, cada um desses contextos constitui-se em uma arena que envolve disputas e embates (MAINARDES, 2006).

Figura 2 – Contextos do processo de formulação de uma política

Fonte: Mainardes, 2006, p. 51.

O contexto de influência refere-se ao contexto onde as políticas públicas são formuladas e os discursos políticos são construídos, encontrando-se presentes grupos de interesse em disputa na tentativa de influenciar a definição de finalidades sociais de uma política. Nesse cenário, encontram-se atuantes as redes sociais dentro, e em torno, de partidos

políticos, do governo e de outros atores sociais, que interferem no processo de legitimação de conceitos que constituem um discurso de base para a política (MAINARDES, 2006).

De acordo com Mainardes (2006, p. 51), “[...] os trabalhos mais recentes de Ball contribuem para uma análise mais densa das influências globais e internacionais no processo de formulação de políticas nacionais”. Essas influências internacionais são analisadas sob dois aspectos. O primeiro trata do fluxo de ideias produzido pelas redes políticas e sociais que tem como desdobramento um processo de circulação internacional de ideias e um processo de “empréstimo de políticas”, abrindo um nicho propício em que “[...] grupos e indivíduos [...] „vendem‟ suas soluções no mercado político e acadêmico por meio de periódicos, livros, conferências” (idem, p. 52). O segundo ponto de vista em que deve ser analisada essa influência internacional refere-se “[...] ao patrocínio e, em alguns aspectos, à imposição de algumas „soluções‟ oferecidas e recomendadas por agências multilaterais” (ibidem), como o Banco Mundial, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a UNESCO e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que podem ser considerados agências que exercem influência sobre o processo de produção de políticas nacionais. No entanto, é oportuno destacar que essas influências passam por um processo de recontextualização e reinterpretação em cada Estado-nação, em cada circunscrição local, numa interação dialética entre global e local. Ou seja, esse processo de influências globais e internacionais não se dá como uma simples transposição e transferência, mas envolvem um movimento de recontextualização no âmbito dos contextos nacionais específicos (BALL, 1998a e 2001 apud MAINARDES, 2006).

O contexto da produção do texto político são os textos políticos que representam a política, sendo que tais representações podem assumir diferentes formas: textos legais oficiais e textos políticos, comentários formais ou informais sobre os textos oficiais, pronunciamentos oficiais, dentre outros. Esses textos podem não apresentar, necessariamente, coerência e clareza, podendo ser, não raro, contraditórios, uma vez que “[...] os textos políticos são o resultado de disputas e acordos, pois os grupos que atuam dentro dos diferentes lugares da produção de textos competem para controlar as representações da política (BOWE et al., 1992 apud MAINARDES, 2006, p. 52). Dessa forma, as políticas são intervenções textuais, mas expõem limitações materiais e possibilidades, e as respostas a esses textos trazem consequências reais vivenciadas no contexto da prática, terceiro contexto do ciclo de políticas. O contexto da prática refere-se ao momento em que a política está sujeita à interpretação e recriação, produzindo efeitos que podem sinalizar mudanças e transformações

na política original. De acordo com Bowe et al. (1992 apud MAINARDES, 2006, p. 53), as políticas não são simplesmente “implementadas” no contexto da prática, mas estão sujeitas à interpretação e passíveis de ser “recriadas”. Com isso, o contexto da prática é visto pelos autores como a “razão de ser” da política, e é nessa arena, no momento da implementação, que as idealizações serão testadas, sendo a interpretação um ponto de disputas. Em suma, não se pode negar que existe a influência dos discursos, no entanto as práticas poderão ser diferentes e afastar-se dos discursos postos nos textos oficiais (BOWE; BALL; GOLD, 1992, p. 20-23 apud MAINARDES, 2006).

Considerando a abordagem do ciclo de políticas, essa pesquisa buscou analisar os diferentes contextos da política do PDE/PMCTE:

a) Contexto de influência

A análise do contexto de influência demandou investigar as redes de políticas presentes no contexto do governo Lula, procurando mapear os fatores políticos, os eventos e os agentes atuantes presentes no momento que antecedeu o PDE/PMCTE e que interferiram no processo de legitimação de conceitos, pressupostos e discursos que serviram de base para a sustentação da política em questão.

Essa análise foi realizada por meio de estudos bibliográficos de autores que realizaram pesquisas sobre o governo Lula (DINIZ, 2005; MARQUES; MENDES, 2006; SILVA, L. 2008; SADER, 2009; LEHER, 2010); sobre o Movimento Todos pela Educação, forte interlocutor do governo no contexto da pesquisa (SHIROMA; EVANGELISTA, 2008; MARTINS, 2008; 2009; NEVES; MARTINS, 2010; SHIROMA, 2012; MARTINS, 2013); sobre a atuação de organismos internacionais (LAVALLE; CASTELLO; BICHIR, 2006; SHIROMA; EVANGELISTA, 2008; FONSECA, 1998; 2003; 2004; 2008; 2009) e a discussão das relações entre o Estado e organizações do chamado Terceiro Setor, alimentadas pela influência dos pressupostos do chamado neoliberalismo de Terceira Via (GIDDENS; 1996; 1999; 2001; MONTAÑO, 2010), dentre outros. Estudos que trouxeram elementos relevantes para desvelar esse contexto de influência da política PDE/PMCTE.

Além de estudos bibliográficos, essa análise foi desenvolvida por meio da investigação documental, examinando documentos que trouxeram conceitos e princípios que influenciaram na sustentação da política em questão, como os documentos do TPE (2006a; 2006b; 2007; 2012; 2013) e do Banco Mundial (WORLD BANK, 2006), dentre outros.

b) Contexto de produção do texto

O contexto da produção remeteu à análise de textos que, diretamente, se encontram relacionados à política PDE/PMCTE: Manual Como elaborar o Plano de Desenvolvimento da Escola: aumentando o desempenho da escola por meio do planejamento eficaz (publicado em 2006); Livro Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas, (publicado em 2007); Decreto n. 6.094 de 24 abril de 2007, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromissos Todos pela educação; Portaria Normativa n. 27, que institui o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE – Escola; Livreto Compromisso Todos pela Educação: passo a passo (publicado em 2007); Cartilha Plano de Ações Articuladas - PAR 2011-2014 - Guia Prático de Ações para Municípios (publicada em 2011); Manual PDE Interativo, (publicado em 2012); Documento Aprova Brasil – o direito de aprender: boas práticas em escolas públicas avaliadas pela Prova Brasil (publicado em 2007).

c) Contexto da prática

A análise do contexto da prática envolveu a pesquisa de campo em um município mineiro, no interior da Secretaria Municipal de Educação e na realidade de quatro escolas municipais, mediante os seguintes procedimentos: análise do Plano de Ações Articuladas do município em questão; análise dos PDE-Escolas das escolas participantes da pesquisa; entrevistas com profissionais da educação envolvidos diretamente com o PAR e com o PDE- Escola (secretário municipal de educação, técnico da SME, diretores e professores).